Plano de Salvaguarda do Património do Baixo Sabor. Discussão da opções metodológicas do estudo do edificado

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Plano de Salvaguarda do Património do Baixo Sabor Discussão das Opções Metodológicas do Estudo do Edificado Paulo Dordio* Alexandra Lima**

Resumo – Centrando-se preferencialmente no Estudo sobre os elementos edificados e construídos de carácter arquitectónico e etnográfico noVale do Sabor, previsto no Plano de Salvaguarda do Património do Baixo Sabor (2010-2015), os autores procuram discutir as opções metodológicas assumidas, contextualizando-as no seio das problemáticas actuais que envolvem três conceitos fundamentais: Património, Salvaguarda e Edificado. Palavras Chave – Patrimônio; Salvaguarda; Edificado; Baixo Sabor. Abstract – Focusing mainly on the Study of built and constructed elements of architectural and ethnographical character in the Vale do Sabor, as planned by the Plano de Salvaguarda do Patrimonio do Baixo Sabor (2010-1015), the authors discuss the assumed methodological options, in context with the current trends that involve three fundamental concepts: Patrimony, Safeguard and Construction. Keywords - Patrimony; Safeguard; Construction; Baixo Sabor.

_______________ * Arqueólogo; Coordenador geral do Plano de Salvaguarda do Património do Aproveitamento Hidroeletrico do Baixo Sabor (2009-2015).** Arqueóloga; Coordenadora do Projeto Arquivo de Memória. Revista CEPIHS (Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social), 5, 2015, PP-PP

Paulo Dordio e Alexandra Lima

Introdução Em 2008, o início da empreitada da obra do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor (AHBS) colocava um ponto final nas dúvidas e incertezas sobre a construção de uma nova barragem hidroeléctrica na região de Trás-os-Montes que se faria acompanhar da submersão de mais de 3000 ha de vale distribuídos ao longo de cerca de 60 km do curso do rio. O Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor (AHBS) surgiu então como a oportunidade de promover a elaboração e o desenvolvimento de um ambicioso plano de minimização dos impactes da empreitada de obra sobre um conjunto alargado de elementos patrimoniais, entre os quais, grande número de sítios arqueológicos. O documento orientador desse plano — Plano de Salvaguarda do Património (PSP) — propôs uma aproximação integrada que visava a investigação das dinâmicas de transformação de um território, o Baixo Sabor, na longa duração, da Pré-história aos nossos dias. Aquele plano estabelecia assim que a salvaguarda do património não se realiza apenas através do registo, monitorizações ou preservações in situ mas, e em primeiro lugar, através da produção de conhecimento. O que ficou estabelecido no Plano de Salvaguarda do Património do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor foi posto em prática e cumprido entre 2010 e 2015. O PSP, que previa um núcleo de Estudos Específicos (A Pré-história do Baixo Sabor, A Arte Rupestre, A Proto-história, A Romanização, A Idade Média, Elementos edificados e construídos de carácter arquitectónico e etnográfico no Vale do Sabor) bem como Programas Especializados (Proteção e Monitorização de Valores Patrimoniais, Acompanhamento de Obra, Preservação In Situ, Trasladação de Elementos Patrimoniais,…), implicou uma importante concentração de recursos humanos e materiais com o objectivo de implementar um projecto de investigação e salvaguarda patrimonial. O presente texto centra-se, preferencialmente, sobre um daqueles estudos específicos, o Estudo sobre os elementos edificados e construídos de carácter arquitectónico e etnográfico no Vale do Sabor, previsto no Plano de Salvaguarda do Património do Baixo Sabor, ainda que a discussão desen2

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volvida se alargue necessariamente ao contexto global de salvaguarda e minimização em que se enquadrou, junto com os outros estudos e programas de actuação. Procura-se discutir as opções metodológicas assumidas contextualizando-as no seio das problemáticas actuais que envolvem três conceitos fundamentais: Património, Salvaguarda e Edificado. Este último, de mais dificil aproximação e definição, está longe de apresentar uma designação estabelecida sem dúvidas ou hesitações. Os trabalhos vacilam entre a Arquitectura Popular ou Vernacular e a Paisagem Tradicional ou Ordinária, e hesitam entre aproximações descritivas e pouco teorizadas e outras mais formalizadas que obedecem a protocolos de maior exigência como a Arqueogeografia. Esta realidade ilustra também a dificuldade que constitui sempre aproximarmo-nos, com um discurso que se ambiciona histórico, do Presente que, ainda a quente, nos envolve1.

Fig.1 – Albufeira do Baixo Sabor em Agosto de 2015. Fotografia de Alexandra Lima

No presente texto damos continuidade e desenvolvemos uma reflexão sobre o processo de salvaguarda e minimização que um dos autores (Paulo Dordio) coordenou no Baixo Sabor entre 2010 e 2015 e sobre a qual publicamos individualmente ou em colaboração os seguintes outros textos: Paulo Dordio et al (2015), O Plano de Salvaguarda do Património do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor (PSP do AHBS), 2009 – 2015, Dossier CoaVisão, n.º 17, 2015; Paulo Dordio (2014), “Investigação e Desenvolvimento no Plano de Salvaguarda do Património do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor”, in Actas i Conferências Museu de Lamego – História e património no do Douro: Investigação e desenvolvimento, CITCEM, 2013, Disponível em http://issuu.com/066239/docs/actas_museu > ou < https://up-pt.academia.edu/PauloDordioGomes. [Consulta realizada em 22/04/ 2015]; David Ferreira; Paulo Dordio; Alexandra Cerveira Lima (2013), “Paisagem Como Fonte Histórica”, in Actas do Congresso Internacional Arqueologia Moderna, Lisboa, CHAM, 2011. 1

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Discussão das Opções Metodológicas do Estudo Plano de Salvaguarda do Património (PSP): estado da arte No âmbito do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor, a redacção de um documento enquadrador dos trabalhos de minimização foi prevista pela empresa ERA-Arqueologia no Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução (RECAPE). A versão final deste documento, o Plano de Salvaguarda do Património, resulta de um trabalho a várias mãos de diferentes arqueólogos que, partindo do RECAPE, passa pela tutela (Direção Regional de Cultura do Norte, IGESPAR, Parque Arqueológico do Vale do Coa) e pela coordenação do património da EDP2. Importa contextualizar este documento procurando aclarar a forma como as entidades de tutela e os arqueológos envolvidos no processo lhe dão corpo e o desenvolvem. A preocupação com a qualidade dos trabalhos de avaliação de impacte ambiental e de minimização dos impactes fica patente no esforço de reflexão e produção científica por parte dos profissionais a quem, nos organismos de tutela, incumbe avaliar, acompanhar e produzir pareceres sobre esta matéria. A bibliografia regista diversos trabalhos de fundo, citem-se desde logo os de Ana Margarida Martins, Alexandra Estorninho, David Ferreira ou Gertrudes Branco, os dois últimos correspondendo mesmo a dissertações de doutoramento. No conjunto constituem um importantíssimo balanço e apontam linhas de rumo, denotando não só a orientação de serviço público dos seus autores, como a consciência aguda de quem diariamente trabalhou ou trabalha com processos que envolvem a afectação e destruição do património e se confrontou com a urgência de impedir ou minimizar impactos. Espelham e objectivam questões com que se deparam quotidianamente responsáveis e técnicos dos organismos que tutelam o património, RECAPE – Era Arqueologia; Direção Regional da Cultura do Norte – Paulo Amaral; IGESPAR – João Muralha Cardoso, Luís Pereira; Parque Arqueológico do Vale do Coa – António Martinho Baptista, André Tomás Santos, António Batarda, Dalila Correia, Jorge David Sampaio, Thierry Aubry; Coordenação do Património da EDP – Maria de Jesus Sanches, Pedro Rafael Morais. 2

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ajudando a criar uma consciência viva das principais problemáticas e a definir perspectivas comuns na forma de as enfrentar. Ana Margarida Martins enfatizava a importância do resgate da informação no âmbito de trabalhos com impacte sobre o património: (...) podemos considerar que os princípios do direito da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador foram totalmente absorvidos pela prática arqueológica em Portugal. A Arqueologia preventiva permite, através de um conjunto de trabalhos arqueológicos (prospecções, escavações, ou outros) executados com determinada metodologia científica, “resgatar” a informação arqueológica, contida no “arquivo de terra”, que no âmbito das grandes transformações da paisagem seria perdida. Este “resgate” pode ocorrer, previamente, quando já se presume a existência de vestígios arqueológicos na área a ser afectada pelos projectos, planos, obras, (“princípio da prevenção”), ou simplesmente no decurso do acompanhamento arqueológico quando ainda se lida como uma possibilidade abstracta do risco de destruição de vestígios (“princípio da precaução”)3.

A esta preocupação fundamental com o resgate da informação que de outra forma seria destruída, acrescenta-se uma reflexão profunda sobre a conversão da informação resgatada em conhecimento, muito particularmente em contextos de avaliação de impacte ambiental. Gertrudes Branco introduz de forma clara o objecto da sua reflexão: “Esta dissertação considera a relação de contemporaneidade que se estabelece entre a sociedade atual e o património arqueológico, e a forma como esta contribui para o aumento do conhecimento histórico-cultural do passado”4. A necessidade de uma postura interpretativa, de se conduzir um trabalho de investigação, é sublinhada pela autora desde as primeiras fases dos trabalhos em estudos de impacte ambiental:

Ana Margarida Nunes Martins, “A salvaguarda do património arqueológico no âmbito dos processos de avaliação de impacte ambiental e de ordenamento territorial: reflexões a partir do direito do património cultural, do ambiente e da gestão do território”, in Revista Portuguesa de Arqueologia, 2014, (pp. 219-256), p.15. 4 Maria Gertrudes Azinheira Branco, Avaliação de Impacte Ambiental: o património arqueológico no Alentejo Central. Tese apresentada à Universidade de Évora para obtenção do Grau de Doutor em Arqueologia, Universidade de Évora, 2014. 3

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Em nosso entender, uma das principais fragilidades na caracterização da situação de referência patrimonial é o facto das técnicas serem executadas de forma isolada, não perfazendo uma metodologia conjunta que transmita um conhecimento sobre a área de projeto, que vá além da constatação da presença/ausência de ocorrências patrimoniais. O sim/não de uma existência desprovida de uma interpretação que a fundamente é um trabalho técnico, com possíveis consequências onerosas para o património e para a execução do projeto (…)5.

David Ferreira chama a atenção para este aspecto determinante em vários momentos da sua dissertação, e com ele seguiremos pontos essenciais da análise e reflexão que faz e que aclaram também o PSP do Baixo Sabor. A expansão cronológica da patrimonialização “significa a patrimonialização de objectos muito recentes” e “a emergência do próprio território como categoria patrimonial. Esta nova concepção responde a um anseio de patrimonialização integral“6(FERREIRA, 2013: 160-168) que atravessa a sociedade contemporânea, que se plasma na doutrina e que o autor procura contextualizar. É também neste quadro que o património vernacular surge assim já normalmente considerado nos estudos de impacte ambiental, embora com uma abordagem parcial e não interpretativa do conjunto: (...) os profissionais do património integraram já plenamente esta tipologia no seu campo de acção, embora poucas vezes surja descrita como património vernacular (…). Mais importante, contudo, é o facto destes inventários terem tendência para um registo excessivamente fraccionado, quando em muitos casos é notório que as peças individuais deveriam ser encaradas como parte de um conjunto. Trata-se de um problema também em AIA e que não deve ser menosprezado. Esta fragmentação denuncia um fraco investimento na interpretação da realidade patrimonial e a adopção de um tipo de trabalho quase mecânico, em que se vão preenchendo fichas individuais sem relacionar os objectos numa perspectiva funcional, matricial, histórica, etc.7.

Idem, pp. 83-84. David Ferreira, O património cultural na avaliação de impacte ambiental em Portugal. Tese de Doutoramento em História da Arte Portuguesa, FLUP, 2013, pp. 160 e 168. 7 Idem p. 147. 5

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A fragmentação do registo e da abordagem que o autor sublinha corresponde também a uma discrepância entre a doutrina e a prática. David Ferreira refere expressamente o “desfasamento relativamente aos conceitos de património cultural vigentes” que define como “uma espécie de “pecado original” quando analisa o conceito de património cultural subjacente ao texto plasmado nos Termos de Referência Para o Património Arqueológico Em Estudos de Impacte Ambiental8 que, enfatiza, se concentra (...) no elemento discreto, visto isoladamente enquanto ocorrência. Este termo, aliás revelador (...) ignora uma longa tradição doutrinária que valoriza as relações, o enquadramento e o contexto paisagístico, como parte integrante do valor patrimonial. Note-se que não nos referimos apenas à beleza cenográfica – embora a qualidade estética jogue um papel importante na valorização do património – mas sim ao leque de relações significativas que o monumento estabelece com o mundo que o rodeia e ainda às relações que os vários elementos patrimoniais estabelecem entre si. O grau de importância e coerência destas relações conduz em muitos casos a uma visão unitária, uma visão de conjunto, que se perde facilmente se o enfoque for dado à identificação de elementos discretos. Não havia razão para ignorar este entendimento, tão bem enraizado na doutrina. A própria Lei de Bases do Património Cultural (Lei 107/2001 de 08/09) fixou este conceito sem ambiguidades9.

Daqui decorre a necessidade de um visão não atomística: (...) ao trabalharmos com património imóvel – agarrado ao solo – trabalhamos inevitavelmente com o território, de que o património é parte constituinte. É necessário ultrapassar uma visão atomizada dos objectos, enquanto pontos ou elementos discretos num espaço em branco. (…) tentar compreender o significado dos objectos em articulação com o meio de que são parte, incluindo, quando pertinente, reconhecer como bem patrimonial uma parcela alargada do território.

8 Instituto Português de Arqueologia, Circular – Termos de Referência para o Património Arqueológico em Estudos de Impacte Ambiental, 2004. 9 David Ferreira, O património cultural na avaliação de impacte ambiental em Portugal, op. cit., p. 265.

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Finalmente, ao analisar o caso do Alqueva, o autor refere que (...) o modelo de investigação adoptado, apesar de ter claramente ultrapassado a visão redutora dos elementos discretos, não logrou avançar para um estudo histórico integrado da região, que aliás, significativamente, nunca foi enunciado como um objectivo claro não tendo pois resultado num discurso histórico diacrónico e global do território em causa10. (FERREIRA, 2013: 202).

Plano de Salvaguarda do Património (PSP) – o documento Neste contexto, e estando os diversos intervenientes, desde logo do lado da tutela – Direcções regionais e IGESPAR/Parque Arqueológico do Vale do Côa –, norteados pela experiência, muito reflectida, de casos anteriores, é vertida para o PSP, ele próprio muito debatido pelos arqueólogos responsáveis – Paulo Amaral e Luís Pereira, com contributos dos arqueólogos do Parque Arqueológico do Vale do Côa, através do elemento de ligação do IGESPAR/PAVC, Dalila Correia – a preocupação de obstar a falhas anteriores. O documento faz a afirmação de três vectores de actuação, assumindo o carácter de novidade que introduz na prática corrente deste tipo de aplicação de medidas minimizadoras de impacto e afectação de grandes obras: 1. Ao estabelecer que a salvaguarda do património não assenta exclusivamente no registo, monitorização e preservação in situ mas, em primeiro lugar, através da “produção de conhecimento”, concebe o plano como um “programa de estudo da evolução da ocupação humana de um território”. Este desiderato será cumprido estruturando o programa com base: - num núcleo de estudos ou investigações específicas de âmbito cronológico — da Pré-história à Idade Média, correspondendo o Estudo dos 10

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Elementos Edificados e Construídos de caráter Arquitectónico e Etnográfico à ocupação das Idades Moderna e Contemporânea; - num conjunto de estudos de âmbito temático, como o estudo da área de Cilhades, pela importância que este núcleo assumia, patente em bibliografia anterior, ou da Arte Rupestre, situação particularmente sensível pelo historial recente relacionado com o Baixo Côa e por estarem previamente identificadas gravuras no Baixo Sabor atribuídas ao mesmo período Paleolítico que ditou a suspensão da barragem do Côa e a classificação como património mundial da arte rupestre. 2. Ao recusar uma visão atomística do património, propõe para o estudo dos elementos patrimoniais – sejam os sítios arqueológicos, seja os elementos identificados como “edificado” – uma investigação integrada, perspectivando-os na sua interrelação, na sua relação com o território e com a longa diacronia de ocupação humana, configurada em distintos modos de vida. Daqui resulta assentar a produção de conhecimento em estudos arqueológicos, paleogenéticos, paleoambientais, documentais, arquivísticos, antropológicos, incluindo as memórias das populações actuais. Ao valorizar patrimonialmente a paisagem actual, aproxima-se dela como uma fonte histórica, reflexo de um modo de vida contemporâneo e momento de chegada de uma longa diacronia, pelo que obriga à sua consideração como um continuum multidimensional, material e imaterial: macro e micro edificado, cultivos e coberto vegetal, parcelário, rede viária, gestos, memórias e representações das comunidades. Citando o PSP, o “património cultural integra não somente o conjunto de bens materiais e imateriais de interesse cultural pertinente, como também os respectivos contextos que, pelo seu valor testemunhal, possuam com aqueles uma relação interpretativa e informativa”11. Assim, determina que (...) os estudos a realizar, articulando as variadas fontes existentes, deverão espelhar uma análise diacrónica e sincrónica das realidades cronoculturais identificadas, permitindo avaliar a persistência do modelo de organização Plano de Salvaguarda do Património, Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor, Empreitada Geral de Construção, EDP, 2009, p. 6. 11

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do espaço (...) abordando a estrutura do povoamento como fenómeno de longa duração. (...) A realização de diversos estudos especializados sobre o património do Vale do Sabor deverá procurar garantir as condições para a reconstituição narrativa e gráfica desta realidade territorial na sua vertente histórico-patrimonial. Por isso far-se-á um registo integrado (relacionado) quer do ponto de vista espacial, quer temporal de todos os elementos patrimoniais (...) evitando uma abordagem atomizada, casuística e descontextualizada dos elementos patrimoniais existentes12.

Este terceiro ponto situa-nos num outro feixe de questões e problemáticas que se ligam com os conceitos de território e paisagem. Efectivamente, a preocupação de se passar para um nível de interpretação global expressa neste documento orientador, traduz a procura de transposição para a prática do enquadramento teórico da mais actualizada problematização sobre a salvaguarda do património cultural que as convenções internacionais ratificadas pelo Estado português vêm também consignando: (...) em 1995 o Conselho da Europa produz a Recomendação Relativa à Conservação das Paisagens Culturais Integrada nas Políticas de Paisagem, prelúdio da Convenção Europeia da Paisagem de 2000, que passará a constituir o documento de referência: «Cada parte se compromete a reconhecer juridicamente a paisagem como componente essencial do quadro de vida das populações, expressão da diversidade do seu património comum cultural e natural e fundamento da sua identidade». Este avanço do conhecimento vai no sentido de reconhecer o território – todo o território – como um documento histórico e, neste sentido, como um objeto passível de patrimonialização13.

Não seguiremos aqui uma exploração do conceito “paisagem” no contexto da investigação histórica e arqueológica, tema amplamente tratado na bibliografia14, mas sublinharemos que a sua abordagem levanta quesIdem, p.17. David Ferreira; Paulo Dordio; Alexandra Cerveira Lima (2013), “Paisagem como Fonte Histórica”, in Actas do Congresso Internacional Arqueologia Moderna, Lisboa, CHAM, 2011. 14 Cf. bibliografia de Gérard Chouquer e Magali Wateaux e a dissertação de David Ferreira que vimos citando. 12 13

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tões críticas na definição de uma metodologia de aproximação ao objecto de estudo. Procuraremos ajudar a aclarar esta realidade, defendendo que há uma linha de fronteira paradigmática que é forçoso ultrapassar. O facto de alguns dos mais ou menos directos intervenientes na elaboração do PSP se assumirem como discípulos de Carlos Alberto Ferreira de Almeida não é alheio a esta fronteira paradigmática que trataremos de seguida15. Do património etnográfico e arquitectónico à arqueologia do último milénio Num texto recente fazia-se, desta forma, a abordagem ao PSP do Baixo Sabor: (...) estamos perante o esforço de interpretar a evolução da ocupação humana do território, desde a pré-História à época contemporânea, percebendo a forma como se constituiu a paisagem atual. Poderemos dizer que as principais novidades passam pelo objecto de estudo assumir toda a diacronia e por se exigir um registo não descritivo, mas interpretado. Fica postulada uma aproximação multidisciplinar à ocupação mais recente, numa abordagem da mesma natureza da que é feita à ocupação humana datável das cronologias mais antigas. Desaparece a consideração de elementos arqueológicos, arquitectónicos ou etnográficos individualmente considerados, e encaram-se todos estes elementos como partes de um todo histórico-arqueológico que importa interpretar. No final procura-se, da Pré-História ao último milénio, isolar momentos históricos coerentes correspondendo a determinados usos do território e modos de vida que se procura esclarecer16.

Uma historiografia da paisagem / território em Portugal não pode passar ao lado, por exemplo, de obras como a tese de doutoramento de Carlos Alberto Ferreira de Almeida, ou os trabalhos de Iria Gonçalves e Amélia Aguiar Andrade, que foram capazes de associar a observação de campo com as fontes escritas, para daí retirarem relevantíssima informação. Cf. O património cultural na avaliação de impacte ambiental em Portugal, op. cit., p. 155. 16 David Ferreira, Paulo Dordio, Alexandra Cerveira Lima (2013), Paisagem Como Fonte Histórica, op. cit. 15

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A referência ao último milénio corresponde à apropriação, por parte dos arqueólogos que viriam a pôr em prática o PSP, da paisagem como objecto de estudo da arqueologia, não excluindo as componentes contemporâneas que integram os designados Elementos Edificados e Construídos de Caráter Arquitectónico e Etnográfico e ultrapassando, pela alteração de paradigma, o que seria de outra forma uma fragilidade identificada, particularmente em sede de AIA, por diversos autores: Se há pouco património vernacular classificado, é verdade que ele é cada vez mais contemplado nos inventários dos planos directores municipais, nas cartas arqueológicas e nos estudos de impacte ambiental (…) embora poucas vezes surja (…) como património vernacular, sendo mais comum vermos estas construções divididas entre património arquitectónico, arqueológico, construído e etnológico, etc., de acordo, frequentemente, com critérios muito frágeis e casuísticos17.

Gertudres Branco, apoiando-se em Maria José Almeida18, refere: (...) a ausência de conceito legal de “património arquitetónico” na legislação nacional e a existência de um regime jurídico de exclusiva proteção para os “bens culturais imóveis” que colide com a legislação em matéria de avaliação de impacte ambiental, reproduzida na sequência das diretivas emitidas pelo Conselho da Europa, que advoga a identificação, avaliação e mitigação do património arquitetónico, sem referência ao seu regime específico de proteção legal. Esta coincidência aliada “à demissão dos restantes profissionais da área do património cultural na participação nos processos de AIA”19 levou a que fossem os arqueólogos a procurar colmatar o vazio legal e a assumir a responsabilidade na inventariação simultânea do que entendem por património arquitetónico e arqueológico exigido pela legislação ambiental. A identificação e caracterização das ocorrências patrimoniais arquitetónicas e arqueológicas, a avaliação e hierarquização dos impactes ambientais significativos e, sendo caso disso, a proposta de medidas de minimização David Ferreira, O património cultural na avaliação de impacte ambiental em Portugal, op. cit., p. 147. 18 Maria José Almeida, “Avaliação de impactes e Património Cultural: que papel para o arqueólogo e o Património Arqueológico?”, in Praxis Archeológica, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 3, 2008, pp. 161-166. 19 Idem, p. 162. 17

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e monitorização, é feita exclusivamente por arqueólogos, e constam de relatórios sancionados e validados pelo exercício da tutela arqueológica20.

Efectivamente, em contextos de estudos de impacte ambiental, o património dito vernacular, etnográfico ou arquitectónico é habitualmente abordado por arqueólogos que, sem que seja adiantado um outro quadro teórico e metodológico, possuem para o afrontar ferramentas que os conduzem ao registo de realidades discretas. Apoiam-se, essencialmente, na bibliografia etnográfica e/ou seguindo o formato dos grandes inventários nacionais, nomeadamente, o importante corpus constituído pelo SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico/ Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana. Em Portugal, a protecção do património vernacular deve muito à Etnografia, à sistematização das tipologias construtivas populares e ao estudo das tecnologias ligadas ao mundo rural. Encontramos aqui um percurso de aprofundamento científico, desde os trabalhos pioneiros, positivistas, de Adolfo Coelho, Consiglieri Pedroso, Leite de Vasconcelos e Rocha Peixoto, até à consolidação protagonizada por Jorge Dias, que agrupa em torno do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular grandes investigadores: José Mattoso, Orlando Ribeiro, Lindley Cintra, Herculano de Carvalho ou Lixa Filgueiras. São ainda incontornáveis os trabalhos de Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano e o famoso Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, levado a cabo pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos e publicado em dois volumes em 196121.

O documento PSP do Baixo Sabor determinou que, tendo sido identificado (...) no decurso do EIA e RECAPE um número elevado de estruturas que se relacionam com a ocupação do território durante a Época Moderna e Contemporânea (...) habitações, estruturas da arquitectura de produção e vernacular, caminhos, muros de propriedade, obras de contenção de terras Maria Gertrudes Azinheira Branco, Avaliação de Impacte Ambiental: o património arqueológico no Alentejo Central, op. cit., p. 159. 21 David Ferreira,  O património cultural na avaliação de impacte ambiental em Portugal, op. cit., 144. 20

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e modelação do solo, obras de aproveitamento do rio e manifestações de religiosidade popular, e que, se alguns destes elementos apresentam um valor próprio pela sua tipologia, expressão arquitectónica ou artística, singularidade ou carácter simbólico e social, a maioria deles só ganha expressão quando integrada no conjunto de testemunhos dos processos de assentamento, das técnicas construtivas, da vivência social, da prática económica ou da expressão simbólica das comunidades que ocuparam o vale do Sabor, é essa dimensão integrada de conjunto, no que diz respeito à integração histórica strito senso e formal (formas que tal património assumiu na dinâmica da ocupação histórica) que deve ser objecto deste estudo.

O estudo, determina o PSP, deverá (...) compreender a conjugação e a interacção de distintas metodologias de abordagem, relacionadas com a pesquisa documental, com o trabalho de campo e com o tratamento da informação, de forma a obter uma leitura integrada e completa das estruturas, seu enquadramento historiográfico, socioeconómico e cénico/paisagístico. Na metodologia a empregar para atingir este desiderato, o PSP refere o registo, caracterização e informação do “objecto arquitectónico” estipulando que as “tarefas desenvolvidas culminam na produção de memórias descritivas detalhadas de cada uma das ocorrências patrimoniais, que permita apreender a sua estrutura, funcionalidade e a respectiva valia patrimonial dentro do conjunto.

Com este documento orientador, que determina: - a leitura integrada das estruturas, objetos arquitetónicos e ocorrências patrimoniais; - que define uma aproximação com base na bibliografia, documentação, trabalho de campo, abordagem reforçada pela natureza da equipa a integrar, juntando, para além do arqueólogo coordenador, 1 arqueólogo responsável pelo registo, 1 arquitecto responsável pelos levantamentos e 1 antropólogo capaz de enfrentar a cultura material e que viria a cuidar das designadas imaterialidades; - que define como objectivo o “registo das manifestações da arquitectura vernacular e tradicional e das actividades desenvolvidas no vale do Sabor em época que cremos ser moderna e contemporânea”. Registo 14

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que, caminhando de par com a interpretação, que o PSP chama visão de conjunto, deve configurar um estudo que “salvaguarde na memória futura” as realidades a afectar, permitindo uma “compreensão global da ocupação deste território pelas gentes da época moderna e contemporânea”, que quadro conceptual e que metodologia deveriam ser desenvolvidos? Operacionalização do PSP — metodologias Para operacionalizar o PSP considerou-se essencial identificar conceitos operativos22 fundamentais para a concretização do objectivo preconizado, desde logo a delimitação do objecto do estudo. Foi entendimento da coordenação da equipa em campo, em articulação com a tutela, que o objeto de estudo proposto em PSP se centrava sobre o que designaremos paisagem tradicional, entendida como o momento de organização da paisagem imediatamente anterior às profundas rupturas que no prazo de apenas meio século, entre 1950 e 2000, fariam reduzir o peso da população rural portuguesa de valores superiores a 50% para valores inferiores a 5%. Perspectivada na longa duração, poderemos fazer corresponder esta paisagem tradicional ao período que se estende entre a Idade Média Plena (século xi) e o auge da ocupação demográfica do espaço rural que acontece nas décadas de 1950 e 1960.

Queremos, aqui, referir-nos a instrumentos operativos conceptuais e não a instrumentos operativos materiais. Em relação a estes últimos, é cada vez mais evidente em projectos desta natureza a necessidade de um Sistema de Informação Geográfica (SIG/GIS), único instrumento capaz de apoiar a eficaz gestão e controlo do volume de informação georreferenciada gerado. Na verdade, não é apenas o volume de produção da informação georreferenciada que adquire rapidamente proporções gigantescas. É o volume de produção de informação procedente das mais diversas fontes de informação (registos arqueológicos, inquéritos antropológicos, levantamentos gráficos e arquitectónicos, registos de fontes arquivísticas (…) e suportes (texto, imagem, vídeo, áudio) que atinge uma dimensão difícil de gerir e controlar, bem como de articular entre si, de modo a alcançar os objectivos propostos. Paralelamente, há que equacionar o modo como toda a informação e conhecimento produzidos deverão ser devidamente organizados e preservados para futuro num Sistema de Base de Dados devidamente integrado com o Sistema de Informação Geográfica (SIG/GIS) capaz de gerir, controlar e preservar a informação e conhecimento produzidos. 22

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Era assim o último milénio de ocupação deste território do Baixo Sabor que importava estudar, numa aproximação global ao objecto de estudo e não fragmentária, isto é, visando apenas a descrição, mesmo que completa e sofisticada, de ocorrências discretas etnográficas. Perspectivado nesta longa duração, o moinho que laborava nas últimas décadas é objecto de estudo arqueológico e informa-nos sobre esse período milenar e, contextualizado com os vestígios de outros moinhos que nos chegaram, da forma como, ao longo dos séculos, os moinhos temporários foram anualmente edificados. Alterando a escala de análise, abordando num tempo curto este moinho, situamo-nos no campo da micro história e procuraremos seguir a vida do moleiro, que entrevistaremos, e, com o seu testemunho resgatado à memória, construir a narrativa do moinho na história individual do seu último moleiro. Nesta paisagem tradicional convivem lado a lado, ou entrecruzam-se, dois modos de a entender e ordenar, aparentemente com algum grau de autonomia: uma paisagem dos agricultores e uma outra dos pastores. A primeira caracteriza-se por ser uma paisagem de cereal de sequeiro, cuja cultura ocupava a larga maioria dos terrenos disponíveis, por ser uma paisagem de socalcos, que dado o acidentado do solo obrigou ao desenvolvimento de técnicas de armação dos terrenos a fim de permitir o seu cultivo, e por ser uma paisagem de montado (a dehesa espanhola), mantendo uma reserva de incultos, montes e maninhos necessária a um tipo de exploração agrária extensiva. A paisagem dos pastores, por seu lado, é caracterizada por uma pastorícia de percurso, assente em itinerários ou voltas de pastores e rebanhos e num sistema de ordenação dos direitos de pastagem sobre áreas e propriedades agrícolas de acordo com o ciclo de exploração agrária. Estando definidos o objecto de estudo, o tempo – o último milamos que enfrentar ter, num discurso histontexto e sentido, de estudo, no contexto do qual os diversos elementos patrimoniais génio – , e o espaço a considerar – a área delimitada pela albufeira –, tendo como objectivo alcançar a dimensão integrada de conjunto que inter-relacionasse, num discurso histórico, os diversos elementos patrimoniais, teríamos pois que estabelecer uma metodologia de abordagem que nos permitisse 16

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enfrentar a paisagem como objecto de estudo. Para tal tornava-se crítico recortar unidades inventariáveis, passíveis de serem descritas, registadas e interpretadas, num paradigma já distante das ocorrências discretas que apenas pontuam o espaço. Considerou-se o cadastro como enformador de unidades funcionais (prédios agrícolas, tapadas, etc.), através das quais é possível integrar diversos elementos patrimoniais individuais (EP) que passam deste modo a relacionar-se no interior de uma unidade funcional ou de paisagem. A integração é assim operacionalizada não apenas na extensão ou espaço, como igualmente no tempo e na História. Na verdade, cada uma daquelas unidades de paisagem: - é uma propriedade, quer dizer uma extensão sobre a qual se exercem direitos associados a determinados indivíduos ou famílias, os quais foram, ao longo do tempo e das sucessivas gerações, objecto de herança ou alienação; - é uma unidade de exploração agrícola, quer dizer um conjunto de recursos organizados de acordo com as tecnologias disponíveis de forma a garantir subsistência e rendimento, que sofreram ao longo do tempo processos de maior ou menor intensificação ou de abandono; - é uma memória, quer dizer um lugar identificável pela comunidade por nome próprio (micro topónimo) no qual se acumulam e ao qual se associam vivências e expressões que fazem parte da memória e da História da mesma comunidade. Na definição das unidades de observação perspectiva-se deste modo um modelo de paisagem em que os principais componentes são o caminho ou corredor e a mancha ou limite enquanto parcela de cadastro ou território de uma comunidade23. O passo seguinte neste processo de estudo da paisagem que visa “uma compreensão global da ocupação deste território pelas gentes da época Como referências, cite-se os trabalhos de Gérard Chouquer e da sua equipa, no âmbito da Archéogéographie, ou, em ambiente anglo-saxónico, no âmbito da Landscape ecology, a obra de R.T.T. Forman, Land Mosaics: The Ecology of Landscapes and Regions, Cambridge, Cambridge University Press, UK, 1995. 23

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moderna e contemporânea” (PSP), é o de uma integração de nível sucessivamente superior das “unidades de paisagem” de forma a dar conta do tecido contínuo e dinâmico que a paisagem do Vale do Sabor constitui: Nível 1. Elemento Patrimonial (EP): (casa, eira, tanque, muros e socalcos,…). Nível 2. Cadastro como enformador das unidades funcionais: (prédios agrícolas, tapadas, unidades de moagem, locais de passagem ou travessia: ponte, vau, barca...; caminhos, etc.. Nível 3. Áreas de Exploração de Recursos e/ou de Identidade – Macro topónimo: (Vale de (…); Planalto de (…), etc., ex.: Vale da Ribeira de Relvas e Xedal, Cardanha). Nível 4. Território de uma Comunidade de Quinta, Lugar, Aldeia ou Paróquia: (ex.: território da comunidade do lugar da Póvoa). Nível 5. Território de uma Vila e Termo ou Concelho: (ex.: território da vila de Torre de Moncorvo e Termo). Este caminho de integração é o próprio caminho do desenvolvimento da investigação. Importa sublinhar que esta procura de integração passa por considerar, ao longo das várias fases de estudo, cada elemento, cada unidade, no seu contexto. Quando encaramos a paisagem nesta perspectiva, tal como ocorre numa escavação arqueológica, o objecto em si, o negativo de um gesto, um mero indício, pode não ter leitura histórica, muito menos significado patrimonial. É na sua relação com o contexto que o significado, e até o valor patrimonial, emergem. Daqui decorre que é necessário encarar a vereda, o portão, a levada, o pequeno tanque, o murete de suporte, com o cuidado e a meticulosidade com que o investigador encara o registo arqueológico. Deles, face às perguntas colocadas, à metodologia usada e às interpretações avançadas, resulta o campo, o caminho, a aldeia e o modo de vida que compõem a paisagem e restituem a História do último milénio das comunidades. Esta paisagem que integra,

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sob a forma de registo fóssil ou vivo e reinterpretado, o registo que ficou dos milénios anteriores24. Esta análise da paisagem, trazida para a luz da abordagem arqueológica e patrimonial, permite também que não continuemos a considerar, por desadequação conceptual ou metodológica, “ocorrências patrimoniais” que flutuam num espaço abstracto. Caminhos de divulgação e investigação Passo essencial num projecto desta natureza é a divulgação junto de públicos mais alargados dos trabalhos de “resgate da informação”. Sem a publicação o trabalho não estará concluído. Nesse sentido foi preparado um plano global de edição de monografias correspondendo a cada um dos estudos sectoriais, cada um da responsabilidade editorial do respectivo coordenador científico. Mas não se esgotam aqui as possibilidades de divulgação nem as continuidades abertas pelo Plano de Salvaguarda do Património no Baixo Sabor. Centremo-nos mais uma vez apenas no âmbito do Estudo sobre os Elementos Edificados e Construídos de Caráter Arquitetónico e Etnográfico. Das entrevistas realizadas, 1359 correspondem a entrevistas gravadas (essencialmente áudio) e compõem, sobretudo se associadas aos levantamentos arquitectónicos e registos fotográficos, um importante meio de sistematização e divulgação da História contemporânea do Baixo Sabor. Uma vez que está on-line um projecto que se designa Arquivo de Memória, que se iniciou na região e que dispõe de uma poderosa ferramenta de gestão da informação e pesquisa, pelo que é um meio célere e eficaz de disponibilizar a informação, a inclusão das entrevistas neste arquivo on-line constitui uma forma de edição rápida, organizada e capaz de chegar a todos os públicos. Explicitamos aqui o funcionamento do projecto, que parcialmente se adaptou para poder acolher esta informação do Baixo Sabor, e a forma como se propõe que a informação ali seja incluída. David Ferreira, Paulo Dordio, Alexandra Cerveira Lima (2013), “Paisagem Como Fonte Histórica”, op. cit. 24

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O projeto Arquivo de Memória teve origem num projeto piloto que decorreu em Vila Nova de Foz Côa em 2010-2011, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, de que resultou o Clube UNESCO Entre Gerações, por protocolo assinado em 28 de Maio de 2011 entre a associação ACOA, promotora do projeto, e a Comissão Nacional da UNESCO. A sinopse do projeto piloto desenha-se desta forma: (...) através da articulação entre escolas, lares e centros de dia, o Arquivo de Memória promove encontros entre jovens e idosos, regista histórias de vida, digitaliza e conserva pequenos arquivos familiares. Recorrendo às novas tecnologias e a partir das recolhas realizadas, cria-se um arquivo que deverá contribuir para a dinamização do conhecimento, investigação e promoção da região, criando laços entre as gerações. Os idosos são os detentores dos saberes, das memórias, os jovens aqueles que as registam, investigam e divulgam25.

O projecto foi candidatado ao PROVERE do Côa através da ACOA/ Clube UNESCO Entre Gerações, passando a uma fase de alargamento e consolidação ao longo de 2013 e 2104, tendo-se expandido para 10 municípios, alargado o número de testemunhos sobre histórias de vida e história regional, adquirido um sistema de armazenamento e gestão de dados e construído um website para a sua divulgação. O sistema de gestão de informação In Patrimonium Premium e o website foram criados pela empresa Sistemas do Futuro, Multimédia, Gestão e Arte, Lda., e a sua adaptação ao Arquivo de Memória foi um trabalho realizado em estreita relação com o CLUBE UNESCO e equipa do projecto Arquivo de Memória. Aos utilizadores é possibilitada a consulta e visualização dos testemunhos registados e de toda a informação associada. A consulta é feita a partir de descritores de pesquisa que permitem filtrar o acesso aos dados existentes26. No website é possível pesquisar por: pessoas, lugares, temas, galeria, coleções, pesquisa geral. O resultado da pesquisa por pessoa é um resumo da entrevista realizada, habitual25 Alexandra C. Lima, Bárbara Carvalho, Mafalda Nicolau de Almeida, João Muralha, “O Projecto Arquivo de Memória do Vale do Côa candidatado ao PROVERE do CÔA”, in COAVISÃO, 15, Clube UNESCO, ACOA, 2013. 26 Cf. www.arquivodememoria.pt.

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mente com cerca de 3 minutos. A partir do resumo, pode ser consultada a entrevista completa na qual foi criada a possibilidade de se procurar os assuntos tratados e indexados, navegando-se numa barra temporal. É também possível a pesquisa por lugares de origem dos entrevistados: accionando-se um dos lugares georreferenciados, surgem as entrevistas ali realizadas através da listagem dos informantes. A pesquisa por temas tratados é orientada, temas que, para facilidade de pesquisa, foram organizados em 5 grandes grupos que orientam a navegação. A pesquisa pela base de dados através do website permite também aceder a uma galeria de fotografias e documentos digitalizados. Para que estas pesquisas sejam possíveis, todas as entrevistas são analisadas, é feita uma minutagem de todos os assuntos tratados e os assuntos são agrupados por temas e subtemas. Este trabalho de edição e análise das entrevistas traduz-se também na legendagem das entrevistas sempre que as condições áudio não são as mais favoráveis. A Colecção Baixo Sabor no Projecto Arquivo de Memória Propõe-se integrar na referida base de dados e website as recolhas áudio registadas no âmbito do estudo do Edificado do PSP do AHBS, produzindo diaporamas que integrem fotografias e peças desenhadas, compondo pequenos filmes disponibilizáveis on-line. O Arquivo de Memória contemplou uma página específica on-line a pensar em projectos como o Arquivo de Memória – Colecção Baixo Sabor que configuram coleções unas e valorizadas na sua integridade e que, podendo embora participar no desiderato comum de compor a História Regional da bacia do Douro em território português, mantêm uma coerência interna que dita a sua manutenção na base de dados e website como colecções. Assim, o projeto Arquivo de Memória – Coleção Baixo Sabor propõe-se dar um sentido imediato e público ao espólio resultante dos estudos que integraram o Plano de Salvaguarda do Património do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor, mantendo a sua identidade própria, resCEPIHS | 5

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guardando-o enquanto colecção, mas permitindo a sua consulta pública de uma forma dinâmica e apelativa. A integração da informação no site Arquivo de Memória permite convertê-la num elemento de divulgação da História e saberes da região, de uma forma apelativa com interesse também para as dinâmicas turísticas. Pelo caráter de pesquisa relacional que foi criada na base de dados e website, a pesquisa pode ser feita por concelho, autonomizando o registo, ou por coleção, mantendo a unidade do território intervencionado no contexto do AHBS. A integração pressupõe os seguintes desenvolvimentos: a) selecção do espólio/documentação decorrente do estudo do Edificado e respetivos levantamentos arquitectónicos, fotográficos e entrevistas áudio;
 b)realização de filmes/diaporamas integrando gravações áudio, fotografias, elementos cartográficos e levantamentos arquitectónicos;
 c) análise e catalogação dos diaporamas para integração na base de dados In Patrimonium. 
 São objectivos esperados desta integração: a) Promoção, requalificação e valorização do património cultural do Baixo Sabor através da valorização dos registos áudio realizados no âmbito do Plano de Salvaguarda do Património do AHBS, contendo memórias locais, testemunho de um património cultural imaterial, da História da região, dos saberes e tradições locais, e da relação do Homem com a natureza. b) O fomento da economia regional e desenvolvimento do turismo sustentável, constituindo um incentivo às actividades turísticas, pela criação de conteúdos decorrentes das memórias e da História local, memórias relacionadas com a paisagem, com o património edificado, com o património natural, mas também com saberes que explicam a forma dos socalcos, as arquitecturas das eiras e dos casebres, a tipologia das quintas, o modo de confeccionar determinados alimentos. c) A ampla divulgação dos resultados e o estímulo à investigação.

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Prosseguir a investigação O estudo com a magnitude daquele que o PSP ditou e enquadrou abriu linhas de pesquisa muito relevantes. Destacaremos algumas das principais linhas de investigação a merecer continuidade no contexto das problemáticas relativas ao último milénio no Baixo Sabor: 1. Como acima referido, articulação entre os resultados dos estudos realizados e a abordagem à área adjacente planáltica; 2. Articulação entre os resultados dos estudos sobre os Elementos Edificados e Construídos de Caráter Etnográfico no Vale do Sabor e o estudo relativo à Idade Média; 3. Afinar a metodologia de abordagem aos “elementos arquitetónicos e edificados” e a uma intervenção com a dimensão da que foi realizada à luz do PSP. Estabelecer uma metodologia Importa afinar para futuro a abordagem que fizemos no estudo sobre os Elementos Edificados e Construídos de Caráter Etnográfico noVale do Sabor e estabelecer uma metodologia. Efectivamente, quando é pedido pelo PSP, na esteira da legislação internacional e nacional, que se atenda à totalidade, ao caráter integrado do património, ao território, estamos forçosamente a centrar-nos na paisagem actual, num continuum que se pode estender por dezenas ou centenas de quilómetros. Ao invés das escavações arqueológicas realizadas para os outros estudos cronológicos previstos pelo PSP, ou da prospecção, para as quais os arqueólogos dispõem de metodologias já bem afinadas, no caso concreto não há uma segura metodologia estabelecida, tornando-se vital para casos futuros ajudar a defini-la, testá-la, estabelecê-la.

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Para tal: - importa problematizar o conceito de unidade mínima de paisagem que carece de ser caso a caso definida, implicando um processo sumário inicial de investigação. O modelo abstracto não se pode substituir à análise empírica; - definir as linhas de investigação: as várias escalas de abordagem e as técnicas adequadas a cada linha de investigação – micro história; abordagem antropológica, análise documental e cartográfica; prospecção, escavação; - articular e integrar, desde a fase do questionário da investigação, este estudo com o estudo relativo à ocupação datável da idade média; - prever escavações orientadas por este questionário, nomeadamente em contextos agrários modernos e contemporâneos; - como corolário, adoptar uma designação – estudo do último milénio de ocupação humana –, que espelhe esta abordagem totalizante e integrada, e deixar cair a referência a ocorrências; elementos arquitectónicos ou etnográficos, etc. Esta metodologia aplicar-se-á sobretudo em estudos de impacto ambiental e planos de ordenamento, mas é extensível naturalmente a outras abordagens. Ressalvámos que o SIG é neste momento incontornável num projeto de investigação deste teor, mas é também importante que o conjunto da informação possa ser gerida, guardada e acessível, quer pelos investigadores, quer pelo público em geral. Torna-se, pois, imperativo, afinar a metodologia de gestão da informação em contextos de intervenção arqueológica de maior dimensão, nomeadamente, pela utilização de um sistema de gestão da informação (como o que foi utilizado no Arquivo de Memória), que permite a gestão durante o trabalho em curso, permite relacionar os vários níveis de informação e permite a curto prazo a sua edição/divulgação on-line.

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Desenhar caminhos de valorização De um processo desta dimensão resulta a publicação dos estudos desenvolvidos, o desenvolvimento de linhas de pesquisa – algumas das quais já prosseguiram, visto que alguns dos arqueólogos estão a iniciar trabalhos académicos que lhes dão continuidade –, e um conjunto patrimonial passível de valorização. O estudo dos materiais e a sua constituição em coleções a exibir nos museus locais e em exposições temporárias é uma forma de valorização patrimonial que decorre de um processo desta natureza, do qual resultou um espólio arqueológico de grande magnitude. O tratamento deste espólio e a organização de exposições que o divulguem nos vários concelhos, a par com a publicação das monografias e a organização concomitante de um conjunto de conferências destinadas aos diversos públicos, são opções consideradas e linhas de valorização a seguir. Para além do espólio arqueológico resultante dos diversos estudos cronológicos e temáticos – algum deste espólio, pelo seu caráter científico, patrimonial e pela sua originalidade e raridade, constitui-se em coleções com características não só didáticas, mas de grande atratividade turística –, o estudo de que decorre o presente relatório permite contextualizar e criar conteúdos para a valorização “de elementos edificados e construídos de caráter arquitectónico e etnográfico no Vale do Sabor”.

Fig. 2 – Moinho do Freitas (entre Vilar Chão, Alfândega da Fé e Paradela, Mogadouro) – moinho de submersão, de carácter sazonal. Fotografia de André Rolo CEPIHS | 5

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Fig. 3 – Moinho do Freitas (entre Vilar Chão, Alfândega da Fé e Paradela, Mogadouro) – moinho de submersão, de carácter sazonal. Fotografia de André Rolo

Escolhemos, por ser paradigmático, o projecto de re-actualizar o Moinho do Freitas, de submersão, de carácter sazonal. A persistência do seu proprietário e moleiro – António Freitas – manteve em funcionamento este moinho até ao ano de 2011. Último descendente de uma família de moleiros, permitiu o registo vivo da memória de várias gerações ligadas à utilização tradicional da força do rio, como elemento essencial de uma paisagem de pão, como foi a do vale e planaltos do Baixo Sabor. O projecto de recuperar e reconstruir, imediatamente a montante da albufeira, uma estrutura idêntica à que foi antes da submersão, o Moinho do Freitas – que se identificam às centenas senão mesmo milhares ao longo do curso do Sabor –, conta com a colaboração e o empenho do próprio António Freitas, activo e disponível para o manter vivo e visitável por escolas e turistas Pelo seu carácter demonstrativo e pedagógico, tratando-se de uma expressão temporária de arquitectura vernacular, recorrendo a um método construtivo e a uma função milenares, é exemplo das múltiplas acções de valorização patrimonial decorrentes do estudo desenvolvido no Baixo Sabor, que permitirão trazer de volta ao vale agora submerso uma memória viva. 26

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Conclusão O Plano de Salvaguarda do Património do Baixo Sabor, ao recusar uma visão atomística do património, propõe para o estudo dos elementos patrimoniais — sítios arqueológicos, edificado ou modos de vida e memórias das populações actuais — uma investigação integrada, perspectivando-os na sua interrelação e na relação significativa com o território e a paisagem em diacronia. Mantendo essa mesma visão, o Estudo do Edificado avança a necessidade de compatibilizar a macro com a micro arquitecturas, o registo do material com o registo das memórias e das representações dos habitantes. Perspectivar a paisagem e o território como um continuum, conduziu a reflexão metodológica à eleição do prédio rústico como a unidade de paisagem e de informação mais comum nas tarefas de descrição e interpretação. É a realidade a que se refere a expressão aquele meu prédio ali, continuamente repetida e por nós ouvida ao longo das centenas de horas de entrevistas, realizadas aos habitantes do Baixo Sabor, no esforço de registar uma descrição do vale que ia ser submerso. Cada uma destas unidades de paisagem é, em primeiro lugar, uma propriedade, quer dizer uma extensão sobre a qual se exercem direitos associados a determinados indivíduos ou famílias, é, em segundo lugar, uma unidade de exploração agrícola e é, em terceiro lugar, uma memória, quer dizer um lugar identificável pelos membros da comunidade por um topónimo ao qual se associam vivências que fazem parte da História da comunidade. A paisagem e o território transformam-se assim numa rede de lugares, entendido o lugar como um espaço individualizável e delimitado com sentido para os seus ocupantes, individualização e sentidos esses a que o investigador pode aceder e estudar para construir uma descrição e uma narrativa. Certamente que essa rede exibe lugares a diferentes escalas, lugares macro como micro lugares, mas é também certamente o “prédio rústico” o tipo de lugar mais comum ao longo de ambas as margens do Baixo Sabor. Fundamental na presente abordagem é a inter-referenciação da informação disponível em toda a documentação produzida. Mas que não fique CEPIHS | 5

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esquecido que a ordem estabelecida deste modo sobre o registo visa a agregação de toda a informação disponível em unidades de leitura da paisagem e do território a que se convencionou chamar Unidades Funcionais (UF). E que esta opção metodológica parte de uma aproximação do investigador ao conhecimento da paisagem e do território presentes e actuais que os perspectiva como um continuum passível de ser conhecido como uma rede de lugares, em que o tipo de lugar dominante é o prédio rústico. Na verdade, a pretensão de se estar de posse de um registo neutro e objectivo, independente do conhecimento gerado, é sempre uma ilusão ingénua.

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Anexo A Organização do Arquivo de Registos e da Informação do Estudo sobre os Elementos Edificados e Construídos de Carácter Etnográfico no Vale do Sabor Com o presente anexo procura-se dar conta da informação contida no Arquivo de Registos coligido pelo Estudo sobre os elementos edificados e construídos de carácter arquitectónico e etnográfico no Vale do Sabor, sob a forma de Relatórios, Registos e de uma Colecção Etnográfica. Pretende-se que o gigantesco volume de informação com que se procurou registar o território que viria a ser submerso ao longo de cerca de 60 km do curso do rio Sabor seja acessível e consultável. De modo a facilitar a operacionalização de todos os processos implicados num projecto desta natureza, sejam eles mais directamente implicados pelo PSP, ou com implicações mais próximas à própria obra de construção, a unidade de informação e gestão básica foi sempre o Elemento Patrimonial (EP). Identificam-se neste projecto um total de 2420 Elementos Patrimoniais (EP). Esta unidade de informação e gestão básica é também transversal aos vários Estudos, Equipas e Programas particulares que trabalharam no Baixo Sabor sob orientação do Plano de Salvaguarda do Património. Decorrente da perspectiva e aproximação específicas adoptadas pelo Estudo sobre os Elementos Edificados e Construídos de Carácter Etnográfico no Vale do Sabor — designado também no presente texto abreviadamente como Estudo do Edificado — foi utilizada mais uma unidade de informação básica permitindo agregar mais do que um EP e informação de outro e diferente carácter. Esta unidade de informação, gestão, controle e registo foi designada por Unidade Funcional (UF). Corresponde às realidades de paisagem e território anteriormente referidas como “prédio rústico” e de um modo mais global a cada um dos “lugares” que entendemos constituir o descritor adequado para a paisagem e o território implicados no processo do Plano de Salvaguarda do Património do Baixo Sabor. Identificam-se neste projecto um total de 2653 Unidades Funcionais (UF). A este número deverão acrescentar-se 24 outras unidades não designadas por UF mas por Conjuntos Funcionais (numeradas de C01 a C24), distinguindo-se das primeiras por não corresponderem directamente a “prédios rústicos” mas antes constituindo conjuntos urbanos, conjuntos viários – travessias como pontes e respectivos acessos – e outras realidades mais complexas como uma Estação Hidrométrica. Os registos executados no âmbito do Estudo do Edificado encontram-se organizados em Relatórios que integram Memórias Descritivas e respectivos Anexos (Cartográfico, Gráfico, Fotográfico e Inquérito Oral). Numa fase inicial dos trabalhos, correspondente aos relatórios elaborados desde os finais do ano 2009 até à primeira quinzena de Julho de 2011, a organização interna dos relatórios não obedece ainda a um modelo claramente padronizado. Se o interesse da descrição se prende desde o início com a identificação da unidade funcional, rústica ou prédio, o certo é que muitos dos relatórios elaboradas

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Paulo Dordio e Alexandra Lima naquela altura focam-se sobre estruturas edificadas individuais, multiplicando-se assim os relatórios correspondentes a cada um dos EP ainda que fazendo, conjunto a conjunto, parte integrante de uma mesma unidade funcional ou prédio rústico. Porém, nem todos os relatórios foram elaborados deste modo naquela fase do trabalho. Exemplo paradigmático é o relatório sobre a Quinta do Tobias, localizada nas arribas do lugar da Póvoa (Adeganha,Torre de Moncorvo), cujo edificado que constituía o núcleo central da unidade desapareceria precisamente sob a imensa mole de betão da parede do escalão de montante. Num único relatório, datado de Setembro de 2009, foram reunidos os registos de sete EP (58, 326, 342, 349, 350, 351, 391), correspondentes a outras tantas edificações que integravam a unidade funcional ou prédio rústico reconhecido como Quinta do Tobias. A esta unidade funcional (UF) foi posteriormente atribuído o n.º 44. Os relatórios elaborados a partir da primeira quinzena de Julho de 2011 passaram a seguir um modelo padronizado, correspondendo sempre a uma unidade funcional (UF) – ainda que se verifiquem algumas excepções – e reunindo deste modo num mesmo documento os registos dos vários EP que integravam uma UF. A partir desta data todos os relatórios de Edificado passaram a receber um número de código sequencial de 1 a n. Foram deste modo atribuídos 237 códigos no formato AHBS/MDPSP.###.## em que os dois algarismos mais à direita correspondem a 00 para a versão original e 01 a 99 para as versões revistas, se existentes. Deste conjunto fazem também parte os relatórios de Edificado elaborados pela equipa do Estudo de Cilhades sob responsabilidade do respectivo coordenador. Com a conclusão do processo de revisão do Plano de Salvaguarda do Património, entre Janeiro e Março de 201227, foi reforçada a metodologia centrada na identificação e registo das Unidades Funcionais, bem como a estrutura ou plano dos relatórios que se configurou desta forma melhor adaptada à descrição daquelas unidades de paisagem. O primeiro relatório a exibir as mudanças introduzidas tem data de Janeiro de 2013 e levou o n.º de código AHBS/MDPSP.131.00 dizendo respeito ao prédio rústico designado como Propriedade da Dona Ester, localizado na Ribeira do Pido, freguesia do Larinho,Torre de Moncorvo. Compreendia os Elementos Patrimoniais (EP) 2187, 2190, 2193, 2195, 2229, 2230, 2367 e foi-lhe posteriormente atribuído o n.º UF 421. Com o Relatório n.º AHBS/MDPSP.153.00, datado de Julho de 2013, foi ensaiado num mesmo relatório o registo e descrição já não individualizado mas de um conjunto de prédios rústicos ou Unidades Funcionais (UF) localizadas numa mesma área, circunscrita e delimitada, identificada localmente por macro-topónimo. Na mesma freguesia do Larinho foram deste modo registadas as UF que se identificaram na zona das encostas do Sabor conhecida pelos topónimos Jam, Linguiça e Gandarado correspondentes aos n.º de UF 363 a 393 que integravam os EP 2011, 2012, 2013, 2016, 2018, 2019, 2020, 2021, 2089, 2368. Em relação aos n.º de UF que constam de cada relatório, deverá ser tido em atenção que, tendo sido atribuídos numa primeira fase, isto é, à data da elaboração dos mesmos Ver documentos de Adenda ao PSP com os códigos AHBS/ADPSP.01.00, de 12.01.2012 e AHBS/ADPSP.01.01, de 09.03.2012. 27

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Plano de Salvaguarda do Património do Baixo Sabor relatórios, números sequenciais no interior de cada uma das freguesias, os n.º de UF dos relatórios não correspondem aos n.º de UF finais. Assim, àqueles n.º de UF 363 a 393 correspondem, no texto do relatório referido, os n.º de UF 1 a 30 do Larinho de Torre de Moncorvo. A correspondência entre as duas séries consulta-se com facilidade. Em relação à zona do vale do Sabor a ser submersa localizada mais a montante, especificamente a montante da freguesia de Valverde (Mogadouro), pela margem esquerda, e Cerejais (Alfândega da Fé), pela margem direita, compreendida no interior dos limites das freguesias de Parada e Vilar Chão (de Alfândega da Fé), Brunhoso, Paradela, Remondes, Castro Vicente, Soutelo e Azinhoso (de Mogadouro) e Lagoa (de Macedo de Cavaleiros), em atenção à diminuta área submersa correspondente a cada freguesia, optou-se por elaborar apenas um relatório para cada uma daquelas freguesias que inclui todos os registos de UF e EP respectivos. Apesar desta opção de partida, algumas UF aqui localizadas mereceram tratamento individualizado em relatório próprio como foi o caso de moagens, pontes e quintas. Ainda no âmbito do Estudo do Edificado foram executados trabalhos de escavação arqueológica em dois lugares: no Santuário de Santo Antão da Barca (Parada, Alfândega da Fé), e na Quinta do Medal (Meirinhos, Mogadouro), correspondendo às UF finais, respectivamente, 1478 e C03. Cada uma destas unidades engloba vários EP, entre os quais destacam-se os que levam os n.º 195 e 201. Em relação ao primeiro foram elaborados dois Relatórios específicos para estes trabalhos de escavação arqueológica, n.º de código AHBS/RPSP.260.00 de 22-06-2011 e AHBS/RPSP.797.00 de 07-01-2014. O Relatório específico dos trabalhos arqueológicos na Quinta do Medal foi codificado com o n.º AHBS/RPSP.908.00 de 07-11-2014. Ainda no Santuário de Santo Antão da Barca, mais precisamente no núcleo de casas anexo de Miragaia (EP 196), foi também executado um plano de sondagens arqueológicas o qual foi objecto do Relatório AHBS/RPSP.267.00 de 06-07-2011. Relativamente aos materiais de construção, sistemas e técnicas construtivas identificados no edificado do Baixo Sabor foi produzido um trabalho de sistematização e estudo sob a forma de relatório ou nota técnica com n.º de código AHBS/NTPSP.132.00 e data de 30-04-2014. Outra importante componente do Arquivo de Registos e da Informação do Estudo do Edificado está nos Inquéritos Orais. Está disponível uma listagem de todos os informadores e entrevistados ordenada alfabeticamente pelo nome, num total de 393 indivíduos, indicando uma caracterização sumária de cada um. Está também disponível outra listagem com a identificação de todas as entrevistas realizadas, também ordenadas alfabeticamente pelo nome do informante ou entrevistado, num total de 1378 entrevistas, indicando, para cada uma os principais temas tratados, a duração e o tipo de registo (áudio ou vídeo). Cumpre ainda referir que completa o Arquivo de Registos e da Informação do Estudo do Edificado uma colecção etnográfica constituída por objectos recolhidos em diferentes contextos durante a realização dos trabalhos de campo e de documentação, incluindo alguns de grande dimensão e complexidade como são vários exemplares de maquinaria agrí-

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Paulo Dordio e Alexandra Lima cola e uma moagem mecânica a gasóleo, completa, da década de 1950. Às peças recolhidas foram atribuídos os n.º de inventário BS.E.001 a BS.E.420 (BaixoSabor.Etnográfica). Integram também o Arquivo de Registos e da Informação do Estudo os resultados do trabalho de investigação realizado em arquivos de documentação histórica. Em base de dados própria identificam-se 923 entradas de Arquivos/ Fundos/ Documentos relativas aos resultados da Investigação Histórica e Arquivística indicando a existência de Reproduções (DAR; CH; FF), Transcrições (TDOC; TCH), do próprio Documento (BS.A; BS.F) ou de Levantamentos da Informação (LEV; BS.G; BS.C) no Arquivo de Registos e da Informação do Estudo28. Por último, a Bibliografia identificada e consultada no âmbito do Estudo encontra-se organizada e indexada através da aplicação Mendeley Desktop. Constitui também uma base de trabalho importante para a continuação dos estudos na região.

CÓDIGOS com tipificação da informação documental e arquivística existente no Arquivo de Registos e da Informação do Estudo do Edificado: DAR Reproduções CH Cartografia Histórica FF Fundos Fotográficos LEV Levantamento de Informação TDOC Transcrição documentos TCH Transcrição Cartografia Histórica FUNDO ACE – BAIXO SABOR BS. A. Documental BS. F. Fotográfico BS. G. Genealogia BS. C. Cartografia 28

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