Perspectiva sobre a história das emoções. O casamento de D. Leonor de Portugal com o imperador Frederico III (1452)

May 24, 2017 | Autor: A. R. de Almeida | Categoria: Gender Studies, Medieval History, Women's History, Gender History, Portuguese History, History Of Emotions
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Perspetiva sobre a história das emoções. O casamento de D. Leonor de Portugal com o imperador Frederico III (1452)

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Adriana R. de Almeida

história das emoções é ainda um terreno pouco explorado entre nós. Mesmo no contexto internacional, só começou a desenvolver-se nas últimas décadas do século xx, com grande atraso face ao interesse que o tema despertou noutras áreas do saber, como as neurociências, a filosofia, a psicologia ou a antropologia1. Apesar do trabalho desenvolvido desde então, que tem mostrado particular vigor nos últimos anos, a pretensão de compreender as formas de sentir de homens e de mulheres de outros tempos ainda espanta, ou mesmo choca, muita gente. É, efetivamente, um campo de análise muito delicado e que carece de especiais cuidados. Este artigo procura apresentar sumariamente desafios, problemas e potenciais vantagens desta abordagem, aplicando-a depois a um estudo de caso de meados do século xv. A dificuldade de trabalhar a partir desta perspetiva começa pela complexidade de sentidos que encerra o termo «emoção». Na fala comum, não parece apresentar grande ambiguidade, mas, no discurso científico, o mesmo não se passa, uma vez que cada disciplina tende a salientar aspetos ou interpretações diferentes dessa capacidade humana. De tal forma assim é, que, em 1981, Paul e Anne Kleinginna sentiram necessidade de encontrar uma defini253

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ção consensual, para o que coletaram e analisaram noventa e duas propostas de definição, em vários campos. Estas dividiam-se em onze tendências diferentes – privilegiando ora os estímulos externos e os mecanismos fisiológicos, ora os aspetos subjetivos de afeto e cognição –, que os investigadores procuraram, por fim, conciliar numa definição única, compreendendo a capacidade de as emoções suscitarem experiências afetivas, gerarem processos cognitivos emocionalmente relevantes, adequarem as reações fisiológicas aos estímulos e levarem a comportamentos tendencialmente expressivos, direcionados e adaptáveis2. No âmbito da história, os primeiros apelos ao estudo das emoções surgiram ainda na primeira metade do século xx, por nomes como os de Johan Huizinga e Lucien Febvre. O primeiro, escrevendo em 1919, entendia que na Idade Média as emoções eram vividas de forma intensa e espontânea, que qualificou como pueril. Febvre, lendo isto anos mais tarde, contrapôs que as emoções são sempre instáveis, violentas e insensatas e que algumas épocas souberam mantê-las sob controlo, conseguindo assim ser mais «razoáveis». Nesse sentido, defendia que cumpria ao historiador identificar esses períodos e perceber como o conseguiam, para que no seu tempo se pudessem aplicar os mesmos mecanismos e assim evitar dramas como o triunfo dos partidos fascistas. Em ambas as aceções, portanto, as emoções eram entendidas como opostas à razão, e a sua manifestação como pouco desejável, pelo menos na esfera pública. Alguns anos mais tarde, Norbert Elias desenvolveu a sua teoria sobre o «processo civilizacional» num entendimento semelhante, assente na «grande narrativa», de acordo com a qual, o controlo sobre as emoções viria gradualmente a ser conseguido com o desenvolvimento do Estado moderno e da sociedade de corte, como uma vitória da razão e um sinal de avanço civilizacional3. A defesa de uma história das emoções só foi retomada décadas mais tarde, ainda sob a influência do «processo civilizacional», através da proposta de Peter e Carol Stearns; nela, os autores ape254

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lavam, pelos meados dos anos de 1980, à necessidade de distinguir a noção do que designaram por emotionology da de emoção propriamente dita4. Emotionology corresponderia, segundo os autores, aos padrões emocionais coletivos de uma sociedade ou grupo, refletidos nas suas atitudes perante emoções básicas e a sua adequada forma de expressão, padrões esses que ao mesmo tempo refletem e condicionam os comportamentos5. Tal análise permitiria aos historiadores identificar as alterações e as continuidades dos padrões emocionais no panorama histórico e seria, de acordo com Stearns e Stearns, a mais comum entre os trabalhos sobre as emoções em sociedades passadas. A ela, contrapõem-se as experiências emocionais de indivíduos ou de grupos, de mais difícil acesso ao historiador, sobretudo para épocas mais recuadas6. Procuraram os autores com esta distinção salientar que cada época ou sociedade tem os seus parâmetros comportamentais específicos, bem como a sua forma de sentir e de expressar emoções; ao mesmo tempo, esta noção sensibiliza o historiador para os seus próprios valores emocionais, para que melhor possa evitar impô-los ao seu objeto de estudo7. Em matéria de fontes, os autores privilegiam documentos como tratados sobre emoções, manuais de boas maneiras, sermões e semelhantes textos prescritivos dirigidos à classe média, bem como outros, de natureza mais íntima, tais como diários e autobiografias. Entendendo que as elites não são representativas das sociedades, rejeitam considerar movimentos ou tradições oriundos destas, como seja a do amor cortês8. Entre outras limitações, tal seleção restringe o estudo aos últimos três ou quatro séculos, no caso da sociedade ocidental. Outro problema desta abordagem é o de assumir que há correspondência entre o que um grupo ou sociedade reflete e escreve sobre uma determinada expressão emocional e aquilo que efetivamente a generalidade dos indivíduos que a compõem sente e a forma como o expressa. Ainda antes de sair o artigo fundador desta corrente, começaram a tomar forma duas teorias que abalaram profundamente a 255

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perspetiva das emoções como reações biologicamente determinadas – e por isso comuns a todas as sociedades – que o «avanço civilizacional» ajudaria a domar. Primeiramente, na década de 1960, a psicologia cognitiva começou a considerar que as emoções e a razão não estavam em campos opostos, antes, atuavam complementarmente na perceção e avaliação do meio, que na essência se dividia em experiências agradáveis e dolorosas. A maior parte dos seguidores deste modelo admite que as emoções têm uma base biológica comum a todos os indivíduos, mas o modo como são suscitadas, sentidas e expressas depende de tendências individuais, bem como do contexto cultural dos sujeitos9. Na década seguinte, surgiu o construcionismo social, que entende que os indivíduos são produto da sua situação pessoal e sobretudo do ambiente social em que vivem, fatores que determinam a forma como cada um constrói a sua realidade. Para os seus defensores, é a sociedade que cria e molda as emoções e a maneira como são expressas, pelo que, cada cultura, cada grupo, tem os seus parâmetros emocionais. Assim, as teorias construcionistas afirmaram-se claramente contra as conceções tradicionais naturalistas das emoções, que as viam como processos biológicos e, portanto, comuns a todos os seres humanos, independentemente do tempo e da cultura em que vivessem. A estas contrapuseram um conceito de emoções como conjuntos complexos de sintomas condicionados por aspetos sociais, culturais e situacionais, que por sua vez refletem e reforçam valores culturais, e que incluem elementos cognitivos e elementos comportamentais, a par de experiências subjetivas e alterações fisiológicas10. Os «construcionistas» dividem-se em dois tipos: uma linha mais dura entende que as emoções são inteiramente construídas pelas sociedades; outra, mais moderada e mais popular, que estas apenas «sujeitam, modelam, encorajam ou desencorajam a expressão de diversas emoções»11, que, por sua vez, dependem da língua, das práticas culturais, das expectativas e das conceções morais12. À luz destas teorias – quer a psicologia cognitiva, quer o construcionismo social –, 256

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não é concebível um tempo em que as emoções se tivessem manifestado livremente na sua forma pura, como supunham pensadores como Huizinga, Le Febvre ou Elias. Ambas as teorias foram entretanto adotadas e trabalhadas por historiadores, suscitando um notável desenvolvimento da história das emoções. No início do século xxi, a revista Early Medieval Europe dedicou uma boa parte de um dos seus volumes ao balanço e discussão deste estudo, concretizando a sua aplicação à Alta Idade Média13. Para isso, contaram com a colaboração de cinco académicos da esfera anglo-saxónica, que apresentaram uma visão mais equilibrada do que as anteriormente descritas, fruto dos desenvolvimentos na investigação, tanto na área das neurociências como na das ciências sociais e humanas. Na perspetiva da história das emoções que os cinco partilham, aquelas não se opõem à razão, mas, como ela, têm um papel na análise e avaliação das situações, estando por isso na base das decisões morais e do comportamento social, o que só por si justifica o seu interesse para os historiadores14. Embora tenham uma componente biológica indesmentível, as emoções são muitíssimo maleáveis, variando de acordo com o contexto cultural15. Isto implica também que ao historiador seja necessário um esforço adicional para não projetar o seu próprio quadro emocional sobre o passado e interpretar à sua luz as expressões emocionais de sociedades diferentes da sua, por mais familiares que lhe pareçam. Nesse sentido, a autora de um dos artigos, Mary Garrison, sugere que, para tentar interpretar as emoções de indivíduos de outros tempos, é necessária uma combinação de «razão, empatia e intuição, assente na consciência de si próprio e em leituras escrupulosas, mas aberta também ao conhecimento da psicologia e da antropologia»16. Este interesse pelas emoções das gentes do passado não é exclusivo da historiografia anglo-saxónica, como têm demonstrado manifestos de historiadores de diversas nacionalidades, conferências internacionais dedicadas ao tema e várias publicações especializadas. Um entendimento semelhante ao exposto no volume aci257

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ma citado, tem sido mostrado, por exemplo, pelos francófonos Piroska Nagy e Damien Boquet, debruçando-se igualmente sobre a Idade Média17. Numa conferência plenária, em 2008, estes autores apelavam a que, juntamente com a oposição entre razão e emoção, se acabasse também com outras conceções dualistas comuns no pensamento ocidental, como norma/prática, coletivo/individual ou genuíno/imposto18, que têm contribuído para que as emoções sejam desconsideradas, ou mesmo malvistas, como objeto de estudo histórico. Do que me tem sido dado a observar, uma das respostas mais frequentes entre historiadores perante referências ou descrições de reações emotivas em fontes medievais é desprezá-las como topoi e por isso sem significado. Ora, o facto de normalmente serem efetivamente topoi não implica que não correspondam a emoções ou reações genuínas, como nos lembram tanto Nagy e Boquet como Garrison19. As «unidades de expressão prefabricadas», para usar a expressão de Garrison, que nelas inclui topoi, citações, alusões e provérbios, a que podemos juntar os rituais, referidos por Nagy e Boquet, são fórmulas que, simultaneamente, ajudam a modelar e viabilizam a expressão de emoções, facilitando também a sua interpretação por parte dos outros indivíduos que partilham essas referências culturais20. Isto é particularmente verdade para o contexto medieval, dado o conhecido apreço das gentes de então por exemplos e modelos e pelas palavras de determinados autores; talvez mais difícil de perceber numa época como a nossa, que preza a originalidade, a individualidade e a espontaneidade como marcas de sentimento genuíno. Em balanço, apesar das iniciativas que aqui foram descritas, este debate mantém-se ainda num «nicho»; no panorama internacional, a historiografia tradicional não só tem evitado considerações acerca da dimensão emocional do ser humano como, por vezes, parece mesmo cair no exagero de considerar as mulheres e, sobretudo, os homens do passado quase imunes às «fraquezas» e «paixões» da alma. No entanto, as emoções são uma parte essen258

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cial da comunicação entre os seres humanos, conforme lembra Catherine Cubitt, citando Catherine Peyroux: «Quando escrevemos histórias do passado em que os sentimentos são omitidos, estamos implicitamente a ignorar aspetos fundamentais dos termos em que as pessoas agem e interagem», pelo que nos privamos de elementos essenciais para a compreensão do contexto e das estruturas mentais dos objetos do nosso estudo21.

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Um estudo de caso: as relações afetivas de D. Leonor de Portugal (1436-1467) O desenvolvimento da história das emoções tem-se feito muito a par dos estudos de género e dos estudos sobre a família e a vida doméstica, que partilham o interesse por fontes de natureza mais íntima e espontânea (como diários ou correspondência particular). Infelizmente, estas são pouco frequentes para a época medieval, que aqui nos ocupa, mas tal estudo ultrapassa aqueles contextos e, abraçando os topoi e semelhantes figuras como aliados, ao invés de obstáculos, uma panóplia de potenciais fontes se abre diante de nós. O casamento, em 1451, de D. Leonor de Portugal (filha de D. Duarte e de D. Leonor de Aragão) com o imperador germânico Frederico III proporciona um bom estudo de caso para exemplificar o que até aqui se tem dito, pela quantidade e, sobretudo, a qualidade das fontes com ele relacionadas. Tal abundância e variedade, pouco habitual no que toca à história medieval portuguesa, explica que esta aliança tenha sido alvo de vários estudos, desde o final do século xix, com Luciano Cordeiro, até ao artigo de Maria Helena da Cruz Coelho sobre a política matrimonial da dinastia de Avis, já no início do século xxi. Na verdade, foi defendida em 2015 uma tese de mestrado sobre o assunto22. Como seria de esperar, os aspetos mais frequentemente tratados têm sido os interesses políticos envolvidos, as manobras diplomáticas, a narrativa da viagem da infanta e as trocas e influências culturais que a aliança originou até ao tempo de D. João II e do imperador Ma259

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ximiliano, filho de D. Leonor de Portugal e de Frederico III. Mas essas mesmas fontes revelam ainda outro tipo de informação, mais subtil, e talvez menos concreta, mas de equiparável interesse histórico, que se prende com as relações reais ou projetadas a partir de um ideal, sobretudo entre a infanta e algumas das personagens que a rodeiam, nomeadamente o irmão D. Afonso V de Portugal, o tio, Afonso V de Aragão, e o noivo, Frederico III. Apesar da diversidade no carácter das fontes, nota-se um elemento recorrente: o relevo atribuído à expressão de afeto. Numa estimulante variedade, as fontes relacionadas com esta união cobrem os acontecimentos desde a formulação do pedido de casamento até à chegada de D. Leonor a terras do Sacro Império. Note-se que não só o tipo das fontes é marcadamente diferente, como também as suas origens, a autoria, a língua em que foram escritas e os contextos em que foram criadas. São elas o contrato de casamento; cartas de natureza vária; documentação administrativa portuguesa, aragonesa e «italiana»; o relato de viagem por um dos embaixadores alemães; crónicas portuguesas; uma crónica sobre a vida de Frederico III e um poema escrito por um cidadão de Siena a comemorar o encontro, nessa cidade, entre a infanta e o imperador23. Juntas, permitem-nos reconstituir os acontecimentos e o contexto desta aliança, que convém aqui sintetizar24. Em 1451, reinava, em Portugal o jovem D. Afonso V, já sem a tutela do tio D. Pedro, que fora morto dois anos antes na Batalha de Alfarrobeira. Este episódio, embora acabasse por trazer alguma paz à corte e ao reino, foi muito malvisto em diversas cortes europeias onde o infante D. Pedro era conhecido e admirado25. Do ponto de vista do monarca português, interessaria certamente contrariar essa má imagem e prosseguir a estratégia de promoção da linhagem começada pelos seus fundadores, que passava pelo estabelecimento de alianças além da esfera ibérica, tradicionalmente preferida pela família real portuguesa26. A milhares de quilómetros de distância, Frederico III reinava como imperador do Sacro Império Romano-Germânico havia 260

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onze anos, gerindo como podia o espírito de independência de várias zonas sob a sua alçada e os parcos recursos financeiros de que dispunha27. Ponderado estratega, pouco dado a decisões súbitas, chegara aos 36 anos solteiro, e numa noiva parece ter procurado sobretudo um bom dote. A primeira sugestão de uma infanta portuguesa terá vindo dos duques da Borgonha, que, juntamente com o infante D. Pedro, então regente do trono português, terão planeado casar uma das filhas de D. Duarte com o delfim e outra com o jovem rei da Hungria, Ladislau, o Póstumo, que estava sob a tutela de Frederico III28. Diversas circunstâncias inviabilizaram este plano, mas a ideia de uma noiva da Casa de Avis não foi esquecida por aquelas partes da Europa. A intervenção de um outro tio dos infantes portugueses foi determinante para que esta união se realizasse: a de Afonso V de Aragão. Este era irmão de D. Leonor de Aragão, cujo afastamento da regência do reino e da criação dos filhos varões, e posterior morte no exílio, indignou e moveu toda a sua família de origem. Em 1451, Afonso V de Aragão reinava também em Nápoles. Desde 1432 que não voltara à Península Ibérica, governando sua esposa, Maria de Castela, o reino de Aragão em seu nome. O monarca não tinha filhos legítimos, mas a irmã deixara-lhe várias sobrinhas. Mediar o casamento de uma delas com o imperador era uma forma de prover ao futuro de uma órfã, e numa posição digna de uma mulher de sangue real, cumprindo assim uma boa ação cristã e o seu dever pessoal enquanto homem mais velho da linhagem. A somar a isso, era vantajoso para os interesses do próprio monarca de Aragão e Nápoles, ajudando-o a cimentar a sua posição, ainda recente, na Península Itálica29. Foi, assim, com o seu apoio, que uma primeira embaixada chegou a Portugal, por volta de 1448, para pintar um retrato da infanta. Segundo Rui de Pina, a proposta oficial de Frederico III chegou no início de 1450, mas já o rei de Aragão dera conhecimento dessa intenção ao sobrinho, pedindo-lhe que fosse aceite. 261

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Debatida a questão em cortes e estabelecido o montante do dote, seguiu um enviado para a corte de Nápoles, onde se juntou a representantes do imperador para, perante Afonso V de Aragão, se delinear e assinar o contrato de casamento30. Dois emissários do imperador deslocaram-se então a Portugal, fazendo-se passar por simples peregrinos. Chegaram a Lisboa nos finais de julho de 1451, onde foram calorosamente recebidos pelo rei e pela corte. Aqui já haviam começado os preparativos para a celebração do casamento, que veio a realizar-se em outubro, por procuração da parte do imperador. Um dos embaixadores, Nicolau Lanckman de Valckenstein, capelão do imperador, escreveu o relato da viagem e nele descreve com pormenor os cerca de onze dias de festas, com justas, banquetes, jogos e serviços religiosos. Após as celebrações, estando tudo pronto para a partida, a infanta foi acompanhada ao barco em que viajaria até Itália, para, já a bordo, aguardar condições propícias à travessia. Soltaram amarras três semanas depois. No fim de janeiro, aportaram em Livorno, sendo recebidos por uma embaixada que os escoltou até Pisa e depois até Siena, onde D. Leonor de Portugal e Frederico III se encontraram pela primeira vez, em 24 de fevereiro de 1452. Daqui os nubentes partiram separadamente para Roma, onde o seu casamento foi celebrado pelo papa e eles coroados imperador e imperatriz. De Roma, viajaram até à corte de Nápoles, para serem recebidos por Afonso V de Aragão, e daí partiram, pelo mês de abril, em direção às terras hereditárias de Frederico III, onde viveriam cerca de quinze anos de pouca harmonia conjugal, até à morte de D. Leonor de Portugal, em 1467. O relato de viagem escrito por Valckenstein serve de base para a presente análise, uma vez que nos guia pelo percurso dos embaixadores alemães até Portugal, a sua receção neste reino, a celebração do casamento, os preparativos da partida, a viagem até Itália e o encontro entre D. Leonor de Portugal e o imperador, sempre de um ponto de vista próximo da infanta. Este documento foi publicado cerca de cinquenta anos após os acontecimentos, 262

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por Nicolau, bispo de Hipona. Segundo o que explicita o editor da atual publicação portuguesa, a comparação com um manuscrito anterior, possivelmente autógrafo, sugere que o referido bispo só deve ter feito edições pontuais na preparação do texto, sendo essas irrelevantes para o conteúdo31. Ainda de acordo com a mesma autoridade, uma vez que se estende para além da narração da viagem e encontro dos nubentes, incluindo a data do nascimento dos filhos do casal e a notícia da morte de D. Leonor de Portugal, não é claro se o texto terá sido escrito à medida das ocorrências ou se à data desta última, em 146732. O cuidadoso detalhe das descrições e o facto de o manuscrito mostrar muitos pontos suspensos por um «etc.», presumivelmente para serem completados mais tarde, fazem-me crer que o mais provável é tratar-se, pelo menos em parte, de uma compilação de notas de viagem feitas à medida dos acontecimentos, possivelmente com o intuito de serem editadas e completadas mais tarde, e sequentes apontamentos em ocasiões relevantes. O tom da escrita é obsequioso e semeado de topoi, especialmente no enaltecimento de D. Leonor de Portugal e de figuras próximas. Os elementos que nos oferece podem ser questionados, corroborados ou completados mediante o recurso às outras fontes já referidas. Um dos aspetos que terão impressionado Valckenstein nesta viagem foi o carácter cortês, generoso e até mesmo afetuoso de D. Afonso V de Portugal, talvez pelo contraste com a personalidade do imperador, de quem era secretário33. Várias são as descrições de gestos e atitudes do monarca que parecem ter deixado o alemão sensibilizado. Aquando da sua apresentação na corte, o rei recebeu os embaixadores cum gaudio, levantando-se do trono e pegando nas mãos de cada um, enquanto lhes perguntava pela saúde do imperador e pela viagem34; dias depois, foi o próprio rei que em pessoa os conduziu a ver a rainha e as infantas35. Mais tarde, durante um dos festins de celebração do casamento, o rei de Portugal, atenciosamente, mandou partilhar com a mesa dos embaixadores as iguarias que estavam reservadas à sua própria36. 263

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Estes e outros episódios de gentileza para com os embaixadores são verosímeis, uma vez que era comummente entendido que os gestos para com os representantes de um príncipe se refletiam diretamente na pessoa deste, e o monarca português quereria naturalmente fazer todas as honras ao futuro cunhado. Por outro lado, a figura do senhor magnânimo correspondia a um ideal frequentemente refletido na literatura, e o autor podia fazer uso dele para destacar a personagem e as ocasiões. Porém, como já se expôs, o recurso a um topos não implica que seja falso. Há, de resto, outras fontes que corroboram esta imagem de cortesia e generosidade de D. Afonso V, incluindo as cartas de Lopo de Almeida, em que, por diversas vezes, este lamenta a falta de tais qualidades em Frederico III, contrastando-o com o rei português37. E o caso em que mais é posta em evidência esta discrepância é no trato de D. Leonor de Portugal. A concórdia na família, e especialmente entre irmãos, era então, como hoje é, um ideal comum e natural, desejável pelo conforto individual, mas também pela paz social. Será possivelmente por isso que os ensinamentos cristãos apontam a relação fraterna como modelo de comportamento entre todos os homens. Numa carta que escreveu aos cunhados a seu pedido, o rei D. Duarte apela ao cultivo entre irmãos de uma relação de respeito e tolerância, oferecendo como exemplo a forma como ele e respetiva fratria conviviam entre si38. Um estudo de Manuel Ramos argumenta que, apesar dos atritos que se conhecem entre alguns dos irmãos após a morte de D. Duarte, se pode afirmar que havia de facto sólidas relações de amizade entre pelo menos alguns deles, que se estenderam à sua descendência39. Não obstante, existirá certamente alguma idealização panegírica na descrição que D. Duarte faz da sua própria experiência. É possível que a mesma intenção esteja por trás do relato de Valckenstein, embora as suas referências à amizade fraterna sejam muito mais subtis do que as de D. Duarte. Nas descrições que faz dos momentos vividos em Lisboa, junto da família real portugue264

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sa, o alemão descreve uns irmãos unidos e com uma relação amigável e carinhosa entre si. Se, nos primeiros momentos da sua estada em Portugal, o embaixador destacara as atenções do rei para consigo próprio e para com o companheiro, ao aproximar-se a despedida do reino, o discurso centra-se cada vez mais na futura imperatriz. O longo processo da partida inicia-se com um emocionado serviço religioso na Sé de Lisboa, durante o qual as preces pela boa viagem de D. Leonor suscitam comoção geral40. Após a missa, é acompanhada até ao porto pelo rei, os infantes seus irmãos, a corte e muito povo da cidade, que quis também despedir-se da sua infanta41. As condições não eram ainda propícias para a partida e D. Leonor teve de esperar três semanas a bordo do barco atracado, tempo durante o qual o rei e as irmãs diariamente lhe foram fazer companhia42. Quando o barco por fim largou amarras, D. Afonso V e o infante D. Fernando acompanharam a infanta, a bordo de outra embarcação, ao longo de três ou quatro milhas, despedindo-se os irmãos ao longe, antes de finalmente a deixarem seguir o seu caminho43. Estes episódios individualmente não terão especial significado, mas ganham-no no seu todo e pela forma como o enviado germânico os enfatiza e às emoções geradas em seu torno. Criam uma sensação de tranquilidade doméstica e de paz, que pode ser interpretada como construção idílica do narrador para engrandecimento da família da futura imperatriz. Valckenstein pode também ter entendido sublinhar a estima e o afeto de que D. Leonor era alvo como forma de enaltecer a sua imagem. Isso é sugerido em particular pela sua exclamação ao descrever a subida da imperatriz para a carraca que a levaria para terras longínquas: «Oh! Quanto pranto e quantas lágrimas do povo, na praia do mar! Porque a senhora desposada era amada por todos, em razão da sua bondade e piedade e das suas virtudes naturais.»44 Mas se o relato de Valckenstein pode ser suspeito de construção idealizada, uma outra fonte corrobora, e até ultrapassa, as suas observações no que toca ao laço entre os irmãos D. Leonor 265

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e D. Afonso V. Trata-se das cartas de Lopo de Almeida, um nobre próximo do soberano que acompanhou a imperatriz até ao seu novo país, levando, entre outras, a incumbência específica de escrever regularmente ao rei com notícias da irmã45. O seu tom é pessoal e informal, o discurso espirituoso e acutilante. Lopo de Almeida descreve com pormenor o que vai presenciando, prestando especial atenção às cortesias e celebrações com que a infanta e a comitiva portuguesa são, ou não, recebidas nos vários sítios. Mostra-se desapontado com os germânicos, especialmente com o imperador, chegando mesmo a lamentar, ecoando outros, que D. Leonor de Portugal tivesse de viver «antre tal gente»46. Destaca-se a sua preocupação em assegurar que, por onde passava, a comitiva deixava a melhor imagem do seu rei e de Portugal, distanciando-se o mais possível dos alemães. Esta atitude de «exaltar os portugueses e [...] rebaixar os alemães» está bem patente nas cartas47. Neste espírito se podem enquadrar também os elogios repetidos que faz à infanta, destacando a sua serenidade, cortesia, graciosidade, bem-falar e formosura, e afirmando sem rodeios que causara tão boa impressão que as irmãs poderiam casar por dotes muito menores do que seriam de outro modo necessários48. O seu cuidado em descrever os seus passos, atitudes e a forma como era tratada por uns e outros ultrapassa, porém, o modo como estes se refletiam na imagem do seu rei, acusando também uma preocupação deste em acompanhar a irmã, mesmo ao longe. Isto é-nos sugerido, por exemplo, por pormenores na descrição de D. Leonor nas cerimónias do casamento: A dita senhora ia vestida na cota de cramesim, que lhe destes, e na opa de brocado pardo, e bem toucada com hu˜a crespina rica e hum rance em cima e cengido hum tecido de brocado branco, dos seis que lhe cá dei per vosso mandado; e, alem de ir muito fermosa, é bem de louvar por sua segurança e boa contenença [...]49.

E da coroação: 266

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[...] e ia em cabello com hu˜a fita de ouro que lhe vós destes; em verdade, Senhor, ia bem formosa, com os cabellos ondados a maneira d’alemam, e com tam boa contenença como se a nom visse ninguém50.

O dote e o enxoval da imperatriz foram, naturalmente, responsabilidade do rei de Portugal, que por ele assumiram os seus representantes no contrato de casamento51. Para além disso, D. Afonso V oferecera-lhe presentes dignos de uma noiva da Casa Real (como peças de tecidos ricos, roupas ou joias), pelo que é muito natural que houvesse, entre os atavios da noiva, objetos dados pelo irmão52. Mas é o modo como é descrito que sugere, por um lado, que a infanta terá feito questão de usar a cota de carmesim e a fita de ouro dadas pelo irmão naquelas solenes ocasiões e, por outro, que pelo menos Lopo de Almeida estimava que D. Afonso V teria particular interesse ou prazer em sabê-lo. A impressão deste laço de ternura entre os dois irmãos é, ao longo das cartas, reforçada pelas referências reiteradas à formosura de D. Leonor de Portugal e por elogios ao porte, ao comportamento e à maturidade que parecia ao autor que a infanta tinha desenvolvido desde que saíra de Lisboa. E é, por fim, expressa na missiva que enviou de Nápoles em 8 de maio de 1452. Depois de narrar o encanto que a infanta portuguesa suscitara nos napolitanos, diz o enviado português: «Escrevo todo assy a V. A. porque sey que avereis dello muito prazer, assy como ella ha em falar e cuidar em vós mais que em nenhu˜a [outra] cousa do mundo.»53. Mesmo depois de D. Leonor de Portugal estar instalada nos domínios do imperador, o bem-estar de sua irmã continuou uma preocupação para D. Afonso V, tanto mais que aquela parece não ter encontrado semelhante calor junto do marido. De uma coisa e outra será exemplo uma carta, mencionada por Rodrigues Lapa, que o monarca português terá escrito ao imperador em março do ano seguinte, em que pedia ao cunhado «que continu[asse] a amar a sua espôsa como até ali e, se fosse possível, a amasse mais ainda». Este não terá apreciado a interferência, respondendo que não precisava dos conselhos de ninguém para amar a sua mulher54. 267

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Porém, do que a história guarda sobre o carácter de Frederico III e as suas atitudes para com a esposa, é bem compreensível a preocupação do irmão mais velho da imperatriz55. Ao longo da sua vida, aquele ganhou reputação de ser homem poupado, ponderado e muito reservado56; Lopo de Almeida descreve-o como avarento, frouxo, frio e indeciso, acusando-o mesmo de ser comandado pelo seu mestre de câmara57. Relata vários episódios que o ilustram, incluindo alguns em que o imperador peca, pelo menos aos olhos da comitiva portuguesa, pela falta de cortesia e atenção para com a esposa58. O pouco que se sabe concretamente sobre a vida matrimonial de D. Leonor faz lembrar a de uma outra mulher, sua contemporânea e que ficou célebre por aquelas bandas: Perchta de Rosenberg. Os Rosenberg eram a mais proeminente família nobre na Boémia do século xv. Em 1449, o pai de Perchta, Ulrich, casou-a com Hannsen de Lichtenstein para garantir o seu apoio num conflito político na região, mas o enlace foi desastroso para a mulher, cujas cartas sobrevivem, juntamente com muitas que lhe foram dirigidas por familiares e amigos, a quem procurou recorrer para a ajudarem a alterar a sua situação59. Tanto no seu caso como no de D. Leonor de Portugal, o motivo mais imediato dos futuros maridos para contrair matrimónio terá sido a necessidade de dinheiro. Em ambas as situações, porém, o pagamento dos respetivos dotes tardou em chegar, o que contribuiu para que um e outro homem, que já tinham caracteres pouco amorosos, mostrassem ainda menos cortesia para com as esposas60. As duas mulheres tinham crescido em famílias carinhosas e mantinham relações próximas com os irmãos, e, num caso e noutro, o temperamento frio e distante do esposo foi causa de desilusão e amargura61. Porém, a situação de Perchta era muito mais séria do que a de D. Leonor: as cartas acusam a crueza do marido, a inteira dependência da sogra, que é retratada como uma mulher pérfida, e várias formas de violência física e psicológica, incluindo agressões, passar fome e frio, e total negligência nos partos e puerpério. Per268

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chta chega mesmo, por várias vezes, a temer pela vida, não apenas a sua mas também a da filha. A par destas aflições, angustia-a a ameaça recorrente e muito real de que o marido mande embora as suas criadas e servidores, cuja companhia e amizade são o seu único consolo na hostilidade de que está rodeada; isso, porém, não chega a concretizar-se62. D. Leonor de Portugal não parece ter sido alvo de violência física ou negligência grosseira quanto às suas necessidades básicas. Já quanto ao apoio e conforto de gente familiar, não se pode dizer o mesmo, uma vez que, ao fim de poucos anos, não tinha senão uma servidora portuguesa consigo63. As cartas de Perchta de Rosenberg ajudam a compreender a importância de que podem revestir-se estas pessoas que acompanham as noivas para casa dos maridos. Elas não só constituíam o único ponto de apoio emocional imediato como, neste caso extremo, por vezes, eram o garante do seu acesso a alimentação e a comunicar com o exterior, e, segundo diz, chegava mesmo a ser a única coisa que a protegia de ser envenenada pela família do marido64. Garantir que sua irmã ficava bem acompanhada nas terras do Império foi portanto motivo de preocupação para D. Afonso V, que, através de uma instrução de 20 de outubro de 1451, entre outras coisas, especificamente recomendava aos seus enviados, Lopo de Almeida e Dr. João Fernandes da Silveira «que fizessem [o imperador] ciente das pessoas que desejaria que ficassem com a Imperatriz e o quanto deveriam ganhar»65. Não se deixou convencer, porém, o imperador, que pelo doutor pedia ao rei português que mandasse regressar todos os portugueses até 1 de maio de 1454, corroborado por carta da imperatriz – na opinião de Rodrigues Lapa, coagida pelo marido –, que requeria que lhe deixasse «apenas um mulher para o seu serviço»66. Parece-me muito acertada a sugestão do editor das Cartas de Itália de que não terá sido por escolha que D. Leonor de Portugal abdicou da companhia que lhe era familiar, com quem partilhava a língua, a cultura, as memórias e os afetos. Não sabemos se a isso 269

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a terá obrigado o esposo ou as suas circunstâncias financeiras, apesar de este ter cumprido a sua parte do contrato nesta matéria, dando-lhe «a renda da camara conteúda no contrato» logo após a consumação do matrimónio, bem como uma renda anual na ordem de 7000 florins67. Ter rendimento próprio deixava-a em muito melhor situação do que Perchta de Rosenberg, pois não tinha de depender de outrem para comer ou para criar e sustentar a sua casa. Isto, porém, não a livrou de se ver privada de todos os seus conterrâneos, com exceção da tal servidora que requerera e que acabou por morrer pouco depois68. Podemos imaginar como lhe terão feito falta pessoas de sua intimidade e com cuja amizade pudesse contar nos anos que se seguiram, pois esperavam-na tempos duros: revoltas contra o imperador, conflitos entre este e o irmão (que incluiu o cerco deste último a Viena, onde estava D. Leonor com o filho e que o imperador hesitou em socorrer), a morte na infância de três dos cinco filhos que gerou, a atribuição, pelo marido, da culpa dessas mortes aos hábitos meridionais da imperatriz e as naturais angústias e conflitos que surgem da convivência de dois feitios praticamente antagónicos e com hábitos tão diferentes. É pelo menos assim que Antonia Hanreich descreve os caracteres do casal imperial, a partir das fontes germânicas que consultou: D. Leonor de Portugal, jovial, comunicativa e impulsiva; Frederico III, circunspecto, ponderado, paciente e calculista69. É natural que tão marcada diferença se tivesse feito notar logo nas primeiras interações do casal, mas nem todas as fontes nos dão conta disso. O encontro inaugural foi, como se anotou já, na cidade italiana de Siena, cujas autoridades encomendaram ao cidadão local Mariano Dati um poema descrevendo e celebrando a ocasião, obra essa que foi concluída dois meses depois do acontecimento. Não sabemos se o poeta assistiu ou não pessoalmente ao encontro, mas, embora por certo não lhe faltassem testemunhas, é provável que estivesse mais preocupado com a cadência das palavras, a beleza da cena e o modelo social do que com a fidelidade da descrição. Os seus versos falam do amor redobrado à 270

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vista do prometido que iluminou o rosto e os olhos da infanta e que a fez lançar-se imediatamente do cavalo para se ajoelhar aos seus pés. Vendo isto, diz Dati, o noivo saltou prontamente da sua montada e, aproximando-se da futura esposa, baixou-se ele e abraçou-a, rejubilante; ergueu-a, por fim, este «sir cortese», do chão, enquanto lhe beijava a testa com amor70. O relato de Nicolau de Valkenstein apresenta uma versão bastante mais comedida, infelizmente incompleta, por estar corrompido o manuscrito; as frases que se lêem dizem somente: «O serenísimo senhor imperador, Dom Frederico, ao ver a sua desposada, donzela e eleita, aproximar-se, [...]. Foram ao encontro um do outro por seu pé, e, ele cheio de alegria, abraçou-a, como competia. Recebeu toda a sua comitiva com o maior agrado [...]»71. Apesar da parcimónia da descrição e da sobriedade que atribui à cena, não deixa o enviado alemão de, receando talvez ferir suscetibilidades ou criar embaraços, introduzir alguns elementos de cortesia (a itálico) que estão completamente ausentes no relato de Lopo de Almeida, que conta a ocasião ao rei de Portugal do seguinte modo: [...] e ali estava o Emperador e procissão solene e muita gente infinda; e deceo a dita Senhora tanto que o vio, e o mesmo fez o dito Senhor e fez reverença a dita Senhora, sem beijar mão, porque o não tem de costume; e logo começou hum valente orador hu˜a oraçãm, que eu mal ouvi polo tomulto da gente e, acabada ella, tomou o Bispo de Sena hu˜a cruz e deu-a a beijar aa dita Senhora e logo cavalgarão sem outra mais cerimonia de precissão.72.

Apesar do tom pretensamente desapaixonado, quase indiferente, pressente-se já o desprezo pelo imperador que vem a desenvolver mais à frente na mesma carta, e sente-se nas suas palavras o seu orgulho por a infanta pouco se ter vergado perante um homem que tão negativamente o impressionou73. A acreditarmos nesta versão, dificilmente a ocasião poderia ter sido mais formal e fria – e que motivos poderia ter o português para assim a pintar 271

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intencionalmente, se não correspondesse ao que viu? Lopo de Almeida estava a escrever para uma audiência reduzida, o rei e, eventualmente, outros cortesãos próximos para quem era importante «acompanhar» os acontecimentos, e não faria muito sentido elaborar fantasiosamente o relato, pelo menos não agravando a situação de D. Leonor de Portugal aos olhos de um irmão preocupado. Mais a mais, porque não era a única testemunha que regressaria, mais cedo ou mais tarde, à corte portuguesa para contar ao vivo aquilo a que assistira. Talvez a infanta portuguesa tenha feito vénia mais submissa do que o orgulhoso lusitano quis registar, mas, em balanço, a sua descrição é a mais consentânea com a imagem que transparece da generalidade das fontes sobre os caracteres dos dois nubentes. E é, em grande medida, corroborada pela outra fonte igualmente próxima. Eneas Silvio Piccolomini, então bispo de Siena e secretário de Frederico III, escreveu a crónica da vida do imperador, na qual descreve a chegada de D. Leonor às portas de Siena de ainda outra perspetiva74. Sobre o encontro, diz simplesmente que, assim que Frederico III viu D. Leonor, desmontou e aquela lhe seguiu o exemplo, cumprimentando-se depois com um abraço, após o que foram de novo separados para que a imperatriz pudesse receber uma arenga de boas-vindas cujo teor o cronista incluiu75. Nesse discurso a duas vozes, o «imperador» declarava ser aquele o mais feliz dos dias, em que via pela primeira vez a noiva, resgatada do perigo dos mares, e entregava-lhe a sua vida graciosamente76. A «noiva» respondia que a viagem fora de facto turbulenta, mas que tudo isso esquecia ao ver o seu noivo e senhor de boa saúde e disposição; o seu coração ansiara por ele ainda antes de o ver e agora amá-lo-ia mais cada dia. Dizia ainda a voz da esposa que viera para se submeter à sua vontade soberana e lhe entregava a alma e o coração, não pedindo mais em troca do que ser amada por ele77. A relação matrimonial que estabelece este discurso coincide com aquela ecoada pelo poema de Mariano Dati. Ambos refletem 272

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os ideais vigentes na sociedade cristã de então: uma esposa submissa que se entrega inteiramente ao seu marido e senhor, não esperando dele senão a sua estima; este, apesar da sua posição cimeira, recebe-a com alegria e confia-lhe também ele o seu bem-estar. Uma semelhante imagem do matrimónio é refletida por tratados didáticos, ou de conduta, contemporâneos, dirigidos a um público feminino, como O livro das três virtudes, de Cristina de Pisano, o que o Chevalier de la Tour Landry compôs para as filhas ou ainda aquele que um burguês escreveu para a sua jovem esposa e que é geralmente conhecido como Le Ménagier de Paris. Estas três obras, compostas todas entre finais do século xiv e inícios do século xv, dão as perspetivas de uma mulher nobre (viúva e mãe de cinco filhos) com ligações às cortes francesa e borguinhã, de um pai da pequena nobreza rural e de um marido da burguesia parisiense. Não obstante a diferente condição social dos autores e dos recetores que têm em vista, os três coincidem nas recomendações que fazem às esposas: leal serviço, obediência, amor e submissão ao marido, independentemente do seu carácter ou da forma como este as trate78. Apesar disso, todos são unânimes em exaltar as relações harmoniosas entre os esposos, apontando, Cristina de Pisano e o Chevalier de la Tour Landry, os seus próprios casamentos como bons exemplos. O Le Ménagier de Paris, cujo propósito é preparar a esposa, muito mais nova, para um eventual segundo casamento, recomenda-lhe que procure conhecer bem o esposo e que o ame acima de todas as outras pessoas; faz porém questão de acrescentar que todos os maridos devem, também eles, amar e estimar as suas mulheres79. Os três apontam às mulheres que a subserviência e a mansidão para com o cônjuge são o caminho mais certeiro para obter a estima dos maridos, referindo diversos exemplos, ora bíblicos, ora de gente das suas relações80. O Leal Conselheiro, do rei D. Duarte, sendo também, em termos gerais, um tratado de conduta, difere dos anteriores por ser muito mais geral e se pretender primeiramente «pera senhores e gente de sua casa». Aqueles abordam o amor como um aspeto 273

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do matrimónio, D. Duarte reflete sobre a relação entre os esposos a propósito do seu discurso sobre as diversas maneiras de amar. No aspeto global, a sua visão não diferirá muito das anteriores: os maridos devem ser temidos e obedecidos pelas esposas. Mas, para isso, é sobretudo aos maridos que o rei apela que se façam amar pelas suas mulheres, esforçando-se por as prezar e honrar, concordando com as suas vontades e, se for necessário aconselhá-las ou corrigi-las, que o façam de forma discreta81. Os esposos devem assim ser «boos e virtuosos amygos de verdadeira amyzade», que é para D. Duarte o grau superlativo do afeto entre duas pessoas82. Esse amor especial dos bem casados distingue-se por reunir todas as quatro maneiras de amar que considerava existirem: a benquerença, o desejo de bem fazer ao ser amado, os amores e, acima de todos, a verdadeira amizade83. Explica o rei: Os bem casados de todas quatro maneiras suso scriptas a meu parecer se devem amar, e nom seendo assy nom chegam a sseu perfeito stado porque sobre todos he razom querersse bem e assy desejar de o fazer hu˜u ao outro em todas cousas que razoadamente poderem. E sseer mais que d’outrem amados, com afeiçom grande contynuada; e por suas bondades, virtudes e outros grandes mericymentos seerem muyto contentes per afeiçom, entender e razom, que faz vyver em contynuada ledice que nace de tal contentamento, nunca ja mais em oras e tempos razoados hu˜u com outro s enfadando. E todo bem, honrra, saude, boo prazer de cada hu˜u se desejar e por el trabalhar e fazer como por o sseu medês e mais em muytas partes.84

D. Duarte distingue os simples «ryjos amores» da verdadeira amizade, alegando que aqueles são regidos apenas por movimentos do coração, enquanto esta o é principalmente pelo entendimento. Embora Séneca tivesse afirmado que nem os amores nem a profunda amizade podiam ser forçados, D. Duarte admitia que «per grande discreçom se fazem scorregar». O rei filósofo exorta assim ambos os esposos a esforçarem-se por cultivar essa amizade 274

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verdadeira entre si, para chegarem a seu perfeito estado, afiançando que, se o fizerem, lhe darão razão, uma vez que escreve com conhecimento de causa. Subtilmente, desta vez, o rei aponta o seu próprio casamento como modelar – e tudo indica que de facto terá sido uma ligação de harmonia e de estima mútua85. A infanta D. Leonor de Portugal, a quem Valckenstein e o futuro Pio II louvaram a educação, conheceria talvez os tratados que aqui se referiram, ou outros de teor semelhante. Seguramente estaria familiarizada com as ideias do pai sobre as relações entre os esposos, mesmo que não tivesse lido diretamente as suas palavras. Mas, sobretudo, o que parece natural é que a sua experiência familiar tenha moldado a construção das suas expectativas sobre o seu próprio matrimónio. Podemos socorrer-nos de novo do caso de Perchta de Rosenberg, cujas fontes são tão mais reveladoras, para refletir sobre a situação de D. Leonor de Portugal. Também Perchta tinha uma relação de confiança, proximidade e ternura com a família, o pai, duas irmãs e três irmãos86. A mãe morrera quando Perchta tinha uns 7 anos de idade, mas diversos fatores sugerem que os pais tinham uma união amorosa, cuja memória deve ter perdurado no seio doméstico, até porque Ulrich não terá contraído segundo matrimónio87. As suas expectativas de harmonia doméstica, e até mesmo de companheirismo e intimidade com o marido, exprime-as em várias cartas, em que lamenta amarguradamente não conseguir alcançá-las88. De D. Leonor de Portugal não nos restam testemunhos tão diretos da sua infelicidade conjugal, mas são vários os autores que, estudando-lhe o percurso de vida, a apontam como certa89. A carta que D. Afonso V dirigiu ao cunhado exortando-o a que amasse mais a sua esposa sugere que D. Leonor lhe possa ter escrito, ou de alguma forma mandado recado ao irmão em desabafo, ou em busca de conselho ou ajuda por, tal como acontecera com Lopo de Almeida, não encontrar nos germânicos, em especial no imperador, senão desapontamento. Tendo nascido de um casamento 275

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amoroso e crescido numa relação carinhosa com os irmãos, não era estranho que a infanta esperasse, ou pelo menos desejasse, ter a vida doméstica harmoniosa que os livros de conduta e educação apontavam. Tal desilusão talvez não lhe viesse apenas do acentuado contraste de feitios e hábitos entre os esposos que o enviado português desde logo aponta nas suas cartas, mas também por D. Leonor de Portugal ter levado consigo expectativas que, sendo sempre frustradas, lhe ensombrariam a existência.

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V., por exemplo, Piroska Nagy, com Damien Boquet, «Historians and Emotions: New Theories, New Questions», palestra proferida no encontro Cultural History of Emotions in Premodernity [em linha], Umea, 24 de outubro de 2008, p. 2 [13 de junho de 2013], disponível em http://emma.hypotheses.org/147. Para uma ideia do modo como as várias disciplinas têm abordado o estudo das emoções, pode consultar-se Michael Lewis, Jannette M. Haviland-Jones e Lisa Feldman Barrett (editores), The Handbook of Emotion, Nova Iorque/Londres, Guilford, 2008. «As a working model, we propose the following definition: Emotion is a complex set of interactions among subjective and objective factors, mediated by neural/hormonal systems, which can (a) give rise to affective experiences such as feelings of arousal, pleasure/displeasure; (b) generate cognitive processes such as emotionally relevant perceptual effects, appraisals, labeling processes; (c) activate widespread physiological adjustments to the arousing conditions; and (d) lead to behaviours that are often, but not always, expressive, goal-directed, and adaptive.» (p. 355). P. R. Kleinginna, Jr e A. M. Kleinginna, «A Categorized List of Emotion Definitions with Suggestions for a Consensual Definition», Motivations and Emotions, (5, 1981), v. sobretudo pp. 345-347, 349 e 355. Barbara Rosenwein, «Worrying about Emotions», in The American Historical Review, vol. 107, n.o 3 (2002), pp. 821-824, 826-828 e 831. Peter N. Stearns e Carol Z. Stearns, «Emotionology: Clarifying the History of Emotions and Emotional Standards», The American Historical Review, 90 (n.o 4, 1985), p. 814. Os autores definem emotionology como «the attitudes or standards that a society, or a definable group within a society, maintains toward basic emotions and their appropriate expression; ways that institutions reflect and encourage these attitudes in human conduct, e.g., courtship practices as expressing the valuation of affect in marriage, or personnel workshops as reflecting the valuation of anger in job relationships», in Stearns e Stearns, p. 813. A definição de emoção coincide com aquela apontada acima, na nota 2, como estabelecida por P. R. Kleinginna, Jr e A. M. Kleinginna; nas palavras de Peter 277

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e Carol Stearns: «a complex set of interactions among subjective and objective factors, mediated through neural and/or hormonal systems, which gives rise to feelings (affective experiences as of pleasure or displeasure) and also general cognitive processes toward appraising the experience; emotions in this sense lead to physiological adjustments to the conditions that aroused response, and often to expressive and adaptive behavior», in Stearns e Stearns, p. 813. Stearns e Stearns, p. 823. Idem, pp. 824 e 830. Rosenwein, «Worrying About Emotions» (2002), pp. 836-837; David A. Statt, The Concise Dictionary of Psychology, Londres/Nova Iorque, Routledge (1998), 3.a ed., p. 123; Nagy e Boquet, p. 2. Candace Clark, «Review of The Social Construction of Emotions», The American Journal of Sociology, vol. 94, n.o 2 (1988), pp. 415 e 416; Barbara Rosenwein, «Writing without fear about early medieval emotions», Early Medieval Europe, vol. 10, n.o 2 (2001), p. 230. Rosenwein, «Worrying about Emotions» (2002), p. 837; Idem, pp. 836 e 837; Statt, p. 123; Nagy, p. 2. Early Medieval Europe, vol. 10, n.o 2 (2001). Os contribuidores foram Catherine Cubitt, Barbara Rosenwein, Stuart Arlie, Mary Garrison e Caroline Larrington. Rosenwein, «Writing without fear about early medieval emotions», p. 231; Carolyne Larrington, «The psychology of emotion and study of the medieval period», Early Medieval Europe, vol. 10 (n.o 2-2001), p. 252. Rosenwein, «Writing without fear about early medieval emotions», p. 231. «Surmounting the barriers to interpreting the emotions of the individuals we study calls for a new dialogue between reason, empathy and intuition, informed by self-awareness and scrupulous reading, but also open to the insights of psychology and anthropology.», in Mary Garrison, «The study of emotions in early medieval history», Early Medieval Europe, vol. 10, n.o 2 (2001), p. 250; a tradução é minha. Piroska Nagy apresentou, com Damien Boquet, uma conferência plenária num colóquio internacional sobre emoções no mundo pré-moderno, decorrido na Suécia em outubro de 2008, e que foi publicado online como «Historians and Emotions: New Theories, New Questions», pp. 1, 2 e 5 (referência completa na nota 1). Ideias semelhantes são ecoadas pelos gregos Athena Athanasiou, Pothiti Hantzaroula e Kostas Yannakopoulos na introdução ao volume de atas de um colóquio, sob o título On Emotions: History, Politics, Representations («Das emoções: história, política, representações»), que decorreu em Atenas, em 2007 – «Towards a New Epistemology: The »Affective Turn»», Historein, v. 8 (2008), p. 5. Em 2012, a revista Mirabilia dedicou uma boa parte do seu vol. 15 ao estudo das emoções desde a Antiguidade ao início do Período Moderno. O artigo de 278

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introdução, por Ricardo da Costa e Enric Mallorquí-Ruscalleda, foca-se mais em apontar sucintamente o que se pensou na Antiguidade e na Idade Média sobre as «paixões» do que em conceptualizar uma abordagem histórica sobre o tema na atualidade. V. «À guisa de introdução: as emoções na história», Mirabilia 15 (2012), pp. 1-4. Nagy e Boquet, op. cit., p. 5. Idem, ibidem, p. 5; Garrison, pp. 244-247. Idem, pp. 245-247; Nagy e Boquet, op. cit., p. 5. Catherine Peyroux, «Gertrude’s furor: Reading Anger in an Early Medieval Saint’s Life», in Barbara Rosenwein, Anger’s Past. The Social Uses of an Emotion in the Middle Ages, Ithaca e Londres, Cornell University Press, 1998, pp. 36-57, citada por Catherine Cubitt, «The History of Emotions: a debate», Early Medieval Europe, vol. 10, n.o 2 (2001), p. 226; Rosenwein, p. 231. Sobre este casamento e as circunstâncias que o rodearam e as que dele derivaram, v., principalmente, a excelente reconstituição de Maria Helena da Cruz Coelho, «A política matrimonial da dinastia de Avis: Leonor e Frederico III da Alemanha», Revista Portuguesa de História, 86, vol. 1 (2002-2003), pp. 41-70. Acessoriamente, consulte-se: Antonia Hanreich, «D. Leonor de Portugal, esposa do imperador Frederico III (1436-1467)», in Ludwig Sheidl and José A. Palma Caetano, Relações entre a Áustria e Portugal: Testemunhos Históricos e Culturais, Coimbra, Almedina, 1985, pp. 3-27; Marion Ehrhardt et al., Portugal Alemanha: Estudos sobre a Recepção da Cultura e da Língua Portuguesa na Alemanha, Coimbra, Almedina, 1980; Henrique de Campos Ferreira Lima, «D. Leonor de Portugal: filha d’El Rei D. Duarte, imperatriz da Alemanha: notas iconograficas», Revista de História, 1, separata (1921); Luciano Cordeiro, «Portuguezes fóra de Portugal: uma sobrinha do Infante, imperatriz da Alemanha e rainha da Hungria», Bolletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, 13 (n.o 9-1894), pp. 751-864. Desde a conclusão do presente artigo foi defendida uma tese de mestrado sobre o assunto: António Carlos Martins Costa, «O casamento de D. Leonor e Frederico III (1451-1452) e as relações entre Portugal e o Sacro Império no final da Idade Média», tese de mestrado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, orientada por Maria do Rosário Morujão e defendida em julho de 2015. O contrato de casamento está editado em Aires do Nascimento et alii, Princesas de Portugal: contratos matrimoniais dos séculos XV e XVI, Lisboa, Cosmos, 1992. Em matéria de cartas, v. Lopo de Almeida, Cartas de Itália, edição, prefácio e notas de Manuel Rodrigues Lapa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1935; e Monumenta Henricina, edição de António Joaquim Dias Dinis, Coimbra, Comissão Executiva para a Comemoração do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, vols. vii (1965), viii (1966), ix (1967), x (1969) e xi (1970). A documentação administrativa está sobretudo em Luigi Fumi e Alessandro Lisini, L’incontro di Federigo III Imperatore con Eleonora di Portogallo, sua novella sposa e il loro soggiorno in Siena: narrazione e descrizione storica corredata degli 279

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originali documenti, Siena, Lazzeri, 1878; e Sousa Viterbo, «D. Leonor de Portugal, imperatriz da Allemanha: notas documentais para o estudo biographico d’esta princesa e para a historia das relações da Corte de Portugal com a Casa d’Austria», Archivo Historico Portuguez, vol. VIII (1910), pp. 34-46. As crónicas portuguesas relevantes são as de Rui de Pina, «Chronica do Senhor Rey D. Duarte», pp. 479-576, e «Chronica do Senhor Rey D. Afonso V», pp. 577-882 e 759-64, in Crónicas de Rui de Pina, edição de M. Lopes de Almeida, Porto, Lello & Irmão, 1977. O relato de viagem pelo embaixador germânico está editado em versão bilingue, o original em latim e a tradução para português: Leonor de Portugal, imperatriz da Alemanha: diário de viagem do embaixador Nicolau Lanckman de Valckenstein, edição e tradução de Aires A. Nascimento et alli, Lisboa, Cosmos, 1992. A crónica sobre a vida do imperador foi escrita por Eneas Silvio Piccolomini, futuro papa Pio II, à data do casamento bispo de Siena e secretário de Frederico III. Originalmente escrita em latim, encontra-se publicada numa tradução alemã: Die Geschichte Kaiser Friedrichs III von Aeneas Silvius, edição de Th. Ilgen, 2 vols., Leipzig, Alfred Lorenz, 1940. O poema em que se conta o encontro entre os noivos na cidade de Siena foi publicado em L’incontro di Federigo III Imperatore con Eleonora di Portogallo, edição de Pietro Parducci, Siena: Lazzeri, 1906. Existem ainda fontes iconográficas, como um cassone, considerado coevo e pintado com cenas do casamento; um marco com as armas dos nubentes, erigido no local onde se viram pela primeira vez; e um fresco, pintado cinquenta anos depois, na catedral de Siena. Sobre estas, v. Henrique de Campos Ferreira Lima, «D. Leonor de Portugal: filha d’El Rei D. Duarte, imperatriz da Alemanha: notas iconograficas», Revista de História, 1, separata (1921), e Luís Reis Santos, «Painéis da coroação do imperador Frederico III e de Leonor de Portugal», Estudos Italianos em Portugal, 2, separata (1940). Rui de Pina, Chronica do Senhor Rey D. Afonso V, capítulo cxxix, pp. 757 e 758. V., também, Manuel Ramos, «Os membros da Geração de Avis: amizades, inimizades e falta de exemplaridade» (in Belmiro F. Pereira e Jorge Deserto, Symbolon I: Amor e Amizade, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2009, pp. 91-113), onde se descreve o esforço da duquesa da Borgonha para, após Alfarrobeira, reabilitar a honra e a propriedade do irmão e para proteger os sobrinhos. V. Paulo Drummond Braga, «Casamentos reais portugueses. Um aspecto do relacionamento ibérico e europeu (séculos xii-xiv)», Revista da Faculdade de Letras. História: IV Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval. As Relações de Fronteira no Século de Alcañices. Actas, vol. ii, Porto (2000), pp. 1531-1534. Tom Scott, «Germany and the Empire», in Christopher Allmand, The New Cambridge Medieval History, Cambridge, Cambridge University Press, 1998, vii, p. 358. 280

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Sobre estes planos, v. Maria Helena da Cruz Coelho, op. cit., pp. 46 e 47, e Luciano Cordeiro, op. cit., pp. 771-773, 777-779 e 806. Também Antonia Hanreich aponta no mesmo sentido – v. Antonia Hanreich, op. cit., p. 5. Não muito diferente para o que aqui importa, é a sugestão de Rodrigues Lapa no seu prefácio a Cartas de Itália, onde se lê que o duque da Borgonha teria enviado uma embaixada a Frederico III a sugerir, entre outras coisas, a união de duas infantas portuguesas com Ladislau e com o próprio imperador (Rodrigues Lapa, «Prefácio», in Cartas de Itália, pp. xiv-xv). Para uma explicação mais detalhada dos interesses de cada parte nesta aliança, v., por todos, Adriana R. de Almeida, The marriage of Leonor of Portugal and Emperor Frederick III: a case-study of politics and affection in the mid-fifteenth century. Dissertação de mestrado não publicada apresentada ao Royal Holloway, Universidade de Londres, 2007, pp. 4-12. Rui de Pina, Chronica do Senhor Rey D. Afonso V, p. 759. Aires do Nascimento, «Introdução», in Leonor de Portugal, pp. 9 e 11. Idem, ibidem, pp. 11 e 12. Antonia Hanreich, pp. 4 e 17. O carácter do imperador é discutido abaixo. «Admitiu ele [Afonso V] e recebeu os embaixadores efusivamente, e ouviu deles as saudações e votos em nome do sereníssimo senhor D. Frederico rei dos Romanos. Erguendo-se do trono e pegando-lhes nas mãos de cada um dos embaixadores, afectuosamente perguntou-lhes pelo estado de saúde do sereníssimo senhor rei dos Romanos etc., e por tanta fadiga em tal tempo quente, pelas vicissitudes dos caminhos, e pela chuva, e, para os confortar, mandou conduzi-los ao palácio destinado para eles na cidade, em cavalos reais com enfeites magníficos de samadino, para que assim repousassem nesse palácio.» Nicolau Lanckman de Valckenstein, op. cit., p. 29. Rui de Pina, não contrariando em nada o relato de Valckenstein, pinta, no entanto, uma cena mais imponente e menos familiar: «ao outro dia foram recebydos de toda a Corte e Cydade com muyta e muy nobre jente, e de caminho foram decer aos paços d’Alcaçova. Em que ElRey na sala grande, que pera yso estava em grande perfeyçam aparelhada, os recebeo assentado em sua cadeira triunfante, posta em seu estrado Real, acompanhado de muytos Senhores e Fydalgos como o auto requeria». Rui de Pina, Chronica do Senhor Rey D. Afonso V, p. 760. «[...] o senhor rei, em pessoa, levou-os por sua mão, primeiro, à ilustríssima senhora rainha de Portugal, esposa do rei [...] Seguidamente, o próprio rei de Portugal conduziu-os a um outro palácio [...] no qual estavam três donzelas irmãs, vestidas de forma esplendidíssima, a saber: a sereníssima senhora donzela Leonor, Catarina e Joana», Nicolau Lanckman de Valckenstein, op. cit., pp. 29-31. Isto é talvez particularmente notável se contrastado com a receção de Frederico III à esposa, que, no dia do casamento, mandou buscar por dois duques, o que foi muito mal recebido por D. Leonor e pela comitiva portuguesa – v. Cartas de Itália, pp. 7 e 8. Falar-se-á desta fonte mais em pormenor adiante. 281

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«Das mesas da sereníssima desposada e do senhor rei e da senhora rainha, foram enviadas muitas iguarias para os estrangeiros. Quem alguma vez verá tal?», Nicolau Lanckman de Valckenstein, op. cit., p. 49. V. a «Carta segunda», especialmente pp. 7 e 8, in Cartas de Itália. Essa carta foi integrada na compilação conhecida como Leal Conselheiro. V. rei D. Duarte de Portugal, «Capítulo lrviii. Da pratyca que tinhamos con El-Rey, meu Senhor e Padre, cuja alma deos aja», in Leal Conselheiro [em linha, sem página], University of Wisconsin Digital Collections [19 de outubro de 2013]; d i s p o n í v e l e m http://digital.library.wisc.edu/1711.dl/IbrAmerTxt.LealConselheiro; Ana Maria S. A. Rodrigues, As tristes rainhas: Leonor de Aragão. Isabel de Coimbra, Lisboa, Círculo de Leitores, 2012, pp. 123 e 124. V., também, Maria de Lurdes Correia Fernandes, «Da doutrina à vivência: amor, amizade e casamento no Leal Conselheiro do rei D. Duarte», Revista da Faculdade de Letras: Línguas e Literaturas, 1 [PDF, em linha], 1984. Disponível em http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/7841, pp. 183 e 184. Manuel Ramos, op. cit., pp. 91-113. O autor destaca sobretudo a amizade que D. Isabel, duquesa da Borgonha, mostra relativamente ao irmão D. Pedro e, após a morte deste, aos seus filhos, que acolhe e protege – Manuel Ramos, op. cit., pp. 107-113. Diz Valckenstein que «Durante as orações [pela boa viagem da imperatriz] quase toda a gente começou a chorar» – Nicolau Lanckman de Valckenstein, op. cit., p. 49. Em geral, o acompanhamento da imperatriz pelo rei ou, na impossibilidade deste, pelas outras pessoas mais gradas do reino, sempre que saísse de sua casa, correspondia ao cumprimento do costume na corte portuguesa (conforme explicita Lopo de Almeida, comparando-o com a prática na corte alemã – v. Cartas de Itália, pp. 7 e 8). Não obstante, aqui é dada particular ênfase ao cortejo que levou Leonor ao cais, salientando Valckenstein que até a rainha a acompanhou, apesar do estado de gravidez avançado (Nicolau Lanckman de Valckenstein, op. cit., pp. 49-51). Neste ponto, Rui de Pina afirma que, precisamente por essa razão, aquela ficou junto à Sé, onde se despediram as duas «com muitas lagrimas» (Rui de Pina, Chronica do Senhor Rey D. Afonso V, p. 762). Valckenstein assistiu aos acontecimentos, enquanto Rui de Pina certamente que não, mas qualquer dos autores pode estar equivocado a esse respeito. Se o erro for do alemão, pode até ser intencional, para salientar a relevância emocional e simbólica do momento da despedida da imperatriz dos seus familiares e da sua terra. «Este navio ficou com a senhora desposada, e com os seus escolhidos, no porto de mar, por alguns dias e noites [...] e todos os dias vinha o senhor rei com as irmãs, a fazer companhia à senhora desposada.» Nicolau Lanckman de Valckenstein, op. cit., p. 51. Idem, ibidem, pp. 54 e 55. 282

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Idem, ibidem, p. 49. Atualmente, restam seis cartas, das quais apenas quatro estão já publicadas e disponíveis para esta análise. Tiveram a sua melhor edição crítica por Manuel Rodrigues Lapa, em Cartas de Itália (Lisboa, Imprensa Nacional, 1935). Para este volume, o editor comparou cinco cópias conhecidas, todas posteriores ao século xvii. Nas últimas décadas do século xx, académicos americanos empenhados na recolha de textos antigos galegos e portugueses (para a construção do BITAGAP: Bibliografia de textos antigos galegos e portugueses) encontraram mais cópias das mesmas cartas, com conteúdos semelhantes. Recentemente, esses mesmos investigadores descobriram, na British Library, um novo conjunto, que continha cinco cartas de Lopo de Almeida e uma de Luís Gonçalves Malafaia, que seguira como embaixador na comitiva de D. Leonor. Das missivas de Lopo de Almeida, só duas eram inteiramente novas; três eram cópias das já conhecidas, mas mais extensas e com algumas diferenças. Uma nota à margem acusa a cópia de ter sido enviada pelo Bispo de Leiria em 1635. As cartas aguardam ainda edição, mas a sua descoberta e o sumário dos conteúdos encontra-se em: Arthur L-F. Askins, Martha E. Schaffer e Harvey L. Sharrer, «A New Set of Cartas de Itália to Afonso V of Portugal from Lopo de Almeida and Luís Gonçalves Malafaia», Romance Philology, 57, n.o 1 (2003), pp. 71-88. Tais resumos chegam para esta nota, mas não permitem, infelizmente, enquadrá-las na análise deste artigo. Lopo de Almeida, Cartas de Itália, pp. 3, 4, 17-19 e 33. Rodrigues Lapa, «Prefácio», in Cartas de Itália, p. xi. Lopo de Almeida, Cartas de Itália, p. 33. Idem, ibidem, pp. 12 e 13. Idem, ibidem, p. 14. Princesas de Portugal, contratos matrimoniais dos séculos XV e XVI, edição e tradução de Aires A. Nascimento, com Maria Filomena Andrade e Maria Teresa Rebelo da Silva, Lisboa, Edições Cosmos, 1992, pp. 70 e 71; Sousa Viterbo, «D. Leonor de Portugal, imperatriz da Allemanha. Notas documentaes para o estudo biographico d’esta princesa e para a historia das relações da corte de Portugal com a Casa d’Austria», Archivo Historico Portuguez, viii, Lisboa (1910), pp. 34 e 35. Coelho, p. 50. Por exemplo, Lopo de Almeida refere que Afonso V lhe deu muitos panos de brocado e de seda. Cartas de Itália, p. 9. Esta é a quarta e última carta da edição de Rodrigues Lapa. Cartas de Itália, p. 33. Ambos os documentos são referidos por Rodrigues Lapa, mas sem referência que não a data, pelo que não foi possível consultar os originais, cingindo-me, por isso, à descrição do editor das Cartas de Itália, Rodrigues Lapa, op. cit., p. xviii. Antonia Hanreich, op. cit., pp. 20-22. Idem, ibidem, p. 4; Luciano Cordeiro, op. cit., p. 59. O editor das Cartas atribui as relações, que estima pouco afetuosas, aos diferentes temperamentos dos 283

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cônjuges, descrevendo o imperador como «um homem fleumático, desconfiado e calculador, perfeitamente alheio a impulsos de ordem sentimental». Lapa, p. xviii. Cartas de Itália, pp. 3-5 e 17-19. Veja-se, por exemplo, quando o imperador manda buscar a noiva por dois duques, para que a acompanhassem à igreja, em vez das pessoas mais gradas da sua própria comitiva (Cartas de Itália, pp. 7-9 e 13). Lopo de Almeida não deixa de notar que, na igreja, não havia um assento previamente destinado e arranjado para a noiva, mas antes a sentaram «em hum banco com hu˜a alcatifa, sem o veador ter cuidado de prover onde avia de estar, nem lhe fazer poer aly hum pano de brocado ou de seda, de que tantos lhe destes; e assy outros desaviamentos e bestearias, que cada ora fazem como canarios» (p. 9). Semelhante desagravo fez o imperador na noite da consumação do casamento, já no reino de Nápoles: enviou dois condes para acompanhar a imperatriz da sua câmara à do marido, mas, desta feita, a portuguesa recusou-se e, diz Lopo de Almeida, passaram-se cinco ou seis embaixadas entre um quarto e outro, até que o imperador foi em pessoa buscar a esposa – Cartas de Itália, p. 29. Esta correspondência, escrita em checo e em alemão, foi traduzida para inglês e editada por John Klassen, com a colaboração de Eva Doležalová e Lynn Szabo, em The Letters of the Rozmberk Sisters. Noblewomen in Fifteenth-Century Bohemia, Cambridge, D. S. Brewer, 2001. Inclui uma introdução em que se explica o contexto cultural, social, e familiar das cartas e um ensaio crítico no final, analisando o seu conteúdo. Maria Helena da Cruz Coelho, op. cit., p. 50, especialmente nt. 28; John Klassen, op. cit., pp. 4-6, 44 (nt. 32), 58, 63 e 68. Antonia Hanreich, op. cit., pp. 21-23. As fontes são mais reveladoras no caso de Perchta de Rosenberg, pelo elevado número de cartas suas que sobreviveu. Perchta tinha uma relação de confiança, proximidade e ternura com a família – o pai, duas irmãs e três irmãos. A mãe morrera quando Perchta tinha uns 7 anos de idade, mas diversos fatores sugerem que os pais tinham uma união amorosa, cuja memória deve ter perdurado no seio doméstico, até porque Ulrich não terá contraído segundo matrimónio. As suas expectativas de harmonia doméstica, e até mesmo de companheirismo e intimidade com o marido, exprime-as em várias cartas, em que lamenta amarguradamente não conseguir alcançá-las. John Klassen, op. cit., pp. 1, 6, 10, 11, 25, 42, 104, 105, 108 e 109. Há pelo menos duas cartas de Perchta que se referem a isso. Numa delas, diz «And as my lord [husband] writes to Your Grace about my maidens, that he did not intend to act against your will: please do not believe him, for he had every intention of sending them away. [...] if that had happened, I would have been deeply sad at heart, for I still have no greater pleasure than these maidens give me.», John Klassen, op. cit., pp. 44 e 50. Rodrigues Lapa, op. cit., p. xviii; Antonia Hanreich, op. cit., pp. 20 e 21. John Klassen, op. cit., pp. 41-44, 50, 52 e 62. 284

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Rodrigues Lapa, Cartas de Itália, p. xvii. Idem, ibidem, p. xvii. Cartas de Itália, p. 29; Rodrigues Lapa, op. cit., p. xvii: segundo o editor, a imperatriz terá recebido 10 000 florins de doação matutina (o morgengabe, na tradição germânica). Antonia Hanreich, op. cit., pp. 20 e 21. Idem, ibidem, pp. 17, 18, 20 e 23; Lapa, pp. xvi-xvii. Allor colei nel mezzo del suo regno l’amore incatenato raddopiòe et del suo viso agli occhi suoi fe’segno; Et del caval tantosto si gittòe in un momento... et Federigo era smontato presto del suo caval, con molta gra brigata. In mezo a’cardenal si fece questo in ver di lei ond’ella in ginocchioni a’suo’ pièi si gittò con acto honesto. ... L’imperador si fe’ subito avanti et, giù chinato, la sua sposa prese, et abbracciolla con lieti sembianti, Et al viso di lei el suo distese, baciandole la fronte con amore, di terra la levò quel sir cortese.... Pietro Parducci, L’incontro di Federigo III Imperatore con Eleonora di Portogallo (Siena: Lazzeri, 1906), pp. 90 e 91. «Serenissimus dominus imperator, Dominus Fredericus, uidens suam sponsam uirginem electam appropinquare. [...] Venerunt pedestres mutuo, qui cum gaudio, ut decuit, amplexatus est eam. Et eius totam comitiuam gratissime suscepit...», Nicolau Lanckman de Valckenstein, op. cit., pp. 72 e 73. Os itálicos no texto são nossos. Cartas de Itália, «Carta primeira», pp. 2 e 3. Este sentimento de desprezo pelos alemães, sobretudo por Frederico III, vai-se agudizando notoriamente ao longo das cartas de Lopo de Almeida, acompanhado pela cada vez mais declarada defesa da superioridade dos portugueses e do seu rei. Na primeira que no texto se cita, diz do imperador, por exemplo: «nunca cuidei de ver homem tam pouco estar em seus pees, que soomente a dizer-lhe hum homem que se quer ir com sua mercê, nom lhe dá resposta senão que primeiro fale com três ou coatro do Conselho»; ou «elle é muito escasso, sem nenhu˜a comparação, e avarento». Cartas de Itália, «Carta primeira», pp. 3-5. Tendo sido escolhido como responsável por acompanhar a infanta desde Pisa, onde atracou, e entregá-la ao imperador em Siena, teve ocasião de desde logo 285

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privar com a infanta (de quem traça um retrato encantador, elogiando não só a beleza física como as elevadas qualidades intelectuais e a educação) e participou mesmo na cerimónia do encontro. Piccolomini, op. cit., pp. 49, 50, 52 e 53. «Sobald er ihrer ansichtig wurde, stieg er vom Pferde herab, und auch sie ihrerseits war nicht säumig; beide schlossen sich darauf in die Arme. Sofort jedoch wurden sie wieder durch einem Zwischenraum getrennt, Prälaten und Edle schlossen sich zu einem Kreis zusammen und Heinrich Leubing hielt auf Befehl des Kaisers folgende Ansprache», idem, ibidem, pp. 52 e 53. «Dieser Tag, an dem er seine innigst geliebte, den Gefahren des Meeres entrissene Braut zum ersten Male gesehen, sagte er, sei für den Kaiser der freudenreichste, und zugleich bekräftigte er in längerer Rede, mit welch frohen Erwartungen der Kaiser der ehelichen Verbingdung entgegen sehe. Er feierte Leonor, dass sie aus dem vornehmsten Geschlechte entsprossen, wie sie durch Schönheit ausgezeichnet und mit den edelsten Sitten geziert sei, und zugleich stellte er ihr den Kaiser dar, wie er sich ihr Zeit seines Lebens huldvoll erweisen werde.», idem, ibidem, p. 53. «Hierauf erwiderte Aeneas in Vertretung der Kaiserin wenige Worte: Leonor sei zwar durch die stürmische Fahrt auf dem Meere stark angegriffen gewesen, nunmehr aber denke sie all der Anstrengungen nicht mehr, da sie ihren Verlobten und Herrn wohlauf und heiteren Sinnes sehe; nach ihm habe sich ihr Herz gesehnt ehe sie ihn noch gesehen, und jetzt werde sie ihn von Tag zu Tag mehr lieben. Sie sei gekommen, um sich seinem Herrscherwillen zu unterwerfen; der Kaiser werde es hoffentlich noch durch die Erfahrung inne werden, wie sehr sie ihm zugetan sei. Sie bitte um nichts anderes, als dass sie wieder geliebt werde, sie ihrerseits habe sich dem Kaiser mit Leib und Seele ergeben.», Piccolomini, op. cit., p 53. As principais recomendações destas três obras às mulheres casadas são analisadas por Rebecca Barnhouse, no capítulo 7.o, «Obey without complaint – being a wife», The Book of the Knight of the Tower. Manners for Young Medieval Women, Nova Iorque, Palgrave MacMillan, 2006, pp. 85-100. Aqui, v. especialmente pp. 85-87. V., também, «Le quint article», «Le sixième article» e «Le septième article» da primeira parte, in s.a., Le Ménagier de Paris. Traité de moralité et d’économie domestique, composé vers 1393, par un bourgeois parisien [ebook Kindle] Société des Bibliophiles François, s.l., s.d. [consultado em 6 de julho de 2014]. Disponível em http://www.amazon.co.uk/ménagier-Paris-French-ebook/dp/ B00GJ3QLVY/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1404846534&sr=8-1&keywords= le+menagier+de+paris [O formato Kindle não tem numeração de páginas, pelo que não é possível indicá-las.] «Le quint article de la première distinction dit que vous devez très amoureuse et très privée de vostre mary par dessus toutes autres créatures vivants [...] A ce que j’ay dit très amoureuse de vostre mary, il est bien voir que tout homme doit amer et chérir sa femme et que toute femme doit amer et servir son hom286

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me, car il est son commencement et je preuve.» E abaixo, «E pour que l’en ne die mie que je ne veuille aussi bien dire des devoirs des hommes comme des femmes, je di aussi qu’il est script Ad Ephesios v.o que les maris doivent amer leur femmes comme leur propre corps, ce n’est mie à dire par fiction, ne par parole, c’est léalment, de cure, avenues ce que dit est dessus.», in «Le quint article». V. também «Le septième article». Rebecca Barnhouse, op. cit., pp. 85-87, 89 e 90. Leal Conselheiro, capítulo rv: «E por que razoadamente os casados devem trabalhar por seerem de suas molheres bem amados e temydos, nom se teendo aaquella pallavra que muytos dyzem per delleixamento, myngua de voontade oude boo saber, que se nom querem correger nem aver boa guarda na maneira que com ellas devem de teer porque ja enganarom quem avyam d’enganar, os quaaes nom penssom que, ainda que as tenham em sas casas, nom teem seus corações acordados per dereito amor a sseu prazer.» (sem página). Idem, capítulo riiii. Ibidem, capítulo rv; Maria de Lurdes Correia Fernandes, op. cit., pp. 144-150 e 158-165. Rei D. Duarte de Portugal, op. cit., capítulo rv. Idem: «aquelles que a tal chegarem conhecerám bem quanto verdadeiramente screvo desta sciencia graças a nosso senhor per nos bem praticada». Sobre o bom relacionamento entre D. Duarte de Portugal e D. Leonor de Aragão, v. também Ana Maria S. A. Rodrigues, op. cit., p. 121. John Klassen, op. cit., pp. 1 e 109. Idem, ibidem, pp. 1, 6 e 10. V., por exemplo, a Carta 13, em que Perchta se queixa ao pai de que «He never comes to sleep with me. And I have tried everything; I followed him into the cellar, into the kitchen, and I even walked into the horse stable, the only place I was able to track him down, to get him to speak with me, but he fled from me while many people, both good and bad, saw it. For me this is so sad and such a shame that it is a wonder my heart is not broken.» John Klassen, op. cit., p. 42. V. também a introdução (especialmente as páginas 11 e 25) e o ensaio crítico (pp. 104, 105 e 108). Tal é sugerido ou afirmado por Rodrigues Lapa (pp. xviii-xix), Antonia Hanreich (pp. 20-24) e Maria Helena da Cruz Coelho (pp. 66-69).

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