Pode a política ser salva pela razão? O diálogo silencioso entre Arendt e Strauss

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* Comunicação apresentada no VII Ciclo Hannah Arendt, realizado na Universidade Estadual de Londrina (UEL) entre 9 e 12 de Novembro de 2016. A pergunta que motivou o encontro foi a seguinte: "Corrupção: ausência de pensamento ou pensamento corrompido?"
O livro elogiado por Arendt é The Political Philosophy of Hobbes, publicado em 1936. O curso ministrado na Universidade da Califórnia é "History of Political Theory" e encontra-se disponível em: http://memory.loc.gov/ammem/arendthtml/mharendtFolderP04.html (Último acesso: 17/10/2016).
As anotações de Arendt estão disponíveis em: http://www.bard.edu/library/arendt/pdfs/Strauss-PoliticalPhilosophyHobbes.pdf (Último acesso: 02/08/2016).


Pode a política ser salva pela razão?
o debate silencioso entre hannah Arendt e leo strauss*

Rodrigo Ponce Santos
Doutorando – PPGFIL/UFPR

Resumo: Considerando a história de suas vidas e os interesses que guiaram suas pesquisas, é curioso que Hannah Arendt e Leo Strauss nunca tenham estabelecido um debate público sobre suas ideias. Nosso esforço neste artigo será imaginar esse diálogo, tendo como interesse central a posição de ambos em relação ao papel da filosofia política. De fato, trata-se aqui de uma questão bem conhecida: qual deve ser a relação entre filosofia e política, entre o filósofo e o cidadão, entre o pensamento e a ação? Iniciaremos nossa investigação apresentando as posições de Hannah Arendt e Leo Strauss diante do diagnóstico, comum a ambos, de acordo com o qual a filosofia e a ciência moderna seriam marcadas pelas experiências da dúvida e da desconfiança, o que implicaria no desespero ou no desprezo pela atividade política. Trata-se então de recuperar a dignidade da política. O que conduz a uma espécie de retorno à Antiguidade. Contudo, é preciso discernir o que este retorno significa. O que faremos, primeiramente, considerando o papel que cada um atribui às virtudes. A consideração sobre o que significa agir de modo virtuoso deve nos levar ao centro da divergência entre Arendt e Strauss: suas considerações sobre a filosofia política e sobre a relação entre o filósofo e o cidadão comum. Finalmente, argumento que a posição de Arendt diante da tradição implica uma crítica da noção de governo e uma reposição da relação entre pensar e agir, lançando ainda a hipótese de que possamos encontrar um vínculo entre essas duas capacidades no exercício da imaginação.

Palavras-chave: política; filosofia; razão; pensamento; ação.

Introdução
Considerando as semelhanças entre os temas de suas pesquisas, bem como coincidências que fizeram seus caminhos cruzarem-se tantas vezes, é curioso que Arendt e Strauss nunca tenham promovido um debate público sobre suas ideias e que nenhum deles tenha, em seus escritos, feito qualquer menção à obra do outro. É certo ao menos que Arendt foi leitora de Strauss. Em carta enviada a Karl Jaspers em 1954, ela indica um livro sobre Hobbes escrito por Strauss – livro, aliás, que ela usaria no ano seguinte em seu curso sobre a história da teoria política. Trata-se, diz ela, de um professor "altamente respeitado" nos Estados Unidos, um "intelectual verdadeiramente talentoso", continua Arendt, para então assinalar: "Eu não gosto dele" (ARENDT-JASPERS, 1992, p. 244).
Aqui, deixaremos de lado as razões desta aversão pessoal, as quais podem ser verificadas em biografias e cartas. O que nos interessa é a divergência entre Arendt e Strauss no que diz respeito a um ponto específico: a filosofia política. No espírito que move este encontro, meu objetivo é incluir outra questão: Pode o pensamento – ou a razão – salvar a política (não apenas da corrupção, mas daquilo que nossos autores chamam de falência ou crise da modernidade)? De fato, trata-se aqui de uma questão bem conhecida pelos leitores de Arendt: sobre o papel da filosofia perante da política, sobre a relação entre o filósofo e o cidadão, entre o pensar e o agir.
Nosso esforço será imaginar o que Ronald Beiner chama "diálogo tácito ou latente" (BEINER, 1990, p. 138) entre Arendt e Strauss. Iniciaremos apresentando suas respostas diante da chamada crise da modernidade. Para ambos, o homem moderno seria marcado pela experiência da desconfiança, o que implicaria no desespero ou no desprezo pela política. Trata-se então de recuperar a dignidade da política. O que leva ambos a uma espécie de retorno à Antiguidade. Contudo, é preciso discernir o que este retorno significa para cada um deles, o que faremos considerando o papel que se atribui às virtudes. A consideração sobre o que significa agir de modo virtuoso nos leva ao centro da divergência entre Arendt e Strauss: suas considerações sobre a filosofia política. Finalmente, argumento que a posição de Arendt diante da filosofia política implica em uma crítica da noção de governo e em uma reposição da relação entre pensamento e ação, a qual encontra seu vínculo na faculdade da imaginação.

a) A desconfiança moderna e o papel da virtude
Para ambos os nossos autores, o pensamento moderno é marcado pelas experiências da dúvida e da desconfiança. Assim como Descartes começa duvidando de seus próprios sentidos, escreve Strauss, "Hobbes começa interpretando o Estado e com ele toda a moralidade a partir da natural desconfiança entre os homens" (STRAUSS, 1963, pp. 56-57). O interesse de Hobbes pelo estudo da história seria marcado pela desconfiança na efetividade dos preceitos fornecidos pela filosofia para a justa condução das comunidades humanas. "Esta falha", explica Strauss, seria "remediada" por uma investigação que busca na história "a descoberta das próprias normas" (ibid., p. 94). A teoria hobbesiana "torna-se histórica porque, para ele, a ordem não é imutável, eterna, existente desde o início" (ibid., p. 106). Na formulação que Hobbes apresenta no De Homine, "nós mesmos criamos os princípios – isto é, as causas da justiça" (HOBBES, 1972, cap. 10, art. 5).
O modo como o próprio Strauss compreende o estudo da história e sua relação com a lei é de todo diferente – o que se depreende da diferente posição que ele próprio ocupa na história. Enquanto Hobbes encontrava-se naquilo que podemos chamar de início da modernidade, Strauss escreve a partir de experiências que parecem indicar sua derrocada. "Os estudos históricos são necessários por causa da falência do homem moderno. (...) [É] possível, afinal, que a verdade, ou a correta abordagem da verdade, tenha sido encontrada em um passado remoto e esquecida por séculos" (STRAUSS, 2006, p. 125). Trata-se então de encontrar aquilo que foi perdido, de recuperar a razão. O "novo racionalismo", o "retorno à sanidade", nas palavas de Strauss, seria "a busca pelas verdades eternas e os padrões eternos" (ibid., p. 132). Um caminho de volta à Antiguidade. Pois, ainda segundo Strauss, "o homem moderno tem saudade do que foi real na Grécia" (ibid., p. 135).
Em uma nota de seus cadernos de pensamento, escrita em 1953, Arendt também afirma, como o faria outra vez em A Condição Humana (ARENDT, 1998, p. 273), que "a desconfiança é o começo da filosofia e da ciência moderna" (ARENDT, 2002, p. 393). Essa desconfiança – não apenas em relação aos outros homens e aos antigos preceitos, mas também em relação ao que nos é revelado pelos sentidos – levaria o homem moderno a um mergulho em sua interioridade, ao apego pela individualidade e, consequentemente, ao desprezo pela política. O diagnóstico apresentado por Arendt, como bem o sabemos, é o da crise da política na modernidade. Trata-se então de recuperar sua dignidade. Tarefa que, também para Arendt, passa por uma espécie de retorno à Grécia Antiga.
Mas é preciso distinguir cuidadosamente as posições de Arendt e Strauss. Para isso podemos perguntar: O que se entende como a atitude própria aos agentes políticos, ou seja, o que é a virtude? Para Strauss, o que se perde com a desconfiança moderna é a crença na objetividade das virtudes políticas, isto é, a ideia de que a coragem, a honra, o heroísmo são valores em si mesmos e expressam uma qualidade do agente; que elas dizem respeito ao lugar do homem no cosmos, àquilo que é verdadeiro, bom e justo. O que resta é a busca da virtude como relação inter-subjetiva, algo que depende inteiramente da posição do agente em relação aos demais. Mas não existe aí nenhuma relação com o que é a virtude verdadeiramente. Trata-se então de recuperar a dignidade da política como domínio da razão, de afirmar a moral e a virtude como motores de nossas ações. Arendt também confere um papel especial às virtudes, mas as concebe de modo diverso: ela desvincula virtude e razão. Em outras palavras, ela se afasta da solução conservadora de Strauss, para quem seria preciso recuperar os preceitos da filosofia clássica em um retorno à razão.
Uma anotação de Arendt em sua cópia do livro de Strauss pode servir para ilustrar esse desacordo. No capítulo final, Strauss avalia a moderna subordinação da lei ao direito nos seguintes termos. Diante da questão sobre quem ou o que deve governar, os antigos diriam: 'a lei'. Quando os filósofos não puderam mais aceitar a origem divina da lei para justificar essa resposta, eles buscaram outra razão: o racional deve governar o irracional, a mente deve governar o corpo, os velhos devem governar os jovens, os mestres devem governar os escravos, o homem deve governar a mulher, daí por diante. Apenas quando esta justificação também foi posta em jogo é que o direito substituiu a lei, fazendo com que a vontade entrasse em cena. Assim, o "problema da soberania", isto é, a substituição da lei natural pelo direito natural e o reconhecimento de que uma vontade soberana deve governar os homens, "emerge apenas quando é colocado em questão o direito da razão e de pessoas racionais governarem" (STRAUSS, 1963, p. 158).
Arendt marca dois grandes pontos de exclamação ao lado desta passagem e escreve: "Não! Quando a razão é colocada em questão!". Enquanto Strauss pretende recuperar o governo da razão, Arendt considera esta uma resposta inadequada. Aqui ela se aproxima de Hobbes, na medida em que recusa padrões e normas que se impõe aos assuntos humanos a partir de um ponto de vista exterior. "A política surge entre os homens;" escreve ela ainda em 1950, nos seus diários. E continua: "Hobbes o compreendeu perfeitamente" (ARENDT, 2002, p. 17). O que interessa são as experiências concretas. Não se trata, como defende Strauss, do "reconhecimento de princípios universais" (STRAUSS, 1965, p. 13). Arendt não pensa as virtudes como padrões objetivos de excelência, mas a partir das relações que os homens estabelecem entre si. Posição que está diretamente relacionada à sua crítica da filosofia política.

b) Filosofia ou política?
Em uma série de conferências ministras em 1954, das quais trechos foram publicadas sob o título "Filosofia e Política", Arendt descreve o abismo entre a atividade filosófica e a política. A separação teria sua origem histórica na condenação de Sócrates. Mais precisamente, a resposta de Platão a este evento fornece uma solução para o conflito entre o filósofo e os cidadãos que termina por acirrar definitivamente a tensão. O erro de Sócrates, na interpretação platônica, foi debater com os juízes assim como fazia entre seus companheiros, a fim de que também eles chegassem a uma opinião mais verdadeira. A academia platônica constitui-se então como uma instituição à parte da vida pública, a fim tanto de proteger os filósofos da ignorância dos vulgos quanto de torná-los capazes de governar a cidade.
O que Arendt rejeita na filosofia política é justamente aquilo que Strauss tenta recuperar: a hierarquia entre vita contemplativa e vita activa, isto é, a superioridade da atividade intelectual sobre as demais atividades e assuntos humanos, incluindo-se a atividade política. Assim, suas respostas à crise da política na modernidade divergem de acordo com a diferença mais marcante entre eles: a ênfase na filosofia ou na política – e por conseguinte, a relação que cada um estabelece entre o filósofo e o cidadão comum.
Para Strauss, a interpretação da polis fornecida pela filosofia antiga é "a mais razoável e a mais satisfatória, (...) "[ela] é a ordem política perfeita" (STRAUSS apud BEINER, 1990, p. 242). Ora, o que é esta ordem senão a hierarquia entre vita contemplativa e vita activa? Para ele, a experiência filosófica nos dá acesso à verdade e esta não estaria à disposição de todas as pessoas. O filósofo "conversa apenas com aqueles que não são pessoas comuns, aqueles que de um modo ou de outro pertencem à elite" (STRAUSS, 1989, p. 154).

Pode-se dizer que a premissa básica da filosofia política clássica seria a ideia de que a desigualdade natural dos poderes intelectuais é, ou deve ser, de importância política decisiva. Daí que o governo ilimitado do sábio (...) apareça absolutamente como a melhor solução para o problema político (STRAUSS apud BEINER, op.cit., p. 245).

A verdade que se observa através da história é a "natural desigualdade" dos homens em relação às suas capacidades intelectuais. Este fato deveria ser automaticamente traduzido em uma organização política em que os mais sábios governem os demais ou que o governo seja exercido pelos mais nobres (pois a virtude do nobre seria um reflexo da sabedoria filosófica). As modernas democracias de massa seriam justamente o governo da única classe desprovida de conhecimento e, portanto, de virtude: a dos homens comuns.
Ora, é no mínimo questionável que a disparidade intelectual deva automaticamente ser traduzida como uma diferença política. "Parece mais razoável dizer que dotes intelectuais e dotes políticos representam simplesmente duas capacidades humanas bastante distintas" (BEINER, 1990, p. 246). Esta seria a posição de Arendt, para quem a inteligência não se confunde com a capacidade de julgar ou agir politicamente. Neste ponto, o diálogo silencioso com Strauss se faria presente nas Lições sobre a Filosofia Política de Kant, curso ministrado por Arendt e publicado postumamente. Para Kant, ensina ela, o filósofo não tem um acesso privilegiado à verdade, mas esclarece as experiências comuns a todos os homens e mulheres. Esta capacidade do filósofo estaria presente em toda e qualquer pessoa disposta a pensar. Mais uma vez, em A Vida do Espírito, Arendt recorda Kant ao dizer que a "antiga distinção entre os muitos e os 'pensadores profissionais' (...) perdeu sua plausibilidade" e que, agora, "devemos ser capazes de 'demandar' (...) a capacidade de dizer o que é certo e errado (...) de toda pessoa sã, não importa quão erudita ou ignorante, inteligente ou estúpida ela possa ser" (ARENDT, 1981, p. 13). Ao contrário do que afirma Strauss, qualquer pessoa poderia se reunir para discutir e deliberar os assuntos que dizem respeito à vida comum.

A crítica do governo e o novo papel da razão
Em "Filosofia e Política", Arendt argumenta que o governo da cidade tornou-se objeto da filosofia a partir da tragédia socrática. Daí a imagem do rei-filósofo, que deve regular os assuntos humanos a partir de parâmetros absolutos. A teoria platônica que inaugura nossa tradição estaria assim marcada pela tentativa de escapar do múltiplo ao universal, da ação – sempre plural e imprevisível – para o governo, da política à filosofia. Em suma, o platonismo nos ofereceu a ideia de que a ordem é derivada de uma norma absoluta, um princípio fundamental que deve dirigir e explicar a diversidade dos eventos humanos.
Mais do que uma separação, o conflito entre filósofo e cidadão estabeleceu uma hierarquia, uma relação de comando e de governo que invadiu o imaginário político. Este seria um dos grandes obstáculos no caminho de uma "nova filosofia política", a qual deve assumir a forma de uma crítica da própria ideia de governo. Um pensamento que pretende encontrar princípios para a vida comum sem recorrer a padrões absolutos deve desfazer a relação hierárquica entre governantes e governados, sábios e vulgos, filósofos e cidadãos, pensamento e ação. Mas isto significa que a própria política se torna um problema, na medida em que não é mais possível explicá-la e governá-la a partir de parâmetros absolutos. Apesar de seu desprezo pela vida pública, a filosofia havia prestado "um relevante serviço ao homem ocidental (...) fornecendo parâmetros e regras, padrões e medidas com os quais a mente humana pôde pelo menos entender o que acontecia na esfera dos assuntos humanos." (ARENDT, 1990, p. 102; ARENDT, 2008a, pp. 82).
O anúncio nietzscheano da 'morte de Deus', assim considerado, não deixa de espantar aqueles que o tomam em toda sua gravidade. Mas o espanto não deve nos fazer recuar – aliás, para onde? É a partir dele que um verdadeiro pensamento sobre nossa situação é possível. Para Arendt, não se trata de recorrer novamente à razão como caminho para o conhecimento da verdade. Tampouco devemos abraçar a irracionalidade, a desmedida, a falta de sentido. Existe ainda um lugar para a razão – uma outra razão – na nova filosofia política esboçada e cultivada por Arendt. Para compreendê-lo, devemos lembrar a distinção kantiana entre razão e intelecto, a qual "coincide com a distinção entre duas atividades mentais completamente diferentes, pensar e conhecer, e a duas preocupações também distintas, significado e cognição" (ARENDT, 1981, p. 14).
As noções de certeza e evidência são característicos da cognição, isto é, da atividade intelectual através da qual o homem conhece a verdade. Esta é, por exemplo, a atividade que nos mostra que dois mais dois são quatro. Não é possível alcançar tal conhecimento a respeito de Deus – ou do critério conforme o qual a vida humana deve ser guiada. Mas se o pensamento e a razão devem "transcender os limites da cognição e do intelecto (...) então devemos supor que o pensamento e a razão não se preocupam (...) [nem são] inspirados pela questão da verdade, mas pela questão do sentido. Verdade e sentido não são o mesmo" (ibid., p. 15). Assim, a "nova filosofia política" não deve assumir a forma de um conhecimento da verdade. Não se trata de saber a verdade que deve guiar a ação, mas de compreender a ação em si mesma, de compreender o seu sentido.
Em outras palavras, a crítica da filosofia política deve libertar o pensamento da necessidade de estabelecer critérios para a ação, assim como liberta a ação dos critérios que lhe eram impostos. Trata-se, nas palavras de Eduardo Jardim de Moraes, de estabelecer uma "verdadeira comunidade entre pensar e agir, entre pensamento e política" (MORAES, 2003, p. 46). Mas o que significa a comunidade entre pensamento e ação se para Arendt, como sabemos, pensar e agir não são o mesmo?
A solução encontra uma enigmática formulação em "Compreensão e Política". Lembrando a prece em que o rei Salomão pede a Deus um "coração compreensivo", ela afirma que o "coração humano" – cuja atividade distingue-se do intelecto mas também, e em igual medida, da mera sentimentalidade – "o coração humano é a única coisa no mundo que toma a si o fardo que nos foi atribuído pela divina dádiva da ação, de ser um início e, portanto, ser capaz de dar início" (ARENDT, 2008b, p. 345). Revela-se assim a comunidade entre pensamento e ação, na medida em que agir é iniciar algo novo e pensar é compreender esta novidade. Cabe ainda salientar que ambas as faculdades operam por uma espécie de deslocamento. Assim como a ação desfaz a realidade tal qual nos é dada e a constrói de uma nova maneira, a compreensão, ao decifrar a novidade que a ação traz ao mundo, faz com que ocupemos um novo lugar dentro do mundo. Agir e compreender são formas de imaginar as coisas de modo diferente.

[A] dávida do 'coração compreensivo' corresponde à faculdade da imaginação. Distinta da fantasia, que sonha com algo, a imaginação diz respeito às sombras do coração humano e à densidade que cerca todo o real. Sempre que falamos da 'natureza' ou da 'essência' de alguma coisa, referimo-nos a esse cerne mais íntimo, de cuja existência nunca podemos ter certeza (...). A verdadeira compreensão não se cansa do diálogo interminável nem dos 'círculos viciosos', porque ela confia que a imaginação acabará por obter pelo menos um vislumbre da luz sempre assustadora da verdade (ibid., p. 345).



Referências bibliográficas

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