Pluralismo e Cidadania

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DO RIO GRANDE DO SUL PUCRS
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO
















ANDREY FELIPE LACERDA GONÇALVES


















PLURALISMO E CIDADANIA NA CONSTRUÇÃO DE UM DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL



PORTO ALEGRE
2013/2014



PLURALISMO E CIDADANIA NA CONSTRUÇÃO DE UM DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL





SÚMÁRIO.....................................................................
...........................................................

Introdução..................................................................
..............................................................

1 Delimitação do
tema........................................................................
..

1.1 Direito Privado e
Modernidade...........................................................

2.Ciência, Determinismo e Segurança na formação do direito
positivo............................

3. A Eclipse da
Codificação.................................................................
..................................

4. Pluralismo e Hermenêutica da
Alteridade..................................................................
......

5. Dos limites e restrições à
Cidadania...................................................................
................

6. Segurança Jurídica e Proteção da
Confiança...................................................................
..

Conclusão...................................................................
...............................................................





























1Delimitação do tema

No constitucionalismo contemporâneo, os direitos fundamentais
assumiram um papel de destaque na construção de uma democracia material,
onde a policontextualidade da sociedade é reconhecida pela norma suprema do
Estado e garantida por prescrições de hierarquia supra legal. O poder
hegemônico da maioria, os interesses escusos injetados no parlamento e a
proliferação de leis ofensivas aos bens jurídicos fundamentais já
encontram, neste cenário, barreiras concretamente estabelecidas pelos
direitos fundamentais. Não há mais espaço para teorias que pretendem negar
sua eficácia, com base em seus enunciados normativos, vivemos, agora, na
busca da plena efetividade de suas prescrições. Falar em gerações de
direitos, nos serve apenas como dado histórico busca-se, então, compreender
as funções e dimensões desses direitos direcionadas a salvaguardar ações,
estados, setores, pretensões ou bens da realidade social que merecem
proteção diferenciada.

Com o advento do constitucionalismo do século XXI, operaram-se
mudanças significativas e esparsas no plano da proteção dos direitos
fundamentais. O reconhecimento da força normativa e vinculante da
constituição, a opção por um sistema de regras e princípios, a filtragem
constitucional, a aplicação horizontal dos direitos fundamentais e a
eficácia irradiante, a superação do positivismo e do método exclusivamente
silogístico, são exemplos deste novo cenário.[1]

Essa virada epistemológica permitiu maior flexibilidade ao sistema
jurídico, que passa a ser orientado para a proteção e promoção da dignidade
da pessoa humana em suas múltiplas dimensões. Entretanto

PÓS-MODERNIDADE OU TRANSMODERNIDADE

O ingresso na pós-modernidade implicou mudança na aplicação do
direito, tendo em vista que a sociedade no Estado Democrático de Direito,
tornou-se extremamente complexa, abarcando uma pluralidade de visões de
mundo, cada uma com pretensão de universalidade, refletindo na "criação de
novos direitos" e no reconhecimento de novos titulares. Dessa forma, o
poder judiciário passou a funcionar de forma diferente. A função dos
juízes, ao longo do século XIX, estava orientada, em maior ou menor
grau[2], no sentido de legitimar a atuação do legislador que possuía um
lugar de destaque político no contexto da distribuição dos poderes
constitucionais. O afastamento do juiz do campo da política visava
assegurar a reprodução fiel do direito positivo legislado, considerado
expressão máxima da vontade geral popular na resolução dos conflitos
individualizados, garantindo, desta forma, os direitos e as liberdades
individuais. Em síntese, esse tipo de configuração das funções dos
magistrados correspondia ao entendimento da tripartição dos poderes,
assegurando legitimidade e distribuição do poder político num sistema
orientado pelos imperativos do liberalismo.

Na aplicação deste direito puro e idealizado, formatado sob condições
ideais de temperatura e pressão, a interpretação jurídica é um processo
silogístico de subsunção dos fatos à norma. O Poder Judiciário era apenas
"a boca da lei". Montesquieu afirmava: Os Juízes da Nação, como dissemos,
são apenas a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que
não lhe podem moderar nem a força, nem o rigor (MONTESQUIEU, 2000). Logo, o
princípio da tripartição dos poderes era rígido, inexistindo harmonia e
cooperação institucional, o que impedia o juiz de exercer qualquer papel
criativo na interpretação dos textos legais.

A partir do final do século XIX, devido às transformações políticas,
econômicas e culturais que marcaram o desenvolvimento do Estado moderno,
observou-se o deslocamento do "eixo de poder" do legislativo para o poder
executivo, que no afã de construir uma sociedade verdadeiramente
igualitária, optou por estatizar os meios de produção e intervir na
liberdade contratual para garantir o bem estar de todos – Welfare State.
Este modelo entrou rapidamente em colapso, ante a ineficiência gerencial do
Estado providência em controlar a economia e obter os recursos necessários
à concretização dos direitos econômicos e sociais.

Durante a segunda metade do século XX, as funções do Estado começam a
ser repaginadas, mormente ante aos efeitos nefastos produzidos pelos
regimes totalitários nazi-fascistas, que sob o manto da estrita legalidade,
cometeram uma das maiores atrocidades da história da humanidade. Assim, o
modelo de Estado constitucional (ou neoconstitucional) constrói-se, segundo
Luís Roberto Barroso, a partir da compreensão de três marcos fundamentais
que refletem a mudança de paradigma e evolução do direito constitucional,
são eles o histórico, teórico e o filosófico.

O marco histórico do novo direito constitucional, na Europa
continental, foi o constitucionalismo do 2º pós-guerra, especialmente na
Alemanha e na Itália. Já no Brasil, a Constituição de 1988 e o processo de
redemocratização que ela ajudou a protagonizar.


Conforme Luís Roberto Barroso (2009, p.203):


A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a
2ª Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século
XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do
direito constitucional sobre as instituições
contemporâneas. A aproximação das ideias de
constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma
de organização política, que atende por nomes diversos:
Estado democrático de direito, Estado constitucional de
direito, Estado constitucional democrático.


O marco filosófico é caracterizado pela síntese dialética de dois
modelos anteriores: (1) O jusnaturalismo, composto pela filosofia do
direito natural, cujo fundamento compreendia a crença em princípios
jurídicos universalmente válidos que traduziriam direitos inerentes à
própria natureza do homem. (2) e sua antítese, o positivismo, cuja
pretensão era alcançar a pureza científica, equiparando o direito à lei e
afastando-o da filosofia e das questões éticas e morais, tais como
legitimidade e justiça, o que permitiu que regimes autoritários promovessem
a barbárie sob a proteção da legalidade.

Dentro deste novo modelo institucional, com amplas garantias de
direitos da pessoa humana, os direitos fundamentais adquiriam plena
eficácia[3], como se denota pela opção do constituinte originário em
inserir a cláusula de aplicabilidade imediata no texto constitucional
(Art.5º,§ 1º, CRFB) e salvaguardá-los da ação erosiva do legislador (Art.
60,§ 4º, CRFB). Passamos então a era da democracia material, onde
intensificam-se as lutas pela igualdade substancial, que envolve não apenas
a vontade imperativa da maioria, mas assegura também a fruição de direitos
básicos por todos, inclusive pelas minorias. A vontade da maioria é sempre
expressa pelas leis, o Poder Legislativo e também o Executivo garantem o
processo democrático majoritário formal, consubstanciado na criação e
execução da lei. O Poder Judiciário, por sua vez, exerce o controle da
constitucionalidade das leis, fiscalizando eventuais excessos ou omissões
que possam comprometer a esfera jurídica dos indivíduos ou de grupos
minoritários, os quais não têm força política para garantir suas pretensões
via processo legislativo, garantindo, portanto, a democracia em seu sentido
material.


VER CARBONEL

A nova operacionalidade do direito, ou melhor, dizendo, essa
reengenharia institucional do Poder judiciário[4], se deu em grande parte
em decorrência do processo de redemocratização proporcionado pela
promulgação da Constituição da República de 1988, que implementou um
abrangente sistema de controle de constitucionalidade.

Entendido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos do sistema
americano e europeu. Assim, desde o início da República, adota-se a fórmula
americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou
tribunal pode deixar de aplicar uma lei, num caso concreto que lhe tenha
sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, também
se faz uso do modelo europeu pela via do controle direto da
constitucionalidade, permitindo que determinadas matérias sejam levadas em
tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. Além disso, verifica-se a
ampliação do rol de legitimados à propositura do controle, conforme
previsto no art. 103/CRFB, atribuindo a inúmeros órgãos, bem como entidades
públicas e privadas (partidos políticos, sociedades de classe de âmbito
nacional e confederações sindicais) a faculdade de ajuizar ações diretas.
Nesse cenário, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode
ser levada ao Supremo Tribunal Federal.

Fora o controle pela via de Ação Direta de Inconstitucionalidade,
também surgiram: Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (art. 102,
§1º/CF); Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103,
§2º/CF); Mandado de Injunção (Art. 5º LXXI/CF); Representação Interventiva
(art. 34, VII, c/c art. 36, III/CF); além da edição de súmulas vinculantes
(Art. 103-A/CF); e da Reclamação Constitucional (art. 102, l/CF). Também,
assume papel de relevância o recurso extraordinário, pois leva matéria de
repercussão geral ao STF, que vem conferindo efeitos erga omnes em alguns
votos, numa tendência de abstrativização do controle incidental.

Ademais, verifica-se o uso de novos instrumentos voltados à tutela
dos interesses transindividuais, cuja própria denominação foi trazida por
uma das principais leis que regem tais interesses Lei 8.078/90 – CDC. O
surgimento da tutela dos interesses difusos e coletivos se efetivou com a
Lei 7.347/85 - Lei da Ação Civil Pública, reconhecida como instrumento
revolucionário no direito processual brasileiro. Desta forma, pode-se
considerar que a LACP, o CDC e a própria Constituição da República de 1988,
representam hoje um subsistema de tutela jurisdicional coletiva,
imprescindível à defesa dos "novos" direitos difusos e coletivos que se
originam das manifestações da cidadania.

A expansão da jurisdição constitucional acaba por conferir ao Poder
Judiciário a prerrogativa de atuar de forma ativa, concretizando o conteúdo
da Constituição. A esse fenômeno tem-se dado o nome de "Ativismo Judicial".
Assiste-se a uma verdadeira reengenharia institucional do Poder judiciário
que vem se fazendo de forma complexa.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal reconheceu por unanimidade,
a união estável para casais do mesmo sexo, por meio da ADI 4277 e ADPF 132
publicadas em 04/06/2011. Já naADI n.º 351, publicada em 18/08/2010, o STF
terminou por decidir questões envolvendo a pesquisa com células tronco
embrionárias, aborto, planejamento familiar, disposição do próprio corpo e
também o direito à vida.


Questões político-ideológicas também permeiam a prática dos
Tribunais, a exemplo das ações afirmativas[5], políticas de reconhecimento
da diversidade cultural, medidas de inclusão e proteção aos deficientes
físicos, bem como demandas que buscam prestações fáticas com base nos
direitos sociais econômicos e culturais (como a construção de escolas,
hospitais, creches e readequação de espaços públicos para os deficientes
físicos etc..) denotam a mudança do papel das instituições do Estado neste
novo regime democrático.


Para significar este fenômeno doutrina e jurisprudência tem utilizado
o conceito de "judicialização da política", que envolve a juridicização das
relações sociais: "a vocação expansiva do princípio democrático tem
implicado uma crescente institucionalização do direito na vida social,
invadindo espaços até há pouco inacessíveis a ele, como certas dimensões da
esfera privada"[6]


Entretanto, apesar da relevância da atuação judicial nesses casos, a
própria legitimidade de tais decisões se torna outro problema dentro do
modelo de Estado Democrático de Direito, primeiro pela perda do "sentido
forte" do conceito de tripartição dos poderes e pela busca dos contornos
das funções independentes e harmônicas por eles exercidas, segundo pela
falta de condições fáticas e jurídicas dos magistrados auferirem a vontade
popular, as exigências de minorias ou de conhecer as reais necessidades,
exigências e interesses dos excluídos e da população em geral. Recentemente
tem-se observado o aumento de intensos movimentos sociais clamando por
democracia em regimes democráticos, o que a primeira vista pode parecer um
contra-senso, revela a crise vivida pelo Estado Democrático de Direito.

A implementação de políticas públicas, como meio de promover os
direitos fundamentais, também têm exigido do Poder Judiciário uma postura
mais ousada e bem fundamentada. Na maior parte das vezes não se encontra a
resposta na lei, devendo o magistrado, advogados, promotores, procuradores
e defensores públicos se empenharem na construção interpretativa do
princípio, implicando no uso de novos instrumentos de jurisdição como a
Ação Civil Pública para alcançar a efetividade do disposto na Constituição.


"EMENTA: CONSTITUCIONAL.. OMISSÃO DO PODER EXECUTIVO NA
CONSTRUÇÃO DE ABRIGOS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
DETERMINAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PARA CUMPRIMENTO DE DEVER
CONSTITUCIONAL. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DE
SEPRAÇÃO DE PODERES E À CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. A
dignidade da pessoa humana, notadamente a da criança e do
adolescente, é tutelada pela Constituição Federal e pela
Lei n. 8.069/90. Assim, é dever inafastável dos Municípios
de Carangola, de São Francisco Glória, de Faria Lemos e de
Fervedouro empreenderem todos os esforços que efetivem o
princípio fundamental de proteção integral à criança e ao
adolescente, assegurando abrigo, apoio sócio-educativo,
sócio-familiar e assistência material, moral, médica e
psicológica, nos termos do art. 227, da CF, e 4º, 6º, 7º,
15, 70, 86, 87, 88, 90 da Lei n. 8.069/90. O Poder
Judiciário, no exercício de sua alta e importante missão
constitucional, deve e pode impor ao Poder Executivo
Municipal o cumprimento da disposição constitucional que
garanta proteção integral à criança e ao adolescente, sob
pena de compactuar e legitimar com omissões que maculam
direitos fundamentais das crianças e adolescentes, o que é
vedado pelo texto constitucional. O posicionamento adotado
não macula o princípio constitucional da separação de
poderes. O referido princípio não pode ser empregado para
justificar a burla à Constituição e para contrariar o
interesse público. A omissão dos Municípios de Carangola,
de São Francisco Glória, de Faria Lemos e de Fervedouro,
para solucionar o grave problema de abandono e desabrigo
dos menores em situação de risco, se arrasta há anos.
Falta interesse em resolver o problema. Enquanto nada é
feito pelo Poder Executivo, a saúde, a vida, a dignidade,
a integridade e a cidadania das crianças e adolescentes
ficam ameaçadas e violadas. Tal situação gera angústia,
sofrimento, perplexidade, apreensão e revolta nas crianças
e adolescentes em situações de risco e na comunidade
local. Maior violação à Constituição não há, pois valores
constitucionais fundamentais estão sob constante e
permanente lesão. A se admitir que o Poder Judiciário nada
pode fazer ante tanto abuso e violação a direitos e
garantias fundamentais constitucionais, estar-se-á
rasgando o texto constitucional, condenando as crianças e
adolescentes a situações degradantes, humilhantes,
aflitivas, dolorosas que muitas vezes conduzem à
marginalidade, à prostituição, e, às vezes, à morte, além
de se atribuir ao Poder Judiciário papel decorativo ou de
'mero capacho' do Executivo." ( TJ/MG, AP n.º
1.0133.05.027113-8/001, 29.11.2007.).

Essa nova forma de se aplicar o direito, também pressupõe uma mudança
teórica, fomentada principalmente pelo período do segundo pós-guerra, a
nível mundial e pelo processo de redemocratização no Brasil. Verifica-se
que os tribunais e também a doutrina começaram a utilizar uma nova
dogmática jurídica, centralizada na Constituição da República e nos
direitos fundamentais.


Entretanto, não obstante as mudanças ocorridas na doutrina e
jurisprudência, verifica-se que não há um método hermenêutico
suficientemente seguro para realizar o controle difuso da
constitucionalidade e trabalhar de forma coerente com a ponderação dos
princípios. FALAR DA ONTOLOGIA, ETICA E EPISTEMOLOGIA




CIDADANIA TAMBÉM É UM DEVER – AMOR AGÁPE – DARA O QUE TEM DE MELHOR
AO PRÓXIMO QUE MAIS PRECISA. SE TENHO ERUDIÇÃO, RIQUEZA, TRABALHO COM SAÚDE
ETC.. AJUDAR COMO PUDER. Dever cívico moral, caridade decorrente do
princípio da solidariedade. Depois de conhecer a si próprio vasculhe no seu
interior qual é o seu tesouro e entregue parte dele de coração a quem
necessita.

Não obstante a autonomia científica existente entre a sociologia e o
direito, verifica-se que o discurso em torno do que é a cidadania e quais
são os seus efeitos é muito próximo daquele utilizado na teoria dos
direitos fundamentais, sendo certo que estes pontos de contato representam
um caminho para a inclusão social, principalmente quando consideramos os
novos métodos de interpretação constitucional e os novos instrumentos de
jurisdição como a Ação Popular, Mandado de Segurança Coletivo, Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental e a tutela coletiva da Lei de Ação
Civil Pública, que podem ser usados para suprir omissões e distorções
legislativas no que concerne às exigências da cidadania.

Thomas Marshall[7] concebe a idéia de cidadania como participação
integral do indivíduo na comunidade, sendo certo que essa noção não seria
incompatível com as desigualdades de que diferenciam os vários níveis
econômicos, isto é, a desigualdade do sistema de classes sociais pode ser
aceitável desde que a igualdade de cidadania seja reconhecida.

Nesse sentido, a cidadania seria um processo histórico -evolutivo,
que envolve três fases: civil, política e social. O elemento civil é
composto pelos direitos fundamentais de primeira geração: liberdade de ir e
vir, liberdade de imprensa, liberdade de expressão, pensamento e fé,
direito à propriedade e de celebrar contratos válidos. Já quanto ao
elemento político, compreendem-se os direitos políticos de sufrágio, bem
como o direito de participar no exercício do poder.

O elemento social corresponde a tudo o que compreende um mínimo de
bem –estar econômico e segurança social, direitos que correspondem a
segunda geração de direitos fundamentais: os sociais econômicos e
culturais, compreendidos pela doutrina constitucionalista como o direito ao
"mínimo existencial[8]".

Sob a perspectiva histórica os direitos fundamentais assumem papel de
destaque na formação do Estado Constitucional, cuja a essência e a razão de
ser reside no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana,
que por sua vez implica na limitação do poder soberano.[9]Destarte, a
doutrina concebe sua existência em três gerações (ou dimensões, uma vez que
uma não exclui a outra) - Os direitos fundamentais de primeira dimensão –
são oriundos do pensamento liberal burguês do século XVIII, de cunho
individualista, afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado,
mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não
intervenção do Estado e uma esfera de autonomia do particular, são eles: o
direito à vida, liberdade, propriedade e igualdade formal perante à lei.
(Pacto dos direitos civis e políticos – no plano internacional, retificado
pelo Decreto no 592, de 6 de julho de 1992.)

Com o impacto da industrialização e devido aos graves problemas
sociais e econômicos que com ela surgiram, as doutrinas socialistas
constataram que a garantia formal (mediante lei) da liberdade e igualdade,
não geravam o efeito esperado, então no decorrer do século XIX, devido a
forte pressão de movimentos sociais reinvidicatórios, novos direitos foram
reconhecidos, os quais atribuíam ao Estado um comportamento ativo na
realização da justiça social. Surgem os direitos econômicos, sociais e
culturais (DESC – no plano internacional dos direitos humanos, ratificados
pelo Decreto nº 591 - de 6 de julho de 1992), cuja forma apresenta uma
dimensão positiva, isto é, um dever de agir por parte do Estado para
realizar um conteúdo de prestações de bem estar social, como saúde,
educação, assistência social, trabalho etc..

É cediço que tanto os direitos fundamentais quanto a cidadania
apresentam uma evolução histórica que denota o reconhecimento de direitos
frente ao poder hegemônico, representado pelo Estado e pelas classes
dominantes. No entanto, essa perspectiva não abarca a integralidade do
fenômeno, uma vez que esses direitos não são estáticos, mas dinâmicos[10] e
surgem não apenas como dado histórico, mas como fruto da pressão exercida
sobre o sistema.

Nesse sentido, Tom Bottomore[11] tece críticas complementares a
teoria de Marshall, afirmando que os seus estudos foram direcionados no
contexto particular de uma sociedade homogênea britânica, sendo certo que
outras questões surgiram no período pós-industrial e do pós- guerra,
ligados ao processo de migrações na Europa e na America do Norte. Assim, o
autor faz a distinção entre cidadania formal (vínculo de nacionalidade) e
cidadania substantiva (efetivo gozo dos direitos, civis, políticos, sociais
e de participação), uma vez que muitos cidadãos são membros do Estado, mas
são excluídos, de fato ou de direito, do amparo substancial que lhes
deveria ser proporcionado.





Conclusão

À guisa do que foi exposto, pode-se concluir que a partir da
Constituição da República de 1988, que tem por fundamento a cidadania e a
dignidade da pessoa humana (art. 1, II e III), é possível realizar
políticas públicas de inclusão social sem a necessidade de processo
legislativo, considerando a aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais (Art. 5º, § 1º), desde que existam recursos para isso, não
haja ofensa a direitos de terceiro ou bens jurídicos fundamentais, não seja
crime, bem como seja demonstrada a insuficiência ou inexistência de
política pública delineada pelo Poder Legislativo ou Executivo.

Para tanto, será necessário o trabalho conjunto da sociedade civil e dos
novos atores republicanos: Defensoria Pública, Ministério Público e
Procuradorias municipais e estaduais, para que se possam realizar debates,
estudos técnicos e consulta popular no âmbito administrativo (inquéritos
civis, grupos de trabalho, audiências públicas etc.). posteriormente
levados à certificação do poder judiciário, cominando-se obrigações de
fazer ao Estado, readequando-se o orçamento ou impedindo determinadas
condutas







1.1Direito Privado e Modernidade




Atualmente, não há como se aplicar o direito de forma válida sem que
se faça alusão à Constituição da República, além das grandes questões, ela
também influência a resolução de pequenos conflitos; é invocada em quase
todas as disputas judiciais, no Congresso Nacional, na doutrina
especializada dos diversos ramos do direito e, até mesmo, para encampar
bandeiras ideológicas.

A ideia de supremacia da Constituição atravessa o seu próprio
conceito polissêmico, analisada sob seus aspectos formais verifica-se que é
a lei fundamental do Estado brasileiro, situada no ápice do ordenamento
jurídico, conferindo validade a todas as outras espécies normativas. "Na
qualidade de norma primária sobre a produção jurídica a Constituição tem
importantes funções: (1) identifica as fontes do direito; (2) estabelece os
critérios de validade e eficácia de cada uma das fontes; (3) determina a
competência das entidades que revelam normas de direito positivo"[12]

Portanto, na parte orgânica, trata-se de um conjunto de normas, que
regula a organização, o funcionamento e as competências de um Estado, já na
parte material dispõe de um conjunto de valores norteadores da aplicação
do direito, estabelece os objetivos da República e positiva os direitos
fundamentais de seus cidadãos. Nesse sentido, há de ser compreendida como
aquisição histórica da sociedade que pretende regular, pois cristaliza
importantes conquistas sociais, opções políticas fundamentais e estabelece
fins a serem atingidos. Nesse sentido, diz-se que a Constituição traz em
seu conteúdo as diretrizes mais importantes de uma comunidade, protegidas
por um procedimento mais rigoroso de alteração.


Nessa esteira José Afonso da Silva pontifica:
Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o
princípio da supremacia da constituição que, no dizer de
Pinto Ferreira, é reputado como pedra angular, em que
assenta o edifício do moderno direito político. Significa
que a constituição se coloca no vértice do sistema
jurídico do país, a que confere validade, e que todos os
poderes estatais são legítimos na medida em que ela os
reconheça e na proporção por ela distribuídos. É em fim a
lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a
própria estruturação deste e a organização de seus órgãos;
é nela que se acham as normas fundamentais de Estado.[13]


Nessa perspectiva, ao voltar-se para produção das normas, a
Constituição também adquire força normativa, isto é, capacidade de vincular
e de conformar condutas, dando segurança às expectativas de comportamento.
Assim, é compreendida como "ordem-quadro da República", pois o caráter
indeterminado de muitas de suas normas obriga o legislativo, o executivo, o
judiciário, bem como toda a sociedade civil a preencher e concretizar o seu
conteúdo de acordo com conjectura que se apresente.

Nas Lições do ilustre J.J. Gomes Canotilho:

A força normativa da constituição visa exprimir, muito
simplesmente, que a constituição sendo uma lei como lei
deve ser aplicada. Afasta-se a tese generalizadamente
aceita nos fins do século XIX e nas primeiras décadas do
século XX que atribuía à constituição um "valor
declaratório", " uma natureza de simples direção
política", um caráter programático despido de força
jurídica actual caracterizadora das verdadeiras leis.
[...]
Se a constituição é uma lei como as outras, em alguma
coisa se distingue delas. O caráter aberto e a estrutura
de muitas normas da constituição obrigam à mediação
criativa e concretizadora dos "intérpretes da
constituição", começando pelo legislador (primado da
competência concretizadora do legislador) e pelos juízes,
sem esquecermos hoje o primordial papel concretizador
desempenhado pelo governo quer na sua qualidade de órgão
que dirige, superintende e/ou tutela a administração
pública.[14]
Atualmente é prática comum utilizar argumentos de ordem
constitucional em praticamente todos os processos judiciais, seja na área
civil, penal, trabalhista, previdenciária etc. O fenômeno não se restringe
apenas aos processos judiciais, pois fomentam os debates parlamentares,
reivindicações da sociedade civil, pretensões inclusivas de grupos
minoritários e até mesmo omissões estatais.
Para Daniel Sarmento "a constituição tornou-se ubíqua". Ao referir-se
a ubiquidade constitucional o autor conduz a ideia de onipresença da
Constituição Federal, ou seja:
[...] a constitucionalização do Direito vai desafiar
antigas fronteiras como Direito Público/Direito Privado e
Estado/sociedade civil. Isto porque, numa ordem jurídica
constitucionalizada, a Constituição não é apenas a lei
fundamental do Estado. Ela é a lei fundamental do Estado e
da sociedade. Nenhum ramo do Direito escapa completamente
às suas malhas. Se, por um lado, a pluralidade e
complexidade dos interesses presentes numa sociedade cada
vez mais heterogênea continuam justificando e demandando
uma crescente especialização no âmbito jurídico, por
outro, há agora um centro de gravidade, capaz de recolher
e juridicizar os valores mais importantes da comunidade
política, no afã de conferir alguma unidade axiológica e
teleológica ao ordenamento.[15] (grifo nosso).
Assim, outro efeito fundamental da constitucionalização corresponde à
"filtragem constitucional", que impõe a releitura de antigos institutos a
luz da Constituição, resultando muitas vezes em mudanças de paradigmas nos
mais diversos ramos do direito. No campo direito privado observamos o
fenômeno da "personalização[16] do direito civil", que deslocou o eixo de
proteção do patrimônio para a pessoa humana, de outro lado, no campo do
direito público, verifica-se a crescente atuação do estado regulador de
serviços público (transportes, saúde, bancário etc..) antes ocupados
exclusivamente pelo setor privado, bem como a releitura dos atos
administrativos em face dos direitos fundamentais. Assim, institutos
constitucionais passam a permear o campo privado, como por exemplo, a
função social da propriedade e do contrato, bem como a necessidade de se
observar as diretrizes da ordem econômica e a boa-fé objetiva em atos e
negócios jurídicos privados. Ao mesmo tempo, institutos de direito privado
permeiam as relações entre Estado e cidadão, como ocorre com a garantia dos
direitos de personalidade. Nesse sentido, também há de se destacar a
ruptura da dicotomia público x privado, como um dos efeitos da
constitucionalização, bem ilustrada por Eugênio Facchini Neto:




De qualquer sorte, do ponto de vista jurídico, percebe-se
claramente que público e privado tendem a convergir. Tal
convergência, aliás, opera-se nas duas direções, ou seja,
cada vez mais o Estado utiliza de institutos jurídicos do
direito privado, estabelecendo relações negociais com
particulares, e consequentemente abrindo mão de
instrumentos autoritários e impositivos (trata-se do
fenômeno conhecido como privatização do direito público).

Por outro lado, também o direito privado se desloca em
direção ao público, como se percebe na elaboração da
categoria dos interesses e direitos coletivos e difusos
(metaindividuais ou supraindividuais), mas igualmente na
funcionalização de inúmeros institutos típicos do direito
privado, como é o caso do reconhecimento da função social
da propriedade (do que se encontram traços já na
Constituição de 34, e, de forma clara, a partir da
Constituição de 46, embora a expressão "função social da
propriedade" somente apareça na carta de 1967), função
social do contrato (incorporado expressamente no código
civil – arts. 421 e 2.035, paragráfo único), na função
social da empresa ( Lei nº 6.404-76 – Lei das S.A. – arts.
116, parágrafo único, e art. 154), na função social da
família (que passa a ser diciplinada não mais como simples
instituição – a "menor célula da sociedade" – mas como
espaço em que cada um de seus componentes, vistos como
sujeitos de direitos, deve ter condições para desenvolver
livremente sua personalidade e todas as suas
potencialidades; a família vista como "ninho", e não como
simples nó, na evocativa imagem de Michelle Perrot), na
percepção da existência de uma função social até na
responsabilidade civil (quanto mais débeis e pouco
protetoras forem as instituições previdenciárias de um
Estado, mais importantes tendem ser os mecanismos da
responsabilidade civil para a proteção dos interesses dos
indivíduos atingidos por danos pessoais). Também
precebemosuma outra indicação desse movimento de
intervenção pública na esfera privada, reduzindo o campo
da autonomia privada, na determinação imperativa do
conteúdo dos negócios jurídicos e na obrigação e na
obrigação legal de contrata (hipótese, por exemplo, do
art. 39, inc. IX, do Código de Defesa do Consumidor).
Relativamente a todos esses fenômenos, costuma-se denominá-
los de publicização do direito privado.[17]




Destarte, falar em (re)personalização[18] do direito privado implica,
inexoravelmente, falar na superação da dicotomia público vs privado. Fato
histórico e normativo que para ser compreendido necessita de um olhar
multidisciplinar retrospectivo e prospectivo, uma vez que a racionalidade
patrimonial e mercantilista típica da sociedade contemporânea encontra-se
diluída na própria formação dos institutos basilares do direito, assim como
se faz presente na construção da ciência moderna, na filosofia positivista,
na ética, na religião, na cultura de consumo[19] e na política. Essa
essência permeia o ideário coletivo e formata o pensamento do sujeito de
tal forma que lhes dirige as ações num determinado sentido, sob a aparência
de isenção e neutralidade.

A oposição entre direito público e privado ganha sentido apenas
durante o século XVIII com a formação do Estado moderno[20], pois ela
pertence especificamente à sociedade civil que se formou em torno de um
sistema de trocas de mercadoria e trabalho social regido por leis
específicas. Não obstante o discurso sobre o que é "público" e o que "não é
público" remonte à Grécia antiga, seu significado era totalmente diverso na
antiguidade.

Na cidade grega a esfera da polis era aquela comum aos cidadãos
livres, a qual era estritamente separada da esfera oikos, composta pelo
pater potestas e seus dependentes, familiares, empregados, escravos e
terras. Sua autoridade estava vinculada a uma religião privada, em cada
genos se afirmava um senhor em virtude de certos ritos e narrativas
secretas, as quais lhe conferiam poder de comando[21]. A vida pública (bios
politikos) se desenvolve na ágora, mas não estava vinculada a um local
específico, ela se constitui como uma essência, isto é, um modo específico
de vida. A esfera pública é construída no diálogo, podendo assumir a forma
de um conselho ou tribunal, bem como do agir comum (práxis). Na
antiguidade, a ordem política era fundada numa economia escravocrata e o
cidadão era aquele liberado do trabalho produtivo, entretanto sua
participação na vida pública era dependente de sua autonomia como senhor de
sua casa, ou seja, a posição na polis está baseada na condição de déspota
no oikos.

No âmbito privado do oikos se realizava o trabalho dos escravos, o
serviço das mulheres, o sexo, o nascimento e a morte, isto é, uma simples
vida natural, mera atividade reprodutiva. Somente na esfera pública da
polis se manifestava uma vida qualificada. Apenas no diálogo dos cidadãos
surge a linguagem[22], as coisas adquirem forma, e a vida ganha sentido na
disputa entre livre e iguais, onde os melhores se destacam e conquistam sua
essência: a imortalidade da glória.

Esse modelo de esfera pública helenística, como nos foi
transmitido pela forma estilizada da autointerpretação dos
gregos, compartilha uma força normativa peculiar, desde o
Renascimento, com todos os assim chamados clássicos, até
nossos dias. O que comprova sua continuidade histórica
espiritual ao longo dos séculos não é a formação social
que lhe é subjacente, mas o próprio padrão ideológico. De
início, ao longo de toda a Idade Média, as categorias do
público e do privado foram transmitidas segundo as
definições do direito romano, e a esfera pública foi
traduzida como res publica. No entanto, essas categorias
somente voltam a ter uma aplicação técnico-jurídica
efetiva com o surgimento do Estado moderno e daquela
esfera constituída pela sociedade civil, separada dele;
servem tanto à autocompreensão política como à
institucionalização jurídica de uma esfera pública
burguesa no sentido específico[23].



Destarte, verifica-se que não havia propriamente um "direito
privado" na antiguidade, pois se quer havia uma lei hábil a garantir algum
direito para os indivíduos que viviam sob a opressão do pater potestas.
Pelo contrário, a vida nua – zoé - que exprimia o simples fato de viver
comum a todos os seres vivos, não era considerada digna, sendo excluída, no
mundo clássico da polis. Assim, as necessidades da vida, bem como as
condições para sua manutenção ficavam ocultas nos limites do oikos.

A simples vida natural é, porém, excluída, no mundo
clássico, da polis propriamente dita e resta firmemente
confinada, como mera vida reprodutiva, ao âmbito do oikos
(Pol. 1252ª, 26-35). No Início de sua Política Aristóteles
usa de todo zelo para distinguir o oikonómos (o chefe de
um empreendimento) e o despótes (o chefe da família), que
se ocupam da reprodução da vida e de sua subsistência, do
político e escarnece daqueles que imaginam que a diferença
entre eles seja de quantidade e não de espécie. E quando,
em um trecho que deveria tornar-se canônico para a
tradição do Ocidente (1252b, 30), define a meta da
comunidade perfeita, ele o faz justamente opondo o simples
fato de viver (to zên) à vida politicamente qualificada
(to eu zen)[24].




Com a queda do Império Romano inicia-se um período histórico
caracterizado pelo amplo pluralismo político. Não havia qualquer
instituição que centralizasse o monopólio do uso legítimo da força, da
produção de normas ou da prestação jurisdicional. Após a divisão entre
Império do Ocidente (Roma) e Império do Oriente (Constantinopla), verifica-
se que no ocidente há uma nova religião pregada por Cristo e pelos seus
discípulos no século I, até que por volta do século IV o império torna-se
cristão, implicando no desenvolvimento de um novo sistema jurídico próprio
da comunidade cristã, o direito canônico, que passa a concorrer com do
direito civil-romano e com o direito civil dos "bárbaros", sem os
absorver[25].

Nos territórios do antigo Império Romano do Ocidente,
tanto no Norte como no Leste destes territórios, formam-se
reinos de origem germânica: o reino dos Visigodos (na
Espanha e no Sudoeste da Gália), o reino dos Burgúndios
(no Sudeste da Gália), o reino dos Francos (no Norte da
Gália e no Oeste da Germânia), o reino dos Ostrogodos,
depois dos Lombardos (na Itália), etc. O direito romano
continua aí a ser aplicado às populações de origem romana,
enquanto os invasores continuam a viver segundo o seu
direito de origem germânica (direito visigótico, franco,
lombardo etc..); a amálgama faz-se lentamente, do século V
ao século VIII.[26]




Ao longo da Idade Média européia era usual a oposição entre publicus
e privatus do direito romano, mas foi justamente essa tentativa precária de
aplicá-la às relações jurídicas de dominação e vassalagem que fornece
indícios da inocorrência de uma oposição entre esfera pública e esfera
privada, como na antiguidade ou na era moderna. O trabalho servil estava
ligado à propriedade do senhor feudal, que exercia seu poder de império[27]
de forma absoluta, assemelhando-se ao déspota (pater famílias) do oikos. No
entanto, este mesmo senhor poderia ser vassalo de outro senhor, que, por
sua vez, também poderia ser vassalo de outro. Durante esse período
histórico não havia uma participação na esfera pública nos moldes da
antiguidade, que defina um status específico a partir do qual as pessoas
privadas poderiam distinguir-se na esfera pública, o que denota a falta de
encaixe da oposição nos moldes concebidos pelos gregos.[28]

Com o poder político fragmentado por múltiplas instituições, como a
Igreja, os diversos reinos e senhores feudais, cidades, corporações de
ofício e ainda a parcela que restava ao Imperador, não havia supremacia ou
hierarquia entre os comandos coercitivos. Somente a partir do século XII e
XIII os reis e alguns grandes senhores feudais começam a reforçar o seu
poder[29], inclinando-se ao modelo de soberania.

Nessa senda, verifica-se que no início da idade moderna o escopo
principal era a construção de um poder central laicizado, que encontra seu
aporte teórico-filosófico em Thomas Hobbes o qual se apropria do método
cartesiano e constrói de forma mecanicista a compreensão do homem e da
sociedade. Sob essa ótica ele estabelece a "premissa empírica" de que os
indivíduos nascem sob um estado natural de barbárie que os impulsiona a
luta por bens e à guerra de todos contra todos, atraindo a conclusão da
necessidade do grande Leviatã, demônio formado quando os cidadãos abrem mão
de toda a sua liberdade, em favor de um ente soberano, detentor do
monopólio legítimo da força, que seria o encarregado de garantir a
segurança nessa suposta "guerra de todos contra todos".


Sobre a desordem, estado em que não havia uma "estruturação normal
das relações da vida", era preciso criar uma situação normal, isto, é um
tipo ideal que funcione como esquadro, este é o atributo essencial da
soberania: decidir o que está dentro ou fora do esquadro. Através da norma
jurídica são selecionados alguns fatos do ambiente social que se repetem
sem sanção alguma, em outros termos, o soberano decide num plexo de
relações sociais qual delas deve servir de referência para todos. Nesse
sentido, a soberania surge de um estado de exceção[30].

Na visão de Giorgio Agamben o ordenamento jurídico se constitui na
forma de exclusão. Um caso singular que é incluído no esquadro definido
pela norma geral: Um comportamento é considerado válido em detrimento de
muitos outros. A partir do momento que o soberano decide e institucionaliza
um comportamento, a posição se inverte "a norma se aplica à exceção
desaplicando-se, retirando-se desta"[31], pois a vigência da lei consiste
justamente na capacidade de se manter em relação com a exterioridade,
mantendo uns como sujeitos de direito em detrimento de outros numa
paradoxal relação de indiferença. Assim, "a regra jurídica vive somente da
exceção"

A relação de exceção é uma relação de bando. Aquele que
foi banido não é, na verdade, simplesmente posto fora da
lei e indiferente a esta, mas é abandonado por ela, ou
seja, exposto e colocado em risco no limiar em que vida e
direito, externo e interno, se confundem. Dele não é
literalmente possível dizer que esteja fora ou dentro do
ordenamento (por isto, em sua origem, in bando, a bandono
significam em italiano tanto "à mercê de" quanto "a seu
talante, livremente", como na expressão corre a bandono, e
bandito quer dizer tanto "excluído, posto de lado" quanto
"aberto à todos, livre", como em mensa bandita e a redina
bandita). É nesse sentido que o paradoxo da soberania pode
assumir a forma: "não exite um fora da lei". A relação
originária da lei com a vida não é a aplicação, mas o
Abandono[32].




Historicamente, só durante a modernidade é que o direito privado
ganha o sentido atual e passa a ser construído por uma racionalidade
instrumental típica da sociedade de mercado, ganhando conceitos, institutos
e até mesmo uma lógica própria, que o reveste de uma pretensa "pureza"[33],
afastado dos perigos da ambivalência[34] com o objetivo de garantir os
valores mais caros à sociedade burguesa: segurança, certeza e
previsibilidade às relações sociais.

Conforme a constatação histórica de John Gilissen:

Estes sistemas jurídicos muito numerosos não evoluíram
todos da mesma maneira durante a Baixa Idade Média e a
Época Moderna; os factores políticos, econômicos e sociais
desempenharam um papel considerável, favorecendo tanto a
unificação do direito, como o particularismo local, como
ainda o aparecimento de instituições novas sob pressão do
desenvolvimento econômico.

Assim, o direito privado moderno surge num contexto em que se buscava
a unificação de um modus vivendi laicizado, orientado para a liberdade em
oposição ao arbítrio de poderes instituídos, possibilitando o
desenvolvimento do indivíduo por meio do seu próprio esforço, garantindo-se
a propriedade, a circulação das riquezas, a garantia da execução dos
contratos e a transferência de bens herdados.

A racionalidade científica despontava como único método capaz de
prometer a previsibilidade e certeza aos eventos naturais, pois a partir da
observação dos acontecimentos que se repetiam inalteradamente, era possível
estabelecer leis de causalidade, das quais poderiam ser deduzidas leis mais
gerais aplicáveis a uma maior quantidade de eventos similares, até que se
estabeleciam axiomas cuja função era determinar a parada dogmática capaz de
fechar o sistema. Esse foi o método aplicado às ciências, bem como ao
direito privado moderno; no jusracionalismo a observação da causalidade e o
estabelecimento de axiomas estendia-se à ética social.

Eles transformaram também o homem, como ser social, em
objeto de observação e de conhecimento liberto de
pressupostos, procurando, assim, as leis naturais da
sociedade. O jusracionalismo baseia-se, portanto, numa
nova antropologia. [...] A pretensão moderna de
conhecimento das leis naturais é agora estendida à
natureza da sociedade, ou seja, ao Direito e ao Estado;
também para estes deve ser formuladas leis com a
imutabilidade das deduções matemáticas.[35]



Entretanto, o método científico moderno implica na observação e
classificação de alguns eventos e no descarte de outros. Classificar também
significa distinguir, separar, segregar, incluir e excluir. Cada ato de
nomear divide o mundo em dois: entidades que respondem ao nome e todo o
resto que não, assim, certas entidades podem ser incluídas numa classe ou
tornar-se uma classe, apenas na medida em que outras entidades são
excluídas e deixadas de fora[36].

Fundamentar e estruturar o direito privado a partir de um sistema
fechado de conceitos e leis implica, inexoravelmente, em incluir e "dar
classe" a alguns e excluir muitos outros. Determinar um modus vivendi
através da positivação e coercibilidade do direito implica em incluir uns e
marginalizar outros tantos, o que é plenamente compreensível aos olhos do
estadista moderno, preocupado em unificar o seu reino e expurgar os
costumes bárbaros, da mesma forma que também é coerente para os cidadãos
dos burgos que o comportamento cotidiano da cidade fosse observado,
catalogado e organizado, de tal forma que se determinasse um padrão de
conduta a ser seguido pelo bando[37], uma vez que se fazia necessário
unificar os instrumentos de controle social para assegurar expectativas
concernentes ao cumprimento dos contratos, à transferência de propriedades,
ao casamento entre famílias e à segurança das sucessões[38].

No contexto social contemporâneo e diante de uma nova ordem jurídica
internacional, regional e local fundada no pluralismo étnico, no
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana,
na liberdade de pensamento e de crença, no bem-estar de todos sem
discriminação, na harmonia social, na solidariedade e na igualdade em
direitos e obrigações não se mostra coerente manter um direito privado
excludente.

No entanto, o que se verifica na rede de determinações do código
civil, bem como na doutrina e na jurisprudência da práxis civilística
contemporânea é (in)justamente o contrário:

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de
disposição do próprio corpo, quando importar diminuição
permanente da integridade física, ou contrariar os bons
costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido
para fins de transplante, na forma estabelecida em lei
especial. (Código Civil de 2002. Lei 10406/02)



Não obstante os avanços proporcionados pela positivação dos direitos
de personalidade no novo Código Civil de 2002, verifica-se que a sua tutela
tem raiz Constitucional e se fundamenta na escolha feita pelo constituinte
originário de proteger a dignidade da pessoa humana em suas múltiplas
dimensões. Nesse sentido, os direitos de personalidade recebem seu
significado a partir dos valores constitucionais, contidos no preâmbulo, no
caput do art. 5º CRFB, bem como em outros dispositivos decorrentes do
regime e dos princípios adotados pela República e pelos tratados
internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pela ordem
interna. Portanto, não cabe ao juiz ou legislador definir como a pessoa vai
dispor do próprio corpo e, tampouco, lhes é outorgado utilizar-se de um
conceito jurídico indeterminado para negar uma postulação ancorada numa
garantia fundamental.

Considerando que uma das dimensões da dignidade humana[39] é
justamente a autodeterminação do indivíduo que, com base em sua própria
decisão, tornar-se consciente de si mesmo, para formatar sua própria
existência e o meio que o circunda, verifica-se o Estado Republicano deve
conceder as condições fáticas e jurídicas para que a pessoa realize o seu
projeto de vida feliz, observados os limites e restrições[40] aos direitos
fundamentais.

No entanto, o que se verifica na doutrina civilística é
(in)junstamente o contrário, uma vez que tanto doutrinadores como
magistrados optam por definir ontologicamente[41] os direitos de
personalidade à luz de suas pré-compreensões, como nos exemplos abaixo
colacionados[42].

"REGISTRO CIVIL. RETIFICAÇÃO. MUDANÇA. SEXO. "
"A questão posta no REsp cinge-se à discussão sobre a "
"possibilidade de retificar registro civil no que concerne "
"a prenome e a sexo, tendo em vista a realização de "
"cirurgia de transgenitalização. A Turma entendeu que, no "
"caso, o transexual operado, conforme laudo médico anexado "
"aos autos, convicto de pertencer ao sexo feminino, "
"portando-se e vestindo-se como tal, fica exposto a "
"situações vexatórias ao ser chamado em público pelo nome "
"masculino, visto que a intervenção cirúrgica, por si só, "
"não é capaz de evitar constrangimentos. Assim, acentuou "
"que a interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei de "
"Registros Públicos confere amparo legal para que o "
"recorrente obtenha autorização judicial a fim de alterar "
"seu prenome, substituindo-o pelo apelido público e notório"
"pelo qual é conhecido no meio em que vive, ou seja, o "
"pretendido nome feminino. Ressaltou-se que não entender "
"juridicamente possível o pedido formulado na exordial, "
"como fez o Tribunal a quo, significa postergar o exercício"
"do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo a "
"prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova "
"condição física, impedindo, assim, a sua integração na "
"sociedade. Afirmou-se que se deter o julgador a uma "
"codificação generalista, padronizada, implica retirar-lhe "
"a possibilidade de dirimir a controvérsia de forma "
"satisfatória e justa, condicionando-a a uma atuação "
"judicante que não se apresenta como correta para promover "
"a solução do caso concreto, quando indubitável que, mesmo "
"inexistente um expresso preceito legal sobre ele, há que "
"suprir as lacunas por meio dos processos de integração "
"normativa, pois, atuando o juiz supplendi causa, deve "
"adotar a decisão que melhor se coadune com valores maiores"
"do ordenamento jurídico, tais como a dignidade das "
"pessoas. Nesse contexto, tendo em vista os direitos e "
"garantias fundamentais expressos da Constituição de 1988, "
"especialmente os princípios da personalidade e da "
"dignidade da pessoa humana, e levando-se em consideração o"
"disposto nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código "
"Civil, decidiu-se autorizar a mudança de sexo de masculino"
"para feminino, que consta do registro de nascimento, "
"adequando-se documentos, logo facilitando a inserção "
"social e profissional. Destacou-se que os documentos "
"públicos devem ser fiéis aos fatos da vida, além do que "
"deve haver segurança nos registros públicos. Dessa forma, "
"no livro cartorário, à margem do registro das retificações"
"de prenome e de sexo do requerente, deve ficar averbado "
"que as modificações feitas decorreram de sentença judicial"
"em ação de retificação de registro civil. Todavia, tal "
"averbação deve constar apenas do livro de registros, não "
"devendo constar, nas certidões do registro público "
"competente, nenhuma referência de que a aludida alteração "
"é oriunda de decisão judicial, tampouco de que ocorreu por"
"motivo de cirurgia de mudança de sexo, evitando, assim, a "
"exposição do recorrente a situações constrangedoras e "
"discriminatórias. REsp 737.993-MG, Rel. Min. João Otávio "
"de Noronha, julgado em 10/11/2009 (ver Informativo n. "
"411). (grifo nosso). "



TRF-4ª Região AMS 2006.70.00.028865-6 -
ACÓRDÃO COAD 123063

VESTIBULAR - HORÁRIO ALTERNATIVO - MOTIVO RELIGIOSO
-IMPOSSIBILIDADE. (...) A jurisprudência é tranquila no
sentido do indeferimento da pretensão dos impetrantes. O
objeto do presente recurso coloca em confronto direitos
assegurados constitucionalmente, ou seja, o direito a
liberdade da crença religiosa em face dos princípios da
legalidade, igualdade e isonomia, sendo que devem
prevalecer estes últimos. (4ª Turma- Relª Juíza Marga Inge
Bath Tessler - Publicado em 20-8-2007) –grifei.

TRF-4ª Região AMS 2004.72.00.017119-0

LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA – ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA
–DIREITO DE PRESTAR PROVA DE CONCURSO EM HORÁRIO DIVERSO
DO PREVISTO -IMPOSSIBILIDADE. O direito à liberdade de
crença religiosa, garantido no artigo 5º, incisos VI e
VIII, da Constituição não outorga ao impetrante a
prerrogativa de prestar prova de concurso em horário
diverso dos demais candidatos. Prevalência dos princípios
constitucionais da legalidade e da igualdade em face do
direito de liberdade de crença. (3ª Turma - Relª Juíza
Sílvia Maria Gonçalves Goraieb - Publ. em 21-9-2005) –
grifei.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL,
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO.
MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA. RECORRENTES RELIGIOSAS DA IGREJA
ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. GUARDA DO SÁBADO. PRETENSÃO À
REALIZAÇÃO DAS PROVAS EM HORÁRIO ESPECIAL.
IMPOSSIBILIDADE. CONFLITO ENTRE O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA
ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DE CREDO RELIGIOSO.
PREPONDERÂNCIA, NO CASO SUB JUDICE, DO PRINCÍPIO DA
AUTONOMIA ADMINISTRATIVA COMUNGADO COM O PRINCÍPIO DA
ISONOMIA. VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO.
JURISPRUDÊNCIA DO STJ. EFEITO SUSPENSIVO INDEFERIDO.
AGRAVO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70018634030,
Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Wellington Pacheco Barros, Julgado em 04/04/2007) –
grifei.




Por vezes, o fantasma da civilística clássica, imbuído pela lógica
moderna de ordenação a partir da observação de certo padrão de conduta,
causa arrepios e consegue impregnar seu determinismo até mesmo quando a
própria lei confere o direito de ser diferente ao cidadão, manifestando-se
de forma preconceituosa através da jurisprudência.

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à
liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas
em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos
civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas
leis.
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes
aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços
comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II - opinião e expressão;
III - crença e culto religioso;
(Estatuto da Cirança e do Adolescente, Lei n. 8069/90 –
grifo nosso)



AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 6.604 - RS (2011/0056235-2)
RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
AGRAVANTE : D B DE M
ADVOGADO : ALANCARDINO VALLEJOS
AGRAVADO : R A G
ADVOGADO : PAOLA JESICA ACUÑA UGALDE
DECISÃO
Cuida-se de agravo nos próprios autos (art. 544 do CPC),
interposto por D B DE M, contra decisão que não admitiu
recurso especial. O apelo nobre fora manejado com
fundamentos nas alíneas "a" e "c" do permissivo
constitucional, visando reformar acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA DE MENOR. AMPLIAÇÃO DA
VISITAÇÃO. LAUDOS FAVORÁVEIS À GENITORA. MENOR QUE POR
DIVERSAS VEZES MANIFESTOU SEU DESEJO DE ESTAR MAIS PRÓXIMO
À MÃE. AMPLIAÇÃO DAS VISITAS (e-fls. 297).
Os embargos de declaração foram rejeitados às fls.
321/328.
Nas razões do especial, a insurgente alega negativa de
vigência dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 13, 15, 16, II e
III, 17, 18, 28, § 1º e
35 todos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sustentou, em síntese: a) a manutenção do adolescente com
o pai, ofende a proteção integral do menor, contra maus
tratos, além de violar o direito ao refúgio, auxílio e
orientação; b) há preconceito religioso por parte do eg.
Tribunal de origem, ao proibir que o menor participe da
crença professada pela mãe, mediante o consumo do chá
Santo Daime; c) a avaliação psiquiátrica e o estudo social
são favoráveis à recorrente, portanto, não há motivo
plausível para se impedir a visitação na casa da genitora;
d) na decisão que deliberou sobre a guarda, não foram
consideradas as manifestações de vontade do filho, no
sentido de querer permanecer com a mãe.
Por fim, pleiteia seja garantido ao menor do direito de
participar do culto de sua religião e decidir se quer ou
não tomar o chá Santo Daime, ficando o adolescente na
companhia do avô materno, até final do processo. (grifo
nosso)




O Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado após a
Constituição de 1988, dá um passo a frente na concretização dos objetivos
da República, uma vez que para além da inovação proporcionada pela técnica
legislativa de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados,
prescreve normas descritiva de valores.[43]Entretanto, verifica-se que o
novo paradigma imposto pela Constituição de 1988 por vezes não é
compreendido na práxis, pois a textura aberta dos princípios é significada
à luz dos preconceitos do julgador, que deveria estar atento aos limites e
restrições do que se postula e não à significação dada pelo cidadão no uso
de suas garantias fundamentais.

Conforme leciona Luiz Edson Fachin[44], a Constituição de 1988 fez a
opção de instituir como fundamento da República o princípio da dignidade da
pessoa humana, colocando-o na posição central do ordenamento jurídico,
dotado de hierarquia supralegal[45] e núcleo essencial[46] protegido contra
as ações erosivas do legislador (art.60, § 4º, IV). Essa opção colocou a
pessoa humana como centro das preocupações do ordenamento jurídico, de tal
sorte que todo o sistema, orientado pela Constituição em sua normatividade,
deve ser reestruturado de forma unitária e sistemática para proteção do ser
humano em sua existência. Assim, as normas constitucionais, compostas de
regras e princípios, conferem harmonia a todo o ordenamento jurídico.





Nesse sentido, opera-se em relação ao direito dogmático tradicional,
uma inversão dos pólos de proteção do ordenamento jurídico, que passa a
tutelar a pessoa frente ao patrimônio, fenômeno denominado pela doutrina
civil-constitucional de "personalização do direito civil", que implica na
releitura dos institutos e conceitos de direito civil à luz do princípio da
dignidade da pessoa humana. Segundo Gustavo Tepedino:




À luz do princípio da dignidade da pessoa humana têm-se,
de um lado, a técnica das relações jurídicas existenciais,
que informam diretamente os chamados direitos da
personalidade e, mais amplamente, a tutela da pessoa nas
comunidades intermediárias, nas entidades familiares, na
empresa, nas relações de consumo e na atividade econômica
privada, particularmente no momento da prevenção da lesão,
deflagrando, a partir daí, uma transformação profunda na
dogmática da responsabilidade civil. A dignidade da pessoa
humana, como valor e princípio, compõe-se dos princípios
da liberdade privada, da integridade psico-física, da
igualdade substancial (art. 3º, III,CF) e da solidariedade
social (art. 3º, I,CF). Tais princípios conferem
fundamento de legitimidade ao valor social da livre
iniciativa (art. 1º,IV,CF), moldam a atividade econômica
privada (art. 170,CF) e, em última análise, os próprios
princípios fundamentais do regime contratual regulados
pelo Código Civil.[47]




Entretanto, verifica-se que a cultura jurídica brasileira ainda
expressa, na sua avassaladora maioria, uma visão de mundo típica da
modernidade mercantilista, que (in)conscientemente se revela numa exegese
herdada do Código de Napoleão e da Escola Pandectista, do século XIX, em
que prevalecia a preocupação de proteção do patrimônio e da circulação de
riquezas, bem como a engenharia social determinista dos conceitos, elemento
que terminava por colocar a pessoa humana em segundo plano, em prol de um
sujeito abstrato de direito que tinha sua personalidade moldada pelo
ordenamento jurídico[48].

Nesse sentido, Orlando de Carvalho enfatiza que:

É manifesto que a eliminação do tradicional livro das
pessoas com que abriam os sistemas jurídicos latinos, em
favor de uma parte geral, em que as pessoas se reduzem em
mero elemento da relação jurídica civil, concorre para uma
reificação ou desumanização do jurídico, cujas seqüelas,
como a última história nos mostra, dificilmente
tranqüilizam qualquer boa consciência[49]



Destarte, constata-se que a concepção e aplicação do direito civil
nos modelos clássicos é fruto de uma imagem de mundo específica,
estruturada a partir dos arquétipos da modernidade. Não obstante as
transformações sócio-culturais legadas pela a era pós-industrial, que nos
permite falar em um novo "estado da arte" (pós-modernidade) que se
apresenta no entorno de uma visão eurocentrista, o espírito moderno ainda é
majoritário e persiste na forma de ver o mundo e na atitude do sujeito
diante do mundo, o que lhe causa náusea e mal estar, devido às distorções
provocadas pelo contraste de suas percepções em cotejo com realidade
concreta.



2 Ciência, Determinismo e Segurança na formação do direito positivo






O termo modernidade apresenta certa dose de polissemia, em geral o
adjetivo foi introduzido pelo latim pós-clássico e significa literalmente:
"atual" (de modo = agora), sendo empregado pela primeira vez pela escola
escolástica a partir do século XII para indicar uma nova lógica da via
moderna em oposição à via antiqua da lógica aristotélica. No sentido
histórico, a palavra é habitualmente empregada quando se fala de filosofia
moderna, período da história ocidental que começa depois do Renascimento
(século XVII). Sob esta perspectiva, "a modernidade" costuma ser associada
a alguns conceitos-chave como razão, ciência, técnica, progresso,
emancipação, secularização e termos afins que denotam, por vezes, algo
positivo ou negativo, a depender dos pressupostos de investigação do
sujeito. Weber identifica o moderno como racionalização técnico-científica
e conseqüente desencantamento do mundo; de outro lado, para a escola de
Frankfurt, o moderno conduz à manifestação extrema de uma dialética
suicida[50] que caracteriza a civilização "burguesa". Habermas identifica o
moderno como "tradição iluminista da civilização ocidental" e com sua luta
a favor da emancipação humana.[51]




Para a corrente dos teóricos defensores da pós-modernidade; "o
moderno" caracteriza a tendência em crer em legitimações universais do
conhecer, do agir e do vivenciar (meta-narrativas), bem como pela
inclinação a conceber o discurso temporal em termos de "novidade" e
"superação", que fundamenta uma compreensão histórico-evolutiva, que se
orienta para um processo emancipatório dirigido para a liberdade, para
igualdade e para o bem-estar de todos. Nesse sentido, a modernidade seria
qualificada: (i) pela tendência a crer em visões globais de mundo, capazes
de fornecer "legitimações" filosóficas ao conhecimento e a forma de agir no
mundo; (ii) pela aptidão a conceber a história como um percurso
"progressivo" de que os intelectuais e os cientistas conhecem os fins
(liberdade, igualdade e bem estar) e também os meios capazes de realizá-los
(difusão das luzes, revolução proletária, domínio da natureza, conquistas
da ciência e da tecnologia); (iii) pela tendência a subordinar a multidão
heterogênea dos acontecimentos e dos saberes à totalidade de forma e
sentido previamente constituídos. Em oposição a essas linhas mestras do
pensamento moderno, os pós-modernos contrapõem um conjunto de idéias
alternativas: (1) desconfiança dos "macrosaberes" deterministas; (2)
proposta de racionalidades "maleáveis" adaptáveis à coerência diante do
contexto, baseadas na convicção de que não existem fundamentos últimos e
imutáveis do conhecimento e da ação; (3) renúncia a conceber a história nos
moldes de um processo universal capaz de funcionar como plataforma
garantidora da humanidade rumo à emancipação e ao progresso; (4) defesa da
tese de que o mundo não é um só, mas muitos (Vattimo); (5) adesão a uma
ética do pluralismo e da tolerância formatada na base de uma sociedade
complexa.[52]




Durante a modernidade a razão substituiu o Deus da tradição medieval,
ocupando o posto de fundamento último de todas as coisas. Assim foram
construídos os grandes sistemas filosóficos modernos, sobretudo no período
do idealismo alemão, cuja filosofia de Hegel foi o grande expoente. A
principal característica desses sistemas filosóficos está na ideia de
fundação que, para Vattimo[53], corresponde a uma estrutura inflexível,
isto é, nesta perspectiva de pensamento tudo é compreendido a partir de uma
base fixa de conceitos. Desse modo, podemos dizer que o objetivo do sistema
filosófico é a homogeneização da totalidade mediante a construção de uma
explicação geral (metanarrativa), ou seja, uma espécie de teoria do todo
embasada em um princípio universal originário. O sistema significava muito
mais do que mera clareza e facilidade de domínio de determinada matéria,
pois representava a única maneira possível pela qual o espírito cognoscente
conseguiria ficar seguro da verdade.




No direito essa corrente de pensamento foi delineada por Puchta que
estruturou a ciência jurídica no estilo de uma pirâmide de conceitos, onde
as proposições jurídicas singulares que constituem o direito de um povo
encontram-se, umas em relação a outras, num nexo orgânico orientado pelo
"espírito do povo", ao passo que a unidade de sentido se manifesta naquilo
que estas proposições estatuem. A genealogia dos conceitos era construída
conforme as regras da lógica formal, podendo seguir tanto a via ascendente
quanto a descendente, por meio dos termos médios que participavam da
relação entre os conceitos. No ápice da pirâmide estavam os conceitos de
sujeito de direito e de direito subjetivo, dos quais se deduziam todas as
outras determinações.[54]




Eduardo C. B. Bittar nos dá um apanhado geral do que venha a ser o
"espírito" da modernidade:

A modernidade, para designar o período histórico pós-
renascentista, é a expressão do próprio espírito de um
tempo ansioso pela superação de dogmas e das limitações
medievais. O Século XVII é, portanto, o momento de eclosão
de vários desse anseios, que, sob condições peculiares,
permitiu o florescimento de uma nova dimensão social e
econômica, especialmente na Europa, onde o espírito da
modernidade vem associaido à idéia de progresso (Bacon,
Descartes).

É permitido mesmo, ao termo modernidade, associar uma
variedade de outros termos que, em seu conjunto, acabam
por traçar as características semânticas que contornam as
dificuldades de se definir modernidade. Estes termos são:
progresso; ciência; razão; saber; técnica; sujeito; ordem;
soberania; controle; unidade; Estado; indústria;
centralização; economia; acumulação; negócio;
individualismo; liberalismo; universalimo; competição.
Esses termos não estão aleatoriamente associados à idéia
de moderno, pois nasceram com a modernidade e foram
sustentados, em seu nascimento, por ideologias e práticas
sociais nascentes e que se afirmam como uma espécie de
sustentáculo dos novos tempos, saudados com muita
efusividade pelas gerações ambiciosas pela sensação (hoje
tida como ilusória) da liberdade prometida pela
modernidade. [...] Enfim, com a idéia de modernidade, um
movimento mais que simplesmente contestatório do passado
medieval (religioso, teológico, estagnário comercialmente,
intelectualmente dirigido pelas limitações impostas pelas
ordens religiosas, especialmente articuladas a partir de
dirigidas e interessadas leituras das Sagradas Escrituras,
controlado e dividido por distribuições de poderes entre
Estado, Senhores Feudais e Igreja etc.) se instala. A
Idéia de um momento histórico, guiado no sentido da
superação das castrações comerciais (impostas pelo excesso
de impostos para a circulação de mercadorias, pelas
limitações espácio-geográficas e pela produtividade
artesanal de baixa escala e manufatureira de produtos) e
da ausência de controle intelectual das idéias a partir da
liberdade de pensamento, de pesquisa, de descoberta e de
divulgação científicas, vem se tornando uma realidade
concreta e marcante, dando sinais de sua vitalidade a
partir dos séculos XIII e XIV, consolidando-se três ou
quatro séculos depois.[55]



Nesse sentido, entende-se que a modernidade concerne a um conjunto de
alterações fáticas e ideológicas que mudaram o sentimento da existência e a
imagem do mundo em relação ao homem. Durante a idade média, o direito, a
moral, as concepções do "bom" e do "correto", assim como os demais valores
positivos que orientavam a sociedade fundiam-se com a religião e com o
poder, formando um amálgama holístico que proporcionava a estabilidade das
estruturas de dominação da sociedade, gerando expectativas de comportamento
que se adequassem ao modelo estrutural. Desta forma também se impedia o
comportamento desviante, compreendido como algo interno à sociedade, a ser
tratado por procedimentos de aplicação jurídica fundados em representações
morais e, ao mesmo tempo, religiosas válidas para todas as esferas da
sociedade[56].


A sociedade não era funcionalmente diferenciada, sua estrutura era
bipolarizada (diferenciação hierárquica). O "pólo de cima", era composto
pelo amálgama da estrutura política de dominação, reproduzido,
simultaneamente, com base na diferença entre poder superior e inferior, na
semântica moral, constituída com base na distinção (moral) entre o bem e o
mal, e também na diferença (religiosa) entre divino e profano[57].


Esse amálgama prevalecia sobre todas as outras esferas de comunicação
da sociedade, que assim permaneciam indiferenciadas, determinadas de fora
para dentro. A semântica do bem, apontava, sobretudo, para a parte superior
da estrutura de dominação social (política) ocupada pela nobreza e pelo
clero, já a semântica do mal referia-se, especialmente, ao pólo inferior,
expressando-se na plebe. Os "de baixo" só praticam o bem, isto é, condutas
avaliadas positivamente pela sociedade, quando atuassem de acordo com os
modelos comportamentais que lhes fossem determinados pelos "de cima",
estes, por sua vez, só cometeriam o mal, ou seja, condutas reprovadas pela
sociedade, se agissem conforme os padrões daqueles ocupantes do estrato
inferior. Assim funcionava a eticidade[58] universal, que conferia validade
a toadas as esferas do agir e do vivenciar, proporcionando estabilidade e
segurança para a dominação dos estamentos superiores sobre os
inferiores[59].


Destarte, segundo o modelo pré-moderno, típico da época medieval, as
demais esferas de comunicação da sociedade – ciência, arte, direito,
economia etc. – estariam subordinadas a esse centro justificador, composto
por moral impregnada pela religião e dominação política. A arte, o saber, o
direito e a economia estavam semanticamente subordinados à diferença entre
o bem e o mal, assim como orientados pelos critérios do poder superior ou
inferior. Assim sendo, a diferença entre licitude e ilicitude – direito/não
direito – não se distinguia nitidamente da diferença entre bem e mal, ao
revés confundiam-se. O seu lado positivo conectava-se com a superioridade
na dominação e o seu lado negativo, com a inferioridade. O mesmo acontecia
com as diferenças "ter/não ter" (economia), "verdadeiro/falso" (ciência) e
"belo/feio" (arte)[60].


O ingresso na modernidade, segundo Luhmann[61], envolve o processo de
diferenciação funcional entre os diversos subsistemas sociais, os quais
passam a se reproduzir segundo racionalidades, linguagens e procedimentos
específicos de modo autopoiético, o que implicaria na quebra de uma
metanarrativa orientada pelo poder absolutista fundado holisticamente.
Entretanto, o que se verificou no decorrer da história foi a substituição
de um esquema de dominação por outro, assim, com o fim da justificação
mística surgem as justificações racionais corrompidas pela lógica do
sistema econômico baseado no código ter/não-ter, que passa a impedir o
desenvolvimento autorreferente do direito, da política, da arte, dos
saberes etc.[62]


Conforme Romano Guardini, as estruturas medievais de concepção do
mundo começam a se desagregar durante o século XV e XVI, condensado outra
forma de justificação do mundo somente a partir do século XVII, onde a
racionalidade e a instrumentalização da natureza se diluem em todas as
esferas da vida[63]. A imagem do mundo e o sentido da existência no medievo
tinham por objetivo reconstruir o divino na terra, designando um lugar
específico para cada ser. As justificações são sempre de ordem religiosa e
determinista, no sentido de que toda ordenação provem do divino e por ele é
determinada. Segundo essa concepção o mundo era uma grandeza limitada, um
grande mosaico que correspondia a uma imagem perfeita e acabada, cada uma
de suas partes estava em relação recíproca de conteúdo e significação,
sendo que cada parte realizava um aspecto particular dessa imagem. Os anjos
e os bem-aventurados, na eternidade, os astros no espaço, as coisas
naturais na terra; o homem e a sua estrutura interior, tal como a sociedade
humana nos seus diversos estamentos e funções, se apresentavam como uma
estrutura simbólica que tinha um significado eterno.[64]




A vontade de conhecimento ainda não se apresenta na forma moderna de
investigação empírica[65]. Não se procura a realidade na natureza ou na
história para fixá-la empiricamente e dominá-la teoricamente; as questões
fundamentais eram encontradas meditando-se na verdade, seus fundamentos a
priori eram determinados por argumentos de autoridade, professados pelos
mensageiros divinos e, somente a partir de seus juízos é que se realizava
uma construção espiritual da existência. Os hermeneutas eram, portanto, os
únicos autorizados a dizer o certo e o errado, sua competência era divina,
seu código as sagradas escrituras, sua doutrina a Igreja.




Estes fundamentos eram desenvolvidos e, a partir deles, é que se
compreendiam os dados da experiência sensível, obtendo-se então uma série
de novos conhecimentos, entretanto, a própria atitude de investigação era
inexistente. Assim, logo que esta começa a se manifestar torna-se estranha
e inquietante, posto que se desviava do padrão de conduta e ameaçava a
autoridade soberana. Os que ousavam assim proceder eram taxados de
alquimistas, bruxos ou simplesmente hereges; seu destino à fogueira.




Todas estas características vão se alterando em razão da perda de
coerência em relação à imagem de mundo do homem moderno. Na segunda metade
dos séculos XIV e XV o sentimento da vida se transforma, surge à exigência
de liberdade individual, o homem da idade moderna passa a ver o mundo como
ilimitado, sente o desejo de explorar o inexplorado, começa a descobrir e
conquistar novos continentes sente a possibilidade de se aventurar neste
mundo infinito, de dominá-lo, domesticá-lo e tornar-se o seu senhor. Essa
atitude diante do mundo também constitui a consciência da personalidade do
indivíduo, que passa a interessar-se por si mesmo.

[…], para o homem medieval a ciência representa
exclusivamente a procura do que na autoridade das fontes é
tido como verdade. Já na segunda parte do século XIV e
especialmente no século XV ocorre uma alteração. O
conhecimento dirige-se directamente para a realidade das
coisas. Deseja ver com os próprios olhos, demonstrar com a
sua própria inteligência, atingir uma opinião criticamente
fundamentada, independente de padrões anteriores. Isso
vale para a natureza: e assim aparecem a experiência e a
teoria racional da Idade Moderna. Vale para a tradição: e
assim aparece a concepção do Estado e o Direito da Idade
Moderna. A ciência separa-se da unidade da vida e de obra
até aqui determinada pela religião e constitui-se a si
própria como domínio autônomo da cultura.[66]




Na transição da Idade Média para a modernidade os laços com a
comunidade começam a se romper, libertando o sujeito das amarras da
tradição determinada pelos estratos sociais para lança-lo em teias de
controle mais sofisticadas[67], que serão criadas pelo império da razão,
instrumentalizadas pela ideia de primazia da vontade, cujo corolário é o
contrato e a propriedade[68]. O individualismo se constrói a partir da
vontade positiva do sujeito, onde os vínculos sociais passam a ser vistos
como fatos artificiais da exteriorização dessa vontade individual, que
servirá de fundamento para a teoria dos direitos subjetivos, compreendidos
como poder da vontade garantido a certo sujeito pelo direito objetivo. Tais
direitos atribuídos seriam fruto da liberdade ilimitada de fixar os efeitos
jurídicos às declarações de vontade, fazendo emergir a noção de contrato,
posteriormente aportada para o Estado com as construções do contrato social
entre livres e iguais.




Transformações também ocorrem na vida econômica, até então o comércio
estava ligado à idéia de condição social e às determinações das corporações
de ofício, as imposições canônicas de proibição da usura haviam
impossibilitado o pressuposto de toda a atividade econômica: O lucro. Agora
o desejo de ganhar liberta-se e encontra sentido no desenvolvimento da
autodeterminação do indivíduo, os limites encontram-se na medida em que são
definidos pelos próprios indivíduos e cristalizados numa ordem jurídica que
permite a livre concorrência.




Este é o genoma do capitalismo, sistema econômico que permite a cada
um ser possuidor do que for capaz de ganhar, a liberdade é o grande atrator
de sentido da modernidade, o respeito à propriedade faz ruir as
instituições sociais tirânicas do passado ancoradas na lógica do
privilégio, inamovíveis e determinadas pela ordem divina. As normas
jurídicas se tornam o instrumento necessário para garantir que o
comerciante burguês possa realizar o tráfego jurídico, permitindo a
circulação de riquezas.



Com o capitalismo também surge uma nova percepção do homem no mundo,
aparece um sentimento extraordinariamente humano: O ego; a partir da
construção de uma imagem de mundo ilimitado e inexplorado, o homem passa a
compreender-se como senhor de si próprio, sendo ele o único responsável
pela construção do seu futuro. O despertar do ego é tão voraz que permite
ao homem moderno arremessar uma pedra através daquele mosaico divino,
perfeito e acabado; junto com os seus cacos caem toda justificação
religiosa, única meta-narrativa existencial, bem como toda a organização
estamentária social, esfacelando por conseqüência a crença no determinismo
místico.




Essa liberdade de movimento e afirmação pessoal institui um novo
critério de valor do homem, ele não se diferencia pelo nascimento, mas pela
competência daquele que arrisca e cria, pela fama, fortuna e glória.




O homem da Idade Moderna sente o inexplorado como
atractivo. Estimula-lhe o desejo de explorar. Começa a
descobrir e a conquistar novos continentes. Sente a
possibilidade de se aventurar no mundo infinito e de se
tornar o seu senhor. Ao mesmo tempo constitui-se a
consciência da personalidade, própria da Idade Moderna. O
indivíduo passa a, iteressar-se por si mesmo. É objecto da
observação e da análise psicológica. Aparece o sentimento
do que é extraordinariamente humano. O conceito de gênio
ganha uma importância decisiva. Está relacionado com o
sentimento do infinito do mundo e da história e constitui
a medida com que deve ser julgado o valor do homem. Tudo
isto será experimentado, como já foi dito, de duas
maneiras. Em primeiro lugar, como liberdade de movimento e
de afirmação pessoal. Aparece o homem senhor de si
próprio, que actua, arrisca e cria, que é trazido pelo seu
ingenium, conduzido pela fortuna, recompensado pela fama e
pela glória[69].




Entretanto, ao mesmo tempo em que ganha relevo a subjetividade e a
personalidade daqueles capazes de buscar a fortuna e a glória, também surge
à necessidade de se afastar as ervas daninhas. Para que o sujeito
alcançasse o seu esplendor, era preciso submeter as populações dominadas a
um exame completo, para transformá-las numa sociedade ordeira, segundo os
preceitos da razão. O Estado moderno nasceu como uma força missionária,
destinado proporcionar a ordem e estabilidade necessária para que as
plantas úteis fossem cultivadas[70].




A elevação do homem ao centro do universo também altera a sua relação
com a natureza[71], na concepção moderna o conceito refere-se de imediato
ao conjunto das coisas, antes que o homem faça qualquer coisa nelas, isto
é, um conjunto de energias, substâncias, essências e leis experimentadas
como pressuposto da existência, algo a ser compreendido, categorizado e
dominado pelo intelecto humano, transformado-se em utilidade para uma vida
humana mais confortável e feliz.




Ao ver o mundo como , o homem situa o mundo em
si mesmo; ao compreender-se como , torna-
se senhor da sua prórpria existência; na vontade de
empreende construir a existência como sua
obra.
O aparecimento deste conceito é contemporâneo com o da
fundamentação da ciência da Idade Moderna. É desta que
nasce a técnica, conjunto de processos que permitem ai
homem prosseguir os seus fins. A ciência, a política, a
economia, a arte, a pedagogia, afastam-se cada vez mais
conscientemente dos vínculos da Fé e também de uma ética
que impõe obrigações, e criam a sua autonomia a partir da
sua essência. Enquanto cada um destes domínios
particulares se fundamenta em si próprio, todos estão em
princípio numa relação comum que se constrói a partir
deles e que ao mesmo tempo os suporta. É a ,
enquanto conjunto da obra do homem independente de Deus e
da sua Revelação.[72]



Essas alterações fáticas e filosóficas nos mostram como o pensamento
se relaciona com o seu tempo, bem como a influência desse contexto sobre o
exercício do poder. O pensamento de Jean Bodin (século XVI) traz consigo
uma reflexão inteiramente voltada para o conceito de soberania, em pleno
nascimento do Estado moderno, o que não é mera coincidência, pois havia uma
necessidade de centralização do poder ante a dispersão proporcionada pelo
feudalismo, que gerava entraves à circulação de bens e capital em virtude
dos múltiplos ordenamentos jurídicos e diferentes taxações impostas à
classe emergente. Assim, a própria idéia de legalidade deriva do conceito
de soberania, pois nela está implícita a competência do soberano para
vincular condutas humanas. "A primeira marca do príncipe soberano é o poder
de dar lei a todos em geral e a cada um em particular[73]"




O soberano precisa criar uma situação normal para que, a partir dela,
aplique-se o ordenamento jurídico, nas palavras de Schmitt: "Toda norma
geral requer uma estruturação normal das relações da vida, sobre as quais
ela deve encontrar de fato aplicação e que ela submete à própria
regulamentação normativa[74]". Assim, toda norma é aplicável a uma
situação, o soberano cria e garante a situação na sua integridade,
portanto, é ele quem detém o monopólio da decisão última. Nesse sentido,
nas lições de Giorgio Agamben, a essência da soberania não reside no
monopólio da sanção ou poder, mas no monopólio da decisão última sobre o
que está dentro ou fora do ordenamento jurídico.




A democracia moderna é fundada sobre uma noção de cidadania
extremamente restrita, o constitucionalismo passou a legitimar o Estado
partir da concepção da liberdade expressa pela "vontade geral do povo",
entretanto, como se denota da própria Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789, os únicos capazes de exprimir a vontade do "povo" eram
aqueles capazes de votar e ser votados, isto é, homens detentores de
propriedade, uma vez que o voto era censitário e masculino. A Lei,
considerada expressão máxima dessa vontade sedimentou o absolutismo
jurídico[75], onde o detentor do poder político passa a deter também o
monopólio da produção jurídica para garantir a liberdade econômica.
Destarte, percebe-se que, numa "genealogia dos conceitos", Cidadão era a
pessoa capaz de contrair direitos e obrigações, e ser "sujeito de
direito", titulariazando uma "relação jurídica", que regula a propriedade,
as obrigações, os contratos, o regime de bens no casamento e o direito
sucessório. Os não-cidadãos, por consequência lógica estariam fora desse
sistema.




A lógica moderna da soberania, ainda na visão de Agamben, consiste em
incluir por meio da exclusão. A partir do momento em que o soberano decide
pela validade de uma norma, também opta por manter o outro em permanente
situação de indiferença.




A exceção é uma espécie de exclusão. Ela é um caso
singular, que é excluído da norma geral. Mas o que
caracteriza propriamente a exceção é que aquilo que é
excluído não está, por causa disto, absolutamente fora de
relação com a norma; ao contrário, esta se mantém em
relação com aquela na forma da suspenção. A norma se
aplica à exceção desaplicando-se, retirando-se desta. O
estado de exceção não é, portanto, o caos que precede a
ordem, mas a situação que resulta da suspensão. Neste
sentido, a exceção é verdadeiramente, segundo o étimo,
capturada fora (ex-capere) e não simplesmente
excluída.[76]



Segundo Zygmunt Bauman[77], o mundo pré-hobbesiano, isto é, aquele
concebido antes do Estado moderno, entendia a ordem como obra da natureza,
após a desagregação daquela imagem fixa de mundo, típica do medievo, o
conceito de ordem passa a ser entendido como projeto de ação, um objetivo a
ser alcançado pela ilustração. A existência torna-se moderna na medida em
que é administrada por agentes capazes (aqueles que possuem conhecimento,
habilidade e tecnologia) de conduzir o espírito humano à emancipação. Esses
agentes tornam-se soberanos na medida em que reivindicam e defendem com
êxito o direito de administrar a existência, de definir a ordem, e, por
conseguinte de marginalizar o refugo que escapa a suas determinações.




O outro do Estado moderno é a terra de ninguém ou
contestada: a sub ou sobredefinição, o demônio da
ambiguidade. Uma vez que a soberania do Estado moderno é o
poder de definir e fazer as definições pegarem, tudo que
se autodefine ou que escapa à definição assistida pelo
poder é subversivo. O outro dessa soberania são áreas
proibidas, de agitação e desobediência, de colapso da lei
e da ordem. O outro do intelecto moderno é a polissemia, a
dissonância cognitiva, as definições polivalentes, a
contingência, os significados superpostos no mundo das
classificações e arquivos bem ordenados. Uma vez que a
soberania do intelecto moderno é o poder de definir e de
fazer as definições pegarem, tudo que escapa à inequívoca
localização é ima anomalia e um desafio. O outro da
soberania é a violação da lei do meio rejeitado[78].


Nessa perspectiva, a soberania estende-se para além do Estado, se
conecta com a filosofia, com a ciência e com a economia, num projeto comum
de ordenação da realidade, de modo a se estabelecer uma metafísica
harmoniosa que se constitui de modo a eliminar a ambivalência. Os filósofos
modernos, como Kant, Descartes e Locke delinearam esquemas de pensamento
racionalistas praticamente imunes às contracorrentes da experiência e dos
interesses daqueles considerados estranhos ao projeto eurocentrista, uma
vez que somente eles eram capazes de conhecer a verdade, encarnaram a
tarefa de realizar o projeto de felicidade dos outros. Tarefa árdua que por
vezes exigia a voz de um professor clemente capaz de mostrar o caminho, mas
que também necessitava da mão firme de um guardião severo e decido.
A escolha Kantiana das metáforas envolve mais do que um
expediente para buscar o patrocínio real. Havia uma
autêntica afinidade entre as ambições legisladoras da
filosofia crítica e as intenções planificadoras do
nascente Estado moderno; assim como havia uma autêntica
simetria entre o emaranhado de paroqualismos tradicionais
que o Estado moderno tinha de erradicar para estabelecer
sua suprema soberania inconteste e a cacofonia de "escolas
dogmáticas" que tinha de ser silenciada para que a voz da
razão universal e eterna (e por tanto uma e inconteste: "
nada será deixado às futuras gerações além da tarefa de
ilustrá-la e aplica-la didaticamente) pudesse ser ouvida e
sua apodítica certeza apreciada. Os governantes modernos e
os filósofos modernos foram primeiro e antes de mais nada
legisladores; eles descobriram o caos e se puseram a domá-
lo e substituí-lo pela ordem.[79]


Os sistemas filosóficos modernos se legitimam pelo uso de uma razão
formalizada que obedece a suas próprias regras de verificação, isto é, uma
espécie de metalinguagem oriunda da lógica aristotélica. Aos enunciados
(proposições bem formadas) são atribuídas duas notas: verdadeiro ou falso,
observando a regra do terceiro excluído (um enunciado P não pode ser ao
mesmo tempo, verdadeiro e falso). Assim, formulam-se hipóteses sobre as
quais o destinatário da mensagem aceita como verdadeiro. Satisfeita esta
condição, são feitas inferências e denotações do tipo " Se P, então Q",
onde se atribui verdade a conclusão, desde que as premissas sejam
verdadeiras. Esse processo obedece a uma dialética em via ascendente até
que se chegue a uma proposição inquestionável capaz de fechar o sistema,
denominada de axioma (juízos sintéticos a priori, na definição de Kant).
Uma vez estabelecidos axiomas, o sistema torna-se seguro e capaz de
responder com grau de certeza a uma gama de eventos que lhe são submetidos,
ao mesmo tempo em que rejeita outros aos quais não pode dar resposta. Esse
método[80] é aplicado às ciências, bem como à legislação e ao direito.


Estas são, em linhas gerais, as principais características
do que Richard Rorty chamaria de filosofia fundadora –
depois de atribuir a Kant, Descartes e Locke a
responsabilidade conjunta pela imposição do modelo aos
duzentos anos seguintes de história filosófica. Como
sugeri acima, essa filosofia fundadora teve como correlata
o que se pode chamar de política fundadora do Estado
moderno; havia uma espantosa simetria de ambições
declaradas e estratégias praticadas, assim como uma
similar obsessão com a questão da soberania do poder
legislativo expressa no princípio da universalidade dos
princípios legais ou filosóficos.[81]

O século XX foi o consequente direto da lógica moderna[82], entre as
fissuras de um sistema e outro se forma o lixo da razão, se decantam os
problemas mal resolvidos, escondem-se as contradições. Nas fendas das
tipologias Weberianas, no domínio do não-direito, fora do espírito objetivo
de Hegel e para além das categorias de Kant encontram-se as minorias;
centenas de milhares de índios mortos pela expansão eurocentrista, a fome e
a guerra da África subsaariana, as populações de favelas, remanescentes
quilombolas, pessoas com deficiência e discriminadas pela homofobia. O
legado do pensamento positivista[83] contabiliza: duas grandes guerras
mundiais, perpetradas sob o manto da legalidade, capitaneadas pelos gênios
da engenharia social. A potencialização do conflito atômico, produto da
relação entre economia, política e ciência. A segregação social, a má
distribuição de rendas, a injustiça social, bem como a ineficácia do Estado
em relação às demandas sociais. O projeto ordenador da modernidade não
conseguiu calcular com a pretensa precisão as externalidades negativas, não
tratou bem as ervas daninhas, não conseguiu reciclar nem manter em
equilíbrio o refugo.


Essa perspectiva moderna de ordenação e racionalização da vida nua
encontra-se em total dissintonia com o projeto delineado em nível global
pela Declaração Universal dos Direitos humanos 1948 e pela Constituição da
República de 1988, sistemas que se destinam à inclusão do outro e a
expansão da cidadania a nível global e local, respectivamente, bem como a
garantir condições mínimas para que a pessoa desenvolva seu projeto de vida
feliz, corolário da dignidade da pessoa humana[84] e objetivo da República.


Entretanto, o que se colhe da jurisprudência e também na doutrina
majoritária são interpretações ontológicas do conceito de dignidade da
pessoa humana, isto é, tentativas de definir a luz dos direitos humanos e
da Constituição o que é digno e o seu contrário, bem como posturas
hermenêuticas que tentam definir o projeto de vida do cidadão com base nos
pressupostos do julgador ou da Lei, sem considerar, numa perspectiva de
alteridade, a significação dada pelo titular dos direitos e garantias
fundamentais ao conteúdo semântico aberto e indeterminado típico dessas
estruturas[85].


Nesse sentido, colaciona-se jurisprudência do denominado "toque de
recolher" proclamado através da Portaria 01/2011, editada pela MM. Juíza da
Comarca de Cajuru/SP, que invocando "a doutrina da proteção integral"[86]e
alegando proteger crianças e adolescentes em situação de risco (estar
desacompanhados dos pais ou responsáveis após às 23h00min, salvo se
retornando às suas respectivas residências de escolas cursos e afins por
eles frequentados) determinava a aplicação de medidas restritivas de
direito prescritas pelo art. 101 do ECA.
EMENTA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS
CORPUS.TOQUE DE RECOLHER. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO
DO MÉRITO. SUPERAÇAO DA SÚMULA 691/STF. NORMA DE
CARÁTER GENÉRICO E ABSTRATO. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Trata-se de Habeas Corpus Coletivo "em favor das
crianças e adolescentes domiciliados ou que se encontrem
em caráter transitório dentro dos limites da Comarca de
Cajuru-SP" contra decisão liminar em idêntico remédio
proferida pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo.
2. Narra-se que a Juíza da Vara de Infância e Juventude de
Cajuru editou a Portaria 01/2011, que criaria um "toque de
recolher", correspondente à determinação de recolhimento,
nas ruas, de crianças e adolescentes desacompanhados dos
pais ou responsáveis: a) após as 23 horas, b) em locais
próximos a prostíbulos e pontos de vendas de drogas e c)
na companhia de adultos que estejam consumindo bebidas
alcoólicas. A mencionada portaria também determina o
recolhimento dos menores que, mesmo acompanhados de seus
pais ou responsáveis, sejam flagrados consumindo álcool ou
estejam na presença de adultos que estejam usando
entorpecentes.
3. O primeiro HC, impetrado no Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, teve sua liminar indeferida e,
posteriormente, foi rejeitado pelo mérito.
4. Preliminarmente, "o óbice da Súmula 691 do STF resta
superado se comprovada a superveniência de julgamento do
mérito do habeas corpus originário e o acórdão proferido
contiver fundamentação que, em contraposição ao exposto na
impetração, faz suficientemente as vezes de ato coator
(...)" (HC 144.104/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe
2.8.2010; cfr. Ainda HC 68.706/MS, Sexta Turma, Rel.
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 17.8.2009 e HC
103.742/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi,
DJe7.12.2009).
5. No mérito, o exame dos consideranda da Portaria 01/2011
revela preocupação genérica, expressa a partir do "número
de denúncias formais e informais sobre situações de risco
de crianças e adolescentes pela cidade, especificamente
daqueles que permanecem nas ruas durante a noite e
madrugada, expostos, entre outros, ao oferecimento de
drogas ilícitas, prostituição, vandalismos e à própria
influência deletéria de pessoas voltadas à prática de
crimes".
6. A despeito das legítimas preocupações da autoridade
coatora com as contribuições necessárias do Poder
Judiciário para a garantia de dignidade, de proteção
integral e de direitos fundamentais da criança e do
adolescente, é preciso delimitar o poder normativo da
autoridade judiciária estabelecido pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, em cotejo com a competência do
Poder Legislativo sobre a matéria.
7. A portaria em questão ultrapassou os limites dos
poderes normativos previstos no art. 149 do ECA. "Ela
contém normas de caráter geral e abstrato, a vigorar por
prazo indeterminado, a respeito de condutas a serem
observadas por pais, pelos menores, acompanhados ou não, e
por terceiros, sob cominação de penalidades nela
estabelecidas" (REsp 1046350/RJ, Primeira Turma,
Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 24.9.2009).
8. Habeas Corpus concedido para declarar a ilegalidade da
Portaria 01/2011 da Vara da Infância e Juventude da
Comarca de Cajuru. -[ HABEAS CORPUS Nº 207.720 - SP
(2011/0119686-3). Rel. Min. HERMAN BENJAMIN.


Verifica-se que a postura da MM. Juíza de Cajuru/SP funda-se numa
hermêutica de racionalidade ordenadora, excludente, cujo objetivo é a
"limpeza social". Assim, não obstante o avanço da legislação e da doutrina
da proteção integral, as crianças e adolescentes são tratados pelo Estado
como objeto de direito ao invés de pessoas. Em nome da "proteção" lhes são
negados direitos, praticando-se verdadeiras violações e concretizando-se a
criminalização da pobreza. O direito aplica-se, desaplicando-se. Os
adolescentes penalmente inimputáveis ("insacrificáveis"), na prática são
internáveis ("matáveis"), aqui é viva a fala do homo sacer, de Giorgio
Agamben[87], ao adolescente internável aplica-se o ECA como forma de
proteção integral ao inimputável, ao mesmo tempo em que ele é tratado de
modo igual, ou até mais severo do que o adulto, com a restrição ilegal de
seus direitos de liberdade, desaplicando-se o ECA. Assim é configurado o
paradoxal limiar de indiferença, entre inimputabilidade e
"internabilidade". Pune-se, sendo ilegal punir. A Douta e soberana
Magistrada suspende o ordenamento jurídico para aplicá-lo, a decisão está,
ao mesmo tempo, dentro e fora do direito. A vida nua do jovem seria como a
vida matável e insacrificável do homo sacer, pois a proteção ao adolescente
é incluída no ordenamento sob a forma de sua exclusão, isto é, de sua
internabilidade.


Sob a heurística da ciência moderna do século XIX o direito se volta
para a análise dos fatos através das leis de causalidade, apropriando-se de
uma metodologia típica da lógica e da matemática, o direito tal como as
ciências da natureza, deveria se fundar sobre fatos indiscutíveis. Nessa
perspectiva a ciência tem por missão descobrir as leis de harmonia com as
quais o determinismo natural se realiza, para então definir axiomas e, a
partir deles, explicar os fenômenos. Partindo desses pressupostos o direito
não encontra nenhuma realidade que seja exterior à própria consciência dos
homens, sendo assim, o fenômeno observável era o comportamento social
exteriorizado num ato de vontade, o qual era observado na lei, considerada
expressão máxima da "vontade geral do povo"[88] e, no negócio jurídico que
fixava os efeitos das declarações de dois sujeitos de direito.[89] Assim,
Savigny em contraposição ao primado dos costumes, equipara o direito
positivo ao direito legal e estabelece como objeto de interpretação a
reconstrução do pensamento que é expresso na lei, na medida em que seja
cognoscível a partir da própria lei. Portanto, o intérprete na aplicação do
direito, deveria se colocar na posição do legislador e utilizar os
elementos gramatical e histórico para compreender as condições históricas
do ato legislativo, aliados ao significado de cada texto para o conjunto.


No final da Idade Média, a então nascitura "ciência jurídica"
encontrava dificuldades na unificação dos comandos coercitivos, pois os
textos justinianeus, oriundos do direito romano, eram acompanhados de largo
material que dificultava a previsibilidade e a certeza necessárias ao
desenvolvimento das transações comerciais da burguesia emergente. O Corpus
Iuris Civilis, apresentava-se de modo desorganizado tornando difícil o
manuseio das fontes, possibilitando lacunas e contradições.[90]


Com a nova realidade política econômica e social a "ciência jurídica",
visando à previsibilidade e a certeza das relações burguesas, acopla-se ao
Estado de Direito, sedimentado na separação dos poderes, conforme o
pensamento de Montesquieu e se inclina ao modelo das codificações
oitocentistas, no afã de construir sistema jurídico perfeito, completo e
coerente cujo funcionamento deveria espelhar aquele de uma engrenagem
maquinaria, com diversas peças singulares que se conectam para formação de
uma unidade. Assim, solidificou-se o sistema fechado, onde o direito é
aquilo o que o código diz ser e a "hermenêutica da vontade do legislador",
típica da Escola da Exegese, aliada as construções lógico-formais da
jurisprudência dos conceitos, oriunda da Escola Pandectística alemã, que
possibilitava "a segurança do direito, de modo que o cidadão saiba com
certeza se o próprio comportamento é ou não conforme a lei"[91]. Assim,
afastava-se a liberdade do juiz de por normas extraindo-as de seu senso de
equidade, para garantir a onipotência do legislador.


Nessa senda, as expectativas de comportamento asseguradas pelo direito
eram aquelas espelhadas pela burguesia. A segurança jurídica garantia
apenas o input de uma cidadania restrita, lastreada no pensamento liberal-
burguês. Destarte, verifica-se que a "ciência jurídica" moderna se
desenvolve sob a perspectiva de uma razão subjetiva, formalizada, isto é,
sem nenhum critério racional imanente, que na verdade camufla um projeto de
poder e desenvolvimento do capital, assegurando a propriedade privada e o
mercado.


Conforme Max Horkheimer[92] a marca da racionalidade moderna está na
dissolução de qualquer tipo de razão objetiva e na instrumentalização de
todas as formas de conhecimento, que resulta no progressivo avanço da
técnica acompanhado de um intenso processo de desumanização que lhe é
inversamente proporcional. Atualmente a preocupação dos povos de nações
democráticas é por em prática os princípios de humanidade elaborados ainda
na modernidade, em nome dos quais foram feitos sacrifícios e guerras. O
atual "estado da arte" traz a sensação de que o conhecimento técnico
expande o horizonte da atividade e do pensamento humanos, bem como sua
autonomia enquanto indivíduo, mas que, de outro lado, diminui sua
capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de manipulação de
massas, seu poder de imaginação e sua capacidade de reflexão crítica e
juízo independente. Assim, o paradoxo da ciência se apresenta na imagem do
progresso que ameaça anular o que se supõe ser o seu próprio objetivo: a
idéia de homem.


A tentativa de definir o conceito de razão pode parecer tão óbvia
quanto obscura, a depender da qualidade do sujeito que lhe interroga. Para
o homem médio não há nada o que se indagar, uma vez que o conceito de razão
explica-se por si mesmo, coisas racionais são aquelas que se mostram úteis,
dotadas de uma finalidade que leva em conta a relação entre meios e fins.
Algo que não tem utilidade não seria racional, estaria, portanto no domínio
da estética, da ética ou da arte. A força que basicamente torna possível
uma ação racional é a faculdade de classificação, inferência e dedução, não
importando qual o conteúdo específico dessas ações, ou seja, racional é o
funcionamento abstrato do mecanismo de pensamento. Quando se diz que o
homem é um ser racional, o substrato é justamente esse, a capacidade de
utilização do pensamento para uma determinada finalidade, enquanto cada
animal possui um mecanismo típico que lhe garante a sobrevivência, como as
garras e presas dos mamíferos ou o veneno dos peçonhentos, ao homem foi
reservada a razão.


Conforme Max Horkheimer:


Esse tipo de razão pode ser chamado de razão subjetiva.
Relaciona-se essencialmente com meios e fins, com a
adequação de procedimentos a propósitos mais ou menos
tidos como certos e que se presumem auto-explicativos.
Concede pouca importância à indagação de se os propósitos
como tais são racionais. Se essa razão se relaciona de
qualquer modo com os fins, ela tem como certo que estes
são também racionais no sentido subjetivo, isto é, de que
servem ao interesse do sujeito quanto à autopreservação –
seja do indivíduo isolado ou da comunidade de cuja
subsistência depende a preservação do indivíduo.[93]


Entretanto, essa concepção de razão não é a mesma que perdurava até o
início do Iluminismo, durante muito tempo predominou a visão diametralmente
oposta do conceito. Os grandes sistemas filosóficos da antiguidade como os
de Platão e Aristóteles, bem como a filosofia escolástica e o idealismo
alemão foram fundados sobre uma teoria objetiva da razão. Sob a ótica
objetiva, se afirmava a existência da razão não só como uma mera faculdade
metal inerente ao sujeito, mas também dispersa no mundo. Assim, havia nas
relações entre os seres humanos e classes sociais, nas próprias
instituições sociais e na natureza como um todo, manifestações racionais. A
razão permeava uma totalidade dotada de hierarquia e composta por todos os
seres vivos, incluindo o homem e seus fins, sendo que o grau de
racionalidade da vida humana era determinado segundo a sua harmonização com
essa totalidade. Esta estrutura holística e objetiva determinava a
avaliação dos pensamentos e das ações individuais, sem que fosse excluída a
razão subjetiva, esta era considerada apenas uma expressão parcial e
limitada de uma racionalidade universal, da qual se derivavam os critérios
de medida de todos os seres e coisas.[94] Nessa perspectiva, o foco da
razão se coloca mais nos fins do que nos meios. Ao revés, para a razão
objetiva, o importante não é a coordenação entre o comportamento e
determinados fins, mas a relação entre os conceitos: Bem supremo, justiça e
felicidade e o modo de sua realização. Platão, por exemplo, idealizou a sua
República a fim de provar que aquele que vive segundo a razão objetiva
também vive uma vida feliz e bem sucedida.


Há uma diferença fundamental entre essa teoria, segundo a qual a razão
é um princípio inerente a toda realidade e a doutrina de que a razão é uma
faculdade subjetiva da mente. Segundo esta última, somente o sujeito pode
ter verdadeiramente razão, portanto não há existe algo racional de per se.
A crise atual da razão consiste no fato de que o pensamento se tornou
incapaz de conceber a objetividade em si, expurgando-a para domínios
estranhos à razão como a mitologia, a ética, a arte ou a política, de modo
que se passou a negá-la ou considerá-la uma ilusão. Esse processo terminou
por esvaziar de sentido o conceito de razão, transformando-a em invólucro
formal, pois na medida em que ela é subjetivada trona-se também formalizada
e manipulável.
A formalização da razão teve implicações teóricas e
práticas de longo alcance. Se a concepção subjetivista é
verdadeira, o pensamento em nada pode contribuir para
determinar se qualquer objetivo em si mesmo é ou não
desejável. A plausibilidade dos ideais, os critérios que
norteiam nossas ações e crenças, os princípios
orientadores da ética e da política, todas as nossas
decisões supremas, tudo isso deve depender de fatores
outros que não a razão. Presume-se que essas decisões
sejam assunto de escolha e predileção, tornando-se sem
sentido falar de verdade quando se fazem decisões
práticas, morais ou estéticas.[95]


Essa cisão da racionalidade também se manifestou no sistema jurídico
de pensamento, uma vez que antes da modernidade era forte a tradição do
direito natural, que desde o início buscava compreender leis imutáveis e
válidas em geral para a vida em comum de todos os homens, aptas a conduzir
os indivíduos na sociedade. Essa noção da "idéia geral do direito", bem
como do modo correto de realizá-la, foi arrancada da ciência jurídica em
virtude da sua carência metodológica e perdeu sua coerência devido ao
descompasso com a nova imagem de mundo formatada pelos arquétipos modernos.
Nesse contexto de crise geral de uma sensibilidade religiosa e política,
emerge o jusracionalismo fundado na razão subjetiva e voltado para
incansável interpretação dos textos.


Franz Wieacker nos mostra essa relação:


O próprio direito natural é, por um lado, uma questão
permanente do homem teórico acerca do seu lugar na
sociedade e, como tal, uma filosofia social; mas, por
outro lado é uma tradição cultural que se mantém desde os
inícios da filosofia helenística até a actualidade. Uma
exposição como a nossa só tem a ver com as manifestações
históricas dessa tradição que, desde o início, procurou as
leis imutáveis e válidas em geral da vida em comum dos
homens, sobretudo dos direitos e deveres dos indivíduos na
sociedade. Na verdade, esta tradição educou
continuadamente, tanto na antiguidade como na Idade Média,
os homens que determinaram a vida pública e a vida do
direito e, através disto, teve influência sobre a
realidade do Estado e do direito; no entanto, ela foi, na
maior parte dos casos, mantida e prosseguida, para além
das realidades vividas da organização do Estado ou do
direito, pela teologia e pela filosofia. Se as épocas de
ouro de uma cultura jurídica prática na plenitude de suas
tarefas espirituais e práticas (como a romano-clássica, a
da Baixa Idade Média e ainda a civilística alemã do séc.
XIX) julgaram sempre poder acreditar que a razão jurídica
por elas realizada não necessitaria da orientação ou mesmo
da correção proveniente de uma idéia geral de direito, já
a tradição do direito natural, por muito longe que esteja
do dia-a-dia do direito (e também da ciência jurídica, em
conseqüência das antigas fronteiras entre a jurisprudência
técnica e as faculdades do direito) é sempre chamada a
terreiro quando uma ordem jurídica histórico-concreta
perde sua persuasão, no plano do saber jurídico difuso na
sociedade, e sua plausibilidade espiritual e relação às
elites do seu tempo, como aconteceu nas lutas religiosas
do ínicio da Idade Moderna ou nas crises do recente
passado alemão.[96]




Como ressaltado, as consequências da instrumentalização e
formalização da razão foram nefastas para humanidade[97]. Duas guerras
mundiais foram declaradas com base no direito, Hitler e Stalin forma gênios
da engenharia social e do controle sobre o comportamento desviante.
Eichmann em Jerusalém traz um relato sobre a banalidade do mal, centenas de
pessoas forma envidas à morte de forma perfeitamente racional. A ciência
racional admitiu experimentos sem interrogar qual seria sua finalidade,
potencialidade e risco para humanidade e o consequente lógico apareceu em
Hiroshima e Nagasaki. Sob o império da razão a conservação dos recursos
naturais e a proteção do meio ambiente parecem não ter sentido, conceitos
como justiça, felicidade e qualidade de vida então longe de apresentar
normatividade, pois não existe nada de "racional" neles.


A ideia de razão objetiva[98] permeia a essência dos direitos humanos
nos dias atuais, construídos pelo consenso[99] das nações em torno do que
seria uma existência digna e quais os modos adequados de realizá-la em suas
múltiplas dimensões. Noutra perspectiva, segundo Lyotard, a razão pode ser
encontrada em diferentes jogos de linguagem com pretensão de verdade, isto
é, no saber narrativo que encontra possibilidades de legitimação ao passo
que mantém afinidade com os costumes. O bom e o verdadeiro encontram outras
probabilidades de verificação quando são admitidos no meio comunicativo
formado pelos interlocutores de determinada forma específica do saber que
não se restringe à ciência.


O saber não é a ciência, sobretudo em sua forma atual; e
esta, longe de poder ocultar o problema de sua
legitimidade, não pode deixar de apresenta-lo em toda a
sua amplitude, que não é menos sociopolítica que
epistemológica. [...] O saber em geral não se reduz à
ciência, nem mesmo ao conhecimento. O conhecimento seria o
conjunto dos enunciados que denotam ou descrevem objetos,
excluindo-se todos os outros enunciados, e susceptíveis de
serem declarados verdadeiros ou falsos. A ciência seria um
subconjunto do conhecimento. Feita também de enunciados
denotativos, ela imporia duas condições suplementares à
sua aceitabilidade: que os objetos aos quais eles se
referem sejam acessíveis recursivamente, portanto, nas
condições de observação explícitas; que se possa decidir
se cada um destes enunciados pertence ou não pertence à
linguagem considerada como pertinente pelos experts. Mas
pelo termo saber não se entende apenas, é claro, um
conjunto de enunciados denotativos; a ele misturam-se as
ideias de saber-fazer, de saber-viver, de saber-escutar
etc. Trata-se então de uma competência que excede a
determinação e a aplicação do critério único de verdade, e
que se estende às determinações e aplicações dos critérios
de eficiência (qualificação técnica), de justiça e/ou de
felicidade (sabedoria ética), de beleza sonora, cromática
(sensibilidade auditiva, visual) etc. Assim compreendido,
o saber é aquilo que torna alguém capaz de proferir "bons"
enunciados denotativos, mas também "bons" enunciados
prescritivos avaliativos... Não consiste numa competência
que abranja determinada espécie de enunciados, por
exemplo, os cognitivos, à exclusão de outros.[100]




De qualquer sorte, verifica-se que os direitos humanos em nível
global, assim como os direitos fundamentais em âmbito local, mantém uma
ordem diferenciada de comunicação em relação aos outros subsistemas
sociais, inclusive com o próprio sistema jurídico. Nessa concepção, esses
direitos surgem nos dizeres de Lhumann, contra "o perigo de
desdiferenciação[101]", servindo à "manutenção de uma ordem diferenciada de
comunicação". Assim, os direitos fundamentais são compreendidos como
"aquisição evolutiva da sociedade, envolvendo um uso linguístico inovador
vinculado às transformações revolucionárias ocorridas no início da era
contemporânea.[102]". Em outras palavras, pode-se dizer que os direitos
humanos e fundamentais respondem às exigências sociais de autonomia das
diversas esferas de comunicação e de discursos, permitindo que outros jogos
de linguagem, outras culturas e visões de mundo ingressem de forma plural
no discurso jurídico com pretensão normativa. Destarte, o que é essencial
nesses direitos é a sua estrutura diferenciada que permite a inclusão
jurídica da diferença[103]


Entretanto, essa concepção ainda não ecoa na doutrina majoritária,
que prefere aplicar burocraticamente um direito positivo, sem
questionamentos valorativos, argumentado sua prática numa pretensa
neutralidade e numa frágil percepção da legitimidade do Poder Judiciário,
que, na verdade, esconde um discurso de poder fechado para as manifestações
de uma cidadania pluralista. A lei de introdução às normas do direito
brasileiro (LINDB - Lei nº 12.376, de 2010) é um bom exemplo desse
fechamento estrutural, uma vez que pretende ditar fórmulas prontas para
solução de antinomias, apresentando ao intérprete um roteiro pronto de
"normas de sobre direito", cuja pretensão é imunizar o sistema jurídico de
eventuais interferências indesejadas.


Nesse sentido, Ricardo Aronne revela a neutralidade aparente:


As fórmula para solução de antinomias de 1º grau e
aparentes, atrelam o discurso de conformação do aplicador
a um roteiro axiomático, previamente costurado (em
fórmulas e equações sociais) pelo legislador, para
conduzir a decisão. O Código, enquanto sistema fechado,
busca imunizar o sistema jurídico do ambiente, "trazendo
condições ideais" para aplicação da lei como concebida no
seu texto. Busca, entropicamente, constituir-se um
subsistema.
Não fosse a abstração e o artificialismo, conducentes da
acumulação de riqueza desmedida e do abuso do poder
econômico, derivado do Estado ausente, mínimo, que lhe
sufraga condições de existência, poderia ser que o projeto
clássico do positivismo jurídico não tivesse soçobrado
ruidosamente, voltando neotravestido em um discruso de
globalização e impotência, entronizado pelo valor
econômico da eficiência. A interpretação do Direito é um
processo aberto às mais diversas influências cujo
intérprete esteja exposto. Situação econômica. Condição
Cultural. Estado de equilíbrio deste, desde a esfera
emocional até neurológica. Preconceitos. Pressões
diversas, com destaque para a mídia.
As normas jurídicas, na proposição tradicional, buscam um
isolamento disso, em relação à interpretação. Condições
ideais. Neutralidade. Condições inexistentes no palco da
vida. Palco cujo misoteísmo reduz ao cenário do mercado,
mas que é plural[104].



3 A Eclipse da Codificação


Como salientado, sob a perspectiva da razão subjetiva construiu-se
todo o sistema de ciência positiva do direito, cuja proposta era
estritamente "racional", ou seja, isento de qualquer "juízo de valor" que
pudesse levar a subjetivismos. A intenção dos positivistas era colocar a
ciência do direito a salvo de eventuais interferências da filosofia, da
sociologia e da política. O positivismo jurídico reduziu o direito a um
sistema puramente lógico-dedutivo, um conjunto de normas de comportamento
hierarquicamente organizadas, editadas pelo Estado soberano, segundo um
procedimento previamente definido e dotadas de coercibilidade. Isso
significou que a racionalidade do direito era encontrada na medida em que
se verificava a validade da norma através outra que lhe era superior, até
culminar na norma hipotética fundamental determinada pelo Poder Político
mais eficaz. Não se questionava se o conteúdo da norma era "racional", uma
vez que a razão não se manifestava na avaliação objetiva do comando
prescrito.


Pontes de Miranda, na genialidade que lhe era peculiar, subjetivou o
direito a tal ponto de transformá-lo em sujeito lógico, reduzindo a
existência humana ao predicado. No seu sistema puramente "lógico" a regras
marcam o que há de se considerar jurídico e, por exclusão, o que não há de
ser jurídico. A incidência da regra jurídica sobre o mundo dos fatos é o
que torna um fato jurídico, isto é, somente os fatos da vida que interessam
ao direito se tornam jurídicos. A personalidade humana, portanto, deve ser
moldada conforme o interesse do direito.
O direito, na escolha dos fatos que hão de ser regrados
(=sobre os quais incide a regra), deixa de lado, fora do
jurídico, muitos fatos, que a alguns observadores e
estudiosos parecem dignos de regulação; mas esse
julgamento dos técnicos do direito, ou dos não técnicos,
por mais procedente que seja, só se pode passar no plano
político, moral ou científico, e nenhuma influência pode
ter na dogmática jurídica. Enquanto a regra se não
transforma em regra jurídica, isto é, enquanto não se faz
incidível, cabe a crítica; não depois. Só o direito separa
os fatos que ele faz serem jurídicos, precisando linhas
entre o jurídico e o aquém ou além do jurídico (não-
jurídico), como tira, ou acrescenta, ou altera alguns
desses fatos para os fazer jurídicos; de modo que, ainda
no tocante aos fatos do suporte fático das regras
jurídicas, o direito procede a esquematização do mundo
físico, a fim de o fazer, até certo ponto e dentro dos
limites precisos, jurídico (princípio da esquematização do
fático).[105]


O homem é considerado pelo direito como um abridor de cartas, isto é,
uma lâmina própria para abrir envelopes. Essa lâmina nasceu das mãos de um
artesão que teve a idéia de criar uma ferramenta e sabia quais as
qualidades eram necessárias para criá-la: afiado o suficiente para cortar o
papel, mas não a ponto de ser perigoso; fácil de manejar, feito de
substância apropriada (metal, bambu ou madeira, talvez, mas não manteiga ou
cera) e talhado para cortar de maneira eficaz. A metáfora de Sartre nos
traz a imagem de um ser humano dotado de uma essência universal que deve
modular seu comportamento segundo as regras da física social. Assim, todos
os seres humanos existem para ocupar um lugar na sociedade: pai de família,
contratante, testador, herdeiro etc. e desempenhar determinadas atividades
que interessam ao direito: atos jurídicos, negócios jurídicos, trabalho,
atividade empresarial.




Sob essa perspectiva o Código Civil brasileiro de 2002 inicia sua rede
de determinações pelo conceito de pessoa: "Art. 1º Toda pessoa é capaz de
direitos e deveres na ordem civil". Isso significa que pessoa é o ente
dotado de personalidade, critério que apenas individualiza um ser em
detrimento de outros[106]. Pessoa é, portanto, o titular de direito e o
destinatário de obrigações, sendo certo que os direitos e obrigações
pertencem ao direito objetivo previamente determinado. Logo, quem não se
encaixa nas prescrições do direito posto não é pessoa. Apenas um
fantasma[107].


Essas situações jurídicas tipo definidas pelo Código Civil, denotam
condições ideais para a incidência de uma regra que muitas vezes funcionam
adequadamente e reduzem a complexidade social, dando uma resposta coerente
ao jurisdicionado e pacificando um conflito. De outro lado, também geram
exclusão social por não preverem uma proteção adequada àqueles que não se
amoldam aos tipos ideais.


O "novo" Código Civil brasileiro, apesar de pontuais inovações na
unificação do direito das obrigações e na técnica legislativa das cláusulas
gerais, trata personalidade como sinônimo de capacidade jurídica; em total
descompasso com a rede axiológica supra legal, uma vez que mantém a mesma
racionalidade patrimonialista, tutelando o ter, ao invés do ser.


As bases do Código Biviláqua são francamente mantidas pelo
Projeto do novo Código, cujo racionalismo não altera o do
Código de 1916, ou seja, ele tem o mesmo racionalismo
patrimonialista, o qual não mais se observa nos corpos
legislativos contemporâneos, de racionalidade bem diversa,
mais voltada à concretização do princípio da dignidade da
pessoa humana, como o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor ou o
Estatuto da Cidade. Nestas, é priorizada a
existencialidade frente à pertença, na racionalidade
impressa pela Constituição de 1988.
Não obstante, o Projeto do Código Civil mantém a mesma
arquitetura dos códigos oitocentistas; adotando a teoria
dualista, divide o direito patrimonial em esferas de
relações jurídicas reais e pessoais, como é próprio dos
códigos que iniciam com a sua Prte Geral e conseguem
reduzir a pessoa humana a um sujeito de uma relação
abstrata de sujeito titualr, remetendo à ausência os não
titulares. Tutela o ter, em detrimento do ser, o que lhe
traz substanvial inconstitucionalidade, na ausência de um
reedificante (porém possível) interpretação conforme os
valores e direitos fundamentais, de impreciso e
dificultoso trânsito para leituras despreocupadamente
formais[108].


A codificação civil deixou de positivar alguns princípios e diretrizes
hermenêuticas de tutela da pessoa humana, ao contrário do realizado em
outros diplomas como o Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Cidade,
Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, o que
impossibilita a tutela de vulneráveis e retira a maleabilidade do sistema
para proteger situações não previstas pelo ordenamento jurídico.


Nesse sentido, Gustavo Tepedino esclarece:


Se o século XX foi identificado pelos historiadores como
a Era dos direitos, à ciência jurídica resta uma sensação
incomoda, ao constatar sua incapacidade de conferir plena
eficácia ao numeroso rol de direitos conquistados. Volta-
se a ciência jurídica à busca de técnicas legislativas que
possam assegurar uma maior efetividade aos critérios
hermenêuticos. Nesta direção, parece indispensável, embora
não suficiente, a definição de princípios de tutela da
pessoa humana, como tem ocorrido de maneira superabundante
nas diretivas européias e em textos constitucionais, bem
como sua transposição na legislação infraconstitucional. O
legislador percebe a necessidade de definir modelos de
conduta (Standards) delineados à luz dos princípios que
vinculam o intérprete, seja nas situações jurídicas
típicas, seja nas situações não previstas pelo
ordenamento. Daqui a necessidade de descrever nos textos
normativos (e particularmente nos novos códigos) os
cânones hermenêuticos e as prioridades axiológicas, os
contornos da tutela da pessoa humana e os aspectos
centrais da identidade cultural que se pretende proteger,
ao lado de normas que permitem, do ponto de vista de sua
estrutura e função, a necessária comunhão entre o preceito
normativo e as circunstâncias do caso concreto.[109]


Ademais, verifica-se pela análise de jurisprudência, que mesmo nos
casos dos microssistemas e em alguns casos de ponderação e aplicação
horizontal dos direitos fundamentais, a racionalidade moderna ordenadora e
determinista ainda persiste. Os princípios e os valores inseridos no texto
da Constituição da República são extremamente abstratos, dotados de uma
linguagem abstrata e textura aberta, como ressalta Robert Alexy[110] e para
ganharem normatividade necessitam da densidade proporcionada pelo
procedimento hermenêutico, entretanto, a doutrina[111] ainda tenta
justificar esse processo com base na jurisprudência ou em alterações
históricas que nela se manifestam. Um olhar para a sociologia nos revela
que o processo de expansão e afirmação de direitos tem origem na cidadania,
sempre em movimento. Considerando que a cidadania e o pluralismo são
fundamentos da República (Art. 1º, incisos, II e IV, respectivamente), cabe
ao jurista ouvir, para então verificar as possibilidades de restrições
diretamente constitucionais, as colisões, as possibilidades fáticas e a
proteção do núcleo essencial dos direitos e bens jurídicos tutelados.



Pluralismo de fontes 2 fase da Constitucionalização do D.PRIV. –
felexibilização entre público e privado – direito ambiental, econômico,
administrativo, penal (família), consumidor, urbanístico – aumento da
especialidade técnica - multiculturalismo



4 Pluralismo e Hermenêutica da Alteridade



Aplicação do direito se desloca para o caso concreto, fim da metafísica do
ser (abstrato), inicío do pensiero debole (ductibilidade) – igualdade e
diferença – a hermenêutica deve identificar o desequilíbrio da relação de
fato para aferir o nível de intervenção estatal na relação jurídica



5. Dos limites e restrições à Cidadania

-----------------------
[1] Cf. CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid:
Trotta, 2003. SARMENTO, Daniel. E SOUZA NETO, Claudio Pereira de. (org.) "A
constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações
Específicas". Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. BARROSO, Luis Roberto.
"Interpretação e Aplicação da Constituição". 7ª Ed. São Paulo: Saraiva,
2009. __. "Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito
constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crpitica e pós-
positivismo)". In: BARROSO, Luis Roberto. "Temas de Direito Constitucional
- Tomo II. 2ª Ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2009. CANOTILHO, José Joaquim.
Gomes. "Direito Constitucional e Teoria da Constituição". 7ª Ed. Portugal,
Coimbra, Almedina, 2003. SARLET, Ingo Wolfgang. " A Eficácia dos Direitos
Fundamentais". 10ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. ALEXY,
Robert. "Teoria dos Direitos Fundamentais". São Paulo: Malheiros, 2008.
[2] A depender do modelo de Estado observado (americano ou europeu) nota-se
maior ativismo no controle de constitucionalidade pelos juízes, o que não
desqualifica a hegemonia do legislador.

[3] Aptidão para produzir efeitos.

[4] Expressão utilizada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em entrevista
concedida ao Jornal Valor, de 18.10.2007, publicada sob o título "A
revolução silenciosa no Supremo Tribunal Federal".


[5] ADPF 186 e RE 597.285/RS.

[6] VIANNA, Luiz Werneck et al. A Judicialização da política e das relações
sociais no Brasil, 1999, p.15. A juridicização das relações sociais denota
o sentido de intensa regulação/institucionalização das relações sociais, ou
seja, as diferentes relações sociais apresentam acentuado teor jurídico ou
podem ser conduzidas a ele por meio dos conceitos de direitos humanos e
fundamentais. Na linguagem jurídica, a juridicização decorre da incidência,
ou seja, o efeito da norma jurídica de transformar os fatos, estados e
interesses sociais em direitos subjetivos com assento constitucional.
Assim, juridicizar significa tornar jurídico, ou seja, permitir a entrada
de certo evento, ação, estado ou interesse no sistema jurídico e atribuir
os efeitos deontológicos inerentes.
[7] Cf. MARSHALL, Thomas. Cidadania, classe social e status. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1967, p.62.

[8] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10ª Ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 167____. Mínimo Existencial e
Direito Privado: Apontamentos sobre algumas dimensões da possível eficácia
dos direitos fundamentais sociais no âmbito das relações jurídico-privadas.
In: SOUZA NETO, Claudio Pereira de. & SARMENTO, Daniel. (org.). A
constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações
Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. TRORRES, Ricardo Lobo. O
direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. SARLET, Ingo
Wolfgang. (Org.). Dimensões da dignidade. Ensaios de Filosofia do Direito e
Direito Constitucional, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 88-89.
[9] Cf. SARLET. Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma
teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª
Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
[10] DAHRENDORF, Ralf. Citizenship and beyond: The social dynamics of an
Idea. Disponível em:
http://www.jstor.org/discover/10.2307/40970203?uid=3737664&uid=2134&uid=2&ui
d=70&uid=4&sid=21104418508063 acessado em: 02.07.2014.
[11] CF. BOTTOMORE, Tim. MARSAHAL, T.H. Citizenship and social Class.
London: Pluto Press, 1992, p. 65.
[12]CANOTILHO, José Joaquim. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7ª Ed. Portugal, Coimbra, Almedina, 2003, p. 693.

[13]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª
Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 46.
[14]CANOTILHO, José Joaquim. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7ª Ed. Portugal, Coimbra, Almedina, 2003, p.1150.
[15].SARMENTO, Daniel. E SOUZA NETO, Claudio Pereira de. (org.) A
constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações
Específicas. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2007, p.113.
[16]"A publicização do Direito Privado, com uma maior intervenção estatal
nas relações privadas; a constitucionalização do Direito Privado, com a
absorção de matérias privadas na Constituição e a necessária leitura de
todo o Direito Privado à luz dos ditames constitucionais e, enfim, a
repersonalização do Direito, que restaurou a primazia da tutela da pessoa
em função da consagração da dignidade da pessoa humana como valor fundante
das ordens jurídicas, são os fenômenos que importaram na mudança
paradigmática que efetivamente recoloca a pessoa enquanto ser dotado de
dignidade como sendo a finalidade e a função dos ordenamentos jurídicos"
CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da Personalidade: Disponibilidade
relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto Alegre: 2008.
[17] FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a
constitucionalização do direito privado. In. SARLET, Ingo Wolfgang.
Constituição Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010, p.48.
[18] Nesse sentido, a (re)personalização do direito civil traz,
necessariamente, um conjunto de valores concretizadores como: a justiça
distributiva, igualdade, liberdade, solidariedade, segurança etc. os quais
serão funcionalizados numa hermenêutica sistemática em prol do
desenvolvimento da pessoa e do seu projeto de felicidade. Atividade que
demanda uma nova concepção de sistema jurídico aberto, que densifica
valores através de princípios gerais, especiais, especialíssimos, até que
se chegue a norma individual para o caso concreto. Por vezes ela se
desenvolve heuristicamente, isto é, por meio de atalhos mentais, resultando
em subsunção, mas não raras às vezes necessita de permanente reconstrução e
ressignificação de modo a acompanhar a volatilidade das relações sociais.
Destarte, nas lições de Ricardo Aronne: "As normas não se fundam nelas
mesmas, carecendo de valores para dar-lhes sentido. Por certo os valores
também precisarão de valoração em concreto para fazerem sentido, porém ao
serem incorporados pelo sistema jurídico (perceba-se em expresso no
preâmbulo da constituição) traduzem limites ao intérprete nos conteúdos
possíveis do sistema, que se objetivam nas escolhas normativas que o
conformam." ARONNE, Ricardo. Uma genealogia civil-constitucional da
pertença e do pertencimento: O domínio e as titularidades entre a razão e a
fé. Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2455
Acessado em: 22/08/2014.


[19] Cf. ADORNO, Teodoro W.; HORKHEIMER, Marx. Dialética do Esclarecimento.
Rio de Janeiro: J. Zahar, 1988.
[20] Cf. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública:
investigações sobre uma categoria da sociedade burguesa. São Paulo: Editora
Unesp, 2014, p.96
[21] Cf. VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 12ª Ed. Rio
de Janeiro: Difel, 2002, Capítulo III.
[22] Com o surgimento da polis a palavra se torna o principal instrumento
de dominação e poder, torna-se o instrumento político por excelência, chave
de toda a autoridade e comando. "Esse poder da palavra – de que os gregos
farão uma divindade: Peithó, a força da persuasão – lembra a eficácia das
palavras e das fórmulas em certos rituais religiosos, ou o valor atribuído
aos ditos do rei quando pronuncia soberanamente themis; entretanto, trata-
se na realidade de coisa bem diferente. A palavra não é mais o termo
ritual, a fórmula justa, mas o debate contraditório, a discussão, a
argumentação. Supõe um público ao qual ela se dirige como a um juiz que
decide em última instância, de mãos erguidas, entre os dois partidos que
lhe são apresentados; é essa escolha puramente humana que mede a força de
persuasão respectiva dos dois discursos, assegurando a vitória de um dos
oradores sobre seu adversário. VERNANT, Jean-Pierre. As origens do
pensamento grego. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Difel, 2002, p. 54.
[23] HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações
sobre uma categoria da sociedade burguesa. São Paulo: Editora Unesp, 2014,
p.98.
[24] AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: O poder soberano e a vida nua I. 2ª Ed.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 10.
[25]Cf. GILSSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Ed.
Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 127.
[26] GILSSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Ed. Fundação
Calouste Gulbenkian, 1995,p. 128.
[27] Em virtude da forma absolutista que era exercido o poder do suserano,
pode-se dizer que na era medieval houve certa "absorção do público sobre o
privado", derivada da primazia da propriedade territorial sobre os demais
institutos políticos, econômicos e jurídicos. Nas palavras de Eugênio
Facchini Neto: "Isso porque os senhores feudais exerciam verdadeira função
pública sobre todos os habitantes de seus feudos (vassalos e servos da
gleba), uma vez que estabeleciam regras obrigatórias, impunham e
arrecadavam tributos, julgava seus servos e executavam as decisões. Ou
seja, de certa forma, do direito de propriedade derivava o poder político e
o prestígio social. – FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-
evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET,
Ingo Wolfgang. (org.) Constituição, direitos fundamentais e direito
privado.3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.41.
[28] HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações
sobre uma categoria da sociedade burguesa. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
P. 100-110.
[29] A partir do final da idade média o poder privado começa a surgir nos
moldes que hodiernamente ele se apresenta, de tal sorte que o privado
começa a invadir e funcionalizar o espaço público, sem eliminá-lo, mas
dominando-o: "(pois interessava à burguesia emergente o fortalecimento da
monarquia nacional, já que um governo centralizado e único tenderia a
favorecer o desenvolvimento do comércio, reduzindo as barreiras
alfandegárias, as múltiplas moedas, etc.), mas também com uma
funcionalização do privado ao público (já que igualmente interessava ao
monarca o fortalecimento da burguesia, de quem se cobravam tributos cada
vez maiores, e de quem aquele obtinha empréstimos para financiar suas
campanhas militares e outros empreendimentos régios" - FACCHINI NETO,
Egênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do
direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (org.) Constituição, direitos
fundamentais e direito privado.3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2010, p.41.
[30]Nas lições de AGAMBEN o soberano é um ente paradoxal, que está dentro e
fora do ordenamento jurídico, pois ele é, de fato, aquele que tem o poder
de proclamar o estado de exceção e de suspender a validade do ordenamento
jurídico. Assim, a decisão do soberano está fora e pertence à norma. Nas
palavras de SCHMITT: "O soberano cria e garante a situação como um todo na
sua integridade. Ele tem o monopólio da decisão última. Nisto reside a
essência da soberania estatal, que, portanto, não deve ser propriamente
definida como monopólio da sanção ou poder, mas como monopólio da decisão,
onde o termo decisão é usado em um sentido geral que deve ser ainda
desenvolvido." Apud AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: O poder soberano e a vida
nua I. 2ª Ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 23.
[31] No que se refere ao ordenamento jurídico institucionalizado "O estado
de exceção não é, portanto, o caos que precede a ordem, mas a situação que
resulta da sua suspensão. Neste sentido, a exceção é verdadeiramente,
segundo o étimo, capturada fora (ex-capere) e não simplesmente excluída.
Que o ordenamento jurídico-político tenha a estrutura de uma inclusão
daquilo que é, ao mesmo tempo, expulso, tem sido frequentemente observado.
Deleuze pôde assim escrever que "a soberania não reina a não ser sobre
aquilo que é capaz de interiorizar" (DELEUZE, 1980, p. 445)." - AGAMBEN,
Giorgio. Homo sacer: O poder soberano e a vida nua I. 2ª Ed. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 24.
[32] Idem. p. 35.

[33] Nesse sentido, Alexandre Morais da Rosa e Salah H. Khaled Jr.
Desconstroem a ideia de neutralidade na atuação dos intérpretes em texto
intitulado: O complexo de Münchhausen (no Juiz) e o show do direito.
Disponível em: http://justificando.com/2014/06/24/o-complexo-de-munchhausen-
juiz-e-o-show-direito/ acessado em: 21/07/2014.

[34] Cf. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro:
Zahar, 1999.
[35] WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3ª ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 288.
[36] Cf. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro:
Zahar, 1999, p. 11.
[37] A palavra bando é utilizada no sentido dado por AGNBEM, como
supracitado.
[38] Durante o século XVII o mercantilismo passa a dar significado às
relações sociais instaurando uma articulação circular que faz da moeda o
instrumento de representação e de análise de riquezas e das riquezas o
conteúdo representado pela moeda. As riquezas se desenvolvem como objeto
das necessidades e dos desejos; dividem-se e se substituem umas às outras,
num jogo de espécies monetizadas que as significam; e as relações
recíprocas entre moeda e riqueza se estabelecem na forma de circulação e
das trocas. Assim, toda riqueza é monetizável e, portanto, colocada em
circulação. Da mesma forma, todo ser natural era caracterizável e poderia
se enquadrar numa classificação (taxinomia), todo indivíduo era nomeável e
podia entrar numa linguagem articulada, toda representação era significável
e podia entrar, para ser conhecida, num sistema de identidades e diferenças
– Cf. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das
ciências humanas. 8ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 227. Nesse
sentido, buscava-se catalogar dentre as coisas no mundo quais eram objetos
de desejo, isto é, aquelas marcadas pela necessidade, ou pela utilidade,
pelo prazer ou pela raridade, para então representá-las com um instituto e
colocá-los em circulação. Esse tráfego também era o objeto do direito que
tutelava a família, propriedade, os contratos e as sucessões.
[39] Num primeiro sentido ou dimensão, Ingo Wolfgang Sarlet mostra que a
dignidade traduz uma qualidade intrínseca da pessoa humana que é
irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser
humano como tal. Essa dimensão ontológica traz consigo a noção de igualdade
em dignidade, isto é, o fato de todos os seres humanos serem dotados de
razão e consciência representa o denominador comum a todos os homens,
assim, mesmo o criminoso mais infame não poderá ter essa qualidade
descaracterizada. Numa segunda dimensão, a dignidade humana se apresenta na
intersubjetividade, os seja, na relação básica do ser humanos com os
demais, implicando na obrigação geral de respeito pela pessoa, sendo dever
de todos (inclusive do Estado) tratar a todos com igual consideração e
respeito. Na base destas duas dimensões está a ideia central de
autodeterminação, consciente e responsável da própria vida, Günter Dürig
afirma que a dignidade da pessoa humana consiste no fato de que "cada ser
humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza
impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se
consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como de formatar
a sua existência e o meio que o circunda". No mesmo sentido Dieter Grim
sustenta que "a dignidade, na condição de valor intrínseco do ser humano,
gera para o indivíduo o direito de decidir de forma autônoma sobre seus
projetos existenciais e felicidade e, mesmo onde esta autonomia lhe faltar
ou não puder ser realizada, ainda assim ser considerado e respeitado pela
sua condição humana". - Cf. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da
Dignidade – Ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.20.
[40] Cf. Felipe de. A (de)limitação dos direitos fundamentais. Porto
Alegre: Livraria doAdvogado,2010. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos
Fundamentais: Conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros, 2009, CANOTILHO, José Joaquim. Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. 7ª Ed. Portugal, Coimbra, Almedina, 2003 e MENDES,
Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo:
Saraiva, 2009.
[41] Utiliza-se o termo ontologia para denominar a atividade intelectual do
operador do direito que identifica nos conceitos jurídicos estruturas
objetivo-metafísicas existentes independentemente dos sujeitos e das
condições determinantes de espaço e tempo. Não obstante a validade dessa
postura, verfica-se que ela se dirige a manutenção do status quo, isto é,
mantém as coisas como elas estão. Trata-se de um "dever-ser" que elimina a
diferença e representa a antítese da autodeterminação do indivíduo. Nesse
sentido, Eduardo Lufut distingue Platão ou platonismo: "Mesmo com toda a
influência exercida pela assim­chamada Escola de Tübingen, seguida e
aprofundada pela Escola de Milão, nas leituras da obra platônica ,
permanecemos reféns da interpretação clássica que enfatiza, sobretudo, uma
leitura dualista da teoria das ideias como o cerne da ontologia platônica.
A esta leitura típica associo a posição filosófica denominada platonismo, e
a defino como aquela que afirma a existência objetiva de entidades ou
estruturas a que se pode atribuir de modo exclusivo as notas caraterísticas
do Uno, quer dizer, invariância, determinação e identidade, entidades ou
estruturas às quais, portanto, sendo verdadeira esta atribuição, não se
pode atribuir de modo algum as notas características do Múltiplo, variação,
subdeterminação e diferença (no sentido forte do termo, como "emergência do
novo" ). É esta posição que temos em mente, por exemplo, quandodenominamos
de platonismo à posição teórica que defende, em filosofia da matemática,
"oponto de vista metafísico de que há objetos matemáticos abstratos cuja
existência independe de nós ou de nossa linguagem, pensamento e práticas" –
LUFT, Eduardo. Platão ou platonismo: Um tópico em dialética descendente.
Disponível em:
https://ideiadacoerencia.files.wordpress.com/2014/07/platc3a3o-ou-
platonismo-enviado-rohden-em-29_11-e-publicado-academia.pdf. Acessado em:
28.12.2014.

[42] Na ante-sala do jurídico encontra-se o homo sacer, ser humano que é
pessoa, mas não é sujeito de direitos. Ele é Incluído no ordenamento
jurídico por meio da exclusão, pois ao mesmo tempo em que lhes é garantida,
pela Constituição, a dignidade, a liberdade e o mínimo existencial
necessário ao desenvolvimento de sua personalidade, lhes são negados os
direitos no plano infraconstitucional, permanecendo num limiar de
indiferença. Somente aqueles dotados de uma vida qualificada bíos,
encontram reais possibilidades de exercer uma cidadania plena. Segundo
Agamben " A política, na execução da tarefa metafísica que a levou a
assumir sempre mais a forma de uma biopolítica, não conseguiu construir a
articulação entre zoé e bíos, entre voz e linguagem, que deveria recompor a
fratura. A vida nua continua presa a ela sob a forma de exceção, isto é, de
alguma coisa que é incluída somente através de uma exclusão. Como pe
possível politizar a doçura natural da zoé? E, antes de tudo, tem ela
verdadeira necessidade de ser politizada ou o político já está contido nela
como seu núcleo mais precioso? A biopolítica do totalitarismo moderno de um
lado, a sociedade de consumo e do hedonismo de massa de outro constituem
certamente, cada uma a seu modo, uma resposta a essas perguntas. Até quem
todavia, uma política integralmente nova – ou seja, não mais fundada sobre
a exceptio da vida nua – não se apresente, toda teoria e toda praxe
permanecerão aprisionadas em um beco sem saídas, e o belo dia da vida só
obterá cidadania política através do sangue e da morte ou na perfeita
insensatez a que condena a sociedade do espetáculo." - AGANBEM, Giorgio.
Homo sacer: O poder soberano e a vida nua I. 2ª Ed. Belo Horizonte: Eidtora
UFMG, 2012, p.18.


[43] Cf. TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do novo código civil: estudos na
perspectiva civil-constitucional. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
[44]FACHIN, Luiz Edson. RUZYK, Eduardo Pianovski. Um projeto de Código
Civil na contramão da Constituição. In: Revista trimestral de Direito Civl.
Rio de Janeiro: Editora Padma, 2001, vol. 7, p.243.
[45] Atualmente, não há como se aplicar o direito de forma válida sem que
se faça alusão à Constituição da República, além das grandes questões, ela
também influência a resolução de pequenos conflitos; é invocada em quase
todas as disputas judiciais, no Congresso Nacional, na doutrina
especializada dos diversos ramos do direito e, até mesmo, para encampar
bandeiras ideológicas. A ideia de supremacia da Constituição atravessa o
seu próprio conceito polissêmico, analisada sob seus aspectos formais
verifica-se que é a lei fundamental do Estado brasileiro, situada no ápice
do ordenamento jurídico, conferindo validade a todas as outras espécies
normativas. "Na qualidade de norma primária sobre a produção jurídica a
Constituição tem importantes funções: (1) identifica as fontes do direito;
(2) estabelece os critérios de validade e eficácia de cada uma das fontes;
(3) determina a competência das entidades que revelam normas de direito
positivo" –Cf. CANOTILHO, José Joaquim. Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. 7ª Ed. Portugal, Coimbra, Almedina, 2003, p. 693.
[46] Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2008, SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos
Fundamentais. 10ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, CANOTILHO,
José Joaquim. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª
Ed. Portugal, Coimbra, Almedina, 2003 e MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de
Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
[47] TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais e Direito Civil na
Construção Unitária do Ordenamento Jurídico. In. .SARMENTO, Daniel. E SOUZA
NETO, Claudio Pereira de. (org.) A constitucionalização do Direito:
Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro:Lumen Juris,
2007, p. 316.
[48] Cf. FACHIN, Luiz Edson. RUZYK, Eduardo Pianovski. Um projeto de Código
Civil na contramão da Constituição. In: Revista trimestral de Direito Civl.
Rio de Janeiro: Editora Padma, 2001, vol. 7, p.245.
[49] CARVALHO, Orlando de. A teoria geral da relação jurídica: Seu sentido
e seus limites. Apud FACHIN, Luiz Edson. RUZYK, Eduardo Pianovski. Um
projeto de Código Civil na contramão da Constituição. In: Revista
trimestral de Direito Civl. Rio de Janeiro: Editora Padma, 2001, vol. 7,
p.246.
[50] ADORNO, Teodoro W.; HORKHEIMER, Marx. Dialética do Esclarecimento. Rio
de Janeiro: J. Zahar, 1988.
[51] Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6ªEd. São Paulo:
Martins Fontes, 2012, p. 791.
[52] Idem, p. 910.
[53] VATTIMO, Gianni. A idade da interpretação. In: RORTY, Richard;
VATTIMO, Gianni. O futuro da religião: solidariedade, caridade, ironia.
Rio de janeiro: Relume Dumará, 2006.
[54] Cf. LARENZ, karl. Metodologia da Ciência do Direito. 5ª ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1983 p.23.
[55] BITTAR, Eduardo C.B. O direito na pós-modernidade. 2º Ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 34/36.
[56] Cf. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 7. e LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedade. México:
Herder/Universidad Iberoamericana, 2007, p. 745/821.
[57] Idem.
[58]O termo eticidade é utilizado no significado de moral compartilhada por
determinado grupo.
[59] Cf. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 8.
[60] Idem.
[61] LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedade. México:
Herder/Universidad Iberoamericana, 2007.
[62] Nesse sentido, Marcelo Neves nomeia este fenômeno de "alopoiese", ou
seja, reprodução hetero-referente dos subsistemas sociais, onde a lógica de
um sistema passa a determinar a reprodução de outro, impedindo a
diferenciação funcional. "Essas observações gerais sobre a modernidade
periférica como modernidade negativa tornam-se, sobretudo relevantes quando
se considera especialmente o problema dos obstáculos à realização do Estado
Democrático de Direito. A partir da sociedade envolvente, os sistemas
jurídico e político são bloqueados generalizadamente na sua autoprodução
consistente por injunções heterônomas de outros códigos e critérios
sistêmicos, assim pelos particularismos difusos que persistem na ausência
de uma esfera pública pluralista. No interior do Estado, por sua vez,
verificam-se intrusões destrutivas do poder na esfera do direito. Em face
da sociedade como contexto do Estado, pode-se falar de alopoiese social do
direito por força da prevalência de outros códigos sobre o código
lícito/ílicito. Isso significa que não estão definidas claramente as
fronteiras de uma esfera de juridicidade. Não só a preferência ter/não-ter
atua no sentido de impedir a reprodução sistemicamente consistente do
direito. De fato, em decorrência dos grandes abismos de rendimento entre as
camadas sociais, o código econômico reproduz-se hipertroficamente,
implicando privilégios e exclusões ilegais." – NEVES, Marcelo. Entre Têmis
e Leviatã: Uma difícil relação. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,
p.239.
[63] Para o homem medieval a ciência representa exclusivamente a procura do
que na autoridade das fontes é tido como verdade. Já na segunda parte do
século XIV e especialmente no século XV ocorre uma alteração. O
conhecimento dirige-se para compreender a realidade das coisas e busca por
meio da razão atingir uma opinião criticamente fundamentada. Isso vale para
a natureza que passa a ser objeto de experiências, para tradição, que passa
a ser compreendida pela história, fundada sobre outras fontes, bem como
para a vida em sociedade que passa a ser catalogada e estruturada pelo
Estado e pelo Direito. O mesmo se passa na economia que se libera das
proibições da usura determinadas pela Igreja e na política que se liberta
da autoridade divina. Cf. GUARDINI, Romano. O fim da idade moderna: em
procura de uma orientação. Lisboa: Edições 70, 1995, p.33.
[64] Cf. GUARDINI, Romano. O fim da idade moderna: em procura de uma
orientação. Lisboa: Edições 70, 1995, p.35.
[65] Idem p. 37.
[66] GUARDINI, Romano. O fim da idade moderna: em procura de uma
orientação. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 33.
[67] PEREIRA, Luís Fernando Lopes. Razão (crítica) moderna e direito: Por
uma mentalidade jurídica
emancipatória.Disponível:http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/man
aus/direito_racion_democ_luis_l_pereira.pdf. Acessado em: 21/08/2014.
[68] O contexto histórico de emancipação da vontade do sujeito é marcado
pela consolidação do liberalismo, em substituição a economia moral (que era
paternalista e assistencialista ligada às corporações de ofício, onde eram
controlados qualidade, quantidade e preço justo), levando o capitalismo
agrário e a afirmação da propriedade e do lucro. Daí a relação entre
liberdade moderna e propriedade, o constratualismo só permitia relações de
troca entre sujeitos livres e detentores de bens, únicos sujeitos capazes
de exprimir a vontade livre e assumir obrigações.
[69] Idem p. 37.
[70] Cf. BAUMAN. Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro:
Zahar, 1999, p. 29.
[71] Apesar dos grandes avanços tecnológicos herdados, o processo de
dominação e instrumentalização da natureza intimamente ligado ao
cientificismo e à acumulação capitalista, também legou um cenário de
devastação ambiental, de exploração do homem pelo homem, guerras, fome e
miséria, os quais são confortados pela indústria cultural de bens e
serviços. Na visão Arnol Gehlen o "progrsso torna-se rotina": as
capacidades humanas de dispor tecnicamente da natureza se intensificaram a
tal ponto que, enquanto novos resultados sempre se tornarão alcançáveis, a
capacidade de disposição e planejamento os tornará cada vez menos "novos".
Na sociedade de consumo a contínua renovação de roupas, utensílios,
automóveis etc. é fisiologicamente requerida para pura e simples
sobrevivência do sistema; a novidade nada tem de "revolucionário" e
perturbador, ela é o que permite que as coisas prossigam do mesmo modo.
Destarte, o ideal de progresso torna-se vaizio, seu valor final é o de
realizar condições em que sempre seja possível um novo progresso. Cf.
VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: Niilismo e hermenêutica na cultura
pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 13.
[72] Idem. p. 42.
[73] República, I, 10, p.306. Apud BARROS, Alberto Ribeiro de. A Teoria da
Soberania de Jean Bodin. São Paulo: Unimarco, 2001, p. 240.
[74] Cf. AGANBEM, Giorgio. Homo sacer: O poder soberano e a vida nua I. 2ª
Ed. Belo Horizonte: Eidtora UFMG, 2012, p.23.
[75] Cf. PEREIRA, Luís Fernando Lopes. Razão (crítica) moderna e direito:
Por uma mentalidade jurídica
emancipatória.Disponível:http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/man
aus/direito_racion_democ_luis_l_pereira.pdf. Acessado em: 21/08/2014.
[76] AGANBEM, Giorgio. Homo sacer: O poder soberano e a vida nua I. 2ª Ed.
Belo Horizonte: Eidtora UFMG, 2012, p.24.
[77] Cf. BAUMAN. Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro:
Zahar, 1999
[78] BAUMAN. Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar,
1999, p. 16.
[79] Idem. p. 32.
[80] Lyotard esclarece que a ciência tenta fixar regras pela quais um
enunciado com valor denotativo pode obter a adesão do destinatário, para
tanto ela se utiliza de uma linguagem pragmática, isto é, isenta de um
caráter reflexivo quanto aos valores, formula suas próprias regras e depois
pergunta ao destinatário se ele as aceita. Satisfeita essa condição
estabelece-se uma axiomática que compreende a definição dos símbolos que
serão empregados na linguagem (expressões bem formadas), bem como as
operações que serão permitidas sobre estas expressões, as quais definem os
axiomas propriamente ditos. Entretanto, não se sabe o que deve conter ou
não uma axiomática, trata-se de condições puramente formais, baseadas em
estruturas lógicas. "Uma questão mais pertinente para a legitimação é a
seguinte: por meio de que critérios o lógico define as propriedades
exigidas por uma axiomática? Existe um modelo de uma língua científica?
Este modelo é único? É verificável? As propriedades em geral exigidas pela
sintaxe de um sistema formal são a consistência (por exemplo, um sistema
não consistente em relação à negação admitiria nele mesmo, paralelamente,
uma proposição e seu contrário), a completude sintática (o sistema perde
sua consistência caso um axiomas lhe seja acrescentado), a decidibilidade
(existe um procedimento efetivo que permite decidir se uma proposição
qualquer pertence ou não ao sistema), e a independência dos axiomas uns em
relação aos outros". - LYOTARD, Jean François. A condição pós-moderna. 7ª
Ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2002. p. 78.
[81] Idem. p. 34.
[82] Cf. BITTAR, Eduardo C.B. O direito na pós-modernidade. 2º Ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2009. BAUMAN. Zygmunt. Modernidade e
ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e
holocausto. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. CIRNE-LIMA, Carlos. Dialética
para principiantes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
[83] BITTAR, Eduardo C.B. O direito na pós-modernidade. 2º Ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 56.
[84] Dieter Grim sustenta que "a dignidade, na condição de valor intrínseco
do ser humano, gera para o indivíduo o direito de decidir de forma autônoma
sobre seus projetos existenciais e felicidade e, mesmo onde esta autonomia
lhe faltar ou não puder ser realizada, ainda assim ser considerado e
respeitado pela sua condição humana". - Cf. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).
Dimensões da Dignidade – Ensaios de filosofia do direito e direito
constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.20.
[85] Robert Alexy argumenta que as discussões sobre direitos fundamentais
estão intimamente ligadas à questão da interpretação das formulações do
direito positivo, sendo certo que uma das razões frequentes é a abertura
das disposições do catálogo: "Fala-se em fórmulas lapidares e máximas, que,
em si mesmas, são desprovidas de um conteúdo inequívoco, em estilo
taquigráfico, em aglomeração de cláusulas gerais e conceitos maleáveis, em
ausência de suficiência conceitual e em fórmulas vazias, sob as quais quase
qualquer fato pode ser subsumido. Em uma análise mais detida, é necessário
diferenciar entre siposições de direitos fundamentais, mais ou menos,
abertas, mas, em geral é verdade que o catálogo de direitos fundamentais
junto com os demais regramentos materiais da Constituição, sobretudo as
disposições sobre os fins e a estrutura do Estado, são, no sistema jurídico
da República Federal da Alemanha, as estruturas normativas de menor
densidade regulatória [...] O catálogo de direitos fundamentais regula de
forma extremamente aberta questões em grande parte muito controversas
acerca da estrutura normativa básica do Estado e da sociedade. Isso pode
ser percebido com clareza nos conceitos dos direitos fundamentais à
dignidade, à liberdade e à igualdade." - ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos
Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 26.
[86] Posição doutrinária segundo a qual crianças e adolescentes são
considerados como pessoas em desenvolvimento, dotadas, pois, de todos os
direitos conferidos aos adultos e mais aqueles considerados necessários
para assegurar seu crescimento saudável, o que envolve uma postura positiva
do Estado, no sentido de implementação de políticas públicas no âmbito da
educação, esporte, lazer, saúde e assistência social que permitam aos
jovens meios para que exerça seus direitos fundamentais.
[87] AGANBEM, Giorgio. Homo sacer: O poder soberano e a vida nua I. 2ª Ed.
Belo Horizonte: Eidtora UFMG, 2012.
[88] Que na realidade exprimia a vontade do proprietário detentor de
terras, considerando o voto censitário e masculino como exposto linhas
acima.
[89] Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 5ª Ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 42/43.
[90] Cf. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de
sistema na ciência do direito. 3º Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1983, p. LXXVI.
[91] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do
direito. São Paulo: Ícone editora Ltda, 1999, p. 40.
[92] Cf.HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2002, p. 10
[93] HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2002, p. 10.
[94] Cf. HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2002.
[95] Idem, p. 13.

[96] WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3ª ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 280.
[97] Cf. BITTAR, Eduardo C.B. O direito na pós-modernidade. 2º Ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2009. BAUMAN. Zygmunt. Modernidade e
ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e
holocausto. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. CIRNE-LIMA, Carlos. Dialética
para principiantes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
[98] A razão objetiva pode ser encontrada para além do pensamento
estruturado sob uma lógica analítica e positivista, centrada na verificação
de proposições bem formadas e de base empírica, ancora-se em diferentes
jogos de linguagem conforme LYOTARD, Jean François. A condição pós-moderna.
7ª Ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2002. Ou numa hermenêutica contexto-
dependente, baseada num "pensamento fraco" - VATTIMO, Gianni. A idade da
interpretação. In: RORTY, Richard; VATTIMO, Gianni. O futuro da religião:
solidariedade, caridade, ironia. Organização Santiago Zabala. Rio de
janeiro: Relume Dumará, 2006.
[99] Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional
internacional. Ed. 12. São Paulo: Saraiva, 2011.
[100] LYOTARD, Jean François. A condição pós-moderna. 7ª Ed. Rio de
Janeiro: José Olímpio, 2002. p. 35/36.
[101] Como ressaltado linhas acima, o processo de diferenciação funcional
do direito, por vezes é obstado pela imposição de um código binário
estranho a sua linguagem. Assim, a linguagem econômica em países de
modernidade periférica como o Brasil, termina por determinar o
funcionamento do sistema jurídico, prejudicando sua autonomia (autopoiese).
Assim, os direitos fundamentais e humanos funcionam como estruturas
diferenciadas, destinadas a garantir a diferenciação funcional do direito,
isto é sua autonomia, libertando-o da lógica econômica, daí a expressão
"perigo da desdiferenciação" de Luhumann.
[102] NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. 2ª Ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.96.
[103] Nessa perspectiva, Marcelo Neves, citando Wolfgang Welsch, afirma que
os direitos fundamentais e humanos funcionam como "direitos ao dissenso",
pois uma ordem fundada no consenso a respeito dos conteúdos valorativos
prescinde dos direitos humanos, uma vez que a virtude decorrente da
harmonia social inclui os que aceitam a respectiva ordem e exclui,
desconsiderando ou reprimindo, os que não concordam com ela. Assim: "Os
direitos humanos servem, antes, para permitir a convivência nas condições
reais de dissenso estrutural. Se quisermos falar de uma moral universalista
moderna que estaria suposta na ideia de direitos humanos, essa moral
deveria ser entendida como moral do dissenso. Por exemplo, a tortura e
outros métodos de repressão contrários aos direitos humanos dirigem-se
exatamente à negação do dissenso. A questão dos direitos humanos só se
manifesta quando o dissenso vem à tona. Nos espaços de consenso (e estes,
sem dúvida, não são poucos nem restritos) ou em condições favoráveis a um
consenso racional a ser alcançado mediante discurso, os direitos humanos
são dispensáveis. Estes surgem como exigência funcional e pretensão
normativa de tornar provável a improvável convivência social no contexto de
conflitos intersistêmicos ou interdiscursivos e de divergências pessoais e
grupais referentes a valores, expectativas normativas e interesses. –
NEVES, Marcelo. A força simbólica dos direitos humanos. In: SARMENTO,
Daniel. e SOUZA NETO, Cláudio Pereira de.(org.). Direitos Sociais:
Fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p. 425.
[104] ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e teoria do caos:
estudos preliminares. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 29-30.
[105] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: Parte geral. Tomo I.
3ª Ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970, p. 21.
[106] Cf.NERY JR. Nelson. Código civil comentado. 10ª Ed. São Paulo: RT,
2013, p. 243.
[107] Cf. ARONNE, Ricardo. O direito Civil-Constitucional e o Reino da
Dinamarca: Hamlet, codificação e o fantasma paterno. In: Razão e caos no
discurso jurídico: E outros ensaios de Direito Civil-Constitucional. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 147.
[108] ARONNE, Ricardo. O direito Civil-Constitucional e o Reino da
Dinamarca: Hamlet, codificação e o fantasma paterno. In: Razão e caos no
discurso jurídico: E outros ensaios de Direito Civil-Constitucional. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 150-151.
[109] TEPEDINO, Gustavo. Crises de fontes normativas e técnicas
legislativas na parte geral do código civil de 2002. In: A parte geral do
novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 2 ª Ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003.
[110] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2008, p. 26.
[111] A exemplo de LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 5ª Ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983. CANARIS, Claus-Wilhelm.
Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3º Ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983. E do próprio Alexy, que
constrói sua teoria com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional
Alemaão.
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