PERSPECTIVANDO A OCORRÊNCIA DE MANIFESTAÇÕES VIOLENTAS EM MOÇAMBIQUE

July 23, 2017 | Autor: É. Chingotuane | Categoria: Political Violence, Participatory Democracy
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CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS E INTERNACIONAIS (CEEI-ISRI)

PERSPECTIVANDO A OCORRÊNCIA DE MANIFESTAÇÕES VIOLENTAS EM MOÇAMBIQUE

Énio Viegas Filipe Chingotuane

Maputo, 2011

PERSPECTIVANDO A OCORRÊNCIA DE MANIFESTAÇÕES VIOLENTAS EM MOÇAMBIQUE Énio Viegas Filipe Chingotuane* * Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI) do Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) [email protected]

INTRODUÇÃO

As manifestações no norte de África, motivadas pela necessidade de derrubar os regimes ditatoriais que governavam aquelas sociedades a várias décadas foram bastante aplaudidas pelos Estados ocidentais que passaram a rotular as manifestações de revoluções. O uso do termo revolução procurava demonstrar a queda de um passado de regimes autoritários pela substituição por regimes democráticos. Ao contrário do ocidente, a maioria dos países da África negra olham para as manifestações árabes com muita preocupação e receio pois, temem que o mesmo movimento ocorra nos seus territórios. A razão deste receio prende-se com as similaridades partilhadas com os países do norte de África em termos de injustiça social, desigualdades sociais e económica, a fraca distribuição de recursos e a corrupção endémica. As imagens televisionadas da revolução tunisina e egípcia bem como aquelas difundidas pelas redes sociais, tais como o Twitter e o Facebook, marcadas por manifestações violentas em praças e ruas das principais capitais egípcias e tunisinas representam uma ameaça e uma oportunidade para vários segmentos políticos moçambicanos. Para o Estado, a divulgação destas imagens representa uma ameaça para a sua segurança pelo simples facto de que este tipo de comportamento pode ser replicado nas ruas das cidades moçambicanas resultando em danos físicos e materiais. Para os cidadãos, partidos políticos e organizações da sociedade civil as imagens de violência se apresentam como 1

uma oportunidade de aprendizagem sobre como agir contra o Estado de modo a alcançar objectivos políticos. A análise da possibilidade de ocorrência de manifestações em Moçambique justifica-se pela actualidade do tema e pela necessidade de avaliar o grau de disponibilidade social para o desencadeamento de acções violentas em manifestações. O principal objectivo deste artigo é analisar as implicações que as manifestações no norte de África podem ter para Moçambique. Especificamente, o trabalho pretende avaliar as condições para a ocorrência de manifestações violentas em Moçambique e examinar as capacidades do Estado para conter a violência. O artigo parte do pressuposto de que as condições sociais, económicas e políticas do país favorecem a ocorrência de manifestações violentas conduzidas tanto pelo povo como por grupos politicamente organizados. Com este artigo, espera-se oferecer instrumentos de análise capazes de auxiliar na tomada de decisão e adopção de políticas para a prevenção deste fenómeno em Moçambique. Em termos metodológicos, o trabalho iniciou com uma revisão bibliográfica, cujo enfoque se prendeu na leitura de obras que abordam as teorias da violência. Para sustentar as evidências teóricas identificadas foi conduzido um trabalho de campo no qual se inquiriu alguns cidadãos com base num questionário de 6 perguntas no qual se privilegiou professores da cidade de Maputo1. A amostra não obedeceu a nenhum cálculo probabilístico e os participantes foram abordados de forma informal e acidental. O critério da representatividade geográfica também foi observado, tendo sido realizado um inquérito no centro da cidade e zonas suburbanas. O artigo está estruturado em três capítulos fundamentais: No primeiro capítulo, apresentamos uma análise probabilística da ocorrência de manifestações violentas com base em teorias explicativas da violência. No segundo capítulo, apresentamos uma análise probabilística com base nas respostas dos nossos entrevistados. No terceiro capítulo, apresentamos de forma sucinta as capacidades de resposta do Estado moçambicano e as medidas que podem ser adoptadas para prevenir, gerir e corrigir as situações conducentes as manifestações. Por fim, são apresentadas as conclusões do estudo.

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A escolha de professores da cidade de Maputo foi motivada por 2 factores: (1º) os professores são os principais formadores de opinião da massa crítica de jovens entre os 15-25 anos, que representam a grande massa de indivíduos envolvidos nas manifestações; e (2º) os professores são os principais absorventes das preocupações, criticas e inquietações dos jovens da mesma faixa etária. A escolha da cidade de Maputo baseou-se no critério do maior engajamento visto que é nesta cidade onde se iniciam as manifestações e onde elas assumem uma dimensão mais violenta.

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I.

PERSPECTIVAS TEÓRICAS SOBRE A PROBABILIDADE DE MANIFESTAÇÕES

Teoricamente, existem várias bases para a ocorrência de manifestações em Moçambique. Com efeito, tomando como base as teorias da privação relativa, da frustração-agressão e a teoria da aprendizagem observacional, existem condições evidenciáveis da probabilidade de ocorrência de manifestações violentas em Moçambique. De acordo com Ted Robert Gurr, citado por Anders Nilsson (2001:171), a privação relativa emerge da discrepância assumida entre as expectativas do individuo e as suas capacidades. As expectativas seriam bens e condições de vida que os indivíduos pensam ter direito e as capacidades são os bens e condições que pensam terem a capacidade de poder atingir e manter. Nesta linha de ideias, Nilsson defende que a privação relativa é o fosso entre, o que consideramos como sendo nosso direito ter e a nossa percepção sobre aquilo que outras pessoas, grupos ou instituições permitem que tenhamos. Na abordagem do autor, o sentimento de privação cria frustração resultante da desilusão ou desapontamento por não se conseguir concretizar certos objectivos ou aspirações (Nilsson, 2001:171). A privação relativa também é manifesta em indivíduos que comparam o seu inferior nível de vida com o nível de vida superior de outras pessoas na sociedade (Richardson, 2011:5-6). De acordo com a teoria da privação relativa, ‘‘o dissenso e a violência política resultam da frustração social que aparece quando os resultados experimentados pelos indivíduos são inferiores àqueles que eles esperariam receber ou sentem que mereceriam’’ (EscribàFolch, 2008:727). Portanto, a privação relativa é resultante da ausência ou da inadequada distribuição e redistribuição de recursos na sociedade. A privação relativa exprime assim o sentimento de desigualdade sentido pelos indivíduos na sociedade. Partindo deste pressuposto e olhando para a sociedade moçambicana, observa-se uma grande disparidade na distribuição dos recursos do Estado tanto em termos regionais bem como na vertente rural-urbano. Existe um grande descontentamento na sociedade provocado pela percepção de exclusão política e económica e pela injustiça. Na perspectiva de alguns entrevistados, o Estado, que representa a principal fonte de riqueza em Moçambique foi açambarcado por um grupo que, pelo facto de ter participado na luta de libertação nacional, considera-se proprietário das riquezas do país. Este grupo, privilegia também, por um sistema de nepotismo absoluto, as suas famílias na partilha dos recursos do Estado. O mesmo grupo, impede o florescimento da iniciativa privada e do empreendedorismo ao desenvolver acções de competição desleal, ganhando concursos 3

públicos de forma ilícita, importando mercadorias sem o pagamento de impostos ou qualquer taxa, entre outros factores. Os jovens, detentores de um potencial empreendedor sentem-se oprimidos e ofuscados manifestando um grande descontentamento com a classe dirigente. Por outro lado, a privação relativa é sentida na dimensão regional. A região sul de Moçambique, mais precisamente a província de Maputo, acolhe o maior nível de investimento de todo o país. É nesta província que se encontram as maiores empresas do país, é o centro financeiro e comercial de país e possui as melhores infra-estruturas económicas e sociais do país. As regiões centro e norte encontram-se desprovidos de infra-estruturas básicas, tanto económicas como sociais e não atraem a diversidade de investidores como Maputo. Esta situação priva as populações daquelas regiões do processo de desenvolvimento experimentado em outras regiões do país. A riqueza gerada no país também é distribuída de maneira desigual, verificando-se que aqueles que se encontram no círculo do poder político tiram mais vantagens das receitas do Estado, através de actos de corrupção ou beneficiando-se de conhecimentos sobre investimentos ou por lóbis. O facto de um único grupo político sair beneficiado do crescimento que se assiste pode ser um factor motivador de reacções violentas. Segundo a teoria da frustração agressão de John Dollard, a agressão é uma reação da frustração vivida pelos indivíduos quando não conseguissem atingir os seus objectivos seja por um bloqueio ou por fracasso pessoal. Para os defensores desta teoria, a frustração dos indivíduos surge a medida em que as suas expectativas em relação ao alcance de um objectivo não são atendidas. Efectivamente, quando as expectativas superam a realidade a frustração domina o individuo. A agressão seria, neste caso, um mecanismo de escape e de libertação de stress ou ainda um mecanismo de vingança sobre um factor motivador da frustração. Nesta lógica, uma pessoa frustrada tem mais probabilidade de reagir com violência pois torna-se intolerante. Críticos da lógica desenvolvida pela equipa de Dollard que estabelecia uma relação causa-efeito entre a frustração e agressão defendiam que nem sempre a frustração conduz a agressão. Estes autores, dentre os quais se pode citar o nome de Berkowitz defendiam que para que a frustração resultasse na agressão era necessário haver uma instigação externa ou factores de instigação (Smith, 2008)(Berkowitz, 1989). A prosperidade alcançada por Moçambique nos últimos anos, associada aos elevados índices de investimentos, a descoberta de recursos minerais, demonstração de pujança económica de algumas individualidades e aos índices de desenvolvimento divulgados pelas instituições financeiras nacionais e internacionais provocaram muita expectativa no seio da população moçambicana desejosa de tirar proveito e benefício deste crescimento. 4

Todavia, grande parte desta população sente-se hoje frustrada pela incapacidade do Estado criar oportunidades de acesso a todos os cidadãos. O Estado exige sacrifícios aos cidadãos sem garantir recompensas de nenhuma espécie. De acordo com a teoria da aprendizagem observacional de Albert Bandura, a agressão é resultado da aprendizagem. Para ele, ‘‘os actos de violência não podem ser espontâneos mas sim, precisam ser aprendidos e treinados para que sejam executados’’ (Kristensen, 2003:178). Na perspectiva deste autor, ‘‘o observador aprende qual nível de sucesso atingido por determinado modelo de agressividade e se o comportamento desse modelo de agressividade foi punido ou recompensado. Assim, o observador fica a conhecer, não só o acto agressivo em si, mas também em que circunstancias esse acto agressivo é elogiado ou penalizado’’ (Ribeiro e Sani, 2009:99). Como se pode perceber, Bandura sugere que a violência é socialmente aprendida ou simplesmente que os indivíduos aprendem a agressão pela observação dos outros e como resultado dessa aprendizagem ocorre a imitação de modelos violentos. De acordo com Bandura, o processo de modelagem (imitação de um modelo) passa por 4 fases fundamentais:

Fonte: adaptado de: affective responses to media: http://w2eppgi.ideascale.com/a/dtd/Albert-Bandura/6831-4318

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bandura’s

“social

learning

theory”2

e

http://www.hull.ac.uk/php/edskas/edtech/affect.pdf

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Os órgãos de comunicação social e as redes sociais contribuem para influenciar as sociedades para comportamentos violentos3. Recordemo-nos que a maioria dos jovens que se manifestam no norte de africa foi atraída para as manifestações por meio do twitter e do facebook. O facto da mídia ocidental defender o comportamento dos manifestantes e vender a ideia de que a violência é aceitável em condições de frustração contra os governos também ajuda na formação de uma consciência violenta nos indivíduos. A televisão vangloriava, elogiava e heroicizava os manifestantes árabes ao mesmo tempo que demonizava as forças governamentais, abrindo espaço para que vários jovens quisessem tornar-se heróis em seus países como promotores das mudanças. O contágio dos actos violentos, praticados pelos manifestantes árabes está a produzir simpatizantes em todo o mundo. Visto por este prisma, o povo moçambicano pode imitar modelos de comportamento violentos. Por outro lado, o facto das manifestações violentas no norte de africa terem culminado na saída de ditadores como Bem Ali e Hosni Mubarak demonstrou que a violência pode ser vantajosa ou que o comportamento violento pode ser recompensado. Na perspectiva de Bandura, a opção pela agressão depende da inteligência e o status social do individuo. Entretanto, o factor a ser retido nesta teoria, é o facto de que ‘‘uma vez aprendido o comportamento agressivo, basta haver uma situação apropriada para que ele se manifeste’’ (Kristensen, 2003:178). É aqui onde joga um particular papel o líder da RENAMO. Qualquer iniciativa de violência que venha a ser tomada pela RENAMO, pode incendiar o potencial de violência contido nos jovens moçambicanos. A sociedade moçambicana pode ser comparada a uma bomba relógio, sempre pronta a explodir. Outro elemento que criaria a situação apropriada seria a subida drástica dos preços seja nos produtos alimentares bem como nos transportes, factores considerados essenciais para a sociedade moçambicana.

II.

PERSPECTIVAS SOBRE AS MANIFESTAÇÕES NA ÓPTICA DOS ENTREVISTADOS

Neste capítulo, apresentamos as posições dos nossos entrevistados em relação a probabilidade de ocorrência de manifestações em Moçambique 2.1.

RAZÕES PARA MANIFESTAÇÕES VIOLENTAS EM MOÇAMBIQUE

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http://www.oarquivo.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=573:a-midia-teminfluencia-no-aumento-da-violencia-parte-3&catid=72:temas-diversos&Itemid=72

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De acordo com os entrevistados, existem 5 razões principais que podem conduzir a levantamentos populares em Moçambique. A primeira razão é o elevado custo de vida associado ao aumento dos preços dos principais produtos de consumo. Muitos moçambicanos estão a ser obrigados a reduzir o seu cabaz de consumo devido a alta de preços e o elevado custo de vida. O salário real não consegue suportar as despesas reais das famílias moçambicanas mesmo que o governo congele o aumento de preços. A segunda razão, são as opções políticas no domínio económico que agravam a pobreza da população. Existe uma ilusão de desenvolvimento e crescimento económico enquanto a maioria da população ainda se encontra na pobreza absoluta. Várias vezes os políticos festejam ganhos económicos do país mas a população não sente nenhum reflexo desse crescimento. As projecções do governo foram dramaticamente desmentidas pelo último senso do INE. A política económica do actual governo aprofunda as desigualdades sociais entre os pobres e os muito ricos. O fosso entre ricos e pobres cresce a cada dia. Enquanto os pobres passam pelas maiores dificuldades para assegurarem a uma alimentação básica, vestirem, construirem habitações precárias e pagarem os transportes públicos. Os ricos, a maioria dos quais são os líderes políticos e seus filhos, exibem publicamente uma riqueza adquirida as custas do carrupção, Ostentando carros de luxo, masões luxuosas e um nível de vida acima do normal. A terceira razão é o aumento da corrupção, o nepotismo e o tráfico de influências. Existe uma promiscuidade exagerada para o cidadão normal ter acesso ao emprego, a escola, aos serviços de saúde. O povo percebe que está sendo preterido por pessoas com dinheiro. O povo percebe que para se ter emprego é preciso ser filho de alguém ou ter um nome influente. O povo percebe que as escolas secundárias só servem para aqueles que têm dinheiro e o povo percebe que só quem tem dinheiro consegue ser bem atendido nos hospitais. A quarta razão é a promiscuidade entre o sistema político-partidário e a esfera dos negócios públicos e privados. Os membros do partido no poder monopolizam os investimentos, o acesso ao crédito, os concuros públicos. Tudo está nas mãos dos membros do partido Frelimo. Todo aquele que quer investir tem que obedecer aos condicionalismos do partido no poder. A Frelimo defende os interesses dos seus membros em detrimento dos interesses de toda a população. Fazem negócios sem quaisquer vantagens para a economia nacional. O caso mais caricato acontece com o Fundo de Investimento de iniciativa local onde os maiores beneficiários são os membros do partido no poder. 7

A quinta razão é a falta de diálogo entre o governo e a sociedade. Sempre que o governo tomar medidas com impacto directo da vida da população sem um prévio debate público e que impliquem mais sacrifícios do cidadão, o povo vai se manifestar de forma violenta porque toda a população já está saturada e a assumir elevados encargos. Parece não existir, ao nível da classe política moçambicana, uma vontade de auscultar as populações sobre qualquer medida. Ouvimos sempre falar de estudos de impacto ambiental, quando se quer estabelecer um projecto mas nunca ouvimos falar de um estudo de impacto social. Existe um grande descontentamento popular em relação aos políticos medíocres que governam a nossa sociedade, incapazes de perceber a situação da população. Proferindo discursos inflamatórios, infundados e que atropelam os valores morais da sociedade.

2.2.

COMO SERIAM AS MANIFESTAÇÕES EM MOÇAMBIQUE? VIOLENTAS OU NÃO VIOLENTAS?

De acordo com alguns entrevistados (80%), as manifestações em moçambique teriam um cunho extremamente violento. Estes justificam tal tendência em função do historial das manifestações em moçambique. Todas as manifestações ocorridas no país soldaram-se em vários mortos, destruição de infra-estruturas, pilhagem e ferimentos. O povo sai a rua preparado para destruir e a polícia vai a rua preparada para violentar. O resultado é o confronto entre população e polícia. O problema das manifestações em moçambique é que elas são desencadeadas sem nenhuma liderança e sem objectivos concretos. As pessoas são estimuladas por individuos não identificados e a juventude deixa-se mobilizar com facilidade. 8

No ponto de vista de outros entrevistados (20%), as manifestações só podem ser pacíficas se forem organizadas por grupos sindicais ou partidos políticos, que exercem um certo controlo sobre as massas populares. Todavia, os sindicatos em moçambique não existem e se existem não são interlocutores válidos para defender os interesses dos trabalhadores. Se os sindicatos funcionassem e se tivessem a liberdade de agir livremente não assistiriamos ao fenómenos que ocorrem em moçambique. Na Africa do sul, na europa, na américa latina não assistimos manifestações violentas porque quem vai a luta são os sindicatos, quem exige são os sindicatos. Mas a política da Frelimo foi sempre no sentido de diminuir o papel social dos sindicatos, reduziram os sindicatos a nada. Por causa disso a revolta popular é desorganizada, descoordenada e violenta. Sem interlocutores válidos, as manifestações sempre terão um cunho violento, desorganizado e disperso.

2.3.

QUANDO É QUE ESTAS MANIFESTAÇÕES TERIAM LUGAR?

De acordo com os nossos entrevistados (90%), tudo depende das condições internacionais e da resposta do governo moçambicano aos problemas da população. Se a subida dos preços dos principais produtos alimentares continuar a subir, a situação vai ficar cada vez mais explosiva. O governo não vai poder manter os subsídios aos combustíveis, ao trigo, aos chapas e aos produtos alimentares básicos. Os cofres do Estado estão a recentir-se com estas despesas públicas. Mais cedo do que se pensa, o Estado vai ter que reduzir ou eliminar o seu papel de provedor. A crise internacional afecta todos os países do mundo incluindo aqueles que financiam o orçamento geral do Estado. A maioria desses países já anunciou reduções nas suas despesas públicas e em alguns casos já foram anunciadas reduções na ajuda externa a alguns países. Apesar de moçambique não estar contemplado, o Estado vai ficar refêm de maiores condicionalismos e por essa via pode sentir a necessecidade de reduzir o deficit causado pela despesa pública direccionada aos subsídios. A única solução seria fazer uma reforma urgente da política salarial, 9

aumentando os salários e abrindo espaço para que o mercado se auto-regule. O aumento dos salários é a única saída viável para os moçambicanos suportarem o elevado custo de vida. Na perspectiva de outros entrevistados (10%), não existem condições para estas manifestações terem lugar porque o Estado está a encetar um grande esforço para impedir que a crise tenha efeitos sobre os cidadãos. Para estes, qualquer manifestação que acontecer estria contra o espirito das leis e seria mobilizada por pessoas que não apreciam os esforços do governo. Para que as manifestações ocorram terá que haver um outro motivo pois o povo está ciente dos esforços do governo para controlar a situação.

2.4.

QUEM SERIAM OS PROTAGONISTAS? O POVO EM GERAL OU ALGUM PARTIDO POLÍTICO?

No ano 2000, a renamo, maior partido da oposição, conseguiu desencadear uma série de manifestações contra o governo. Apesar de, em alguns lugares não terem alcançado um nível de adesão satisfatório noutros lugares houve uma adesão massiva da população. Para 50% dos nossos entrevistados, esta experiência demonstra que os partidos políticos, em especial a renamo, tem a capacidade real de organizar manifestações por todo o país, principalmente ali onde granjeia grande apoio popular. Alguns analistas consideram que o poder de influência da Renamo e de Afonso Dlhakama vai reduzindo e que actualmente não teria capacidade de promover manifestações a nível nacional. Para contrariar estes analistas, a recente aparição de Dlhakama num comício mobilizou milhares de populares que o foram ver, demonstrando claramente que ainda é uma peça fundamental no Xadrez político nacional. Para alguns entrevistados 10%, tudo depende da vontade de Dlhakama. O facto de até hoje não terem decorrido manifestações pós eleições de 2009 é que Dlhakama não tem vontade.

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Na perspectiva dos nossos entrevistados (90%), a maior ameaça são as manifestações populares desencadeadas pela população, sem nenhuma autoridade, comando ou liderança a mobilizar, coordenar e concentrar a população. Sem coordenação, cada um faz o que quer e sem concentração a manifestação fica dispersa. Este tipo de manifestações é extremamente perigosa porque não existe um interlocutor válido que possa ser alcançado para apaziguar os tumultos populares. Ao contrário do que aconteceu no Egipto e Tunísia, onde os manifestantes se concentravam nas praças públicas, os levantamentos populares em Moçambique podem se espalhar por toda a cidade. Existe uma grande massa jovem nas periferias das cidades que não tem nada a perder, que não tem perspectivas de futuro, que se encontram em Estado permanente de ebolição e que estão dispostos a incendiar, destruir e pilhar.

2.5.

ONDE SERIA O EPICENTRO DAS MANIFESTAÇÕES?

Normalmente, estas manifestações decorrem em zonas urbanas onde se concentram as lideranças políticas e onde a informação se espalha com maior facilidade. Neste sentido, as capitais provinciais seriam o epicentro destas manifestações podendo de alguma forma alcançar algumas capitais distritais. Ja tivemos manifestações em distritos como montepuez, Angoche, Quissanga, Nacala, Ilha de Moçambique, Mocuba, Alto Molocué, Lugela e Gurue. Se as manifestações forem promovidas pela Renamo é bem possível que elas começem no norte do país onde ele está actualmente baseado e depois pode-se alastrar para o centro e finalmente para o sul. Mas, se for uma manifestação popular vai começar em Maputo e depois se espalhar para o resto do país.

III.

CAPACIDADE DO ESTADO PARA GERIR MANIFESTAÇÕES VIOLENTAS E OPÇÕES ESTRATÉGICAS 11

Em resposta a pergunta se Moçambique teria condições de gerir manifestações violentas da mesma dimensão daquelas ocorridas no norte de África, os nossos entrevistados também manifestaram opiniões diferentes. Na óptica de alguns entrevistados (70%), Moçambique não está preparado para gerir manifestações da dimensão daquelas que ocorreram no Egipto, Tunísia e Libia. Nas poucas manifestações que tivemos, que até envolveram alguns jovens das periferias das cidades de Maputo e Matola, o país ficou totalmente paralisado. A polícia não teve condições de estancar a violencia. Temos uma polícia sem meios para controlar tumultos daquela natureza e sem efectivos para destribuir em todos os locais críticos das cidades. Se as manifestações ocorrerem em simultâneo em todos as cidades do país e envolverem muita gente, o Estado vai ter que capitular. Na perpectiva dos entrevistados, o Estado deve investir um pouco mais no recrutamento e treinamento de polícias e que seja dada uma instrução de qualidade para que os polícias não violem os direitos humanos. Na verdade, a polícia precisa de incentivos salariais para que seja uma profissão atractiva para os jovens. Na perspectiva de outros entrevistados (30%), a polícia da república está minimamente apetrechada para as condições económicas do país. Para eles, o Estado não precisa aumentar o seu efectivo policial para se fazer presente e para assegurar a ordem e tranquilidade pública. Os países ricos não são seguros porque tem muitos polícias mas sim porque as populações vivem num ambiente de prosperidade e desenvolvimento. O que moçambique precisa fazer é alargar o acesso a riqueza a toda população. Quando as pessoas estão satisfeitas não se menifestam de qualquer maneira e a criminalidade diminui. Portanto, não acho que seja necessário aumentar polícias para evitar e controlar as manifestações. Para evitar as manifestações, o governo deve aumentar os salários, acabar com a corrupção e redistribuir a riqueza. Se quizerem comparar Moçambique com a Tunísia e o Egipto, eles tem muito mais polícias do que nós mas nem por isso conseguiram evitar as manifestações. É verdade que a nossa polícia precisa de viaturas, rádios para comunicações e equipamente próprio para controlar manifestações, como balas de borracha, camiões com jatos de agua, capacetes e escudos protectores, gás lacrimogênio e bastões de borracha. Mas a solução não está na polícia mas sim na política.

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OPÇÕES ESTRATÉGICAS AO DISPOR DO ESTADO Perante a ameaça e/ou ocorrência de manifestações, o estado moçambicano terá 3 opções estratégicas a tomar: 1) AGIR PARA PREVENIR Pela leitura das respostas dos entrevistados, pode-se conjecturar que uma atitude de evitamento é a mais sensata e aconselhável, no sentido em que o estado deve evitar que os problemas e demandas sociais se elevem ao ponto da convulsão. Nesta perspetiva, o estado deve ser proactivo para inibir a emergência do descontentamento social. O estado deve ter a capacidade de detectar antepadamente qualquer sintoma de convulsão social e antecipar-se na busca de soluções para as inquietações sociais. A proactividade estatal, deverá basear-se primeiramente na sua capacidade de auscultar a sociedade e desenvolver políticas, programas e planos direcionados a resolução dos problemas detectados antes que estes atinjam o seu ponto de saturação. Neste caso, as autoridades governamentais deverão ser capazes de ter a sensibilidade suficiente e o contacto permanente com a sociedade para extrair dela as suas expectativas, desejos e ambições. A lealdade da sociedade para com um governo proactivo é bem maior do que para um governo reactivo. O facto é que o estado deve liderar os processos e não andar a reboque dos problemas pois, a reação aos problemas tem um custo bem elevado em relação a postura proactiva. Em última instancia, um estado proactivo é aquele que se concentra em três eixos fundamentais: o desenvolvimento, inclusão e redistribuição. Políticas 13

públicas pro-activas seriam: desenvolvimento e fomento do emprego, renda, transportes, educação, saúde, habitação, entre outros. Dentre os vários mecanismos ao serviço do estado para auscultar a sociedade encontramos o desenvolvimento e financiamento de estudos direcionados por instituições de pesquisa estatais e/ou independentes. Um dos principais instrumentos ao serviço do estado, que deve ser activo na avaliação de probabilidades são os serviços de inteligência. Apesar das manifestações serem convocadas de forma aberta, os seus mentores podem ter motivações secretas e/ou indeclaradas que não são de acesso para os convocados, tais como o uso da violência e o ataque deliberado as instituições públicas. Um bom serviço de inteligência funcionaria não para impedir que a manifestação se desenvolva mas para prever a actuação dos participantes e desenhar respostas adequadas a situação. Usadas de forma apropriada, os serviços de inteligência permitem reduzir o grau de incerteza, proteger a propriedade e os bens públicos, evitar actos criminosos, entre outros. 2) INTERAGIR PARA GERIR Poucos estados têm a capacidade de prever e prover soluções para todos os problemas sociais que emergem pois, estes crescem e se multiplicam consoante o desenvolvimento da sociedade. Na prática, os melhores estados são aqueles que conseguem gerir os problemas sociais. Para melhor gerir os problemas sociais, torna-se fundamental que o estado interaja com a sociedade. Um dos principais mecanismos de interação estadosociedade é a gestão participativa. A gestão participativa é um instrumento de inclusão por excelência permitindo a participação popular na gestão das políticas públicas. Com a gestão participativa, a sociedade passa a ser envolvida no processo de tomada de decisões. Os cidadãos são chamados a ser autores e co-produtores de ideias e soluções e se tornam parceiros do estado. Por essa via, a comunidade se apropria da ação governamental (Machado, 2005:5-6). Sendo co-produtores, eles tornam-se também coresponsáveis. Portanto, a gestão participativa tornar-se-ia num instrumento de controlo social ao serviço do Estado. A postura de distanciamento do estado em relação aos cidadãos, constitui uma grande ameaça para o próprio estado. O estado deve interagir com os cidadãos abrindo-se para o diálogo constante e permanente. Este diálogo poderá ser desenvolvido ao nível da comunicação social (sendo unidirecional) ou com a sociedade civil (bidirecional). Enquanto na primeira estratégia, o governo seria incumbido de manter o público informado sobre as decisões políticas, a segunda estratégia visa essencialmente a retro-alimentação. O 14

diálogo com a sociedade deverá preceder a adopção de qualquer política ou legislação que tenha efeitos imediatos sobre a vida dos cidadãos. Por essa via, irá facilitar a mobilização da sociedade para as causas governamentais, difundir as acções governamentais, auscultar as preocupações da sociedade civil e adaptar as políticas consoante as propostas da sociedade civil. Outro instrumento de grande valia, que permite ao estado interagir e mobilizar a sociedade é a Propaganda. O estado deve fortalecer e usar a sua máquina de propaganda para fabricar consensos nacionais e moldar o pensamento da sociedade no sentido daquilo que pretende4. Ao contrário do que se propaga e da grande condenação que a propaganda teve ao longo das últimas décadas - pelo facto de ter servido regimes autoritários, ditatoriais e fascistas e ao estado nazista - ela é um instrumento fundamental e imprescindível para a governação de qualquer sociedade, incluindo as sociedades democráticas. Intelectuais liberais defendem a necessidade de disciplinar as instituições responsáveis pela endoutrinação da juventude, tais como escolas, universidades, e adoptar um controlo mais severo sobre a mídia. De acordo com Chomsky, os governos se fundam sobre o controlo da opinião (Chomsky, 2003:7). Com a adopção da democracia multipartidária e liberalismo económico, Moçambique desmobilizou a sua máquina de propaganda, relegando-lhe um papel terciário, acreditando no poder da democracia como um controlador social. Contrariamente, a democracia exige que o estado se engaje activamente da formatação da opinião pública. Existe portanto a necessidade do estado reestabelecer a sua máquina de propaganda para que possa atender as necessidades actuais, onde a disponibilidade de informação perpassa os meios tradicionais como o jornal, rádio, televisão para os novos meios como a internet (facebook, tweeter) e telefones celulares. O staff que compõe esta estrutura deverá ser altamente treinada e expandida em termos numéricos. Ao contrário da postura anterior, que se dedicava ao controlo e a censura, a nova postura deverá se concentrar na persuasão e no convencimento (Brady, 2006:73). O staff engajado na propaganda deverá ter um conhecimento profundo sobre técnicas de persuasão. 4

Walter Lipman defendia nos seus artigos sobre a democracia que o estado devia manufacturar consensos na sociedade. Por sua vez, Edward Bernays defendia que a essência dos processos democráticos eram autênticos processos de ‘engenharia de consensos’. Finalmente, Alexandre Hamilton defendia que o povo é uma grande besta (animal) que precisa ser controlado. Tanto os EUA como a Grã-Bretanha reconheceram a necessidade de controlar a ‘besta’, pelo controlo da opinião pública. Não se estranha por isso, que estas sociedades consideradas exemplares do liberalismo democrático foram as pioneiras no desenvolvimento de mecanismos de propaganda (Chomsky, 2004:5-7).

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3) REAGIR PARA CORRIGIR A fraca capacidade de leitura de cenários por parte do estado obriga-o a ser reactivo. A reação resultaria nesse caso, da falta de acção e da incapacidade de interacção do estado. Evidentemente que na falta de uma estratégia de prevenção e gestão dos problemas sociais, o estado será obrigado a corrigi-los sob pressão popular, principalmente quando essa pressão se manifesta nas ruas. Enquanto as manifestações forem pacíficas, o estado tenderá a dar respostas pacíficas mas quando as manifestações se tornam violentas, o estado torna-se também violento. Ao contrário de desenvolver políticas para corrigir os problemas, o estado passa a preocupar-se unicamente em coagir os manifestantes. Qualquer governo que paute por esta postura concorre automaticamente para a perda da legitimidade e a ver multiplicados os actos de resistência popular. Contrariamente, um governo que opte pela correção dos problemas sociais será aplaudido e ovacionado. Na lista de opções estratégicas do estado, a coação deverá ser a última opção quando as estratégias anteriores não surtirem efeito e a violência dos cidadãos se impor. A coação deverá ser sempre a resposta a actos inapropriados e nunca uma medida prioritária do estado. Em outras palavras, o estado deverá sempre agir para se defender (no sentido restrito de defesa das instituições, dos bens públicos e privados e da segurança pública). A máquina repressiva do estado não poderá responder de forma desproporcional para não perder a legitimidade interna e externa. Uma política de coação deverá ser sempre acompanhada por uma política de evitamento de mortes e feridos, susceptiveis de agravar os ânimos populares. Aos olhos do público doméstico e internacional, o governo deverá ser visto como receptor da ofensa e não o contrário pois, a sobrevivência do governo poderá passar pela aprovação ou reprovação desta opinião pública nacional e internacional. As experiencias nos países árabes demonstram o quanto a opinião pública doméstica e internacional pesam na decisão política de organizações internacionais e das grandes potências. As acções repressivas do estado, devem ser equilibradas com devidos remédios aos problemas sociais em causa. A política do carrots and sticks deverá permear a acção do estado. Qualquer atitude do estado deverá evitar entrar na margem da ingovernabilidade ou do abuso aos direitos humanos pois, poderá motivar a que actores internacionais de peso intervenham no estado moçambicano sob o manto da responsabilidade de proteger

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ou da defesa dos direitos humanos5. Portanto, é fundamental, coagir com moderação, com o único objectivo de restabelecer a ordem pública. Entretanto, uma política de coação bem-sucedida deverá ser sustentada por uma capacidade de propaganda mediática bastante forte pois, várias forças entrarão em choque para a defesa de interesses opostos. A imprensa internacional estará activamente engajada em mostrar os abusos do governo enquanto a imprensa estatal estará engajada em mostrar os excessos da população, surgindo por essa razão uma batalha mediática e de narrativas. O estado deverá ser capaz de vencer a batalha mediática sem impor a censura. Perante a manipulação de imagens de uma imprensa sensacionalista, o estado deverá ser capaz de prover informações fidedignas mas, para tal, é necessário que se conheçam as técnicas da propaganda mediática. A mídia deve ser visualizada como instrumento auxiliar do governo para ganhar corações e mentes dentro e fora de Moçambique. A possibilidade de publicação de vídeos nas redes sociais, por parte dos manifestantes e seus simpatizantes não permite o controlo e a censura governamental. Contrariamente ao que seria lógico fazer, muitos governos precipitam-se em bloquear as redes sociais para prevenir a divulgação de imagens e desenvolvem uma retórica de demonização dos manifestantes, conduzindo contrariamente aos seus intentos, a uma maior mobilização popular. Estrategicamente falando, o governo não só deve manter as redes funcionando como deverá fazer uso delas para divulgar imagens que o façam ganhar simpatia domestica e internacional. Mais importante ainda, o governo deverá desenvolver uma retórica de aproximação com as massas e não de afastamento, uma retórica de humanização e não de demonização, uma retórica que reconheça a justeza das reivindicações populares ao mesmo tempo que convida a sociedade civil para desenvolver soluções conjuntas para os problemas6. Em última análise, a coerção sem correção conduzirá a deslegitimação do estado.

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Para uma compreensão da intervenção por motivos humanitários vide Alston, Philip e Euan Macdonald (eds) (2008): Human Rights, Intervention, and the Use of Force, Oxford University Press, Oxford. Por sua vez, para uma compreensão da intervenção baseada na responsabilidade de proteger vide Evans, Gareth (2008): The Responsibility to Protect: Ending Mass Atrocity Crimes Once and For All, Brookings Institution Press, Washington D.C. 6 Emad Mekay, no seu artigo ‘One Libyan Battle Is Fought in Social and News Media’ publicado no The New York Times, expõe de maneira bem clara as dificuldades que o governo líbio teve de controlar as redes sociais e de desenvolver uma campanha de propaganda mediática fidedigna em face da exposição de factos reais por parte de canais de televisão internacionais como a Al Jazeera e a Al Arabiya. Segundo o autor, os factores que descredibilizaram a campanha de propaganda de Kaddafi foram: 1) a saturação da sociedade

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo, procurou-se estudar as possibilidades de ocorrência de manifestações em Moçambique inspiradas pelas manifestações que ocorreram no norte de África. Para alcançar este objectivo buscou-se evidencias teóricas que sustentassem essa possibilidade e desenvolveu-se um inquérito com perguntas abertas a um pequeno universo de indivíduos. A principal conclusão que se pode tirar é que Moçambique possui condições favoráveis para a eclosão de manifestações. Teoricamente, existem 3 factores que podem motivar a eclosão de manifestações violentas tais como: os sentimentos de privação relativa, a frustração de grande parte da população e o facto dos moçambicanos poderem imitar o modelo comportamental dos povos árabes. Estas teorias devem ser levadas em consideração pelos decisores políticos pois a violência estrutural do Estado está a sufocar a sociedade, principalmente os mais jovens. Do ponto de vista dos entrevistados, as opiniões quanto a probabilidade de ocorrência de manifestações não são unânimes. Enquanto alguns acreditam existirem condições para a eclosão de manifestações violentas, outros são de opinião que, para tal acontecer, seria necessário que o líder da oposição incita-se a população para esse fim. No nosso ponto de vista, o país já vive num período de violência explícita e silenciosa caracterizado pelo recrudescimento da criminalidade organizada e os crimes violentos como assaltos a mão armada, violações, assassinatos, entre outros. Acreditamos que estes crimes sejam fruto de frustrações, privação relativa e o aprendizado que os moçambicanos ganham do contacto com os sul-africanos, imigrantes e os noticiários de cadeias televisivas brasileiras como a Record, que transmite, com riqueza de detalhes, crimes violentos ocorridos no Brasil. A manifestação da violência na sociedade estende-se para crimes hediondos como o tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas (mulheres e crianças). Estes crimes, revelam claramente que a sociedade está doente, predisposta a actos desumanos para alcançar a sua sobrevivência. Trata-se de uma sociedade em ebulição que reivindica de forma silenciosa o que acredita ter direito de possuir. Cabe a classe política, procurar atribuir significado político ao crescente crime na sociedade moçambicana de modo a perceber o nível de insatisfação, descontentamento e frustração vivido pelos moçambicanos com a finalidade de prevenir a eclosão de manifestações de violência mais ante uma propaganda oficial de mais de 40 anos; 2) o facto dela ter demonizado os manifestantes; e 3) o facto de ter jogado a culpa das manifestações à Israel.

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explícitas através de grupos organizados que podem perigar efectivamente a sobrevivência do poder político vigente. A indiferença perante as evidencias não só motiva o recrudescimento dos actos violentos aqui apresentados como também legitima a violência como mecanismo de satisfação das necessidades humanas. Ao reconhecer a precariedade do Estado para lidar com manifestações da envergadura daquelas que ocorreram no norte de África, a classe dirigente deverá, não só fortalecer a máquina repressiva do Estado como também e, acima de tudo, fortalecer o papel social do Estado pois, somente com acções proactivas e não reactivas o Estado poderá prevenir e gerir as frustrações e o descontentamento social.

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