POBRES E VERDES - Resenha do livro O Ecologismo dos Pobres de Joan Martinez Alier (2007) (Folha de São Paulo)

June 30, 2017 | Autor: José-Augusto Pádua | Categoria: Amazon
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POBRES E VERDES - Resenha do livro O Ecologismo dos Pobres de Joan Martinez
Alier.


(Publicado no Caderno MAIS da Folha de São Paulo em 16/9/2007 com o título
de "GUERRA VERDE")


José Augusto Pádua *


Na década de 1970, quando a questão ecológica começou a motivar o
surgimento de organizações e mobilizações sociais de alto perfil público,
ganhando um espaço importante, na mídia, vários analistas interpretaram o
fenômeno como sendo resultado de uma agenda aquisitiva cada vez mais
sofisticada. A teoria de Abraham Maslow sobre a existência de uma
"hierarquia das necessidades" foi bastante utilizada naquele contexto.
Segundo Maslow, os seres humanos buscavam satisfazer suas necessidades com
base em uma escala que vai do mais ao menos material. Ou seja, primeiro se
cuida de encher a barriga e bem mais tarde, se for possível, pode-se pensar
em objetivos como sentir prazer estético e auto-realização. Para o
cientista político Ronald Inglehart, cuja teorização marcou época, o
ecologismo contemporâneo era cultivado fundamentalmente por jovens que
cresceram no contexto das ricas sociedades ocidentais do pós-guerra. A
superação das carências materiais básicas abria espaço para o aparecimento
de demandas "pós-materiais" por um ambiente com menos barulho, poluição e
feiúra. Os pobres precisavam se ocupar com a busca por comida, emprego e
moradia. As inquietações com a qualidade de vida, para não falar em valores
universais como a sobrevivência da humanidade e a conservação da
biodiversidade, eram privilégio dos mais ricos.
Nas últimas décadas, porém, uma série de dinâmicas sociais concretas
ajudou a demolir o componente mecanicista, e em grande parte
preconceituoso, dessa leitura. O quadro tornou-se mais complexo quando, em
paralelo com o ecologismo de classe média, mas com ele interagindo de
diversas maneiras, observou-se o surgimento de um vibrante ecologismo
popular. Nas mais diferentes latitudes, em contextos rurais ou urbanos,
comunidades pobres começaram a envolver-se em intensos conflitos sócio-
ambientais, produzindo sua própria interpretação da questão ecológica. Na
geografia desses conflitos, aliás, o Brasil tem sido um espaço de grande
relevância. O movimento dos seringueiros acreanos contra a destruição
florestal, liderado nos anos oitenta por Chico Mendes, tornou-se um ícone
internacional no aparecimento desta corrente, juntamente com o movimento de
mulheres camponesas em defesa das florestas do Himalaia indiano, que
recebeu o nome de Chipko (abraço). De lá para cá, os exemplos não pararam
de se multiplicar, como no caso das lutas de pescadores pobres das regiões
tropicais, inclusive do nordeste do Brasil, contra a destruição de
manguezais pelas empresas de criação de camarões. Ou dos inúmeros embates
nas zonas industriais das grandes cidades contra a contaminação do espaço
vivido por emissões industriais ou depósitos de lixo tóxico.
O livro do economista Joan Martinez Alier, professor da Universidade
Autônoma de Barcelona, vem causando bastante impacto por representar uma
das primeiras tentativas de fôlego no sentido de realizar um inventário
global do fenômeno e refletir sobre o seu significado. Poucos autores
estariam tão preparados como Alier para empreender este esforço inicial de
síntese. Em primeiro lugar, por sua sólida e erudita formação como
cientista social, estimulada pela ira democrática do anti-franquismo
catalão e lapidada no ambiente investigativo e multi-cultural do Saint
Antony´s College da Universidade de Oxford. Em segundo lugar, pela
disposição para colocar os pés na lama das favelas e no húmus das
florestas, buscando observar diretamente os "conflitos ecológicos
distributivos" que ocorrem nos mais diversos países e regiões. Uma
observação sempre participante e solidária, demonstrando que a boa produção
de conhecimento não requer uma atitude de cinismo e indiferença diante dos
sofrimentos e esperanças dos seres humanos.
O Ecologismo dos Pobres alterna capítulos mais teóricos e mais
empíricos, sempre buscando uma ponte entre as duas dimensões. Uma dos
pontos altos do trabalho está no vasto repertório de conflitos e
iniciativas que ele analisa, do nível local ao global. O livro nos faz
conhecer a mobilização de comunidades e organizações populares frente aos
impactos produzidos, entre outros fatores, pela mineração a céu aberto,
pela extração de petróleo, pela construção de represas (inclusive no
Brasil, onde existe um forte Movimento dos Atingidos por Barragens) ou pela
transposição de rios (como no caso do São Francisco). Um item recorrente
são os conflitos pelo uso da água para fins empresariais ou para consumo
das populações. Um capítulo inteiro é dedicado ao mega-conflito entre os
países ricos e pobres pelo uso do espaço ambiental planetário, já que os
primeiros, no exemplo mais notório, vêm se apropriando de uma parcela
desproporcional da atmosfera para a emissão dos seus gases, gerando uma
dívida ecológica com o restante da humanidade, que sofre as conseqüências
da mudança climática.
Para Alier, o ecologismo dos pobres produz uma terceira opção diante
das duas grandes correntes que, de maneira muito geral, organizam a cultura
ecologista contemporânea: o culto à vida silvestre (que vê a natureza, ou
pelo menos suas paisagens mais exuberantes, como um valor intrínseco a ser
preservado da ação humana) e a ecoeficiência (que vê a natureza como um
conjunto de recursos a serem utilizados através de tecnologias mais
cuidadosas e sustentáveis). A terceira opção constrói uma ecologia das
condições cotidianas de vida, vendo o ambiente como espaço de afirmação de
direitos e de luta pela chamada "justiça ambiental". Basta fazer um pequeno
esforço de observação geográfica para notar que as fábricas mais poluentes,
os depósitos de lixo mais perigoso e o barulho das motoserras não costumam
estar presentes na proximidade de onde vivem os ricos.
O autor ironiza o uso da idéia de pós-material no momento em que as
sociedades e economias se imbricam cada vez mais nos gigantescos fluxos de
matéria e energia mobilizados pela civilização urbano-industrial. O que
está ocorrendo, de fato, é uma crescente politização do mundo material,
onde o ambiente natural/social se torna lugar de embate entre diferentes
visões culturais, critérios de valoração, modelos tecnológicos, objetivos
sócio-econômicos etc. Ao defender a qualidade ambiental como um direito
social coletivo, o ecologismo dos pobres amplia os horizontes da
democracia, criando barreiras à apropriação autoritária do território e à
degradação do espaço comum para favorecer poderosos interesses privados.


* Professor do Departamento de História da UFRJ e, no ano de 2007,
pesquisador visitante na Universidade de Oxford.
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