Pode ser o Confucionismo uma Religião?

July 17, 2017 | Autor: André Bueno | Categoria: Chinese Philosophy, Chinese Studies, Chinese Religions, Confucianism
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PODE SER O CONFUCIONISMO UMA RELIGIÃO? ANDRE

Resumo: O Confucionismo é uma religião ou uma filosofia? Como um movimento de idéias, o Confucionismo escapa das categorias das ciências humanas: e por isso, o desafio de tentar compreendê-lo é fundamental para nosso aprofundamento na mentalidade chinesa. Nesse breve texto, buscaremos apresentar algumas visões sobre essa questão: é o Confucionismo uma religião? Como podemos entender o confucionismo? Qual é o senso religioso dos chineses, e como o confucionismo se encaixa nisso? E o que podemos esperar para o futuro do confucionismo? PalavrasPalavras-chave: Confucionismo; Pensamento Chinês; Religião na China Título em inglês: Confucianism can be a religion? Abstract: Confucianism is a religion or a philosophy? As a movement of ideas, Confucianism escapes the categories of human sciences, and so the challenge of trying to understand it is fundamental to our deepening the Chinese mentality. In this brief text, try to present pre some views on this question: Confucianism is a religion? How can we understand Confucianism? What is the religious sense of the Chinese, and how Confucianism fit into this? And what we can expect for the future of Confucianism? Keywords: Confucianism; Chinese Thought; Religion in China

Introdução Ao tentar analisar o Confucionismo (儒家 Rujia, ou ‘Escola Letrada’) como um movimento de idéias, a tendência mais comum entre os pesquisadores ocidentais é a de buscar enquadrá-lo lo em alguma de suas tradicionais categorias de classificação, tais como “religião” e “filosofia”. No entanto, nenhuma dessas categorias consegue realmente responder, de forma completa, ao que o Confucionismo representa – ou talvez, o Confucionismo contenha um pouco de cada uma destas categorias, tendo uma liberdade de trafegar entre elas que é relativamente inadmissível para o nosso pensamento científico.

O objetivo deste texto, portanto, é analisar algumas das das características que tornam o Confucionismo uma doutrina de difícil classificação – e por isso mesmo, um interessante modelo teórico para nossos métodos de investigação histórica e filosófica. Uma longa tradição histórica Em termos históricos, o Confucionismo é um dos movimentos de idéias mais duradouros do mundo. Tendo por base a figura do sábio Confúcio 孔子(-551 孔子 a -479), desde então ele tem passado através das gerações até a atualidade, mantendo-se mantendo vivo e atuante. Vários autores destacaram-se destacaram na continuidade do Confucionismo, Confucionismo tais como Mêncio 孟子, Xunzi 荀子,, Dong Zhongshu Zhongsh 董仲舒, Hanyu 韩愈,, Zhuxi 朱熹e Kang Youwei 康有為,, apenas para citar os mais famosos, e nas mais diferentes épocas. Mesmo tendo sofrido perseguições esporádicas, organizadas por regimes políticos interessados em construir uma nova história baseada no apagar do passado (como (como fizeram Qinshi Huangdi 秦始皇帝, em -210 210 a -213, e mais recentemente Maozedong 毛泽东, 毛 durante a revolução cultural em 1966), 1966 o Confucionismo manteve-se se firme, e constitui-se constitui ainda a base de um raciocínio io social e cultural que unificou a concepção de identidade chinesa. Uma durabilidade temporal desse gênero só encontraria paralelismo, justamente, naquilo que classificamos como ‘sistemas religiosos’. Todavia, designar o Confucionismo dessa maneira é extremamente complicado. A ausência de vários elementos que caracterizariam o Confucionismo como “religião” nos os leva, justamente, a discussão que agora iniciamos. O que o tornaria uma religião? Para classificar o Confucionismo como um tipo de religião, é necessário saber se ele atende a algumas qualificações que tornam um determinado tipo de pensamento dito como “religioso”. Foi Vincent Goosaert quem afirmou que uma religião, para ser assim classificada (numa numa forma tradicional, e essencialmente Ocidental),, necessita ter um clero, um cânone e uma liturgia – e no caso chinês, esta ta classificação tipológica, se bem pode ser aplicada ao daoísmo, sofre certa dificuldade em ser utilizada para o Confucionismo e o Budismo udismo (GOOSAERT, (G 2006). Os confucionistas nunca se organizaram algum tipo de clero, e a chamada “classe letrada” – embora comportasse grande parte dos confucionistas – era muito mais m um estamento social aberto àqueles queles que possuíam algum tipo de saber cultural do que, propriamente, iamente, um sistema de administração religiosa. Os confucionistas eram professores, intelectuais, críticos e pensadores. Grande parte deles servia como funcionários do governo, ou lecionava. Quanto ao cânone, podemos dizer que existia

um grupo básico de obras ras confucionistas tidas como fundamentais para a compreensão da doutrina e para a prática de seus aspectos morais (os ditos “Clássicos” de Confúcio), mas ainda assim, o aspecto litúrgico torna-se torna se outro fator de descontinuidade nesta análise. Os confucionistas stas eram praticantes e defensores inveterados de um conjunto de rituais que julgavam ser fundamentais para a administração da ordem cósmica e natural da sociedade. No entanto, tais rituais sempre tiveram um caráter complexo, posto que envolviam atitudes que ue podemos classificar como religiosas mas, ao mesmo tempo, abrigavam em si próprios a possibilidade de serem interpretados como uma prática eminentemente social. Como afirmou Mircea Mi Eliade (explanando a própria dificuldade em classificar o Confucionismo): Confucionismo Confúcio não é propriamente um líder religioso. As suas idéias, e sobretudo as dos neoconfucionistas, são estudadas, em geral, nos compêndios de história da filosofia. Mas, direta ou indiretamente, Confúcio teve profunda influência na religião chinesa. Na Na verdade, a própria fonte da sua reforma moral e política é religiosa. Por outro lado, ele não rejeita nenhuma idéia tradicional importante, nem o Dao, ao, nem o deus do Céu, nem o culto dos antepassados. Além disso, exalta e revaloriza o papel religioso dos ritos e comportamento costumeiros. (...) Entretanto, a prática (dos ritos) não é alcançada com facilidade. Não se trata, em absoluto, de um ritualismo exclusivamente exterior, nem, tampouco, de uma exaltação emotiva intencionalmente provocada quando se efetua efetua o ritual. Todo comportamento cerimonial correto deflagra uma força mágico-religiosa mágico temível. (...) Porque o Cosmo e a sociedade são regidos pelas mesmas forças mágicomágico religiosas ativas no homem. (...) Uma disciplina que busca a "transmutação" dos gestos e dos comportamentos em rituais, conservando-lhes, lhes, ao mesmo tempo, a espontaneidade. possui, sem dúvida, uma intenção e uma estrutura religiosa. Sob esse prisma, pode-se se comparar o método de Confúcio com com os ensinamentos e as técnicas pelas quais Laozi e os daoístas julgavam poder recuperar a espontaneidade inicial. A originalidade de Confúcio é ter buscado a "transmutação" em rituais espontâneos dos gestos e condutas indispensáveis numa sociedade complexa com a e altamente hierarquizada (ELIADE, 1986,, p.35-7). p.35

Mas se o Confucionismo é, em essência, religioso, então porque o próprio Confúcio tinha receio em declarar-se se sobre o outro mundo, sobre o além? O “Céu” a que se refere Confúcio (天Tian) está muito mais próximo da noção de uma ecologia universal, impessoal e imutável do que de um Deus atuante, presente e personalista. (BUENO, 2014)) Seguir os ritos defendidos pelos confucionistas tratava, aparentemente, muito mais de uma prática de ordenação social do que, propriamente,, de devoção a forças místicas ou a uma promessa de vida após a morte. O mesmo Confúcio que defendia os ritos, afirmara que “os espíritos devem ser mantidos a distância” (论语 (论语 Lunyu, 6:22) e que devemos antes aprender prender a servir aos vivos (Lunyu, 11:12). No entanto, se deslocarmos o problema da crença num “mundo mundo além” além como um determinante para o Confucionismo transformar-se se numa religião, então, veremos que os confucionistas posteriores trataram o problema da transcendência e da alma com uma naturalidade típica de não-religiosos; não Aos que afirmam e argumentam que a tradição chinesa não conheceu uma dimensão de "transcendência religiosa" esta fórmula apresenta uma resposta em linguagem paradoxal. Ilustra a necessidade duma compreensão "dialética" da China - uma compreensão que vai além das afirmações e negações, sem negar a utilidade de algumas afirmações e de algumas lgumas negações. A orientação do chinês "para este mundo", a harmonia chinesa entre homem e natureza, entre homem e mundo, a preferência dos chineses pelo humano e pelo ético, acusam uma espécie de "imanência divina", de presença do absoluto no relativo, nas as relações humanas, no domínio do natural. Mas não se exclui o transcendente. Na verdade, este vem realçado, uma vez que dá sentido ao ordinário e ao natural, ao secular e ao moral. O senso religioso peculiar dos chineses visa de fato a um harmonioso equilíbrio equi entre dois mundos, o visível e o invisível, o temporal e o supratemporal. Mas orienta a pessoa humana a procurar sua salvação, ou mesmo sua perfeição, no aqui e agora, particularmente na moralidade das relações humanas como quer o Confucionismo, Confucionismo mas também na beleza da natureza como querem os sábios daoístas (CHING, 1978,, p.32). p.32 Tais opiniões demonstram o quão problemático é tentar definir em termos específicos o caráter do Confucionismo. Confucionismo. Se o próprio Confúcio, durante a dinastia Han, se transformaria ransformaria num objeto de veneração, veneração, como podemos afirmar que os confucionistas

não seriam essencialmente religiosos? Mas podemos modificar a pergunta, redirigindoredirigindo a: cabe ao Confucionismo ou ao senso religioso dos chineses a maneira como se pode interpretar, tar, pessoalmente, a figura de Confúcio? Afinal, ele nunca se caracterizou como um santo fazedor de milagres – e nenhum chinês esperava isso dele. Além disso, os chineses acreditavam ser bem plausível a possibilidade de possuir uma crença no além que não implicasse mplicasse no abandono do Confucionismo como uma doutrina de prática moral; afinal, alguns letrados se converteram ao cristianismo sem que isso motivasse qualquer tipo de conflito pessoal. Na Na verdade, o esforço de alguns religiosos cristãos em estabelecer este ste confronto - entre a sua verdade e “as outras” - é que afastava muitos chineses do processo cesso de conversão (GERNET, (G 1982). Uma concepção moral e religiosa, ou um tipo de filosofia? D. Smith apontou, com clareza, o problema de definição do Confucionismo: Confucionismo Foram erigidos templos em sua honra, e mesmo nos primeiros anos do século atual foi feita uma tentativa séria, embora abortada, para tornar o Confucionismo a religião do Estado. stado. No entanto, Confúcio não fundou uma religião, e muitos estudantes distintos da da cultura chinesa, tanto no Oriente como no Ocidente, têm-se têm se recusado a chamar ao Confucionismo uma religião. Confúcio, defendem eles, foi primeiramente um grande professor ético, interessado principalmente em problemas sociais e políticos. Põe-se Põe contudo a questão: se os seus ensinamentos éticos e político-sociais político sociais se baseavam num humanismo racionalista, ou numa profunda fé religiosa que se manifestava na devota aceitação das práticas religiosas tradicionais e na humilde confiança num supremo e divino poder. poder. É a resposta a esta pergunta que vai determinar se sim ou não o Confucionismo pode ser enfileirado entre os grandes sistemas religiosos do mundo. Tem-se discutido, e não sem razão, que o Confucionismo não possui muitas das importantes características que se encontram na maioria das grandes religiões históricas da humanidade. Nunca possuiu uma organização distintamente religiosa. Nunca desenvolveu um clero especializado, sendo as funções sacerdotais realizadas pelo chefe do estado ou do clã, ou entregues a funcionários escolares. Não possuía afirmações de credo nem doutrinas autoritárias. Olhava com desprezo o monasticismo e o ascetismo. As suas “escrituras”, embora respeitadas, nunca foram julgadas “revelações” como a Bíblia, o Alcorão ou os Vedas. Nunca teve teve ritos de iniciação numa comunidade

religiosa. Não tem uma doutrina distinta do após-vida após e falta-lhe lhe uma escatologia. Contudo, se religião se define, de modo geral, como o reconhecimento do homem, a sua crença e a sua atitude para com um poder ou poderes es espirituais mais altos, se a religião diz respeito ao significado fundamental da vida e do destino humano, então o Confucionismo devia ser classificado como religião e não simplesmente como uma filosofia ético-política. ético política. Através de toda a sua história, o Confucionismo tem manifestado um profundo sentido da dependência do homem de uma divindade suprema. Tem encorajado um sentido de íntima relação entre um mundo espiritual transcendente e o mundo dos homens. Tem dado expressão a um sentido de dependência de seres espirituais em rituais complicados omplicados e orações fervorosas. (SMITH, 1971, p.53-4). Smith elenca novamente, nesse trecho, o ponto problemático de visão que escolhemos para classificar o Confucionismo. Comumente, optamos por abordar o Confucionismo por um ângulo que nos interessa – religião ou filosofia – de acordo com uma teoria ou metodologia que, a priori, deseja incluí-lo incluí ou excluí-lo lo de um estudo acadêmico. No entanto, buscamos uma terceira via para explicar o Confucionismo, de modo a torná-lo lo inteligível para nós. Seria então um tipo de “humanismo religioso”, ou seja, um tipo de proposta moral de características religiosizantes, mas não hermeticamente fechado num único tipo de crença, tal como propôs Julia Ching em seu Chinese Religions? (1993, 51-3). ). Se aplicarmos estas definições, como então podemos incluir o Confucionismo como um tipo de filosofia ou sistema de pensamento que seja classificado como tal? Por este motivo, Anne Cheng, no seu recente História istória do Pensamento Chinês Chinê (1998; no Brasil, 2008), ), preferiu abandonar a polêmica em torno da definição filosófico-religiosa, filosófico para analisar o pensamento chinês como uma corpora de características próprias, que deve ser respeitado por sua profundidade, produtividade e criatividade. Na verdade, Cheng prefere nem mesmo abordar o problema em saber se o pensar chinês é uma filosofia ou não – tema que por si só problematizaria a confecção confecção de um manual. A saída encontrada – uma forma de pensar – parece vaga, mas deixa aberta toda a complexidade alternativa representada pelas visões chinesas.

Talvez por isso sejam ejam válidas definições que busquem busquem não fechar o pensamento confucionista em proporções restritas. Um exemplo disso é a apresentação de R. Joppert sobre o que seria o Confucionismo como um movimento intelectual: A doutrina que pregou dava grande importância aos exercícios de atitude ritual, bases de um aperfeiçoamento individual capaz de permitir o controle absoluto dos gestos, das ações e dos sentimentos. A moral confuciana é fruto de uma reflexão permanente permanente sobre os homens. Ela é prática prática e dinâmica e as qualidades de um homem realizado (a primeira delas, a virtude “Ren”, “Ren”, que supõe uma disposição afetuosa em relação ao próximo) não se definem de modo absolutamente igual para todos, mas admitem uma grande maleabilidade, segundo o caso e o indivíduo. A sabedoria adquire-se adquire pelo esforço de toda uma vida, através do governo dos mínimos pormenores da conduta, pela observação das das regras de agir em sociedade (Li), i), pelo respeito ao próximo – enfim, pela absoluta compreensão do princípio da reciprocidade. A virtude é um valor incorporado e não uma qualidade intrínseca do nascimento nobre (JOPPERT, 1978,, p.90). p.90 Outra síntese igualmente eficaz para compreender os aspectos profundos e abrangentes da interpretação sobre Confúcio e o Confucionismo é dada por Chan Wing Tsit: Dizer que Confúcio era humanístico não é negar que o sábio mostrou razoável interesse pela religião. Confúcio foi, por um lado um reformador, um pioneiro da educação universal, para todos os que quisessem vir e para pessoas de todas as classes, um homem que viajou quatorze anos por muitos Estados em busca de uma oportunidade para servir os governantes, governantes, a fim de que a Ordem Moral (Dao, o Caminho) pudesse prevalecer. Era, por outro, um conformista, um homem "fiel aos antigos e que os amava", um homem que tentou tent preservar a doutrina de Zhou,, da qual era parte integrante o culto do Céu e dos antepassados. Conseqüentemente, disse que "O homem superior teme (...) os decretos do Céu". Acreditava que "Se deve prevalecer a Lei Moral, é porque esse é o mandamento do Céu". Ele próprio oferecia ia sacrifícios aos seus antepassados e "tinha a sensação de que eles estavam realmente presentes", dizendo: "Se eu não estiver presente ao sacrifício, será o mesmo que não fazer sacrifício". Não

obstante, pôs francamente o bem-estar bem estar dos homens à frente da religião. Sua relutância em discutir o Céu levou seus alunos a dizerem que sua concepção do Céu "não podia ser ouvida". "Nunca discuta fenômenos estranhos, explorações físicas, desordens ou espíritos". Quando um aluno lhe perguntava sobre o ato ou a maneira maneira de servir os espíritos e sobre a morte, respondia: "Ainda não sabemos servir os homens; como podemos saber servir os espíritos?... Ainda nada sabemos da vida, como podemos saber alguma coisa sobre a morte?" Por estas amostras, é evidente que Confúcio era um humanista mesmo em matérias religiosas; não era um sacerdote, muito menos fundador da religião que tinha o seu nome. O Homem, somente o Homem, ocupava sua atenção primeira. (CHAN, 1978, p.40-1). Reviravoltas modernas Contudo, é notável que, em tempos mais recentes, surjam interpretações confucionistas inspiradas, justamente, numa perspectiva religiosa ‘ocidentalizada’.. Por séculos, os confucionistas resistiram às atrações da religiosidade com o uso de uma razão particular. No tempo das dinastias Tang 唐朝 e Song 宋朝,, o Neo Confucionismo 宋明理学, reagiu ao desafio da metafísica budista reelaborando uma cosmologia; no final do império Qing 清朝 (1644 a 1912), ), defendiam a reforma educacional como salvação do país. As perseguições Maoístas no século 20 não classificavam Confúcio como um santo, mas um sábio reacionário. Ou seja, a retomada do Confucionismo na contemporaneidade facilmente o galgaria ao panteão dos grandes pensadores da humanidade;; mas um dos principais pensadores do atual ‘Novo Novo Confucionismo’ Confucioni (Xin Rujia 新儒家),, Jiang Qing 蒋庆,, defende que a reconstrução de uma China póspós comunista dependerá de um Confucionismo capaz de fazer frente aos desafios da sobrevivência da cultura chinesa. E para p tal, o Confucionismo deve serr entendido como uma espécie de religião, nos moldes da Igreja Anglicana ou das associações Budistas. A proposta de Jiang parece ligeiramente bizarra, tendo em vista a longa tradição de intelectuais confucionistas dispostos a escapar desse tipo de controvérsia. Todavia, segundo gundo Jiang, a transformação do Confucionismo não seria um processo puramente arbitrário. Ele estaria calcado em alguns elementos fundamentais e factíveis, tais como: a) de que o Confucionismo é o cerne da moral chinesa, e a moral é dada pela religião; b) de que o sucesso da moralidade confucionista poderia ser explicado como uma benção do Céu (Tian),, caracterizando uma intercessão celeste, prova cabal de sua divindade; c) que a transição da figura de Confúcio de um sábio para uma espécie de profeta messiânico não seria estranha ao pensamento religioso chinês, tal como se deu com várias outras personalidades históricas chinesas (BUENO, 2007). Como ele mesmo cita:

Como uma religião de Estado, o confucionismo tem definido a natureza da civilização chinesa, chinesa, moldado a identidade cultural da nação chinesa, e formando o consenso axiológico e as convicções espirituais do povo chinês. Na história, a religião de Confúcio tem realizado três funções. Primeiramente, ela estabelece a legitimidade política para o governo governo chinês, por uma fundamentação transcendental e sagrada para a política. Em segundo lugar, ele provê as normas éticas para regulamentar a conduta social do povo chinês com base em ritos. Em terceiro lugar, ele provê a fé religiosa para o povo, com base se em valores transcendentais e sagrados, como interpretado pelos sábios confucionistas. Essas três funções não estão obsoletas no mundo contemporâneo. (apud RUICHANG,, 2005, p. 41) Ainda que a proposta de Jiang não seja levada a sério pela maioria dos pensadores no Novo Confucionismo atual, é inegável que ela possui um forte apelo popular, expresso na preocupação do atual regime chinês com sua difusão. Em resposta a isso, o mesmo governo erno chinês patrocina (e tenta controlar) a divulgação do Confucionismo, como podemos observar pelo inequívoco sucesso do filme Confucius (2010), (2010) no qual ele aparece como professor, educador, sábio, e praticamente praticamente um herói – mas humano, absolutamente humano. Uma conclusão Por esta breve apresentação, portanto, extraímos o sentido de que o Confucionismo, Confucionismo seja como movimento intelectual, religioso, moral ou filosófico, admite como sua estrutura fundamental de existência um conjunto de regras básicas extremamente flexíveis, flexíveis no que tange a absorção de novos elementos provenientes de fora de sua constituição original. Como modelo de sistema de pensamento, o Confucionismo tem a possibilidade extremamente atraente de contradizer as definições definições categóricas arbitrárias, de reconstruir-se se constantemente e evoluir; longe, pois, de constituir-se constituir como uma doutrina fechada e hermética. rmética. O Confucionismo existe há mais de 2000 anos, e continua a existir como proposta intelectual viva, viva independente e atuante. ante. Será, pois, que é justamente este o seu segredo? Caberá a nós, portanto, saber como lidar com o Confucionismo em breve, diante desse inescapável diálogo cultural que se impõe com a China (de ontem e) de hoje.

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