Planos de Ação Nacionais sobre Negócios e Direitos Humanos: experiência comparada e lições para o Brasil

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Escola Nacional de Administração Pública – ENAP Curso de Especialização em Políticas Públicas de Direitos Humanos

JULIANA CARDOSO BENEDETTI

PLANOS DE AÇÃO NACIONAIS SOBRE NEGÓCIOS E DIREITOS HUMANOS: EXPERIÊNCIA COMPARADA E LIÇÕES PARA O BRASIL

Brasília, 2014

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JULIANA CARDOSO BENEDETTI

PLANOS DE AÇÃO NACIONAIS SOBRE NEGÓCIOS E DIREITOS HUMANOS: EXPERIÊNCIA COMPARADA E LIÇÕES PARA O BRASIL

Monografia apresentada à Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Gestão de Políticas Públicas de Direitos Humanos. Orientador(a): Dr(a). Fábio Sá e Silva.

Brasília, 2014

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PLANOS DE AÇÃO NACIONAIS SOBRE NEGÓCIOS E DIREITOS HUMANOS: EXPERIÊNCIA COMPARADA E LIÇÕES PARA O BRASIL

Monografia apresentada à Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, como parte do Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas de Direitos Humanos.

Aprovada pelos membros da banca examinadora em ____ / ____ / ____, com menção ________ (____________________________________).

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ Fábio Sá e Silva (professor orientador)

____________________________________________ Maria Beatriz Bonna Nogueira (examinador)

Brasília, 2014

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Não explora o mundo quem quer. É necessário, para isso, possuir de antemão um poder lentamente amadurecido. Mas é certo que esse poder, embora resulte de uma lenta ação sobre si próprio, reforça-se pela exploração dos outros, e, no decurso desse duplo processo, a distância entre esse poder e os outros aumenta. (Fernand Braudel)

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Ao Eden, meu companheiro.

ii

AGRADECIMENTOS

Agradeço às pessoas incríveis e comprometidas com quem tive a oportunidade de lutar por ideais comuns na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

iii

RESUMO O presente trabalho analisa planos de ação nacionais elaborados por outros países para dar implementação aos Princípios Orientadores da ONU sobre Negócios e Direitos Humanos, com vistas a oferecer subsídios à formulação de um plano brasileiro. São examinados os planos do Reino Unido, Países Baixos e Espanha, quanto a seu processo de construção, forma e conteúdo, à luz das tentativas anteriores de regulamentação e das demandas de reordenamento do sistema internacional. Conclui-se que a elaboração de um plano de ação nacional brasileiro não pode se mirar inteiramente nas experiências estrangeiras, em razão da diferente posição relativa ocupada pelo Brasil na ordem internacional, mas pode se inspirar em alguns aspectos desses planos (especialmente na realização de consultas abrangentes e em medidas dirigidas ao Estado). Ao formular um plano e, simultaneamente, apoiar discussões sobre a adoção de disciplina internacional vinculante sobre a atuação de empresas em relação a direitos humanos, o Brasil estaria, ao mesmo tempo, ampliando o respeito aos direitos humanos e seu protagonismo internacional.

Palavras-chave: direitos humanos; empresas; revisão da ordem internacional.

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SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES

AGNU CDH CNDH CSNU ECOSOC MRE OCDE OEA OMC OIT ONU PCN SDH/PR SGNU TNCs UNCTC

Assembleia Geral das Nações Unidas Conselho de Direitos Humanos Conselho Nacional de Direitos Humanos Conselho de Segurança das Nações Unidas Conselho Econômico e Social Ministério de Relações Exteriores Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico Organização de Estados Americanos Organização Mundial do Comércio Organização Internacional do Trabalho Organização nas Nações Unidas Ponto de Contato Nacional das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Secretário-Geral das Nações Unidas Corporações Transnacionais Comissão das Nações Unidas sobre Corporações Transnacionais

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1! CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS ORIENTADORES DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE NEGÓCIOS E DIREITOS HUMANOS ................................................................................ 7! 1.1 - Antecedentes .......................................................................................................... 7 1.2 - Conteúdo................................................................................................................14 1.3 - Crítica ....................................................................................................................18 CAPÍTULO 2 – PLANOS DE AÇÃO NACIONAIS ...........................................................24! 2.1 - Grupo de Trabalho sobre a Questão dos Direitos Humanos e das Corporações Transnacionais e outras Empresas ............................................................................... 24 2.2 - Exemplos ..............................................................................................................26 2.2.1 - Reino Unido ................................................................................................27 2.2.2 - Países Baixos..............................................................................................31 2.2.3 - Espanha .....................................................................................................34 CAPÍTULO 3 - PERSPECTIVA BRASILEIRA .................................................................39 3.1 - Posição do Brasil ..................................................................................................39 3.2 - Lições para o Brasil ..............................................................................................42 CONCLUSÃO ...................................................................................................................48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................51 APÊNDICE ........................................................................................................................53

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INTRODUÇÃO “Nessa época [década de trinta], a corporação mais poderosa de lá [Alemanha] atendida pelo nome Interessengemeinshaft Farben. Ou IG Farben, “Associação de Interesses Comuns”. Era um cartel formado por Basf, Bayer, Hoescht e outras empresas químicas e farmacêuticas alemãs. Além de poderosa, a IG Farben se metia bastante na política. Foi a maior apoiadora da campanha que pôs Hitler no poder, ao doar 400 mil marcos (US$ 15 milhões em valores atuais). O apoio não veio de graça. Em um encontro logo após as eleições, o futuro chanceler prometeu a Heinrich Buetefisch, chefão de uma das fábricas da IG Farben, que garantiria a expansão dela e o investimento em uma tecnologia estratégica. Como a Alemanha não tinha reservas de petróleo, a IG Farben desenvolveu um combustível sintético derivado do carvão, que seria essencial para as Forças Armadas do país na guerra. Foi o começo de uma parceria e tanto, que garantiu negócios com o governo até 1944. Mas o maior projeto dessa união surgiu somente em 1941, com o objetivo de formar a maior indústria química do Leste europeu. Instalada nas áreas polonesas anexadas pelos nazistas, seu nome era IG Auschwitz. Funcionava com mão de obra especializada alemã e escravos de toda a Europa, especialmente prisioneiros do campo de concentração vizinho. O negócio começou tão bem que em 1942 já ganhou uma ampliação, com um campo próprio da fábrica, para produzir borracha sintética, combustíveis de alta performance (gasolina de aviação e óleo combustível para uso naval), vários tipos de plásticos e fibras sintéticas, entre outros. O produto mais notório – e sinistro – a sair de lá foi o Zyklon-B, o gás usado nas câmaras de extermínio. Além disso, de acordo com o livro IG Farben – From Anilin to Forced Labor (‘IG Farben – Da anilina ao trabalho forçado’, inédito no Brasil), de Jörg Hunger e Paul Sander, a fábrica também fazia os trabalhadores forçados de cobaias para testar novos medicamentos e vacinas” (LIMA, Cláudia de Castro. Os aliados ocultos de Hitler, Revista Superinteressante, julho de 2014)

“(...) Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, (...) A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da

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educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948)

As atrocidades ocorridas no período da Segunda Guerra Mundial são frequentemente invocadas como uma das principais motivações do engajamento da comunidade internacional na construção, ao longo da segunda metade do século XX, do edifício teórico do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Com efeito, a referência aos horrores perpetrados pelos regimes nazifascistas figura logo no segundo “considerando” do Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pedra fundamental sobre a qual esse edifício foi construído. Mas, se a analogia com uma grande edificação é, de fato, expressiva, impossível não notar que a atuação das empresas, apesar de ter concorrido de maneira significativa para a ocorrência dos “atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade” aparece, talvez, apenas em uma janela aberta muito recentemente nessa construção, enquanto o Estado ocupa todos os demais andares, corredores e salas. O caso da IG Farben, relatado acima, não foi o único registrado na Alemanha nazista. O grupo siderúrgico Krupp valeu-se dos trabalhos forçados de cerca de 100 mil pessoas, entre prisioneiros de guerra e de campos de concentração e civis de lugares ocupados. A indústria eletroeletrônica Siemens usou mão-de-obra dos campos de concentração de Auschwitz e Ravensbrück para

produzir

telefones,

telégrafos

e

rádios

para

comunicação

militar,

componentes elétricos, equipamentos para geração de energia, estradas de ferro e munições, além de ter construído câmaras de gás. Alguns executivos e funcionários dessas e de outras empresas vinculadas ao regime de Adolf Hitler foram julgados pelo Tribunal Militar Internacional – o célebre Tribunal de Nuremberg – instituído, em 1945, pelas potências aliadas (Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e França). 24 pessoas da IG Farben e 12 pessoas da Krupp, por exemplo, foram condenadas por extermínio em massa, uso de trabalho

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forçado e outros crimes contra a humanidade. Promoveu-se, portanto, a responsabilização de pessoas físicas associadas a essas corporações, mas nenhuma sanção foi imposta às pessoas jurídicas que colaboraram com o nazismo. A IG Farben desmantelou-se, mas BASF e BAYER seguem, até hoje, como gigantes farmacêuticas, ao passo que a Hoescht, que se fundiu à Aventis, foi comprada pela Sanofi em 2004. A Siemens também cresceu e a Krupp se fundiu, em 1999, com outra grande corporação alemã, formando a ThyssenKrupp. Diversas razões, de ordem política e jurídica, ajudam a compreender a ausência de responsabilização das empresas por violações de direitos humanos. A afirmação histórica dos direitos humanos remonta, em sua origem, a movimentos de resistência contra o exercício arbitrário do poder estatal, durante e após o processo de consolidação dos Estados nacionais (recorde-se, por exemplo, a Magna Carta, proposta como salvaguarda de uma aristocracia ameaçada pela centralização monárquica na Inglaterra, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, produto da luta contra o absolutismo na França). O Estado passa a ser visto como o algoz que ameaça a plena realização de faculdades que são inerentes ao ser humano; daí que se passe a percebê-lo como o grande – e, talvez, o único – violador potencial de direitos humanos. Do ponto de vista jurídico, a formação dos Estados nacionais leva, no direito internacional, à chamada ordem de Vestfália, instituída pelo tratado que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), a qual reconheceu a igualdade entre Estados como a base da reorganização geopolítica europeia experimentada na Idade Moderna e resultou na prevalência de um regime normativo que tem nos Estados os únicos sujeitos dotados de capacidade jurídica. No direito interno, o grande marco da centralização do poder estatal foi o resgate, com renovado sentido histórico, da distinção entre direito público e direito privado existente no antigo direito romano, que isola o Estado das demais relações jurídico-sociais, para conferir-lhe disciplina privilegiada, e que é reforçada, a partir da Revolução Francesa e das iniciativas de codificação impulsionadas por Napoleão, pelo interesse da emergente burguesia capitalista em resguardar esfera autônoma de atuação frente ao poder público. A marca de nascença da proteção dos direitos humanos como instrumento de oposição ao poder politico centralizado na figura do Estado a lança na gaveta do direito público; a “Linha Maginot” ideológica que o

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aparta do direito privado impõe-se, então, como um obstáculo epistemológico à percepção de atores outros que não o Estado como violadores de direitos humanos. Não foi por acaso, portanto, que as atrocidades perpetradas por empresas, à época nazista, restaram fora do campo de visão dos juristas de Nuremberg e dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse campo de visão começa a se ampliar nos anos 1960, em razão, principalmente, da alteração do perfil de atuação do Estado e de profundas mudanças econômicas mundiais. A emergência do Estado de Bem-Estar Social soma ao dever do Estado de abster-se de comprometer o exercício de liberdades individuais a responsabilidade de promover ativamente o bem-estar de seus cidadãos. Passa-se, então, a perceber os direitos humanos não mais como imperativos morais, derivados da natureza humana, que compete ao Estado respeitar, mas como conquistas históricas resultantes de embates políticos e sociais que têm no Estado a principal – mas não a única – de suas arenas. Ao mesmo tempo, com o fim dos domínios coloniais precipitado pela Segunda Guerra, a assimetria entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento deixa de ser mantida pela interferência direta das potências ocidentais para ser exercida por empresas privadas com sede nesses países. Mais recentemente, o chamado fenômeno da globalização incrementa a dispersão dessas empresas e torna mais visível o impacto negativo de sua atuação sobre os direitos humanos. Existem, atualmente, dezenas de empresas multinacionais com receitas maiores que o Produto Interno Bruto (PIB) de algumas nações: a rede de supermercados Walmart, por exemplo, teve receita equivalente ao PIB da Noruega em 2010 (foram 408 bilhões de dólares para a companhia, contra 414 bilhões para o país escandinavo), ao passo que a General Eletric teve receita maior que o Peru (157 bilhões de dólares contra 154 bilhões).1 Da magnitude econômica dessas empresas, não raro vem a reboque um poder de influência política não

negligenciável, que garantiria sua “impunidade”, provocando a

reação de países em desenvolvimento2 e de movimentos sociais e organizações

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Dados extraídos do Banco Mundial e da Revista Fortune de maio de 2010, comparados pela organização não- governamental “Global Policy Forum” (cf. https://www.globalpolicy.org/component/content/article/150general/50950-comparison-of-the-worlds-25-largest-corporations-with-the-gdp-of-selected-countries.html). 2 A atuação do Equador é a que tem mais se destacado nesse sentido, como se verá adiante.

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não-governamentais em todo o mundo3 em prol da responsabilização de empresas por violações de direitos humanos. É sintomático da crescente mobilização nesse sentido que, seis décadas depois dos julgamentos de Nuremberg, algumas das empresas que tiveram funcionários e executivos condenados estejam, enfim, assumindo sua responsabilidade direta pelos horrores da Segunda Guerra: a Siemens, por exemplo, pagou indenizações às famílias de seus operários sujeitos a trabalhos forçados, e a indústria alimentícia Nestlé, que também usou mão-de-obra escrava, pagou 14,5 milhões de dólares para um fundo de vítimas do trabalho escravo. 4 Essas mudanças de percepção ecoaram no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), em que discussões acaloradas sobre a responsabilidade de empresas transnacionais vêm sendo travadas, como se verá adiante. O mais significativo resultado dessas discussões, até o momento, foi o endosso, pelo Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU, em 2011, do documento “Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos”, elaborado pelo Representante Especial do Secretário Geral da ONU sobre Direitos Humanos e Empresas Transnacionais e Outros Empreendimentos, que estabelece diretrizes para Estados e empresas com vistas a garantir o respeito aos direitos humanos. Ao endossar o documento, o CDH instituiu um Grupo de Trabalho sobre Direitos Humanos e Empresas Transnacionais e Outros Empreendimentos com a missão de auxiliar os países a implementarem os Princípios Orientadores. O Grupo de Trabalho tem recomendado a elaboração de Planos Nacionais de Ação para dar cumprimento aos Princípios Orientadores, que já foram formulados por países como Reino Unido, Países Baixos e Espanha. O presente trabalho pretende realizar uma análise comparada de três Planos Nacionais de Ação, a fim de avaliar se é possível deles extrair subsídios para a eventual elaboração de um Plano Nacional de Ação brasileiro. Para tanto, 3

Destaca-se, entre as reações, a atuação do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), um tribunal informal instituído, em 2006, por uma organização não-governamental (a italiana Fundação Lelio Basso), para “julgar” – por meio de um “julgamento ético” – as violações de direitos humanos não reconhecidas por instâncias oficiais dos Estados, especialmente aquelas cometidas por corporações multinacionais em países da América Latina (ZUBIZARRETA; GONZÁLEZ; RAMIRO, 2012). A experiência do TPP inspirou o lançamento, na Cúpula dos Povos da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), ocorrida em 2012, da Campanha “Desmantele o poder corporativo e acabe com a impunidade (“Dismantle corporate power and stop impunity”), da qual fazem parte cerca de cento e vinte organizações de diferentes países (cf. http://www.stopcorporateimpunity.org/?lang=pt-br). 4 Essas informações constam da reportage da Revista Superinteressante já mencionada acima.

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percorreremos, a seguir, três etapas: (i) o exame dos Princípios Orientadores, abrangendo seus antecedentes, seu conteúdo e as críticas que lhe foram dirigidas; (ii) a análise dos Planos Nacionais de Ação de Reino Unido, Países Baixos e Espanha, com foco no processo de sua construção, na sua forma de redação e no conteúdo por eles abordado, por meio de análise documental e aplicação de questionários a representantes das Embaixadas desses países; e (iii) a avaliação sobre a possibilidade de utilizar esses Planos como inspiração para a formulação de um Plano para o Brasil.

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CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS ORIENTADORES DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE NEGÓCIOS E DIREITOS HUMANOS 1.1.

Antecedentes Apesar de os primeiros documentos de enunciação de direitos individuais,

como o Bill of Rights inglês e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa, terem resultado de processos políticos de caráter eminentemente nacional, tem sido comum, desde a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), que a positivação de direitos na esfera internacional, por meio de declarações, pactos e convenções, preceda e inspire a promulgação de peças legislativas domésticas e a adoção de políticas públicas nacionais para sua implementação. O debate sobre o impacto da atuação empresarial sobre a garantia de direitos humanos tem tido na ONU seu principal foro, colocando em pólos opostos países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Se, em geral, alguns países em desenvolvimento costumam assumir posição de certa recalcitrância em relação ao discurso de promoção dos direitos humanos, em razão de seu uso político, por parte de nações desenvolvidas, para justificar sua ingerência sobre assuntos internos de outros países ou desqualificar seus governos, no pleito pelo reconhecimento da responsabilidade das empresas por violações de direitos humanos são as nações em desenvolvimento aquelas que vêm desempenhando o papel de protagonismo, desejosas de se resguardarem da ação daninha de corporações multinacionais oriundas de economias centrais. Para analisar as idas e vindas do debate sobre negócios e direitos humanos, é preciso admitir, portanto, que ele extrapola o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, aflorando como uma das múltiplas facetas de um conflito geopolítico mais profundo, que tem, como cerne, a percepção da desigualdade de poder político e econômico entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento e, como contexto, os esforços de revisão da ordem internacional envidados por atores periféricos. Esse pano de fundo é essencial para compreender os interesses em jogo e as estratégias de diversos atores internacionais, incluindo o Brasil.

8

Não é casual, assim, que a primeira tentativa de disciplinar a atuação de empresas transnacionais tenha ocorrido, em 1973, momento em que antigas colônias europeias, ao conquistarem sua independência, começavam a fazer uso de foros multilaterais, como a ONU, para buscar reverter desequilíbrios mundiais de poder. Naquele ano, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU determinou a constituição de um “Grupo de Pessoas Eminentes” para avaliar o impacto

da

ação

de

empresas

transnacionais

sobre

o

processo

de

desenvolvimento. O grupo recomendou a criação da Comissão das Nações Unidas sobre Corporações Transnacionais (UNCTC, na sigla em inglês), estabelecida em 1974 como um fórum intergovernamental permanente para discussão de temas atinentes a empresas transnacionais. Para dar apoio à UNCTC,

foi

criado

o

Centro

das

Nações

Unidas

sobre

Corporações

Transnacionais, com a missão de: (i) aprofundar o conhecimento sobre os efeitos políticos, econômicos, sociais e jurídicos da atividade de corporações transnacionais

(TNCs,

na

sigla

em

inglês),

especialmente

em

países

desenvolvidos; (ii) assegurar arranjos institucionais que promovam contribuições positivas das TNCs sobre objetivos de desenvolvimento nacionais e sobre o crescimento econômico mundial, controlando e eliminando seus efeitos negativos; e (iii) fortalecer a capacidade negociadora de países anfitriões, especialmente países em desenvolvimento, nas suas tratativas com TNCs.5 Em 1977, é estabelecido, no âmbito da UNCTC, um Grupo de Trabalho Intergovernamental, com a finalidade de redigir um Código de Conduta para empresas transnacionais. Em 1984, uma minuta do código de conduta preparada pelo referido grupo de trabalho foi tornada pública, mas, em razão da intensa controvérsia por ela suscitada e das dificuldades em avançar nas negociações nos anos subsequentes, a ideia de elaborar um código foi abandonada pela UNCTC em 1993 (REINISCH, 2005). A criação da UNCTC e sua minuta de código de conduta foram fortemente influenciadas pelo conjunto de propostas conhecido como “Nova Ordem Econômica Internacional” (NIEO, na sigla em inglês)6, elaborado por um grupo de países em desenvolvimento, na década de setenta, com o objetivo de reformar o sistema econômico mundial em favor do

5

Cf. http://unctc.unctad.org/aspx/UNCTCOrigins.aspx.

9

chamado Terceiro Mundo. Nos anos oitenta, a NIEO refluiu diante do predomínio das investidas em prol da liberalização do comércio internacional, que levaram à criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1993, e a posição negociadora de países em desenvolvimento (cuja dependência econômica em relação ao mundo desenvolvido cresceu e redundou, em alguns casos, em forte endividamento externo que ocasionou graves crises econômicas) terminou se enfraquecendo ao longo de toda a década e da década seguinte. Tentativas de estabelecer parâmetros para a atuação de empresas transnacionais foram mais bem sucedidas, ainda nos anos setenta, no âmbito da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foros em que a maior facilidade de negociação se deu, na conjuntura mais favorável daquela década, em razão da homogeneidade de sua composição, no primeiro caso, ou de sua limitação temática, no segundo. A OCDE, instância criada por grupo de países (majoritariamente do mundo desenvolvido), com o objetivo inicial de fomentar a reconstrução econômica da Europa no pós-guerra e, posteriormente, de promover a cooperação econômica entre seus membros, adotou, em 1976, o documento “Diretrizes para Empresas Multinacionais”, com recomendações sobre temas como direitos trabalhistas, segurança laboral, meio ambiente, saúde e questões tributárias, entre outros, para empresas multinacionais que operam nos territórios nos países-membros da organização ou dos países que tenham aderido às Diretrizes. O documento foi atualizado cinco vezes desde sua adoção, sendo que, na

reforma

realizada

em

2011,

foi

incluído

capítulo

específico

com

recomendações sobre direitos humanos. Os países da OCDE e os países aderentes devem estabelecer um “Ponto de Contato Nacional” (PCN), cuja missão é promover o documento e contribuir para a resolução de conflitos relacionados à inobservância das Diretrizes (o que credencia o PCN a receber denúncias e propor soluções a empresas). Embora não seja parte da OCDE, o Brasil aderiu às Diretrizes e mantém um PCN de caráter interministerial,

6

O marco politico da NIEO foi a “Declaração pelo Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional”, adotada pela Assemblei Geral das Nações Unidas em 1974 (A/RES/S-6/3201).

10

coordenado pela Secretaria de Assuntos Internacionais (SAIN) do Ministério da Fazenda.7 Em

1977, um ano depois da adoção das Diretrizes da OCDE, a OIT,

organização junto à qual cada país deve se fazer representar por delegações compostas de representantes do governo, de entidades patronais e de entidades de trabalhadores, adotou a Declaração Tripartite de Princípios Relativos a Empresas Multinacionais e Política Social, que oferece parâmetros sobre condições de trabalho, capacitação e direitos laborais em geral. Os documentos da OCDE e da OIT foram sucedidos, nas décadas seguintes, pela formulação de uma série de códigos de conduta de iniciativa empresarial ou sindical, como os Princípios de Sullivan, propostos, em 1977, para combater a discriminação racial dentro e fora do trabalho, por um membro do Conselho da General Motors sulafricana; os Princípios MacBride, código de conduta adotado, em 1984, por empresas norte-americanas com atuação na Irlanda do Norte; e o “Código Básico de Conduta relativo a Práticas Laborais” da Confederação Internacional de Sindicatos Livres, de 1997 (REINISCH, 2005). Mais recentemente, em 2010, a Organização para Parametrização Internacional (“International Organization for Stardardization” ou ISO, na sigla em inglês) também estabeleceu a chamada ISO 26000, documento com regras voluntárias de responsabilidade social corporativa que contemplam questões de direitos humanos. No âmbito da ONU, o debate sobre a responsabilidade das empresas em relação à observância de direitos humanos só é retomado no fim dos anos noventa, por iniciativa da própria organização, em contexto distinto daquele que motivou os esforços registrados a partir da década de setenta e caracterizado, agora, pela rapidez dos processos de fragmentação produtiva por meio de estratégias de “offshoring”, sob estímulo dos avanços tecnológicos nas áreas de transporte e comunicação. A adoção do Pacto Global teria sido motivada por três fatores: (i) a necessidade de resgatar a experiência frustrada da UNCTC; (ii) as

7

O PCN brasileiro foi criado em 2003, por força da Portaria nº 92, no Ministério da Fazenda. Em 2013, o PCN foi reformado pela Portaria Interministerial nº 37, adotando uma estrutura interministerial coordenada e secretariada pela SAIN/MF e composta por outras dez instituições: Banco Central do Brasil; ControladoriaGeral da União; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Ministério da Justiça; Ministério das Relações Exteriores; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Ministério do Meio Ambiente;

11

crescentes preocupações relativas ao aumento do pobreza mundial e das violações de direitos humanos ocorridas na década de noventa e relacionadas à ofensiva neoliberal e (iii) a necessidade de fazer frente à crise financeira enfrentada pela ONU, devido à diminuição das contribuições pagas pelos Estados Unidos, e de diversificar as fontes de financiamento, por meio do estreitamento das relações entre a organização e o mundo corporativo (ARAGÃO, 2010). Anunciado pelo então Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, durante do Fórum Econômico Mundial (também conhecido Fórum de Davos) de 1999, o Pacto Global é lançado no ano 2000. Trata-se de documento, aberto à adesão empresarial, contendo dez princípios (originalmente, eram nove, mas, em 2004, foi incorporado um décimo princípio sobre o combate à corrupção), com compromissos a serem assumidos por empresas na área de direitos humanos, trabalho e meio ambiente. A implementação do Pacto Global é coordenada por uma Junta (que estipula estratégias de ação), um Escritório (que implementa as ações e oferece apoio administrativo) e uma rede de Comitês Locais (que dissemina o Pacto nos países); trienalmente, ademais, é realizada uma Cúpula de líderes empresariais. As atividades realizadas no âmbito do Pacto Global, que tem, hoje, cerca de 8 mil empresas participantes em 145 países, são financiadas por uma fundação constituída especialmente para essa finalidade, que recebe contribuições privadas. No

Brasil, o Pacto tem quase 650 empresas signatárias e um Comitê

Local, cuja formação foi impulsionada pelo Instituto Ethos, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).8 Inspirados pelo Pacto Global, alguns pactos setoriais também foram firmados no Brasil, com destaque para o Pacto Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, lançado, em 2005, pela OIT e por organizações não-governamentais brasileiras (como o próprio Instituto Ethos), e a iniciativa “Empresas contra a Exploração”, fundada na Declaração de Compromisso Corporativo no Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e promovida, desde 2012, pela ONG Terra dos Homens, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério do Trabalho e Emprego; e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

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Em que pese a repercussão positiva da adoção de códigos de conduta, diretrizes e declarações e da celebração de pactos empresariais sobre direitos humanos, a prática sempre foi alvo de críticas motivadas por sua reduzida eficácia (REINISCH, 2005). Como pressupõem a adesão espontânea das empresas, tais códigos transformam a observância a direitos humanos em uma questão de opção ou, ainda, em uma manifestação de boa vontade, deixando a descoberto ampla gama de empresas que não têm interesse em rever suas práticas. Além disso, padecem de grave déficit de exigibilidade (“enforcement”) e supervisão: como não há órgãos responsáveis pelo monitoramento dos compromissos assumidos, com competência para induzir seu cumprimento, esses documentos acabam assumindo o caráter de meras aspirações ou tornam-se apenas ferramentas úteis em estratégias corporativas de capitalização simbólica, por meio da construção de imagem pública positiva. A necessidade de criação de instrumentos mais eficazes, depois do lançamento do Pacto Global, trouxe o debate de volta à arena multilateral em 2002, quando a Subcomissão sobre a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos (órgão de assessoria da antiga Comissão de Direitos Humanos, substituído pelo Comitê Assessor do Conselho de Direitos Humanos após a extinção, em 2006, da Comissão) propôs-se a elaborar parâmetros de observância a direitos humanos aplicáveis a corporações transnacionais e outras empresas. Um Grupo de Trabalho constituído no âmbito da Subcomissão redigiu uma minuta intitulada “Normas sobre as Responsabilidades de Corporações Transnacionais e outras Empresas em relação a Direitos Humanos”. A minuta atribuía aos Estados a responsabilidade primária de assegurar que corporações transnacionais e outras empresas respeitassem direitos humanos, mas estipulava às empresas, no âmbito de suas respectivas “esferas de influência”, a “obrigação” de “respeitar, garantir o respeito, prevenir abusos e promover direitos humanos”, definindo normas específicas sobre o direito a oportunidades iguais e nãodiscriminação, o direito à segurança (especialmente em situação de conflitos armados), direitos trabalhistas, respeito à soberania nacional, proteção do

8

Mais informações em http://www.pactoglobal.org.br/artigo/63/Historico.

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consumidor e proteção do meio ambiente e sujeitando as empresas a monitoramento nacional e internacional.9 Alguns intérpretes defendem que uma referência constante na Declaração Universal dos Direitos Humanos – que alude ao “objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade (...) se esforce (...) por promover o respeito a esses direitos e liberdades” – abre caminho para o reconhecimento, na ordem internacional, da responsabilidade das empresas em relação à garantia de direitos humanos. Outros fazem analogias com instrumentos internacionais que admitem a responsabilidade civil de empresas por danos (como a Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil por Danos causados pela Poluição por Petróleo, de 1969, e a Convenção sobre Responsabilidade Civil por danos resultantes de Atividades Perigosas ao Meio Ambiente, de 1993) ou que atribuem a elas a capacidade de ocupar o pólo ativo (como requerentes ou demandantes) de contenciosos internacionais (como a Convenção sobre a Resolução de Disputas sobre Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados, de 1965), para justificar o reconhecimento de sua capacidade de ocupar, também, o pólo passivo (como requeridas ou demandadas) em queixas apresentadas a órgãos de monitoramento de tratados de direitos humanos ou a eventuais outros órgãos a serem criados com a finalidade precípua de apurar a responsabilidade de empresas por violações de direitos humanos (KINLEY; TADAKI, 2004). Essas posições nunca foram, contudo, expressamente acolhidas pelos órgãos que conformam

o

sistema

internacional

dos

direitos

humanos.10

A

minuta

representava, assim, uma radical mudança de paradigma no direito internacional dos direitos humanos, por determinar, de forma inequívoca e em linguagem convencional (“treaty-like language”) que, a despeito da responsabilidade primária dos Estados, as empresas também possuíam, internacionalmente, a “obrigação” de respeitar direitos humanos (RUGGIE, 2007).

9

Cf. http://198.170.85.29/Draft-UN-Human-Rights-Responsibilities-of-Business-Aug-2002.htm. Alguns desses órgãos, contudo, já se pronunciaram sobre o tema, como é o caso do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que, em seu Comentário Geral n° 14 sobre o Direito à Saúde, afirmou que “embora apenas Estados sejam parte do Pacto [sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais] e portanto responseveis, em última instância, pelo seu cumprimento, todos os membros da sociedade – indivíduos, incluindo profissionais de saúde, famílias, comunidades locais, organizações intergovernamentais e nãogovernamentais, organizações da sociedade civil, assim como o setor privado – têm responsabilidade em relação à efetivação do direito à saúde” (cf. http://www.refworld.org/docid/4538838d0.html).

10

14

A minuta foi aprovada pela Subcomissão em 2003, mas rejeitada, em 2004, pela Comissão de Direitos Humanos, que se limitou a tomar nota do texto, encomendar ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos um relatório sobre possíveis formas de fortalecer parâmetros internacionais sobre as responsabilidades de corporações transnacionais e outras empresas em relação a de direitos humanos e asseverar que o documento, embora contivesse “elementos úteis”, não tinha “valor legal” (“no legal standing”). A Comissão também fez questão de deixar claro, em sua Decisão 2004/116, que não havia “solicitado” o documento à Subcomissão, a qual deveria se furtar a exercer qualquer tipo de “monitoramento” a respeito da observância das Normas ali propostas. A rejeição de tais Normas representou uma grande frustração para as organizações não-governamentais de proteção de direitos humanos que haviam acompanhado, com interesse, os trabalhos da Subcomissão. Como órgão técnico, integrado por especialistas, a Subcomissão entendeu que havia espaço para inovação no direito internacional dos direitos humanos, com a introdução inédita de dispositivos de caráter vinculante – e não mais meramente recomendatório – dirigidos diretamente às empresas. Entretanto, como órgão político, composto por países (com interesses concretos e sujeitos a pressões econômicas), a Comissão considerou a inovação proposta pela Subcomissão ousada demais e desviou o rumo dos debates para uma solução menos radical, como se verá adiante. Restou claro do episódio, contudo, que a questão da responsabilidade internacional das empresas em relação à garantia de direitos humanos enfrentaria forte resistência. 1.2.

Conteúdo Mesmo havendo descartado as Normas elaboradas pela Subcomissão, a

Comissão de Direitos Humanos reconheceu a importância do debate sobre a formulação de parâmetros para a atuação empresarial em relação à garantia de direitos humanos e solicitou ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos que elaborasse relatório com sugestões sobre o tema. Seguindo recomendação do referido relatório, a Comissão adotou, em 2005, a Resolução 2005/69, em que solicitou que o Secretário-Geral das Nações Unidas

15

(SGNU) designasse um “Representante Especial sobre a Questão dos Direitos Humanos e Corporações Transnacionais e outras Empresas”, com a missão precípua de: (i) identificar e esclarecer parâmetros de responsabilidade corporativa para corporações transnacionais e outras empresas com relação a direitos humanos; (ii) discorrer sobre o papel dos Estados em regular e atribuir (“adjudicate”), de forma efetiva, o papel de corporações transnacionais e outras empresas com relação a direitos humanos, inclusive por meio de cooperação internacional; e (iii) pesquisar e esclarecer as implicações para corporações transnacionais e outras empresas de conceitos como “esfera de influência” e “cumplicidade”.11 O Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, nomeou para o posto o austro-americano John Gerard Ruggie, professor da Universidade de Harvard, para mandato inicial de dois anos que, em 2008, foi prorrogado por mais três anos. Nesse ínterim, Ruggie realizou seis consultas regionais, além de outras consultas junto a diferentes setores da economia, oficinas e seminários, que contaram com a participação de especialistas e representantes de governos, do setor privado e da sociedade civil. Depois da apresentação de um relatório parcial sobre seus trabalhos, que mapeia O resultado do primeiro período de seu mandato (2005-2008) foi a construção do Marco Proteger, Respeitar e Reparar sobre Negócios e Direitos Humanos (“Protect, Respect and Remedy Framework on Business and Human Rights”), estruturado em três pilares: (i) o dever do Estado de oferecer proteção contra abusos de direitos humanos cometidos por terceiros, incluindo empresas, por meio de políticas, regulação e atribuição de responsabilidades (“adjucation”); (ii) a responsabilidade corporativa de respeitar direitos humanos, atuando com a devida diligência (“due diligence”) para evitar infringir direitos e lidar com impactos adversos que possam advir de sua atuação; e (iv) o acesso das vítimas à reparação efetiva, por meio de mecanismos judiciais e não judiciais. O marco foi aprovado, por unanimidade, pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU (que substituiu a Comissão a partir de 2006), em 2008, por meio da Resolução 8/7, que, ao renovar o mandato de Ruggie, estipulou como seus novos 11

Seu mandato original também incluía atribuições relativas à produção de materiais de orientação, à construção de metodologias de avaliação de impacto e à compilação de boas práticas, que acabaram ficando

16

objetivos, principalmente: (i) oferecer visões e recomendações sobre formas de fortalecer a realização do dever do Estado de proteger todos os direitos humanos de abusos por corporações transnacionais e outras empresas, incluindo por meio de cooperação internacional; (ii) aprofundar o entendimento sobre o escopo e o conteúdo da responsabilidade corporativa de respeitar todos os direitos humanos e oferecer orientação concreta a empresas e outros interessados (“stakeholders”); e (iii) explorar opções e fazer recomendações, em nível nacional, regional e internacional, para o aprimoramento do acesso à reparação efetiva por aqueles cujos direitos humanos tenham sido afetados por atividades empresariais. No segundo período de seu mandato (2008-2011), portanto, Ruggie dedicou-se a definir diretrizes para a implementação de seu marco, o que culminou com a formulação de um conjunto de princípios operativos, reunidos sob documento intitulado “Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos”. O documento foi endossado, também unanimemente, pelo Conselho de Direitos Humanos, em 2011, por meio da Resolução 17/4. Os 31 princípios inscritos no documento estão distribuídos em três seções, relativas aos três pilares definidos no Marco, os quais se aplicam não apenas a corporações transnacionais, mas a qualquer tipo de empresa, independentemente de sua dimensão, estrutura, localização ou titularidade. Na primeira seção, que vai dos princípios 1 a 10, o documento enuncia claramente que cabe ao Estado prover proteção contra violações de direitos humanos cometidas por terceiros, inclusive empresas, em seu território ou jurisdição. Para tanto, deve tomar as medidas adequadas para “prevenir, investigar, punir e reparar” abusos. Os Princípios Orientadores apontam quatro grandes frentes de atuação para o cumprimento do “dever do Estado de proteger direitos humanos”: (i) o estabelecimento de um marco normativo que torne claras as expectativas de respeito a direitos humanos dirigidas às empresas em operação no território ou jurisdição do Estado; (ii) a supervisão da atuação empresarial e a adoção de medidas, inclusive de caráter coercitivo, para assegurar a efetividade do marco normativo estabelecido; (iii) o incentivo à formação de uma cultura corporativa de respeito aos direitos humanos, por meio, especialmente, da oferta de assessoria às empresas (acesso à informação e em segundo plano. Os comceitos de “esferas de influências” e “cumplicidade” serao retomados adiante.

17

capacitação) e da estipulação de cláusulas relativas ao respeito a direitos humanos, inclusive com possibilidade de auditoria, em transações comerciais realizadas pelo Poder Público com o setor privado; e (iv) o “alinhamento das políticas estatais” (“policy alignment”) para promoção do respeito corporativo aos direitos

humanos,

garantindo

sua

coerência

vertical

(observância

aos

compromissos de direitos humanos assumidos internacionalmente em todos os níveis de governo e em negociações bilaterais ou multilaterais) e horizontal (identidade de objetivos entre diversos órgãos governamentais – por exemplo, entre órgãos de promoção e defesa de direitos humanos e de oferta de crédito à exportação). A segunda seção, que se estende dos Princípios 11 a 24, define os contornos da responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos, que abrange: (i) o dever de se abster de infringir os direitos humanos de terceiros e (ii) o dever de enfrentar (isto é, prevenir e mitigar) impactos negativos sobre direitos humanos em eventos ou processos nos quais tenham algum envolvimento. Esse segundo componente remete ao conceito de “esfera de influência” da empresa, isto é, um conjunto de elementos que engloba desde seus produtos e serviços, passando por todas as suas operações, até suas relações comerciais com terceiros. Como parâmetro mínimo a ser observado pelas empresas, os Princípios Orientadores indicam os direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e nos oito convênios fundamentais da OIT. Para cumprir sua responsabilidade de respeitar direitos humanos, as empresas devem: (i) instituir práticas de “devida diligência” (“due diligence”), isto é, incorporar processos de auditoria e aferição de riscos a respeito do impacto dos elementos de sua “esfera de influência” sobre direitos humanos, que incluam consultas a especialistas e grupos potencial ou efetivamente afetados ou partes interessadas, com o fim de evitar a “cumplicidade” da empresa com violações (ou seja, sua participação em uma ação ou omissão, de iniciativa própria ou de terceiro, cujas consequências negativas em termos de direitos humanos conhece ou deveria conhecer); (ii) adotar uma política de compromisso (sob a forma de uma “declaração” ou similar) com os direitos humanos, a ser aprovada em sua mais alta instância e difundida

18

interna e externamente; (iii) realizar monitoramento e estabelecer indicadores para garantir que os resultados das avaliações de risco sejam efetivamente incorporados e que o compromisso político assumido está sendo respeitado; e (iv) reparar ou contribuir para reparar impactos adversos sobre direitos humanos que tenham provocado ou contribuído para provocar impactos graves e irreversíveis e dar prioridade a medidas voltadas a preveni-los. Na última seção, por fim, que abrange os Princípios 25 a 31, o documento recomenda que os Estados coloquem à disposição das vítimas mecanismos judiciais e não-judiciais de reparação, garantindo sua efetividade (por meio da adequada provisão de recursos humanos e materiais). Também sugere que as próprias empresas instituam mecanismos de denúncia. No que diz respeito aos mecanismos não-judiciais, sejam eles estatais ou corporativos, os Princípios estipulam que eles devem: ser legítimos (percebidos como confiáveis), acessíveis,

previsíveis

(bem

disciplinados),

equitativos,

transparentes

e

compatíveis com os direitos humanos; funcionem como uma fonte de aprendizagem contínua (para prevenir danos futuros); e sejam construídos e avaliados de forma participativa. 1.3.

Crítica Apesar da opinião favorável unânime dos países representados no Conselho

de Direitos Humanos da ONU, os Princípios Orientadores sobre Negócios e Direitos Humanos estão longe de constituírem um consenso. As críticas, que emanam, sobretudo, de especialistas e da sociedade civil, mas contam com o apoio crescente de um grupo de países em desenvolvimento, dizem respeito às premissas utilizadas por Ruggie, que teriam levado a um resultado considerado débil pelos detratores dos Princípios. Ruggie qualifica a perspectiva que norteou seu mandato como Representante Especial do SGNU como um “pragmatismo de princípios”, descrevendo-a como uma visão, ao mesmo tempo, inspirada pelo compromisso com o fortalecimento da proteção dos direitos humanos e preocupada em oferecer soluções aceitáveis e factíveis (ARAGÃO, 2010). Ao referir-se às Normas, Ruggie as retrata como o pomo da discórdia entre organizações da sociedade civil de todo o mundo, que

19

expressaram firme apoio ao texto, e a “comunidade corporativa”, que, representada especialmente pela Câmara Internacional de Comércio e pela Organização Internacional de Empregadores, manifestou forte oposição à sua adoção. Seu objetivo declarado foi, assim, chegar a uma proposta palatável a gregos e troianos, que superasse “as divisões profundas” e os “excessos doutrinários” das Normas e representasse o ponto de equilíbrio possível entre Estados, empresas e ONGs (RUGGIE, 2007; ARAGÃO, 2010). Ocorre que, do ponto de vista de alguns especialistas e da sociedade civil, o prato ocupado pelo empresariado e por alguns países desenvolvidos pesou mais na balança de Ruggie, do momento de sua designação até a apresentação do resultado final de seu trabalho. Ainda que não admita a influência direta do governo dos Estados Unidos na sua indicação, o próprio Ruggie reconhece que empresas norte-americanas intercederam junto a Kofi Annan para pleitear a designação de alguém com perfil simpático ao empresariado (ARAGÃO, 2010). Ruggie havia atuado como Conselheiro-Chefe Estratégico do SGNU para o Pacto Global e, por essa razão, tinha bom trânsito junto a grandes corporações. Uma vez designado, Ruggie passou a apresentar relatórios anuais em que teve a oportunidade não apenas de relatar suas atividades, mas também de expor seus pontos de vista. É possível depreender, de seus escritos, que o referencial que informa esses pontos de vista é a noção, desenvolvida duas décadas antes, pelo próprio Ruggie, de “liberalismo enraizado” (“embedded liberalism”). Partindo da problemática identificada por Polanyi (2000) a respeito dos efeitos destrutivos do descolamento da economia em relação às demais dimensões da vida social, provocado pela primazia, propugnada pelo liberalismo, das forças de mercado sobre formas alternativas de organização da sociedade – fenômeno que esse historiador húngaro chamou de “desenraizamento” (“disembeddedness”) da economia –, Ruggie destaca a importância da construção de regimes econômicos alicerçados na comunhão de sentidos entre Estados, atores sociais e agentes econômicos. A criação de sentidos comuns dependeria, para Ruggie, da existência de marcos (“frameworks”) institucionais fortes, alinhavados por normas, costumes e valores partilhados, que fixem parâmetros dentro dos quais as forças de mercado possam atuar livremente (RUGGIE, 1982). Ruggie defende, assim, um liberalismo “enraizado” na sociedade, postulado subjacente a seu Marco e

20

seus Princípios Orientadores, nos quais é atribuído ao Estado o papel precípuo de fixar parâmetros mínimos para a atuação corporativa e de fomentar a criação de uma cultura de respeito aos direitos humanos, preservando, no mais, a liberdade empresarial. Ruggie concretiza, em seu mandato sobre negócios e direitos humanos, exatamente o que propunha que os atores da ordem econômica internacional fizessem, em seu escrito de 1982: a criação de um marco institucional para “enraizar” a ação econômica. Ao pôr em prática seu “liberalismo enraizado”, Ruggie deixou de levar em conta o pleito da sociedade civil pela elaboração de um instrumento de caráter vinculante com supervisão internacional, reivindicação motivada pela fragilidade dos instrumentos baseados na adesão voluntária e no automonitoramento existentes até o início de seu mandato. O Representante Especial do SGNU recebeu diversas manifestações nesse sentido12, além de pedidos para que as consultas que realizaria incluíssem a oitiva de vítimas, que não foram acolhidos (ARAGÃO, 2010). Argumentou que os três pilares sobre os quais foram erigidos o Marco e os Princípios gozariam de autoridade suficiente para superar a “dicotomia ortodoxa” entre normas vinculantes e aspirações voluntárias (RUGGIE, 2013). Com isso, Ruggie incidiu em um equívoco clássico do liberalismo: a convicção na perfeita simetria entre os atores, que desconsidera a disparidade de forças existente na realidade. Sua visão política pessoal, somada à pretensão de atuar, de forma isenta, como o fiel da balança entre posições opostas, redundou no favorecimento do lado mais forte, levando alguns críticos mais severos do Marco desenvolvido por Ruggie a tachá-lo de “darwinismo social de mercado” (REGIL, 2008). Além disso, alguns especialistas discordam da principal solução proposta por Ruggie para coibir práticas empresariais abusivas: o preenchimento das lacunas de governança (“governance gaps”) existentes em vários Estados. Para alguns especialistas, a dificuldade de preencher essas lacunas é, precisamente, o maior problema enfrentado por Estados anfitriões de empresas violadoras e, portanto, simplesmente incumbi-los da tarefa de supri-las, sem prover a eles as condições

12

Destacam-se, entre essas manifestações, carta da ONG Anistia Internacional e declaração firmada por 25 instituições latino-americanas (incluindo ONGs, associações de povos indígenas e sindicatos) e entregue a Ruggie em Consulta Regional realizada na Colômbia, em 2007 (ARAGÃO, 2010).

21

necessárias para fazê-lo é uma resposta superficial e simplista, equivalente a “apresentar o problema como solução” (KANADE, 2014). Segundo os críticos dos Princípios, é necessário enfrentar uma das causas mais relevantes do problema da impunidade de abusos perpetrados por corporações

multinacionais

em

alguns

países

em

desenvolvimento:

o

desequilíbrio de poder entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos, que impede os primeiros de fazer frente a empresas violadoras oriundas dos últimos. Esse problema poderia ter sido abordado, pelos Princípios, por meio da sugestão de parâmetros para disciplinar a celebração de Acordos de Investimentos Bilaterais (“Bilateral Investment Agreements”) e Acordos de País Anfitrião (“Host Country Agreements”). Esses acordos impõem constrangimentos à capacidade regulatória de países receptores de investimentos estrangeiros e anfitriões de empresas transnacionais, ao incluírem “cláusulas de estabilidade” que obrigam os Estados a compensar agentes privados dos país signatário do instrumento por mudanças legais ou institucionais que lhes possam ocasionar perdas financeiras. Sob o amparo desses acordos, empresas do país signatário podem demandar, por meio de arbitragem internacional, a responsabilização dos países anfitriões (SIMONS, 2012) por medidas que visem, essencialmente, a proteger direitos humanos. Mesmo na ausência desses acordos, contudo, a necessidade de proteger o setor privado nacional da concorrência desigual com empresas estrangeiras pode induzir países em desenvolvimento a adotarem marcos normativos e práticas institucionais lenientes, de modo a reduzir os custos de produção de suas empresas. Mudanças na governança econômica mundial também fortaleceriam a posição relativa de países em desenvolvimento. Programas de ajuste estrutural e condicionalidades impostas à concessão de crédito a países em desenvolvimento por instituições financeiras internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial (de cuja governança esses países pouco participam, já que, nelas, o poder de voto está atrelado ao montante de aportes financeiros realizados) tornam essas nações mais suscetíveis aos efeitos deletérios de acordos leoninos e à ação predatória de suas próprias empresas, já que

22

demandam, em geral, sua abertura para investimentos estrangeiros e a desregulamentação de sua economia (SIMONS, 2012).13 Além de não levar em conta a vulnerabilidade de países em desenvolvimento frente a empresas violadoras, os Princípios silenciam sobre a responsabilidade dos países de origem dessas empresas. Embora já reconhecida em algumas jurisdições – como a dos Estados Unidos, em que o “Alien Tort Claims Act” (ATCA) permite ao Poder Judiciário local receber queixas de cidadãos estrangeiros por violações do direito das nações ou de tratados firmados pelos Estados Unidos praticadas por pessoas físicas ou jurídicas norte-americanas (KINLEY; TADAKI, 2004) – nenhuma menção é feita à possibilidade de exercício, pelos países de origem, de prerrogativas de extraterritorialidade para coibir violações cometidas por suas empresas no exterior. Essas críticas evidenciam que a unanimidade obtida na aprovação dos Princípios não reflete, necessariamente, o grau de satisfação das nações em relação ao documento. Recentemente, alguns países decidiram impelir a comunidade internacional a dar um passo além: Equador, África do Sul, Bolívia, Cuba e Venezuela apresentaram, no âmbito do CDH, em 2014, um projeto de resolução cujo objetivo era estabelecer um grupo de trabalho intergovernamental com mandato para elaborar um instrumento jurídico internacional, de caráter vinculante, para regular as atividades de corporações transnacionais e outras empresas. A Resolução 26/9 foi adotada com 20 votos favoráveis (incluindo os votos de Índia, China e Rússia), 14 votos contrários (incluindo os votos dos Estados Unidos e de países europeus) e 13 abstenções (incluindo a do Brasil), além de forte apoio da sociedade civil (600 organizações não-governamentais de todo o mundo se reuniram em uma rede de mobilização chamada de “Treaty Alliance” e pressionaram os países a aprovar o projeto). Ruggie se justificou em várias ocasiões por não propor uma convenção sobre negócios e direitos humanos, argumentando que a negociação seria longa e não teria garantia de resultados (RUGGIE, 2008); resta saber se os países que protagonizaram a iniciativa terão condições políticas de pressionar pela implementação da resolução e de influenciar os rumos de eventual processo negociador. 13

Nos acordos envolvendo países da OCDE, as cláusulas de estabilidade estão, geralmente, redigidas de forma a preservar o interesse público nacional. Nos acordos envolvendo países de fora da OCDE, contudo,

23

Em que pesem as críticas dirigidas aos Princípios, é preciso dar razão a Ruggie e admitir que negociações internacionais são, quase sempre, processos lentos de construção de consensos, em que, por vezes, é necessário sedimentar entendimentos (e mesmo acordar um vocabulário novo, nos casos em que o que se pretende é conferir tratamento a temas nunca antes disciplinados pela comunidade internacional) para que se possa, pouco a pouco, lograr avanços efetivos. Os Princípios, sem dúvida, desempenharam um papel importante nesse processo, ao estabecerem um repertório novo que já começa a ser apropriado por governos, empresas e sociedade civil. A apropriação desse repertório por atores brasileiros, por meio de um esforço comum de elaboração de um plano nacional, pode contribuir para despertar uma reflexão interna sobre a questão, identificar pontos

de

vista

convergentes,

aproximar

perspectivas

divergentes

e,

eventualmente, subsidiar a posição negociadora do Brasil em discussões sobre a celebração de um instrumento jurídico vinculante.

essas cláusulas costumam ser mais abrangentes (SIMONS, 2012).

24

CAPÍTULO 2 – PLANOS DE AÇÃO NACIONAIS 2.1. Grupo de Trabalho sobre a Questão dos Direitos Humanos e das Corporações Transnacionais e outras Empresas A mesma resolução do CDH que, em 2011, aprovou os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos estabeleceu um Grupo de Trabalho com a missão de dar continuidade aos trabalhos do Representante Especial do SGNU. Composto por cinco especialistas com mandato inicial de três anos, o Grupo de Trabalho sobre a Questão dos Direitos Humanos e das Corporações Transnacionais e outras Empresas foi incumbido, entre outras tarefas, de: (i) promover a disseminação e a implementação efetiva e abrangente dos Princípios Orientadores; (ii) identificar, intercambiar

e

promover

boas

práticas

e

lições

aprendidas

sobre

a

implementação dos Princípios Orientadores, além de fazer avaliações e recomendações com base nelas, buscando e recebendo informações de todas as fontes relevantes, incluindo governos, corporações transnacionais e outras empresas, instituições nacionais de direitos humanos, sociedade civil e titulares de direitos; (iii) oferecer apoio a esforços para promover capacitação e a aplicação dos Princípios Orientadores, bem como prover assessoria, a pedido, sobre a elaboração de legislação e políticas domésticas; (iv) conduzir visitas a países e responder a convites de países; e (v) continuar a explorar opções, nos níveis internacional, regional e nacional, para aprimorar os mecanismos de reparação disponíveis àqueles cujos direitos tenham sido afetados por atividades corporativas. A Resolução 17/4 também cria um Fórum sobre Negócios e Direitos Humanos, sob os auspícios do Grupo de Trabalho, para discutir tendências e desafios na implementação dos Princípios e promover o diálogo, a cooperação e o intercâmbio de boas práticas, e ressalta a importância do papel das instituições nacionais de direitos humanos na promoção dos Princípios. O primeiro relatório do Grupo de Trabalho, divulgado em 2012, apresenta um mapeamento inicial das iniciativas de implementação dos Princípios Orientadores e destaca os esforços pioneiros dos Países Baixos (com a

25

aprovação, ainda em 2011, de uma moção parlamentar em favor da elaboração de um plano de implementação) e do Reino Unido (que começava, à época, a organizar consultas abrangentes à academia, sociedade civil e comunidade empresarial para discutir possíveis meios de implementação). Ao delinear, nesse documento, sua estratégia de ação, o Grupo de Trabalho menciona sua intenção de “encorajar o desenvolvimento de planos nacionais de ação” pelos países. Em seu segundo relatório, apresentado em 2013, o Grupo de Trabalho emite recomendações

aos

Estados,

que

incluem:

(i)

designar

um

grupo

“interdepartamental” (isto é, em cuja composição estejam representados diversos órgãos) responsável pela implementação dos Princípios; (ii) revisar, com o fim de identificar lacunas, seu marco legal e regulatório; (iii) fortalecer a capacidade das instituições nacionais de direitos humanos de atuarem na promoção da agenda sobre negócios e direitos humanos; (iv) realizar consultas multisetoriais (“multistakeholders consultations”), dedicando especial atenção a grupos vulneráveis a violações e com menor acesso a mecanismos de reparação; (v) trocar experiência com outros países, inclusive por meio do Fórum sobre Negócios e Direitos Humanos; (vi) considerar elaborar um plano nacional de ação para implementar os Princípios; (vii) abordar a questão do acesso a mecanismos de reparação; (viii) integrar os Princípios ao trabalho de instituições de regulação do setor financeiro; e (ix) explorar opções para reduzir a impunidade corporativa por violações de direitos humanos. Em seu terceiro relatório, apresentado em 2014, o Grupo de Trabalho dedica uma seção à elaboração de planos de ação nacionais pelos Estados. Sob esse tópico, o Grupo analisa uma série de incentivos (cumprimento de obrigações internacionais, maior clareza para as empresas a respeito das expectativas governamentais, convergência entre medidas de desenvolvimento e de promoção de direitos humanos, entre outros) e desincentivos (percepção do respeito aos direitos econômicos como fator de constrangimento e elevação do custo econômico, falta de coerência entre políticas governamentais, defesa do protecionismo, entre outros) à ação estatal em matéria de direitos humanos e negócios e apresenta a iniciativa de elaborar planos como um veículo apto a reforçar os incentivos e relativizar os desincentivos. Por esse motivo, o Grupo de Trabalho decidiu fazer do estímulo à elaboração de planos de ação nacionais uma

26

de suas prioridades estratégicas e anunciou que a execução dessa tarefa seria o foco de seu próximo relatório, a ser apresentado em 2015, antecipando recomendações no sentido de que a formulação desses planos conte com participação abrangente (de diferentes setores do governo e do empresariado, além da sociedade civil) e aborde situações que afetam os grupos mais vulneráveis da população. Entre as questões a serem contempladas pelo plano, o Grupo sugere: acesso a mecanismos de reparação; critérios para licitações e celebração de contratos públicos; parâmetros para empresas públicas; requisitos de devida diligência a serem exigidos de empresas, incluindo licenciamento, apresentação de relatórios, parâmetros para comércio e investimento; e adoção de políticas de desenvolvimento compatíveis com os direitos humanos. Nesse terceiro relatório, contudo, o Grupo de Trabalho também se pronuncia sobre uma oficina realizada pelos governos de Equador e África do Sul sobre a perspectiva de celebração de um instrumento internacional vinculante sobre negócios e direitos humanos, recomendando cautela aos países antes de “embarcar em qualquer processo de definição de padrões internacionais” sobre o tema, reiterando a necessidade de suprir as “lacunas de governança” existentes, problema para o qual aponta, justamente, a elaboração de planos de ação nacionais, como solução. A falta de abertura do Grupo do Trabalho em relação ao pleito de alguns países em desenvolvimento certamente contribuiu para precipitar a aprovação da Resolução 26/9. A linha de argumentação empregada no relatório pode, ademais, assentar o entendimento de que a elaboração dos planos é uma “alternativa” a uma eventual convenção internacional, o que pode levar alguns países em desenvolvimento a rechaçá-la e apostar unicamente na via do tratado. De qualquer maneira, logo depois de aprovar a Resolução 26/9, o CDH adotou a Resolução 26/22, tabulada pela Noruega, que acolhe a orientação do Grupo de Trabalho sobre a formulação de planos de ação nacionais e prorroga o seu mandato por mais três anos. Tudo indica, portanto, que os esforços de elaboração de planos de ação nacionais envidados pelo Grupo de Trabalho e de negociação de

uma

convenção

internacional

capitaneados

por

alguns

desenvolvimento deverão correr em paralelo a partir de 2015.

países

em

27

2.2.

Exemplos Como visto, Países Baixos e Reino Unido foram os países pioneiros na

elaboração de planos de ação nacionais para a implementação dos Princípios Orientadores, tendo iniciado seu processo de construção já em 2011. A partir de 2012, alguns outros países também se somaram a esse esforço, com destaque para Dinamarca, Itália, Finlândia e Espanha, que concluíram seus respectivos planos recentemente. Outros países também já iniciaram processos com vistas à adoção de planos de ação nacionais, como Noruega, Estados Unidos, Suíça e Tanzânia. Em âmbito regional, Colômbia e Peru anunciaram sua intenção de incluir seções específicas sobre negócios e direitos humanos em seus respectivos planos nacionais de direitos humanos e o Chile patrocinou a Resolução 2840 (“Promoção e Proteção dos Direitos Humanos nos Negócios”), adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 2014, que promove a aplicação dos Princípios Orientadores pelos Estados-membros daquela organização regional. O presente trabalho analisará as experiências do Reino Unido, Países Baixos e Espanha: os dois primeiros países foram selecionados por seu pioneirismo e o último por ter estabelecido um programa de cooperação em matéria de direitos humanos e negócios para estimular o desenvolvimento de planos de ação nacionais na América Latina. A investigação será estruturada a partir de informações colhidas dos próprios planos e de questionários enviados às Embaixadas desses países em Brasília14, em três eixos analíticos: o processo de construção dos planos, sua forma de redação e o conteúdo por eles abordado. 2.2.1. Reino Unido O processo de elaboração do plano de ação nacional britânico teve início com a formação de um grupo diretor (“steering group”), coordenado pelo Ministério de Negócios Estrangeiros (o “Foreign and Commonwealth Office” ou 14

Tanto o questionário utilizado quanto as respostas encaminhadas pelas Embaixadas encontram-se no Apêndice deste trabalho.

28

FCO, na sigla em inglês). O grupo foi integrado por representantes dos Ministérios da Justiça, Defesa e Negócios, Inovações e Técnicas (“Business, Innovation and Skills” ou BIS, na sigla em inglês), além de órgãos das áreas de comércio exterior, financiamento

de

exportações

e

cooperação

internacional

para

o

desenvolvimento. Entre janeiro e março de 2012, o grupo conduziu uma série de oficinas com representantes de 50 empresas (pequenas, médias, grandes e multinacionais, de setores como energia, mineração, indústria farmacêutica, além de bancos e supermercados) e com representantes de 25 organizações da sociedade civil, sempre com a participação de acadêmicos. Em junho de 2012, foi feita uma conferência, para a qual foram convidadas, além dos atores consultados previamente, também representantes de organismos internacionais e do Grupo de Trabalho da ONU. Em outubro de 2012, teve início a redação do plano, que passou por várias revisões e foi apresentada em nova rodada de consulta à comunidade empresarial e à sociedade civil entre os meses de março e abril de 2013. O plano foi lançado, enfim, em setembro de 2013, em cerimônia presidida pelos Secretários de Estado do FCO e do BIS, que contou com a presença de John Ruggie. O processo durou cerca de um ano e meio. O documento de 23 páginas elaborado pelo Reino Unido está estruturado conforme os três pilares do Marco de Ruggie, em três seções que apresentam, de maneira bastante objetiva, as medidas já em vigor e as medidas planejadas pelo governo britânico. A seção sobre o dever do Estado de proteger direitos humanos se inicia com breve exposição sobre o marco jurídico vigente (incluindo tratados de direitos humanos ratificados e diplomas legais como a Lei Anticorrupção). Entre as medidas já adotadas, sob esse tópico, destacam-se: (i) a criação de um centro de informações em Myanmar para orientar empresas atuantes naquele país; (ii) a adoção de regras de licitação que permitem excluir concorrente do processo no caso de “má conduta” (que inclui violação de direitos humanos); (iii) a negociação e adesão a regras da OCDE que estipulam parâmetros de direitos humanos para agências de crédito à exportação; (iv) o protagonismo na elaboração do “Código Internacional de Conduta para Provedores de Serviços de Segurança Privada” (ICOC, na sigla em inglês); (v) a consideração do papel das empresas na “Estratégia para Construir Estabilidade no Exterior” do FCO; e (vi) o

29

pagamento de contribuições financeiras para o Pacto Global e para o Programa “Direitos Humanos e Democracia” do FCO. Entre as medidas pretendidas, destacam-se: (i) o estabelecimento de parcerias com outros países para promover os Princípios (é citada parceria com a Colômbia como exemplo); (ii) a criação de processo de certificação de companhias de segurança privada à luz do ICOC; (iii) a revisão da atuação de empresas públicas britânicas; (iv) o desenvolvimento de parâmetros para exportação de tecnologia de informação e comunicação (para garantir o direito à liberdade de expressão); (v) a promoção de novos projetos, pela rede de Embaixadas, sobre o impacto da atuação empresarial sobre os direitos de grupos vulneráveis (indígenas, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes, migrantes etc) nos países em que haja problemas a esse respeito; (vi) a inclusão de dispositivos sobre direitos humanos em acordos de investimento, com cuidado para não prejudicar a capacidade dos países anfitriões de cumprir obrigações internacionais de direitos humanos; (vii) a instrução à rede de embaixadas para apoiar defensores de direitos humanos em outros países; e (viii) a realização de “lobby” internacional para promoção dos Princípios, com apoio ao Grupo de Trabalho. A seção sobre a responsabilidade das empresas de respeitar direitos humanos começa elencando as expectativas do governo britânico em relação ao comportamento empresarial, incluindo: respeitar a legislação, incorporar medidas de devida diligência (especialmente em relação a parceiros na cadeia de valor, por meio de monitoramento, treinamento etc.), consultar pessoas potencialmente afetadas por sua atuação, instituir mecanismos de queixas e ser transparente. Entre as medidas já adotadas pelo governo britânico, destacam-se: (i) a emenda à Lei de Empresas, para incluir obrigação aos diretores de empresas para prestarem contas sobre direitos humanos em seus relatórios anuais; (ii) o desenvolvimento, pelo FCO e pela agência responsável por comércio exterior, de serviço de assessoria de avaliação de riscos no exterior, acompanhado de instrução para embaixadas para obterem informações junto a atores locais para auxiliarem as empresas a aferirem riscos de direitos humanos no país de operação; (iii) o desenvolvimento de um manual e de cursos de treinamento para servidores; e (iv) o estabelecimento de uma plataforma online para intercâmbio de

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boas práticas entre empresas. Entre as medidas planejadas, encontram-se: (i) continuar a prestar orientação para empresas e incentivar sindicatos de empregadores e de empregados a fazerem o mesmo; (ii) facilitar o diálogo entre empresas, sociedade civil, parlamentares e acadêmicos; e (iii) instruir missões diplomáticas a discutir com governos locais situações em que as empresas britânicas tiverem dificuldades para manter seus padrões de respeito aos direitos humanos pelo fato de a legislação local ser incompatível com o direito internacional dos direitos humanos. Na seção sobre acesso a mecanismos de reparação, o governo se compromete a realizar as seguintes ações: (i) disseminar a experiência do Comitê Olímpico e Paraolímpico de Londres, que estabeleceu mecanismo para receber queixas relacionadas a empresas prestadoras de serviços envolvidas na organização dos Jogos; (ii) instruir a agência de comércio exterior a orientar empresas britânicas a instituir em suas filiais no exterior mecanismos de queixas similares ao implementados nas sedes; e (iii) auxiliar países a fortalecerem suas capacidades institucionais de responder a violações de direitos humanos cometidas por empresas. O documento faz referência breve à questão da extraterritorialidade, descrevendo-a como prática incomum, mas deixando aberta a possibilidade de sua utilização pelo Reino Unido (sem contudo, estipular compromisso nesse sentido). As principais dificuldades relatadas pelo Reino na elaboração de seu plano dizem respeito à necessidade de tempo para criar relações de confiança com os atores consultados e de esclarecer a todos o conceito de “direitos humanos” e às constantes revisões e consultas políticas (para obter aprovação dos órgãos de governo envolvidos) realizadas. O progresso da implementação do plano será informado no relatório anual sobre direitos humanos e democracia do FCO e uma revisão do documento será realizada em 2015. Trata-se de um plano que serviu ao Reino Unido como oportunidade de sistematizar e dar consistência a iniciativas difusas já realizadas e de afirmar seu protagonismo na aproximação entre o mundo dos negócios e a promoção dos direitos humanos como estratégia de política externa – intenção que fica evidente tanto pelas palavras iniciais dos Secretários de Estado do FCO e do BIS a respeito dos esforços do país para a criação de ambientes estáveis para a

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liberalização de mercados quanto pela ênfase dada ao papel da persuasão diplomática em diversos trechos do documento. Percebe-se, ademais, a prioridade conferida a algumas questões específicas dentro da temática maior sobre negócios e direitos humanos, como a atuação de empresas de segurança privada e a responsabilidade de corporações transnacionais em situações de conflito ou grave violência. 2.2.2. Países Baixos À apresentação, pelo Parlamento holandês, da moção em favor da elaboração de um plano de ação nacional para dar implementação aos Princípios Orientadores da ONU seguiu-se, em 2012, a aprovação, pelo Conselho da União Europeia, do Marco Estratégico sobre Direitos Humanos da União Europeia. A implementação dos Princípios é um dos itens constantes do plano de ação do Marco Estratégico, que estipula como meta o desenvolvimento de planos de ação nacionais em todos os países europeus. Para responder à moção e ao compromisso assumido no âmbito da União Europeia, os Países Baixos constituíram, em 2012, um grupo de trabalho interministerial, coordenado pelo Ministério de Negócios Estrangeiros, com a participação dos Ministérios de Assuntos Econômicos, Finanças, Segurança e Justiça e Assuntos Sociais e Emprego. O Grupo de Trabalho assumiu a missão de as avaliar as políticas em vigor no país vis-à-vis os Princípios Orientadores da ONU e realizar consulta junto a diferentes atores. Foram realizadas, por um pesquisador externo, cinquenta entrevistas com representantes do empresariado, da sociedade civil e de órgãos governamentais, além

de

especialistas

independentes,

seguindo

roteiros

de

entrevista

determinados. Os resultados das entrevistas foram discutidos em três reuniões: a primeira com organizações da sociedade civil e especialistas independentes, a segunda com a comunidade empresarial e a terceira com representantes governamentais. A decisão de conduzir consultas separadas e de delegar a realização das entrevistas individuais a um pesquisador externo buscou permitir que os participantes da consulta falassem “mais livremente”. O plano também cita

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a importância do diálogo entre a Instituição Nacional de Direitos Humanos do país com o setor privado, mas não descreve o teor desses contatos. O plano foi redigido pelo Ministério de Negócios Estrangeiros, com apoio do Grupo de Trabalho Interministerial, adotado, em dezembro de 2013, pelo Conselho de Ministros e apresentado ao Parlamento pelos Ministros de Negócios Estrangeiros, Comércio Exterior e Desenvolvimento e Assuntos Econômicos. Todo o processo durou cerca de um ano e meio. O Plano de Ação Nacional holandês foi redigido sob a forma de uma “policy letter”, tipo de documento governamental que se assemelha às notas técnicas preparadas por unidades internas das pastas ministeriais brasileiras, mas que gozam de ampla publicidade. É um texto corrido de 48 páginas, estruturado nos cinco tópicos considerados fundamentais pelos atores consultados, no âmbito dos quais são descritas as políticas pertinentes já existentes, referidas as opiniões do público ouvido e apontados, em caixas de texto à parte, exemplos de boas práticas (a maior parte delas relativa a iniciativas com ou relacionadas a países em desenvolvimento).15 Nas duas últimas páginas do documento, são elencados os compromissos do governo. As cinco seções do texto são: (i) “um papel ativo para o governo”; (ii) “coerência entre políticas”; (iii) “esclarecimento sobre a devida diligência”; (iv) “transparência e prestação de contas”; e (v) “escopo dos mecanismos de reparação”. No primeiro tópico, destaca-se o papel do governo na “nivelação do campo do jogo” (“level playing field”), isto é, na garantia de que o comportamento de todos os atores seja disciplinado pelas mesmas regras. O documento sempre se refere a uma uniformização de regras de abrangência “internacional”, dando a entender que uma das preocupações suscitadas pelos atores ouvidos é a de que as empresas holandesas não estejam em desvantagem, em razão de constrangimentos impostos pelo governo holandês, em relação a empresas estrangeiras em um cenário de competição internacional. A atuação dos Países Baixos em foros multilaterais e junto a organismos internacionais como o Banco Mundial para assegurar a observância dos direitos humanos nos projetos financiados e a menção a questões de direitos humanos em missões comerciais 15

Uma delas diz respeito à recomendação do governo holandês a bancos e instituições financeiras do país que evitem oferecer créditos a empresas envolvidas com a grilagem de terras (“land grabbing”) no Brasil.

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holandesas a outros países são levantadas como exemplos para o desempenho de “um papel ativo” pelo governo. No tópico “coerência entre as políticas”, são feitas referências à inclusão de requisitos de direitos humanos em licitações e em acordos de comércio e investimentos com outros países. No item sobre “esclarecimento sobre devida diligência”, parte-se do diagnóstico, colhido dos atores consultados, de que o governo não explicitou suficientemente bem às empresas que tipo de medidas de devida diligência espera delas; propõe-se, então, a “conscientização” do setor privado, a ser realizada, inclusive, por meio da rede de embaixadas (para empresas holandesas operando no estrangeiro e empresas locais), além da realização de análises de risco setoriais (para ajudar as empresas a identificar os riscos de violações mais comuns em sua área de atuação), da celebração de acordos setoriais com requisitos de devida diligência entre o governo e os diversos setores produtivos e da tomada de medidas de devida diligência pelo próprio governo, ao oferecer apoio a empresas (na oferta de crédito à exportação). Com relação à adoção de medidas legislativas que criem obrigações para empresas, o documento afirma que não foi possível chegar a um consenso, mas que o governo criaria um comitê independente para analisar o assunto. Na seção sobre “transparência e prestação de contas”, propõe-se incluir requisitos de transparência nos acordos setoriais que o governo pretende celebrar com as empresas e apoiar iniciativa da Comissão Europeia de alterar a normativa comunitária para exigir das empresas prestação de contas “não financeira” sobre temas como direitos humanos, meio ambiente e corrupção. Durante as consultas, foi solicitada atenção à aprovação de projeto de lei que permitiria a qualquer cidadão demandar informações a empresas sobre a origem de seus produtos ou serviços, mas o governo considerou que a iniciativa seria inconveniente em razão dos custos que imporia ao setor privado. Com relação, enfim, ao tópico sobre o “escopo dos mecanismos de reparação”, propôs-se que a estrutura de controle interno das empresas fosse pública, para permitir mais facilmente a identificação de agentes responsáveis por violações, tendo o governo se comprometeu a levar essa questão ao Parlamento; o governo também se dispôs a fortalecer o Ponto de Contato Nacional (PCN) das Diretrizes da OCDE, para torná-lo mais efetivo. Propostas relativas à criação de um fundo para custear a assistência jurídica a

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vítimas e ao reconhecimento da extraterritorialidade da jurisdição holandesa para apreciar violações cometidas por empresas holandesas no exterior não obtiveram consenso. Com relação aos compromissos assumidos na parte final do plano, são retomadas propostas que já aparecem no corpo do texto e acrescidas algumas outras, entre as quais se destacam: a realização de curso online para servidores públicos sobre os Princípios Orientadores, a inclusão do tema “negócios e direitos humanos” nas matrizes curriculares de cursos de administração, a atualização, em parceria com o Pacto Global, do guia “Como fazer negócios com respeito aos direitos humanos” e a apresentação de emenda ao decreto de instituição do PCN holandês para permitir que conduza investigações setoriais. A principal dificuldade relatada pelos Países Baixos na elaboração de seu plano refere-se à obtenção de consenso entre os atores envolvidos (que não foi possível em todos os tópicos), especialmente entre os diferentes órgãos de governo. O monitoramento do cumprimento do plano será feito pelo Ministério de Negócios Estrangeiros e prevê-se apresentar avaliação sobre sua implementação ao Parlamento no segundo semestre de 2015. Trata-se, em geral de um plano que não propõe reformas profundas, primando por soluções negociadas (tais como os acordos setoriais) em que o Estado assume o papel de “guia” da conduta empresarial. Há uma grande ênfase na preservação das condições de competitividade internacional das corporações holandesa e no papel da diplomacia holandesa em foros multilaterais e na mediação entre empresas nacionais e países anfitriões. 2.2.3. Espanha O processo de consulta que deu origem ao plano de ação nacional da Espanha foi coordenado pelo Escritório de Direitos Humanos (“Oficina de Derechos Humanos” ou ODH, na sigla em espanhol) do Ministério de Negócios Estrangeiros e Cooperação e percorreu diversas etapas. Inicialmente, entre janeiro e março de 2013, o ODH realizou reuniões com representantes da comunidade empresarial, da sociedade civil e de órgãos de governo, em

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separado. Encaminhou, então, a ata das reniões para seus participantes, para colher comentários adicionais e compilou todas as propostas. Com base na compilação, uma consultoria externa elaborou um primeiro rascunho, que recebeu aportes de uma comissão acadêmica. Foram realizadas, então reuniões com parlamentares e com os setores mais reticentes em relação ao plano, ao cabo da qual foi convocada reunião interministerial para fazer reparos ao texto. Em junho de 2013, foi realizada uma rodada de consultas conjuntas com todas as partes interessadas (“multistakeholder”) e estipulado prazo de um mês para o envio de contribuições adicionais, durante o qual foram ouvidos

alguns

atores

estratégicos

(incluindo

ministérios

e

organismos

internacionais). Em novembro de 2013, foi distribuído um segundo rascunho e concedido novo prazo para comentários, que se estendeu até maio de 2014. Em junho de 2014, redigiu-se a versão definitiva, que foi levada ao Conselho de Ministros em setembro de 2014. Ao longo de todo o processo, foram ouvidos: 37 ONGs, 2 sindicatos, 7 consultores, 27 acadêmicos, 10 associações empresariais, 32 empresas, a Defensoria do Povo (órgão com atribuições similares àquelas das procuradorias de tutela coletiva do Ministério Público) e os Ministérios da Economia, da Indústria, do Trabalho, da Justiça, da Energia e do Comércio, além da Presidência de Governo (o Presidente de Governo exerce funções similares à de um Primeiro Ministro) e do Congresso. Também foram ouvidos o Grupo de Trabalho da ONU, a OIT, a UNICEF, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o Reino Unido (para compartilhar sua experiência). O processo durou pouco mais de um ano e meio. O resultado foi um documento com 31 páginas, do qual constam compromissos, em linguagem programática, associados ao cumprimento de cada um dos Princípios Orientadores. O Plano tem uma seção introdutória em que seleciona, como eixos centrais do documento, os Princípios n° 1, 2 e 2516 dos 16

Princípio 1: Os Estados devem proteger contra violações dos direitos humanos cometidas em seu território e/ou sua jurisdição por terceiros, inclusive empresas. Para tanto, devem adotar as medidas apropriadas para prevenir, investigar, punir e reparar tais abusos por meio de políticas adequadas, legislação, regulação e submissão à justiça; Princípio 2: Os Estados devem estabelecer claramente a expectativa de que todas as empresas domiciliadas em seu território e/ou jurisdição respeitem os direitos humanos em todas suas operações; e Princípio 25: Como parte de seu dever de proteção contra violações de di- reitos humanos relacionadas com atividades empresariais, os Estados devem tomar medidas apropriadas para garantir, pe- las vias

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Princípios Orientadores e se descreve o marco normativo da Espanha (com destaque para a Lei sobre Responsabilidade Social e Corporativa, aprovada em abril de 2014, e para a Estratégia Espanhola de Responsabilidade Social Corporativa,

adotada,

em

julho

de

2014,

pelo

Conselho

Estatal

de

Responsabilidade das Empresas – CERSE, órgão consultivo e deliberativo instituído no âmbito do Ministério do Trabalho, em 2008, com composição quadripartite17). O restante do documento está estruturado segundo os três pilares do Marco de Ruggie e dos Princípios Orientadores. A primeira seção, sobre o dever do Estado de proteger os direitos humanos, é a mais volumosa e apresenta, entre outras, as seguintes medidas: (i) a elaboração de diagnóstico exaustivo, até um ano depois da aprovação do Plano, sobre as políticas, leis e outros instrumentos afins aos Princípios Orientadores existentes na Espanha, em processo que envolverá consulta a diferentes grupos de interesse (especialmente os mais vulneráveis), dentro e fora da Espanha; (ii) a divulgação pelo governo, por meio de campanhas de sensibilização, de suas expectativas em relação às empresas, especialmente aquelas que tenham recebido qualquer tipo de apoio oficial ou que possam afetar coletividades vulneráveis, com foco em medidas de devida diligência

e

questões

atinentes

a

crianças

e

adolescentes,

práticas

discriminatórias e comunidades indígenas; (iii) a criação de um canal online de assessoramento, formação e consulta para empresas; (iv) a criação de fóruns setoriais para intercâmbio de boas práticas; (v) a capacitação de missões diplomáticas, que passarão a dispor de mecanismos de recepção de queixas a respeito da atuação de empresas espanholas no exterior; (vi) a elaboração, no prazo de um ano, de um plano específico de internacionalização das empresas espanholas em conformidade com os Princípios Orietadores, com possibilidade de estabelecimento de parâmetros para obtenção de crédito à exportação ou garantia de investimentos (condicionando investimentos públicos em empresas ao respeito a direitos humanos) e previsão de capacitação de todos os servidores que atuem na área; (vii) o estudo sobre a possibilidade de estipular parâmetros de judiciais, administrativas, legislativas ou de outro meios que correspondam, que quando se produzam esse tipo de abusos em seu território e/ou jurisdição os afetados possam acessar mecanismos de reparação eficazes.

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respeito aos direitos humanos em contratos públicos (e de rejeitar a contratação em caso de condenação judicial); (viii) o estudo da possibilidade de dar transparência aos investimentos feitos por fundos públicos, incluindo fundos de pensão; (ix) a ampliação de competência do Ministério Público para investigar e processar empresas suspeitas de violação de direitos humanos; e (x) a inclusão de referências a direitos humanos em acordos internacionais firmados pela Espanha. Da seção sobre a responsabilidade das empresas de respeitar direitos humanos, constam, entre outras, as seguintes medidas: (i) a criação de um sistema de incentivos (econômicos, comerciais, de imagem) em favor de empresas que respeitem direitos humanos (considerando, especialmente, a adoção de compromisso político, de práticas de devida diligência e de mecanismo de queixa); e (ii)

conceder certificação para empresas que se submetam a

processos de avaliação externa e independente. No tópico sobre mecanismos de reparação, por fim, destacam-se as seguintes medidas: (i) o estudo e aprimoramento da legislação sobre responsabilidade civil aplicável a empresas violadoras; (ii) a implementação de mecanismo não-judicial de reclamação e mediação, com competência para investigar e impor reparações; e (iii) o fortalecimento do Ponto de Contato Nacional da OCDE. O plano também contém dispositivos bastante pormenorizados a respeito de seu monitoramento, determinando a criação de uma Comissão de Seguimento interministerial (que poderá convidar o Defensor do Povo e especialistas), com regimento interno e assessorada por uma secretaria técnica, que se reunirá, pelo menos uma vez por semestre e se coordenará com o CERSE. A Comissão deverá preparar um relatório anual de cumprimento do plano, que será apresentado à Comissão de Relações Exteriores do Congresso de Deputados, de quem receberá recomendações. O plano deverá ser revisto a cada três anos. Entre as maiores dificuldades enfrentadas pela Espanha na elaboração de seu Plano, destacam-se o desconhecimento do tema, especialmente por parte da administração pública. As reuniões de “multistakeholders” também foram difíceis e seus pontos mais controvertidos foram: a não destinação de recursos orçamentários específicos para o cumprimento do plano e seu caráter voluntário 17

Governo, trabalhadores, empregadores e sociedade civil.

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(criticados pela sociedade civil), a estipulação de requisitos para contratação com o Poder Público (resistida por setores do governo e empresas) e a inclusão de cláusulas de direitos humanos em contratos de investimento públicos em empresas (também resistida por setores do governo e empresas). Trata-se de um plano com compromissos bem delineados – o que facilita sua cobrança pela sociedade civil – que, caso implementados, podem induzir mudanças efetivas no comportamento empresarial. Percebe-se, de qualquer forma, que uma das principais motivações do plano (expressa claramente em sua introdução) é contribuir para a internacionalização das empresas espanholas, a qual, acredita-se, pode ser facilitada se sua reputação for positiva. Na visão espanhola, o respeito a direitos humanos constitui uma “vantagem competititiva”. Daí porque a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) tenha desenvolvido o Programa Iberoamericano para a Sensibilização e Promoção de Estratégias Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, implementado por meio de encontros de intercâmbio de boas práticas entre diplomatas do ODH e de órgãos governamentais diversos de países latinoamericanos (do qual o Brasil teve a oportunidade de participar, representado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e pelo Ministério Público Federal). O objetivo do Programa não é simplesmente compartilhar a experiência com esses países, mas transmitir aos representantes governamentais presentes a mensagem de que empresas espanholas irão respeitar direitos humanos nesses países.

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CAPÍTULO 3 – PERSPECTIVA BRASILEIRA 3.1.

Posição do Brasil A força simbólica dos direitos humanos é ambivalente. Se, de um lado, o

repertório dos direitos humanos pode ser empregado para codificar, em linguagem normativa, certas demandas sociais e conferir a elas, assim, legitimidade político-jurídica, seu reconhecimento formal pode, de outro lado, encobrir realidades de negação material de direitos ou servir como recurso retórico para justificar comportamentos atentatórios a esses mesmos direitos (NEVES, 2005). O uso positivo ou negativo de tal força simbólica depende da posição e dos interesses daquele que toma emprestada a narrativa dos direitos humanos em seu discurso. Os exemplos de uso negativo da força simbólica dos direitos humanos são numerosos no sistema internacional. Episódios recentes de emprego da força não autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU (e portanto, ilegais à luz da Carta das Nações Unidas), como as invasões ao Iraque e ao Afeganistão, foram justificados pela necessidade de defesa de valores democráticos e liberdades fundamentais. De qualquer maneira, também há exemplos de uso positivo, como na pressão internacional exercida contra a África do Sul pelo fim do regime de “apartheid”. No debate sobre negócios e direitos humanos, há tendências tanto de uso positivo quanto de uso negativo do vocabulário dos direitos humanos. Do lado positivo, situam-se alguns países em desenvolvimento que pressionam por um avanço de positivação que possa servir, futuramente, como instrumento de resistência contra investidas do poder econômico exercido por empresas transnacionais, muitas vezes com o respaldo de seus países de origem. Do lado negativo, estão algumas potências ocidentais, que não têm demonstrado o mesmo ardor na discussão em tela que costumam demonstrar em outras situações de alegadas violações de direitos humanos. Não é casual, nesse sentido, que o órgão responsável pela coordenação dos trabalhos de elaboração dos planos de ação nacionais dos três países analisados tenha sido o Ministério de Relações Exteriores (ou seu equivalente).

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Isso revela que a questão das violações de direitos humanos perpetradas por empresas é, na visão desses países, na melhor das hipóteses, um problema que nada tem a ver com suas realidades domésticas (constituindo um problema exclusivo de nações com “má governança”, aos quais cabe aos países desenvolvidos apenas “ajudar”) ou, na pior das hipóteses, um campo de batalha em que está em jogo mais uma tentativa de revisão da ordem internacional. Nessa última hipótese, a oposição aberta a qualquer tipo de iniciativa de nova disciplina da questão (especialmente depois da rejeição das Normas) exporia o uso negativo do discurso dos direitos humanos pelos países ocidentais. Os Princípios parecem ter sido, assim, uma opção aceitável para países que não querem mudar as regras do jogo internacional, admitindo inovações como a eventual responsabilização internacional direta das empresas por um órgão internacional ou a extraterritorialidade das jurisdições dos países de origem. A elaboração dos planos de ação nacionais figura, nesse contexto, como estratégia para demonstrar a desnecessidade de soluções mais drásticas. Onde está o Brasil nesse fogo cruzado? Analistas de política internacional descrevem o país ora como um “cordeiro” (ator que aceita o “status quo”, por reconhecer suas limitações econômicas e militares), ora como um “chacal” (ator revisionista que aproveita oportunidades sistêmicas para melhorar sua posição relativa na ordem internacional), sempre animado, contudo, pela convicção de que sua dimensão territorial e demográfica o credenciaria a desempenhar maior protagonismo no sistema internacional (RODRIGUEZ, 2012). Recentemente, o Brasil tem preferido vestir a pele de chacal e assumir um discurso mais fortemente revisionista, marcado pela crítica ao caráter excludente das principais instituições de governança global (como o CSNU e o FMI, por exemplo), em que se arroga o papel de líder do mundo em desenvolvimento por uma ordem internacional mais justa. Na perspectiva de alguns autores, contudo, a participação do Brasil em grupos seletos de países, cujo funcionamento pressupõe a diferenciação de seus membros em relação a não-membros (como o G-20 financeiro, que distingue as maiores economias do mundo das demais, e o BRICS, que distingue as economias emergentes dos demais países em desenvolvimento), além de sua ênfase em promover reformas institucionais que não alteram fundamentalmente a

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lógica de funcionamento de alguns órgãos internacionais (como a proposta de reforma do CSNU, que não questiona o direito de veto, e a proposta – já acordada, mas ainda não implementada – de reforma do FMI, que altera a redistribuição das cotas, mas não questiona a primazia dos países mais ricos) evidenciam certa incoerência do discurso do Brasil (TRINKUNAS, 2014). Essa discrepância entre discurso e comportamento revelaria que o Brasil, em realidade, não deseja reformular radicalmente a ordem internacional, mas tão-somente “entrar para o clube” das potências ocidentais. A tese da inconsistência é corroborada pela abstenção brasileira na votação da Resolução 26/9 do CDH (que, como se viu, determinou a constituição de grupo de trabalho intergovernamental sobre a formulação de um instrumento internacional vinculante), momento em que o Brasil não conseguiu escolher entre ser o líder dos países em desenvolvimento como porta-voz de um discurso revisionista forte (ao lado dos demais países do BRICS, por exemplo, que votaram favoravelmente) e chancelar as regras atuais do jogo, na esperança de entrar, em breve, para o time dos países desenvolvidos. Considerando que não houve exercício de coordenação entre os órgãos de governo interessados (Ministério das Relações Exteriores, Casa Civil, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, entre outros) a respeito do texto da resolução, a indefinição talvez sequer possa ser atribuída a divergências internas brasileiras, devendo-se, provavelmente, à ausência de um direcionamento político mais amplo a respeito do papel que deve ser desempenhado pelo Brasil em situações de polarização entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento. A elaboração de um plano de ação nacional pelo Brasil poderia, assim, render dividendos em termos de política externa, para além da própria implementação dos Princípios Orientadores. Se os planos de Reino Unido, Países Baixos e Espanha serviram para que esses países mantivessem perfil elevado como porta-vozes globais do discurso dos direitos humanos, sem, contudo, promover mudanças que pudessem colocar em xeque sua posição relativa na ordem internacional, o plano do Brasil pode ajudá-lo a definir que lugar quer ocupar nessa ordem e se fará um uso positivo ou negativo do discurso dos direitos humanos.

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3.2.

Lições para o Brasil A diferença de posição, na ordem internacional, entre o Brasil, de um lado,

e Reino Unido, Países Baixos e Espanha, de outro, desaconselha que suas experiências sejam assimiladas de forma acrítica e descontextualizada. De qualquer maneira, alguns aspectos relativos ao processo, à forma e ao conteúdo dos planos de ação nacionais desses países poderiam ser aproveitados pelo Brasil. Com relação ao processo, o Brasil teria condições de realizar consultas análogas às realizadas por Reino Unido, Países Baixos e Espanha. O recurso ao diálogo com atores sociais diversos para subsidiar a construção de políticas públicas já é prática assentada no Brasil, realizada, principalmente, por meio das chamadas conferências nacionais, que constituem canais democráticos de debate, entre governo e sociedade civil, em que são consensuadas linhas estratégicas para nortear a ação estatal (SOUZA, 2012). Entre 1996 e 2008, foram realizadas onze conferências nacionais sobre direitos humanos, que informaram a formulação dos três Programas Nacionais de Direitos Humanos, e está prevista a realização de uma nova Conferência em dezembro de 2015, na qual a questão da interface entre negócios e direitos humanos poderia ser aventada. É importante, contudo, que o setor privado também seja ouvido, uma vez que a efetividade de qualquer plano de ação nacional dependerá, em grande medida, de sua aquiescência (“compliance”). O formato das conferências talvez não seja muito atraente para empresas, já que desenhado precipuamente para ouvir a sociedade civil; e a experiência dos países analisados mostra que a negociação é mais difícil quando sociedade civil e setor privado são reunidos na mesma instância. Seria importante, portanto, que pelo menos uma das etapas do processo previsse consultas em separado com os diversos grupos envolvidos, para que se estabelecesse uma relação de confiança que facilitasse a posterior adesão das empresas ao plano.18 Isso não significa, no entanto, que canais já existentes de diálogo com a sociedade civil não devam ser utilizados. Além da Conferência Nacional, o

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Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) pode desempenhar um papel importante no debate com a sociedade civil. O Grupo de Trabaho da ONU, a Resolução 26/22 do CDH e a Resolução 2840 da Assembleia Geral da OEA se referem à participação das instituições nacionais de direitos humanos na implementação dos Princípios Orientadores. Embora ainda não tenha sido reconhecido como tal pelo Comitê Internacional de Coordenação das instituições Nacionais de Direitos Humanos, o CNDH é o órgão brasileiro que mais se aproxima dos Princípios de Paris, documento internacional, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1993, que define parâmetros para o funcionamento de instituições nacionais de direitos humanos. O CNDH, disciplinado pela Lei n° 12988/2014, é um órgão colegiado de composição paritária (com onze representantes governamentais e onze representantes da sociedade civil) que tem, entre as suas atribuições, a função de “fiscalizar a política nacional de direitos humanos, podendo sugerir e recomendar diretrizes para a sua efetivação”. O CNDH poderia, assim, fazer recomendações tanto sobre o processo de consulta, no que se refere ao diálogo com a sociedade civil, quanto sobre medidas a serem incluídas em um eventual plano de ação brasileiro, além de colaborar, posteriormente, no monitoramento de seu cumprimento. Com relação à coordenação do processo de consulta, parece que o protagonismo conferido a Ministérios de Relações Exteriores, como ocorreu nos demais países, não caberia no Brasil, a não ser que se decida por vincular a iniciativa aos esforços de internacionalização de empresas brasileiras (como fez a Espanha). A implementação dos Princípios Orientadores é uma questão que, como vimos, está inserida no contexto mais amplo de revisão da ordem internacional e, por essa razão, a orientação do Ministério das Relações Exteriores (MRE) é imprescindível. Mas é importante traçar uma distinção entre o Brasil e os países analisados: se Reino Unido, Países Baixos e Espanha tratam o respeito a direitos humanos como uma questão externa (como fossem poucas ou inexistentes as violações ocorridas em seu próprio território e reservando o tratamento dessas violações a seu Poder Judiciário) e sequer possuem instâncias governamentais, integrantes do Poder Executivo, especialmente dedicadas à sua promoção interna, o Brasil tende a reconhecer (interna e externamente, de forma 18

Talvez também fosse conveniente estabelecer diálogo específico com grupo de empresas estatais.

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franca) que ainda enfrenta desafios em matéria de direitos humanos e criou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) como órgão responsável pela articulação interinstitucional necessária à formulação e implementação de políticas públicas de promoção e defesa de direitos humanos. A SDH/PR, no entanto, apesar de algumas de suas parcerias, não tem histórico denso de relacionamento com o setor privado e poderia enfrentar certa dificuldade para travar contato com empresas. Seria recomendável, portanto, que o processo fosse coordenado por uma instância tripartite, de que participassem o MRE, a SDH/PR e um terceiro ministério que tivesse maior facilidade para dialogar com o setor privado, como o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) ou o Ministério da Fazenda (por sediar o PCN). Deveriam ser consultados Ministérios como o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério da Justiça, o Ministério da Agricultura, o Ministério de Desenvolvimento Agrário, o Ministério de Minas e Energia, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a Secretaria Geral, a Secretaria de Políticas para Mulheres, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria da Micro e Pequena Empresa e a Controladoria-Geral da União, além de órgãos como a Fundação Nacional do Índio e o Banco Central. Seria recomendável, também, consulta a bancos públicos, especialmente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)19. Seria interessante que, anterior ou paralelamente à consulta, fosse realizado um mapeamento das ações governamentais já existentes e que, de alguma maneira, contribuem para promover a observância de direitos humanos por empresas. Já há medidas dispersas, que poderiam ser sistematizadas, em diversos setores, como a Resolução n° 4.327/2014 do Banco Central, que disciplina a realização de avaliações de riscos socioambientais por instituições financeiras, e a chamada “lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego, que veda a concessão de financiamento público a empresas que tenham sido autuadas pelo uso de trabalho escravo.

19

A ONG Conectas publicou, em setembro de 2014, um estudo sobre as regras e padrões de transparência, prestação de contas à sociedade e mecanismos de avaliação de impactos socioambientais do BNDES, que uitiliza os Princípios Orientadores como referência. A referida publicação está disponível em http://www.conectas.org/pt/acoes/empresas-e-direitos-humanos/noticia/25277-bndes-e-direitos-humanos.

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Quanto à forma do plano, os exemplos de Reino Unido e Países Baixos são muito distantes da prática brasileira, aproximando-se muito mais de notas técnicas, memorandos, relatórios ou outros textos expositivos de órgãos da administração pública do que dos planos nacionais existentes. O plano da Espanha é um exemplo mais adequado à realidade brasileira, por constituir um agregado de compromissos desfiados em tom programático. Alguns planos brasileiros costumam contar com uma seção expositiva, em que se descrevem os principais desafios a serem enfrentados e avaliam-se os instrumentos já existentes ou medidas já realizadas. Outros são introduzidos por elenco de princípios e diretrizes e outros dispositivos de caráter geral. Mas todos contêm um trecho operativo, em que se delineiam estratégias e ações, às vezes acompanhadas da indicação de órgãos responsáveis e do estabelecimento de prazos de cumprimento. Grandes planos setoriais, como o Plano Nacional de Educação e o Plano Nacional de Cultura são, em geral, aprovados pelo Congresso Nacional sob a forma de lei.20 Há outros tipos de planos, contudo, que são publicados por decreto (como o Programa Nacional de Direitos Humanos) ou portaria (como o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cuja formulação, contudo, foi determinada por decreto), a depender do número de órgão envolvidos e dos compromissos exigidos de cada um deles. A elaboração de um plano de ação nacional sobre negócios e direitos humanos não demanda aprovação legislativa, mas a necessidade de engajar uma grande quantidade de ministérios poderia exigir um decreto presidencial (seja para determinar a realização do plano – por meio, por exemplo, da instituição de uma comissão intersetorial –, seja para publicá-lo, uma vez pronto, com força vinculante para todo o Poder Executivo). Seria necessário, para tanto, que a iniciativa contasse com apoio presidencial, o que pode ser difícil de conseguir. Em havendo dificuldades, o próprio CNDH poderia assumir a tarefa (formulando um plano com recomendações a órgãos governamentais e empresas) e exercer pressão política para sua implementação (por meio, inclusive, de sua prerrogativa de representar junto ao Ministério Público e de aplicar sanções como a advertência, a censura pública e a recomendação de 20

O Plano Nacional de Educaçao foi aprovado pela Lei n° 13.005/2014 e o Plano Nacional de Cultura foi aprovado pela Lei n°12.343/2010.

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que não sejam concedidos verbas, auxílios ou subvenções a entidades comprovadamente responsáveis por condutas ou situações contrárias aos direitos humanos). Com relação ao conteúdo do plano, as experiências britânica, holandesa e espanhola dão boas pistas, mas não esgotam o escopo de um possível plano brasileiro. Há medidas que aparecem em todos ou na maioria deles, como o estabelecimento de parâmetros para contratar com o Poder Publico ou para obter acesso a crédito para exportação ou realização de investimentos no exterior; a oferta de assessoria a empresas; o fortalecimento dos respectivos PCNs e a proteção de grupos vulneráveis, que poderiam ser incorporadas pelo Brasil. Outras boas ideias também aparecem, como o estalecimento de critérios para integrar misssões comerciais oficiais, o desenvolvimento de processo de certificação de empresas que respeitam direitos humanos e a possibilidade de apresentação de queixas contra empresas atuantes no exterior por meio da rede de embaixadas. Os planos ajudam, sobretudo, a refletir sobre medidas em que o Brasil poderia se inspirar para orientar a atuação de suas empresas no exterior, em um contexto de crescente internacionalização de sua atividade empresarial. A estratégia espanhola de elevar o perfil de suas empresas em matéria de direitos humanos para facilitar sua internacionalização poderia ser replicada pelo Brasil não só para construir uma imagem positiva de suas empresas, mas também para garantir que sua expansão internacional ocorra em efetiva conformidade com os direitos humanos. Por outro lado, temas abordados nesses planos, como a atuação de empresas em situações de conflito armado, ainda não são tão relevantes para o Brasil. Faltam nesses planos, entretanto, medidas relacionadas à promoção do respeito a direitos humanos por empresas atuantes dentro dos próprios países. Esse, certamente, será o foco da sociedade civil brasileira em eventual consulta, já que sua atuação é eminentemente doméstica (diferentemente da sociedade civil de países desenvolvidos, que se ocupam, por vezes, de situações relativas a terceiros países). Embora não seja possível antecipar que tipo de temáticas serão suscitadas no processo de consulta, é seguro inferir que o respeito de direitos humanos (especialmente de comunidades indígenas e ribeirinhas) em grandes obras de infraestrutura seja uma questão (peculiar ao contexto brasileiro e,

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portanto, não abordada nos planos analisados) que terá de ser abordada. É esperável, ademais, que surjam questões específicas a propósito de temáticas como trabalho escravo, trabalho infantil e discriminação contra mulheres, negros, pessoas com deficiência e população LGBT, o que pode levar eventual plano brasileiro a escapar ao roteiro estrito dos Princípios Orientadores e constituir uma oportunidade para tratar a interface entre negócios e direitos humanos com maior detalhamento. A ideia de desenvolver planos setoriais ou temáticos, inspirada no plano holandês, em seguimento ao plano de ação nacional, pode ser uma forma de evitar que a profusão de temáticas levantadas tire o foco do esforço. A criação de instâncias extrajudiciais de reparação (talvez por meio do fortalecimento do PCN ou da utilização dos Termos de Ajustamento de Conduta21 já celebrados pelo Ministério Público) também poderia ser explorada. É importante, por fim, garantir algum tipo de monitoramento, por meio do CNDH ou de outra instância, e prever mecanismos de atualização ou revisão do plano, tal como consta, por exemplo, do plano espanhol.

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Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) são documentos assinados por partes que se comprometem, perante o Ministério Público, a cumprirem determinadas condicionantes, de forma a resolver o problema que estão causando ou a compensar danos e prejuízos já causados. O descumprimento do TAC pode levar o MP a acionar o Poder Judiciário.

CONCLUSÃO Consultados sobre as dificuldades que teria enfrentado no processo de construção do se plano de ação nacional, os Países Baixos citaram, curiosamente, a falta de consenso a respeito do significado da expressão “direitos humanos”. De fato, ela é comumente qualificada como um “significante flutuante” ou “significante vazio” (NEVES, 2005), uma vez que as fronteiras que circunscrevem seu campo semântico são móveis, alargando-se ou estreitando-se como resultado de embates entre distintas concepções políticas que refletem interesses concretos dos grupos que os travam. Esse campo é, hoje, preenchido por um feixe de relações entre dois pólos constantes: o Estado, de um lado, e o indivíduo ou uma coletividade determinada ou determinável de indivíduos, de outro. As tentativas de ampliação do campo consistem, normalmente, em propostas de inclusão de um novo liame entre os dois pólos, por meio da incorporação de novos itens no rol de direitos subsumidos à categoria de “direito humano”. O debate sobre negócios e direitos humanos é inédito na medida em que não pretende, como de costume, adensar esse feixe de relações, mas agregar ao campo um terceiro pólo, a ser ocupado pelas empresas. A admissão da responsabilidade das empresas de respeitar direitos humanos representa, assim, uma alteração estrutural no campo semântico dos direitos humanos, substituindo seu formato tradicionalmente linear por um desenho triangular de relações, em que cada lado do triângulo será formado por um conjunto de expectativas distinto. A sedimentação dessa nova estrutura dependerá, contudo, dos resultados de lutas simbólicas ancoradas em interesses materiais, nas quais os recursos de poder não estão igualmente distribuídos. Será, portanto, uma batalha provavelmente de progressão lenta e difícil. Os planos de ação nacionais vêm sendo empunhados, nessa luta, como uma arma contra a celebração de um instrumento internacional vinculante. Sua elaboração, por países desenvolvidos, chancela o diagnóstico de Ruggie de que o principal problema a ser enfrentado para promover a observância de direitos humanos por empresas são “lacunas de governança” que devem ser supridas pela ação dos países em cujo território atuam essas empresas. Daí a resistência de parte da sociedade civil e de alguns países em desenvolvimento a essa

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estratégia. Essa oposição, contudo, leva a uma polarização de forças que favorece o lado mais forte: uma vez que as opções se coloquem como antagônicas, aquela esposada pela parte com maiores recursos de poder tenderá a prevalecer. Caso persista, a indefinição do Brasil entre os lados que começam a se cristalizar pode redundar em apoio tácito à manutenção do “status quo”. Mas a posição intermediária do Brasil coloca o país em um lugar privilegiado para desfazer o estado de polarização e ressignificar as opções sobre a mesa, transformando-as de ações alternativas em medidas complementares. De fato, existem questões muito mais profundas que as “lacunas de governança” que os planos de ação nacionais pretendem abordar e que demandam tratamento internacional, já que decorrem de desigualdades inerentes à própria ordem internacional. O estabelecimento de um marco jurídico internacional contribuiria, nesse sentido, para ajudar a nivelar um terreno repleto de assimetrias. Mas é inegável que há providências que podem ser tomadas internamente, sem necessidade de deliberação internacional. A insistência de certos países em desenvolvimento numa solução internacional também pode ter, sob esse ponto de vista, um sentido simbólico negativo, à medida que pode servir para mascarar problemas internos e justificar a ausência de esforços nacionais para resolvê-los. Se reconhecer, ao mesmo tempo, a existência de desafios internos a serem enfrentados e de desafios externos que exigem articulação entre os países, o Brasil pode ser o fiel da balança entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento. Para tanto, precisa fazer uso positivo da força simbólica dos direitos humanos para dentro e para fora. Para dentro, deve se engajar na construção de um plano de ação nacional que contemple os principais problemas existentes na interface entre negócios e direitos humanos. Nessa tarefa, deve se distanciar dos exemplos de Reino Unido, Países Baixos e Espanha e considerar que o respeito aos direitos humanos é, sim, uma questão de política interna e não meramente de política externa. Isso indica que um plano brasileiro deve ser distinto dos planos britânico, holandês e espanhol no conteúdo – uma vez que o contexto brasileiro tem suas peculiaridades quanto às violações mais comuns e quanto ao papel do Estado na economia –, embora possa incorporar algumas das medidas que aparecem nesses planos, como a criação de processo de

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certificação de empresas que respeitam direitos humanos e a estipulação de critérios para contratação com o Poder Público, obtenção de financiamento público e crédito à exportação e ao investimento no exterior, além do emprego da rede de Postos no exterior para recebimento de queixas sobre empresas brasileiras (uma boa ideia inspirada no plano espanhol). O plano brasileiro também será, provavelmente, diferente na forma – já que as medidas nele descritas tenderão a assumir tom mais programático que recomendatório (aproximando-se, nesse sentido, mais da experiência espanhola). Mas o plano brasileiro pode perfeitamente basear-se em lições extraídas desses países a respeito do processo de construção do plano, replicando – ou mesmo aprimorando – o modelo de consultas utilizado, com a diferença de que esse processo não poderá ser coordenado exclusivamente pelo Ministério das Relações Exteriores. Para fora, o Brasil não deve se furtar a apoiar algum tipo de disciplina mais rígida sobre negócios e direitos humanos, por uma questão de princípio, em respeito ao artigo 4o da Constituição Federal (segundo o qual o Brasil deve regerse pela prevalência dos direitos humanos em suas relações internacionais), e por uma questão estratégica, uma vez que qualquer mudança que reduza as discrepâncias de poder entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento tende a melhorar a posição relativa do Brasil na ordem internacional. Como visto, o debate sobre empresas e direitos humanos representa uma ampliação inédita do campo semântico dos direitos humanos, que pode render dividendos concretos em termos de sua garantia efetiva, ao mesmo tempo que reflete um embate mais amplo pelo reordenamento do sistema internacional. O Brasil tem, assim, uma oportunidade única de fazer convergir o uso positivo da força simbólica dos direitos humanos, com sua ambição de maior protagonismo internacional. Não deveria, portanto, desperdiçá-la.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Livros, capítulos de livros e artigos ARAGÃO, Daniel Maurício Cavalcanti. Responsabilidade como Legitimação: Capital Transnacional e Governança Global na Organização das Nações Unidas. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2010. KANADE, Mihir. The United Nations Guiding Principles on Business and Human Rights: Presenting the Problem as the Solution. In: WESTRA, Laura; VILELA, Mirian (orgs.). The Earth Charter, Ecological Integrity and Social Movements. Nova York: Routledge, 2014. KINLEY, David; TADAKI, Junko. From Talk to Walk: The Emergence of Human Rights Responsibilities for Corporations at International Law. Virginia Journal of International Law. HeinOnline: vol. 44, n. 4, 2003-2004, p. 931-1023. NEVES, Marcelo. A força simbólica dos direitos humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 4, p. 1-35, out-dez. 2005. POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens da nossa época. 6a ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. REINISCH, August. In: ALSTON, Philip (ed.). Non-State Actors and Human Rights. Oxford: Oxford Academy Press, pp. , 2005. REGIL, Álvaro J. de. Business and Human Rights: Upholding the Market’s Social Darwinism. Human Rights and Sustainable Human Development – Jus Semper Global Alliance, p. 5-20, out. 2008. RODRIGUEZ, Júlio César Cossio. Chacal ou Cordeiro? O Brasil frente aos desafios e oportunidades do sistema internacional. Revista Brasileira de Política Internacional, 55 (2), p. 70-89, 2012. RUGGIE, John G. International regimes, transactions, and change: embedded liberalism in the postwar economic order. International Organization, Vol. 36, No. 2, pp. 379-415, primav. 1982. ______. Business and Human Rights: The Evolving International Agenda. The American Journal of International Law, Vol. 101, No. 4, pp. 819-840, out. 2007. ______. Treaty road not travelled. Ethical Corporation, p. 42-43, maio de 2008. ______. Just Business: Multinational Corporations and Human Rights. Nova York: W.W. Norton & Company, 2013. SIMONS, Penelope International law’s invisible hand and the future of corporate accountability for violations of human rights. Journal of Human Rights and the Environment, Vol. 3, No. 1, pp.5-43, mar. 2012.

52

SOUZA, Clóvis Henrique Leite de. A que vieram as conferências nacionais? Uma análise dos objetivos dos processos realizados entre 2003 e 2010. Texto para Discussão 1718. Rio de Janeiro: IPEA, 2012. TRINKUNAS, Harold. Brazil’s Rise: Seeking Influence on Global Governance. Washington: Brookings, 2014. ZUBIZARRETA, Juan Hernández; GONZÁLEZ, Erika; RAMIRO, Pedro (eds). Diccionario crítico de empresas transnacionales: claves para enfrentar el poder de las grandes corporaciones. Barcelona: Icaria, 2012. Sitios eletrônicos Conselho de Direitos da Organização das http://www.ohchr.org/en/hrbodies/hrc/pages/hrcindex.aspx

Nações

Unidas:

Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: http://www.ohchr.org/EN/Issues/Business/Pages/BusinessIndex.aspx Business & Human Rights Resource Center: http://business-humanrights.org Pacto Global: http://www.pactoglobal.org.br/

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APÊNDICE

1) Questionário 2) Resposta do Reino Unido 3) Resposta dos Países Baixos 4) Resposta da Espanha

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QUESTIONÁRIO Elaboração do Plano Nacional de Ação para Implementação dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos 1)

Como se deu, em seu país, o processo de elaboração do Plano Nacional de

Ação para Implementação dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos? Na resposta, considere: a)

Qual foi o órgão responsável pela elaboração do Plano?

b)

Que outros atores (do governo, da sociedade civil e do setor privado)

estiveram envolvidos e de que forma participaram do processo? c)

Houve diagnóstico prévio? Foi realizado mapeamento de normas, políticas e

boas práticas? Se sim, como foi feito? d)

Quanto tempo demorou o processo?

e)

Quais foram as principais dificuldades enfrentadas?

f)

Houve momento de validação do Plano pela sociedade civil e pelo setor

privado? 2)

Que critérios ou parâmetros foram utilizados para selecionar quais questões

seriam abordadas no Plano? 3)

Como está sendo realizada a implementação do Plano e o monitoramento de

seu cumprimento?

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REINO UNIDO BUSINESS AND HUMAN RIGHTS Questionnaire 1)

How was the elaboration process of your country’s National Action

Plan? Background Our commitment to promoting responsible business engagement is not new. Global debate about the responsibilities of businesses in relation to human rights have been gathering pace since the mid-1990s. A number of international initiatives were adopted during this period, such as the Voluntary Principles of Security and Human Rights and the OECD Guidelines for Multinational Enterprises, which have created guidelines for businesses, and the UK actively participated or led on several of these. The UK was a strong supporter of the work of the UN Secretary-General’s Special Representative on Business and Human Rights, Professor John Ruggie, on the UN Guiding Principles on Business and Human Rights (UNGPs). a)

Which were the steps taken?

- Following UN endorsement of the UNGPs, our ministers called for a national UK strategy on business and human rights. In September 2011 the FCO created a cross Government steering group, including colleagues from key Government ministries: - Business, Innovation and Skills - UK Trade International - Ministry of Justice - Ministry of Defence and - UK Export Finance - DFID (Department of Fund for International Development)

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- The steering group started by examining the UNGPs and their nature. We decided to use in our UK strategy the same three part structure as the UNGPs

for ease of

use – to directly reflect the three pillars on: 1. the state duty to protect against human rights abuses; 2. the corporate responsibility to respect human rights; and 3. the need for greater access by victims to remedy. We then engaged in a series of open consultations with interested parties. Between January and March 2012 we hosted a series of workshops with about 50 companies, small to medium size enterprises and multinational companies, from across industry sectors including ICT, banking retail, energy, mining, pharmaceuticals, supermarket chains. We also spoke to 25 non-governmental organisations (NGOs). All of these meetings were animated by a group of academics who accompanied our process throughout. At these workshops we asked the same questions: what would participants want to see in a Government strategy on business and human rights and what would they expect to see? We followed this up in June 2012 with an international Wilton Park conference, comprising expert groups from other governments, inter-governmental organisations, civil society groups and members of the UN Working Group on Business and Human Rights. We included key recommended action points in the strategy. From October 2012 there began a process of constant drafting and re-drafting in parallel with and responding to political, business and civil society consideration, until the Action Plan emerged. A final round of business and civil society consultation took place in March and April 2013. We then launched the Action Plan on 4 September, with the Foreign Secretary and the Business Secretary.

Guest speakers included Professor John Ruggie,

former UN Secretary General’s Special Representative on Business and Human Rights and the author of the UN Guiding Principles, and Marcela Manubens, Vice President of Social Impact at Unilever.

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b) Which government body was responsible for conducting the process? The Foreign and Commonwealth Office (FCO) led a cross Government Steering Group to develop the National Action Plan (NAP) which was launched by the Foreign Secretary and Business Secretary in 2013. We continue to use a cross Government approach to implement the NAP to reflect that business and human rights goes across a broad range of Government activities. The Steering Group is now jointly led by FCO and Department for Business, Innovation and Skills, comprises of around 10 key Government Departments, provides a mechanism for ensuring that all Government Departments understand their responsibilities and roles in delivering the Action Plan and a way of monitoring progress and holding departments to account. c) Which other stakeholders were involved (from government, civil society and private sector) and how did they participate in the process? There

were

consultations

with

Government

departments,

interested

non-

governmental stakeholders, multinational companies, small and medium-sized businesses. Civil society groups, including human rights NGOS and trade unions. All these meetings included academics. d) Was there a previous mapping of norms, policies and good practices? If so, how was it done? The development of the Action Plan was the first time the Government has examined how it protects human rights in the business context. This involved a basic mapping exercise with a realisation that there was need for a more comprehensive mapping in future, which is what we are now addressing in the implementation process. We realised that we needed to consider the leverage that the Government itself can have on business activity – through contracts, tenders and purchasing activities. It has also made us look at the provision of remedy in the UK context, how that is structured and where it is strong or less strong and needs more work. We also learned to look at the business case for respecting human rights – why businesses should be motivated for practical business reasons, as well as because “it is the right thing to do”.

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e) How long did the process take? Approximately 18 months. f) Which were the main difficulties faced during the process? - Our experience showed that it takes time to create understanding across a range of government departments about a new issue like the UN Guiding Principles and to define what is meant by “human rights” in this context. There were concerns regarding the impact of human rights, including additional work involved. - The process was lengthy and required constant redrafting and consultations, There were also political considerations to take into account in order to reach approval from the respective Government Departments. - We found with time that the process of stakeholder engagement increased the level of trust and mutual confidence between the different groups, and the shared will to make this business and human rights process work. g) Was the plan presented to civil society and/or the private sector for validation? How was it adopted? Yes, as part of the series of consultations. At these workshops we asked the same questions: what would participants want to see in a Governmnent strategy on business and human rights and what would they expect to see? This information was fed into the draft strategy and then we concluded the process by bringing representatives of all the meetings together with the Government Steering Group for a general discussion. There was a consensus to make the business and human rights process work. Key recommended action points were included in the strategy. In December 2012 the draft Action Plan was circulated across Government for feedback and any concerns or clarifications were addressed. It was in the main favourably received thanks to the role of the cross-Government Steering Group in which key ministries were represented. There followed a final round of business and

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civil society consultation with a few key members of the original consultation exercise, and others who had been most actively engaged on the subject, through our work and in their industry. After a process of redrafting and responding to political consideration it was approved by ministers and the Action Plan was published, presented in parliament and launched on 4 September 2013 jointly by two Cabinet Ministers. We considered this essential to communicate that this instrument is relevant to UK companies whether operating domestically or overseas, and the way the UK state protects the human rights of people, and their access to remedy, within our own jurisdiction. We also launched it at the Institute of Directors, a business-oriented location, not a Government one. 2)

Which criteria oriented the selection of issues/topics that were

addressed in the plan? The Plan was based on the UNGPs and used the same structure and addresses the role of the state, business and remedy in implementating the UNGPs. Companies have told us that they need from the Government policy coherence and clear

and

consistent policy messaging. They need certainty

about the Government’s expectations

of

them on human rights, and expect

support in meeting those expectations. The action plan

aims

to

meet

needs. It sets out how the Government has responded to the UNGPs and

those our

plans for further work to: - implement UK Government obligations to protect against human rights abuse within UK jurisdiction involving business enterprises; - support, motivate and incentivise UK businesses to meet their responsibility to respect human rights throughout their operations at home and abroad; - support access to effective remedy for victims of human rights abuse involving business enterprises within UK jurisdiction;

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- promote understanding of how addressing human rights risks and impacts can help build business success; - promote international adherence to the UN Guiding Principles on Business and Human Rights (UNGPs), including for States to assume fully their duties to protect human rights and assure remedy within their jurisdiction; - ensure policy consistency across the UK Government on the UNGPs. 3)

How is the plan being implemented and monitored?

The implementation of the UK’s National Action Plan has been coordinated through the cross-Government Steering Group which comprises the departments involved in developing the Plan.

This Steering Group, led by FCO and BIS, provides a

mechanism for ensuring that all departments understand their respnsibilities and roles in delivering the Plan and is a way of monitoring progress and holding departments to account. It has now been supplemented by a “Core Group” made up of FCO, BIS, UKTI and DFID. The aim of this group is to speed up implementation by concentrating on certain key commitments within the plan and by focusing on priority business sectors. We have committed to report on progress annually in the FCO Annual Human Rights Report and to review the Action Plan in 2015.

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PAÍSES BAIXOS BUSINESS AND HUMAN RIGHTS Questionnaire 1) How was the elaboration process of your country’s National Action Plan? Kindly describe: a) Which were the steps taken? 1. Formation of interministerial working group mid-2012 to develop a NAP, as a result of (1) request of the European Commission to EU member states; (2) commitment of EU member states made in Strategic Framework on human rights; and (3) request from the Dutch parliament to operationalise UNGPs. Working group coordinated by Ministry of Foreign Affairs, with participation from Ministries of Economic Affairs; Social Affairs and Employment; Security and Justice; and Finance. 2. Assessment of existing government policy in relation to UNGPs. Wide consultation of stakeholders through (1) meetings and (2) individual interviews, to gather ideas on how better to comply with UNGPs. Consultations conducted with 50 representatives of business, NGOs, governmental agencies, and independent experts. The government met with these four groups separately in order to allow them to speak freely. Individual interviews were conducted by an external consultant. Interview protocols were developed in order to gather thoughts on the same points from all stakeholders. Stakeholders were continually consulted during the process of drafting the plan itself. 3. Plan was drafted by the MFA together with the inter- ministerial working group, on the basis of the main points that emerged from the consultations, which were: a. Necessity of an active role for the government b. Policy coherence of government c. Government to clarify to business sector how due diligence could/should take shape d. Transparency and reporting

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e. Scope for remedy 4. Final plan adopted by Council of Ministers on 20 December 2013, and sent to Parliament by Ministers of Foreign Trade and Development, Foreign Affairs, and Economic Affairs. b) Which government body was responsible for conducting the process? Ministry of Foreign Affairs c) Which other stakeholders were involved (from government, civil society and private sector) and how did they participate in the process? See 1a. d) Was there a previous mapping of norms, policies and good practices? If so, how was it done? The Dutch National Action Plan was one of the first to be adopted, so there was little possibility to map previous policies and good practices by other parties. e) How long did the process take? More or less 1,5 years. f) Which were the main difficulties faced during the process? The divergence of opinion between different stakeholders, including different sections of the government. g) Was the plan presented to civil society and/or the private sector for validation? How was it adopted? Civil society and private sector were continually consulted during drafting, but there was no formal moment for validation. There has been a meeting with civil society and business after adoption of the plan to ask for feedback.

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2) Which criteria oriented the selection of issues/topics that were addressed in the plan? The UNGPs, as well as the outcomes of the consultations. 3) How is the plan being implemented and monitored? MFA coordinates implementation, and monitors implementation by other government sectors. The government will report to the Parliament on implementation in the summer of 2015.

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ESPANHA NEGOCIOS Y DERECHOS HUMANOS Cuestionario

1)

¿Cómo fue el proceso de elaboración de su Plan de Acción Nacional?

Por favor, describa: a)

¿Cuáles fueron las etapas recorridas?

1.

Enero-Marzo 2013: En una primera fase se invitó a participar a representantes

de la sociedad civil, empresas y administraciones públicas. La Oficina de Derechos Humanos del Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperación (ODH) se reunió con los sectores involucrados por separado y a todos les preguntó lo mismo: ¿Cuáles son los mínimos que debería contener un Plan Nacional? ¿Qué esperan del Plan?. Tras cada reunión se realizó un acta-resumen que se distribuyó entre las personas que habían mostrado su interés en participar. Después de la reunión se les dio un plazo de un mes para que hicieran sus aportaciones por escrito. Una vez recibidas esas aportaciones se hizo una compilación de todas las propuestas. 2.

Abril-Junio 2013: Tras consolidar los documentos se enviaron a una

Asistencia Técnica (María Prandi Chevalier e Isabel Roser) que realizaron un primer borrador y lo entregaron a principios de junio. Durante todo el proceso hubo reuniones frecuentes entre la Asistencia Técnica y la ODH. 3.

Mayo-Junio 2013: En paralelo, creación de una comisión académica para que

realice aportaciones técnicas al borrador. 4.

Junio 2013 se tienen diversas reuniones por separado:

a.

Reunión con diputados del Parlamento Español para explicarles lo que se ha

hecho hasta la fecha. b.

Reuniones con algunos sectores más reticentes con el Plan.

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c.

Por último hay una reunión interministerial para pulir ese primer borrador.

d.

Desayuno de trabajo con la comisión académica

5.

El 26 de junio 2013, una vez que estaba consolidado un primer borrador, se

realizó un encuentro multistakeholder para presentar este borrador. 6.

Julio-octubre 2013: Tras esta jornada se volvió a dar un plazo de 1 mes para

hacer nuevas aportaciones y comentarios y hubo reuniones diversas para tratar el tema con Vicepresidencia, Ministerio de Economía, la Oficina del Alto Comisionado para la Marca España, Coordinadora de la ONG para el Desarrollo (CONGDE), reuniones internas en el Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperación (MAEC), con sociedad civil, con empresas, con el Congreso de los diputados y con instituciones internacionales. 7.

Noviembre 2013- mayo 2014: El 2º borrador se hizo público y se distribuyó

entre todos los participantes en el proceso, concediendo un nuevo plazo para realizar comentarios y aportaciones al mismo. Una vez recibidos todos los comentarios se volvió a compilar todo lo recibido. 8.

Junio 2014- actualidad: se presentó el borrador definitivo del PNEDH y se le

dio nuevamente difusión. En septiembre se inició la tramitación del PNEDH para su elevación y eventual aprobación por el Consejo de Ministros. b)

¿Qué órgano de gobierno coordinó el proceso? El proceso fue coordinado

por la ODH . c)

¿Qué otros actores (del gobierno, sociedad civil y sector privado)

estuvieron involucrados y de qué manera participaron? El proceso de participación fue muy amplio y abierto, por lo que durante todo el proceso hubo nuevas incorporaciones. Participaron (última recopilación a julio 2013): Sociedad civil: 37 ONGs y fundaciones, 2 sindicatos, 7 consultores o expertos independientes y 27 académicos y universidades.

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Empresas: 10 Asociaciones empresariales y 32 empresas españolas. Instituciones públicas: Defensoría del Pueblo, Ministerio de Asuntos Exteriores y Cooperación, Ministerio de Economía y Competitividad, Ministerio de Empleo, Ministerio de Industria, Energía y Comercio, Ministerio de Justicia, Ministerio de la Presidencia y Congreso de los Diputados. Organismos Internacionales: Grupo de Trabajo de NNUU sobre empresas y derechos humanos, UNICEF, Organización Internacional del Trabajo (OIT) y Programa Mundial de Alimentos (PMA). Otros Países: Reino Unido asesoró con sus buenas prácticas. d)

¿Hubo una labor previa de mapeo de normas, políticas y buenas

prácticas? ¿Cómo fue realizado? No, esta labor está incluida entre las medidas del PNEDH e)

¿Cuánto tiempo demoró el proceso? El proceso de elaboración se extendió

desde enero de 2013 a junio de de 2014, fecha de publicación del borrador definitivo. Todavía está pendiente la aprobación del PNEDH por el Consejo de Ministros. f)

¿Cuáles fueron las principales dificultades enfrentadas en el proceso?

No hubo grandes enfrentamientos, pero se puso de manifiesto la existencia de cierto desconocimiento de la cuestión, especialmente en la administración pública. Durante la reunión multistakeholder si se pusieron de relieve las diferentes posturas de algunos miembros de la sociedad civil y de las empresas, por lo que se decidió que, aunque había sido muy provechosa la jornada, el resto de las reuniones se realizarían por separado. Los puntos más controvertidos del Plan fueron: -

Voluntariedad del mismo y no asignación de presupuesto específico (crítica

de la sociedad civil)

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-

Establecer como criterio para la contratación pública el respeto a los derechos

humanos (algunos sectores de la Administración y algunas empresas reacias) -

Incluir cláusulas de derechos humanos en los contratos de inversión futuros

(algunos sectores de la Administración y algunas empresas reacias) g)

¿El plan fue presentado a la sociedad civil y/o al sector privado para

validación? ¿Cómo fue su aprobación? El plan no ha sido formalmente validado por la sociedad civil y por las empresas, sino que será aprobado por el Consejo de Ministros. No obstante, tal y como se describe más arriba, el proceso de elaboración del Plan ha estado caracterizado por su carácter transparente, abierto y participativo y, por supuesto, los representantes de la sociedad civil y del sector privado han tenido oportunidad hacer en cada fase del proceso las aportaciones que han estimado convenientes y que han sido tomadas en consideración. 2)

¿Qué

criterios

fueron

utilizados

para

orientar

la

selección

de

cuestiones/temas abordados en el plan? Sólo había un criterio, la implementación de los Principios Rectores de NNUU sobre empresas y derechos humanos, por ello se siguió el esquema de éstos. Para cada uno de los Principios Rectores, el Plan propone un abanico de medidas de aplicación progresiva con el objetivo de ir desarrollándolos. Sí cabe destacar que, habiendo constatado un importante desconocimiento de la materia, muchas de las medidas propuestas tienen un contenido formativo. 3)

¿Cómo el plan está siendo implementado y monitoreado? Como se indica

más arriba, todavía no ha sido aprobado por el Consejo de Ministros. En cualquier caso, el Plan prevé la creación de una comisión de seguimiento (formada por representantes de la Administración) que estará asesorada por una comisión de expertos, compuesta por personas provenientes de las empresas y de la sociedad civil.

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