PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E LEGITIMIDADE - A Experiência Brasileira de 1964/1967

July 3, 2017 | Autor: Rafael Romera | Categoria: Direito, Direito Processual Civil, Direito Constitucional, Direito Civil
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RAFAEL ALBERTINI ROMERA

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E LEGITIMIDADE A Experiência Brasileira de 1964/1967

CURITIBA 2009

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RAFAEL ALBERTINI ROMERA

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E LEGITIMIDADE A Experiência Brasileira de 1964/1967 Monografia de Conclusão de Curso apresentada à FAE – Centro Universitário, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Santos

CURITIBA OUTUBRO 2009

Professor

Fernando

Muniz

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RAFAEL ALBERTINI ROMERA

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E LEGITIMIDADE A Experiência Brasileira de 1964/1967

Este trabalho foi julgado adequado para a obtenção de grau de Bacharel em Direito e aprovado na sua forma final pela Banca examinadora, da FAE – Centro Universitário. Curitiba,

de

de 2009.

BANCA EXAMINADORA

Professor Fernando Muniz Santos

Professor Sérgio Kalil

Professor Gabriel Placha

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RESUMO ROMERA, Rafael Albertini. Poder Constituinte Originário e Legitimidade: A Experiência Brasileira de 1964/1967. 80p. Monografia (Direito) - FAE - Centro Universitário. Curitiba, 2009. O poder constituinte, em sua forma originária, tem o condão de criar uma nova Constituição. Para isso, o poder constituinte tem de ser legítimo, possuindo, dentre outras, as seguintes características: a agente constituinte tem que ter seu poder ilimitado, os poderes políticos influentes no processo constituinte têm que ser legítimos, o povo tem que ter participação democrática nas decisões, os direitos fundamentais dos indivíduos têm que ser garantidos. O processo constituinte do movimento militar entre 1964 e 1967, como decorrência do golpe militar de 1964, teve um caráter essencialmente autoritário, que usurpou as características fundamentais que torna legítima a atuação do poder constituinte. O presente trabalho é uma análise do processo constituinte do movimento militar entre 1964 e 1967, demonstrando suas condutas autoritárias e ilegítimas. Palavras-chave: Poder Constituinte; Poder Constituinte Originário; Legitimidade; Movimento Militar; Golpe Militar de 1964; Autoritarismo.

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SUMÁRIO 1

INTRODUÇÃO......................................................................................................6

2.1 ORIGEM DO PODER CONSTITUINTE ................................................................8 2.2 O PENSAMENTO DE SIEYÈS E O CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE 11 ORIGINÁRIO.............................................................................................................11 2.3 O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DERIVADO...................................14 3

LEGITIMIDADE DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ............................15

3.1 A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE E A LEGITIMIDADE...........................15 3.2 A CONSTITUIÇÃO PARA FERDINAND LASSALLE ..........................................16 3.3 UMA CERTA CONCEPÇÃO DE PODER ...........................................................17 3.4 PODER POLÍTICO .............................................................................................19 3.4 POVO..................................................................................................................21 3.7 DEMOCRACIA....................................................................................................25 3.8 EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ..................................28 3.9 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E REVOLUÇÃO...................................31 4

O PODER CONSTITUINTE DO MOVIMENTO MILITAR ENTRE 1967 E 1969.34

4.1 CONTEXTO HISTÓRICO, ORIGENS E FUNDAMENTOS PARA O GOLPE DE 1964 ..........................................................................................................................34 4.2 O GOLPE MILITAR E O INÍCIO DO AUTORITARISMO ....................................39 4.3 A EDIÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE 1967 .........................................................45 4.3 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E O AUTORITARISMO COMO USURPAÇÃO DO PODER........................................................................................49 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................55 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................57 ANEXO 1 – ATO INSTITUCIONAL Nº 1...................................................................60 ANEXO 2 – ATO INSTITUCIONAL Nº 2...................................................................65 ANEXO 3 – ATO INSTITUCIONAL Nº 3...................................................................75 ANEXO 4 – ATO INSTITUCIONAL Nº 4...................................................................78

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1

INTRODUÇÃO O poder constituinte, em sua forma originária, tem o condão de criar uma

constituição. É o poder constituinte que cria e delimita as competências das funções do Estado, quais sejam, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. O poder constituinte é invocado sempre que necessário, sempre que uma determinada realidade de uma sociedade esteja em confronto com o direito vigente, quando esta relação se torna insuportável. Quando a sociedade se depara com esta situação, é preciso, de alguma forma, que o direito se amolde a presente situação. Mas quem pode fazer isso? Em nome próprio ou representando uma coletividade? Seja como for, apenas se pode falar em poder constituinte se este for legítimo. Para alcançar a legitimidade, o agente do poder constituinte tem por obrigação ser o porta-voz da população, pois a Constituição deve ser o reflexo dos interesses do povo. Ao analisar a história recente do Brasil, especificamente na formação da Constituição de 1967, compreendendo como ela ocorreu, é um grande objeto de estudo onde se podem verificar várias condutas autoritárias contrárias a qualquer senso de legitimidade presente na situação atual do nosso país. Na época do Golpe Militar de 1964, o Brasil se encontrava em uma turbulência política. Nos 20 anos anteriores ao golpe, apenas dois presidentes terminaram seus mandatos. A instabilidade tomou conta do país e a população não tinha noção de qualquer diretriz que o Governo poderia tomar. Esta situação era decorrente, em grande parte, da tensão mundial advinda após a Segunda Guerra Mundial, com a chamada “guerra fria”. A instabilidade política do Brasil era acompanha de perto por forças e influências norte-americanas dentro do País, que tinham o interesse de difundir seu idealismo. Os norte-americanos exerciam influências nos grandes empresários brasileiros e nos militares, que eram seu principal agente de força. Com uma série de episódios marcantes na história brasileira que resultaram na presidência de João Goulart, em 1964, os militares, insatisfeitos com a gestão e com as

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tendências esquerdistas do Presidente, armaram e efetivaram um golpe que depôs o João Goulart. Com os militares no poder, estes tinham que garantir a sobrevivência e a estabilidade de seu Governo. Para atingir estes objetivos e para evitar que a resistência ao novo Governo se organize e tome o poder novamente, foram editados Atos Institucionais que centralizavam praticamente todo o poder no Executivo e, conseqüentemente, davam liberdade para os militares agirem como queriam. Esta foi a tônica para criação da Constituição editada em 1967. Ao retomar uma realidade já superada em nosso país, o presente trabalho busca analisar como ocorreu o processo de legitimação (ou a tentativa) dos militares a partir do Golpe em 1964, expondo, primeiramente, quais são as características presentes para um processo constituinte legítimo contrapondo como ocorreu nesta experiência brasileira para que, ao final, seja possível compreender sobre a importância do processo constituinte na formação de uma Constituição para o povo.

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2

PODER CONSTITUINTE

2.1

ORIGEM DO PODER CONSTITUINTE O Poder Constituinte originário é o poder que tem o condão de criar uma nova

Constituição. Para esclarecer este entendimento, faz-se necessário compreender qual é a necessidade de uma Constituição e como foi a construção da idéia do que é preciso para que esta organização fundamental do Estado se constitua. Para isto, nos deparamos com o desenvolvimento das sociedades, desde a Antiguidade, até o reconhecimento do valor jurídico das constituições no fim do século XVIII, onde ocorreram as primeiras compilações escritas que consideravam regras fundamentais para a sociedade. Desde quando as primeiras tribos resolveram se organizar, estruturar e se proteger mediante a outorga a um chefe desses poderes de governo, podemos dizer que ocorre a existência de uma Constituição. Em decorrência desta atribuição, o chefe, que era o mais velho, característica da sociedade patriarcal, tinha a incumbência de garantir direitos conhecidos costumeiramente pelos indivíduos. Portanto, a existência das normas nesta Constituição era oriunda de costume e de habitualidade, ou seja, eram consuetudinárias. Em consideração a importância das normas de coordenação da coletividade, Ferreira Filho1 menciona que já Aristóteles considerava mais relevantes as leis que eram concernentes à organização do governo do que as demais leis. Este pensamento também era consoante em Atenas, uma das principais sociedades na Antiguidade. Ainda segundo o autor, na Idade Média, surge a doutrina pactista medieval, onde a vontade dos homens já se tornava importante para formação da base governamental, mas que consideravam Deus como responsável por esta organização.

1

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 3-4

9

A doutrina apontava que a organização do governo ocorreria por intermédio do poder político que nela era inserida. A doutrina pactista medieval se aproxima com a do contrato social, a diferença é que nesta ocorre a valoração do acordo de vontades dos homens que compõem a sociedade para esta ser entendida e naquela o acordo seria apenas dos homens já presentes no corpo político que tinham em Deus a justificativa de seu poder, sendo que a vontade dos outros indivíduos eram tacitamente considerados2. Os doutrinadores do contrato social objetivam justificar a organização da sociedade. No tocante ao poder constituinte, este assunto torna-se importante para levantarmos o avanço no reconhecimento do valor jurídico das constituições. São três os principais doutrinadores do contrato social: Hobbes, no Leviatã, de 1651; Locke, no Segundo tratado do governo civil, da última década do século XVII; e Jean-Jacques Rousseau, no Contrato social, de 1762. Também vale destacar a obra de Montesquieu, que surgiu em 1748, em O espírito das leis. Embora com fundamentações distintas sobre o contrato social, todos os autores apontam o acordo livre entre os homens para que a sociedade seja entendida. Hobbes escreve o Leviatã, logo após o surgimento da república na Inglaterra. Hobbes acredita que o homem, para viver em sociedade, deveria abdicar de todos seus direitos naturais. A preocupação de superar o estado de natureza vem no interesse dos indivíduos em preservar seus bens e suas vidas. Somente assim viveriam em paz. Para isso, o contratualista defende que deve existir uma lei fundamental, no qual o soberano monarca comum assume todos os poderes para preservar a sociedade, conforme os interesses desejados pelos seus componentes3. Esta é uma teoria contratualista que justifica a monarquia absoluta. Na Inglaterra, em 1688, ocorre a Revolução Gloriosa, no qual surge o Bill Of Rights. Tal Revolução restringe os direitos reais na medida em que coloca o

2 3

Ferreira Filho, p. 5-6

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO; Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 182.

10

Parlamento inglês como responsável pelo legislativo, dentre outros atos que limitam o poder do monarca. Já se instaura, então, uma divisão de poderes. Um ano após esse movimento, em 1690, Locke publica o Segundo tratado do governo civil. Nesta obra, Locke molda e fundamenta o que ocorreu com a separação dos poderes, entre legislativo e executivo, se opondo a monarquia absolutista. Ele acredita que a sociedade política seria responsável por garantir o desfrute da propriedade. O Poder Público deve garantir a tutela dos direitos já preexistentes ao Estado, que, com um poder absoluto, estaria ameaçado.4 Locke também esclarece que o Legislativo teria apenas a função de editar leis, pois se igualmente tiverem o poder de aplicá-las seria correr o risco de usurpá-lo, amoldando as leis a seu próprio favor. Quanto ao Executivo, permanece com o poder de julgar. Montesquieu, em sua obra, O espírito das leis, publicada em 1748, divulga a idéia de que liberdade política, todos os poderes do governo devem ser equilibrados, para que “o poder freie o poder”. Segundo ele, os poderes devem ser três: o legislativo, o executivo, e o de julgar. Assim, se evitaria o abuso de poder, limitando o poder político, pois segundo ele todo homem que possui poder é tentado a abusar dele. Rousseau, em sua obra Contrato social, publicado em 1762, anuncia a idéia de que o poder soberano pertence diretamente ao povo, é o pacto social. O que diferencia Rousseau dos outros contratualistas é que ele defende que a Constituição deve ser o espelho da vontade do povo soberano, pois não a um modelo pronto e ideal para todos os povos. Este é o princípio da soberania popular. Para ele, o Legislativo não deveria ser limitado por nenhuma regra, pois é por este poder que a soberania do povo é emanada, onde a vontade geral ganha força e onde é representado5. Esta foi a tônica para a Revolução Francesa no final do século XVIII, onde os revolucionários, ditos representantes do povo, assumem o Parlamento e fazem com que este tenha supremacia frente ao monarca. Ocorre que, ao fortalecer o Parlamento 4

Mendes; Coelho; Branco. p. 183.

5

Mendes; Coelho; Branco. p. 186.

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em detrimento do monarca, acabam se desvirtuando o que propunha Rousseau, uma vez que os poderes não mais eram equilibrados. Essa supremacia do Legislativo enfraqueceu a lei fundamental, a Constituição. Isso porque esta não era protegida por aquela, uma vez faltavam mecanismos para defender a Constituição. Não havia como contrastar o que era decidido pelo Legislativo: o judiciário atuava para aplicar exatamente o que constava na lei, sem margem para interpretação e não havia controle de constitucionalidade efetivo, uma vez que era remetida ao próprio legislativo eventuais lacunas e contrariedades das leis. Diante do já exposto, vê-se que a construção da necessidade de uma fonte normativa maior vem juntamente como um arrimo de uma situação social e política presente em um determinado Estado. É perceptível que para cada circunstância da história são criados entendimentos pela própria sociedade para melhor compreendê-la, assim é como o a teoria dos contratualistas evolui e cada vez mais a discussão em torno da relevância da constituição como organização do Estado foi se tornando importante.

2.2

O PENSAMENTO DE SIEYÈS E O CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO O tema de poder constituinte originário teve sua primeira abordagem em

Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836), em seu livro Que é o Terceiro Estado. O livro publicado foi um manifesto para a Revolução Francesa, em prol das reivindicações da burguesia frente ao absolutismo. O Terceiro Estado para Sieyès eram as pessoas que não pertencessem à nobreza ou ao alto clero. Nesta definição incluía-se a burguesia. A burguesia era quem produzia a riqueza do país e ainda exercia quase integralmente as funções públicas que não geravam lucros nem títulos de honra. Embora fosse a burguesia quem motivava toda a riqueza do país, ela não possuía qualquer direito. Para ele, a nação se

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identificava com o Terceiro Estado e, portanto, teria que ter papel ativo na organização do Estado. Em seu livro, Sieyès demonstra uma forma representativa de Governo e forma o conceito de poder constituinte originário. O poder constituinte é o suporte para a Constituição e tem superioridade perante qualquer outra norma. Face esta superioridade, a Constituição precisa sempre ser reconhecida como valor máximo de um Estado e, por isso, precisa criar mecanismos para assim se manter. Por isso, Sieyès ainda diferencia o poder constituído originário e o poder constituído. Celso Ribeiro Bastos6 define bem o conceito de poder constituinte originário e a distinção entre poder constituinte e constituído para Sieyès: A criação de um corpo de representantes necessita de uma Constituição, na qual sejam definidos os seus órgãos, as suas formas, as funções que lhe são destinados e os meios para exercê-las. As leis constitucionais regulam a organização e as funções dos poderes constituídos (corpos), entre os quais se encontra o Legislativo. Elas são leis fundamentais porque não podem ser tocadas pelos poderes constituídos: somente a nação tem o direito de fazer a Constituição. O poder constituinte é, assim, um poder de direito, que não encontra limites em direito positivo anterior, mas apenas e tão somente no direito natural, existente antes da nação e acima dela. Além disso, o poder constituinte é inalienável, permanente e incondicionado. A nação não pode perder o direito de querer e de mudar à sua vontade; não está submetida à Constituição por ela criada nem a formas constitucionais; seu poder constituinte permanece depois de realizada a sua obra, podendo modificá-la, querer de maneira diferente, criar outra obra, independentemente de quaisquer formalidades. Os poderes constituídos, ao contrário, são limitados e condicionados; recebem a sua existência e a sua competência do poder constituinte; são organizados na forma estabelecida na Constituição e atuam 7 segundo esta.

Portanto,

o

poder

constituinte

originário

cria

uma

nova

Constituição,

organizando-o e definindo os poderes que devem reger os interesses da comunidade. É o poder constituinte originário distinto e anterior a autoridade dos poderes constituídos, pois este somente possui poder porque lhe é concedido pela constituição.

6

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional; São Paulo: Saraiva, 1998

7

Sieyès, apud Bastos, 1998, p. 22-23

13

Sieyès entendia que o povo é o soberano da nação e, portanto o titular do poder constituinte. Como não poderia se justificar usando um direito positivo, ele afirma que é o direito natural da nação que embasa a renovação da ordem jurídica, pois este é um direito superior que decorre da própria natureza humana. Nação, para Sieyès, “(...) é a encarnação de uma comunidade em sua permanência, nos seus interesses constantes, interesses que eventualmente não se confundem nem se reduzem aos interesses dos indivíduos que a compõe em determinado instante”8. Sieyès ainda aborda as características do poder constituinte originário, quais sejam: inicial, ilimitado e incondicionado. É inicial, pois é a raiz de todo o ordenamento jurídico, é sua base. É pelo poder constituinte que ocorre o início da ordem jurídica. Sieyès diz que o poder constituinte é ilimitado, pois não se vincula à ordem anterior. No entanto, o abade afirma que é dever do poder constituinte respeitar o direito natural. O caráter incondicional se configura, pois, como não há previsão de sua criação, também não é regulado por qualquer norma. É a nação que diz o que quer e é pela sua vontade e sem qualquer influência que o poder constituinte atuará. Sieyès deu um grande salto e desenvolveu o conceito do poder constituinte que, em grande parte, vigora até a atualidade. Porém, uma característica interessante deste poder, é de que não se deve encarar o pensamento de Sieyés como modelo para se ter uma constituinte ideal, como o próprio abade proclama, o poder constituinte sempre terá a vontade da nação como requisito para sua constituição.

8

Ferreira Filho, p. 23.

14

2.3

O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DERIVADO Para José Afonso da Silva, “Poder constituinte é o poder que cabe ao povo de

dar-se uma constituição. É a mais alta expressão do poder político, porque é aquela energia capaz de organizar política e juridicamente a Nação”9. Este conceito de José Afonso da Silva refere-se ao poder constituinte originário, onde há um caráter inicial, pois produz originariamente o ordenamento jurídico de um Estado. O poder constituinte originário ocorre na formação de um novo Estado ou em uma hipótese revolucionária em que seja necessária uma nova Constituição para legitimar uma situação política e social de uma determinada época. O poder constituinte derivado refere-se ao poder de reforma da Constituição, sendo por ela mesma prevista. Estas alterações são necessárias visto a evolução dos fatos sociais. Esta reforma pode ser por modificações ou por adições aos textos constitucionais, mas sempre previstos por estes. A reforma é realizada por poderes constituídos, conhece limitações constitucionais e é passível de controle de constitucionalidade. Portanto, os dois poderes não podem ser confundidos, o poder constituinte derivado não possui as características básicas do originário, quais sejam, não é inicial, não é ilimitado, nem incondicionado. Este poder tem características contrárias, ele é derivado, subordinado e condicionado. A modalidade originária do Poder Constituinte é o que interessa para o presente trabalho.

9

SILVA, Jose Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular. São Paulo: Malheiros, 2000. p.67

15

3

LEGITIMIDADE DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

3.1

A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE E A LEGITIMIDADE A questão mais relevante para uma teoria do poder constituinte é o problema em

torno de sua legitimidade. Poder constituinte, pelo seu termo e analisado formalmente, sempre existiu, pois a cada momento que uma sociedade decide se organizar para estabelecer fundamentos para sua organização, em qualquer tempo da história se pode dizer que ocorreu o fenômeno constituinte, pois este é seu instrumento. O que se torna de essencial importância é a legitimidade dessa constituinte, quem pode fazê-lo e quais seus fundamentos. Pelo que foi visto no primeiro capítulo deste trabalho, vários foram considerados os titulares do poder constituinte durante a história. Na Idade Media era Deus considerado como titular do poder constituinte. Com as monarquias absolutas, a titularidade recaia ao monarca. Já durante a Revolução Francesa, com fundamento em Sieyès, a titularidade passa à nação10. A nação é titular, que, de acordo com o abade Sieyès, deve ser exercido de forma representativa. Ocorre que os representantes podem ter sua autoridade questionada, ou seja, pode ser que não haja mais legitimidade em seu poder, o que enseja uma reavaliação da presença dos valores inerentes à sociedade que justificam seu comando e a obediência dos governados11. Deste juízo de Sieyés, se extrai a importância da legitimidade do poder constituinte para, posteriormente, a Constituição ser efetiva. Porém, compreender como ela é construída e quais são as influências que nela incorrem é de fundamental importância para entender a questão da legitimidade do poder constituinte.

10

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003. p.158

11

BONAVIDES, p.160

16

3.2

A CONSTITUIÇÃO PARA FERDINAND LASSALLE Ferdinand Lassalle (1825-1864), em seu livro “A Essência da Constituição”,

resultado de sua conferência pronunciada em 1863 para intelectuais e operários da antiga Prússia, foi o precursor da teoria crítica da ordem jurídica, onde se preocupa em explicar o que é uma Constituição. Neste livro, Lassalle aponta que as instituições jurídicas são os “fatores reais do poder” que são transcritos em “folha de papel”, termo muito utilizado pelo autor. Ele tem como base para sua análise a Constituição Prussiana, que era considerada extremamente autoritária. Lassalle diz que uma Constituição deve ser rígida, pois ela é uma lei fundamental da nação, é mais do que uma simples lei. Ela deve ser firme e imóvel, não deve ser alterada, ou se for necessário, deve ter dois terços do voto do Parlamento. A lei fundamental deve ser a lei básica, como o próprio nome já diz, que constitua o fundamento das outras leis. A Constituição é uma “força ativa” que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes seguem. Esta “força ativa” se apóia nos fatores reais do poder que regem a sociedade. Os fatores reais de poder influenciam todas as leis e instituições jurídicas vigentes.12 Cada fator real do poder influencia o legislador para editar suas leis. São os fatores reais: o monarca, a aristocracia, a grande burguesia, os banqueiros, a pequena burguesia e a classe operária. Cada um é uma parte da Constituição: o monarca porque detém o poder do exército; a aristocracia porque são a nobreza, grandes proprietários de terras que exercem influência na corte; a grande burguesia, pois são responsáveis pela indústria do Estado, possuem grande capital e empregam operários, tendo um importante papel na sociedade; os banqueiros pois emprestam dinheiro ao Governo; a pequena burguesia e a classe operária porque são a maioria da população que, mesmo controlados pelo Governo, não aceitariam restrições em suas liberdades pessoais, podendo se rebelar e causar problemas para o Governo. A partir do

12

LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988. p.5-11

17

momento que a soma dos fatores reais do poder adquirem expressão escrita, se tornam direito e instituição jurídica13. Na Prússia, na época da conferência feita por Lassalle, o rei tinha total controle sobre o Exército e sobre a Marinha, e estas instituições não eram obrigadas a guardar a Constituição e sim apenas ao monarca. Com isso, segundo o autor, o monarca tem um poder muito superior ao restante da Nação inteira, demonstrando o tamanho da força política que o rei tem em suas mãos. O autor ainda afirma que este poder do rei é organizado, enquanto o poder da nação não. O poder organizado consegue se reunir a qualquer tempo, o que não acontece com a nação, situação que impede resistência às condutas do monarca, razão pela qual o rei se sustenta pelo decorrer dos anos14. O autor afirma que as Constituições escritas são constituídas de acordo com os fatores reais de poder que regem o país, somente assim ela se tornar efetiva. Se não houver esta correspondência, a constituição escrita fatalmente sucumbirá a qualquer momento. Segundo Lassalle, os problemas constitucionais são essencialmente de poder e não de direito15.

3.3

UMA CERTA CONCEPÇÃO DE PODER Partindo do entendimento de Lassalle, de que a constituição é resultado de um

conflito de poderes existentes em uma sociedade, resta compreender a extensão do termo “poder” e também relacioná-lo com o direito. A constituição como um complexo de normas que regem uma estrutura social e política, se forma com um sistema de poderes. Nelson Saldanha afirma que toda situação social é acompanhada como um aspecto de poder. Para o autor, todas as espécies de poder, seja econômico, psicológico, militar ou político englobam o poder

13

Lassalle, p. 11-18

14

Lassalle, p. 22-25

15

Lassalle, p. 41-49

18

social, e só podem ser considerados como autêntico poder quando atuam em relações de caráter social. Portanto, o poder tem um caráter pluralístico, sendo mais ou menos sociais.16 Segundo o Nelson Saldanha: Podemos considerar antes do mais as formas do poder que são espécies evidentes do poder social, ou setores seus: o poder econômico, o político, o militar, o jurídico. E há poderes não propriamente sociais, mas que melhor se manifestam quando aparecem em relações sociais, como o poder psicológico ou o biológico. Em verdade a “vantagem” resultante de qualquer espécie de poder é antes de tudo, num plano genérico, vantagem “social”: o possuidor de qualquer grande capacidade econômica, de qualquer grande prestígio religioso, de grande aptidão psíquica ou física, adquire uma amplitude de 17 oportunidade de ação que tem em primeiro termo sentido social genérico.

No entanto, apesar dessa grande amplitude do termo, tem-se que aproximar o conceito de poder ao ponto de vista jurídico. Somente com esta compreensão, percebe-se que a Constituição não é somente uma conjugação de poderes ou um aglomerado de normas, é justamente com a interação destes dois fatores é que se pode falar em Constituição. Desta forma, tendo em vista o entendimento do poder social, pode-se dizer que nada mais se une a ele do que o direito. Isto pelo motivo de que o poder social se relaciona a todos os planos da sociedade, tendendo a se tornar direito. ”Na medida em que o jurídico é prestigiado pelo social, os alcances do poder se aproximam do direito; na medida em que o jurídico inclui o poder e o penetra, o poder se alça e adquire investimento jurídico”18. Neste sentido, deve existir uma sintonia entre a realidade social e o poder para se formar uma Constituição. Desta forma, a Constituição não será apenas um conjunto de normas, mas irá refletir e estará em conformidade com a sociedade e com os poderes que nela atuam. Tendo em vista que a Constituição é o reflexo das influências atuantes da sociedade, ela deve ter a finalidade de limitar e definir o alcance destas influências. Isto 16

SALDANHA, Nelson. O Poder Constituinte. São Paulo: Revisto dos Tribunais, 1986. p.31-32

17

Saldanha, p. 38-39.

18

Saldanha, p. 50.

19

tem relação com a atuação do Estado. Segundo a concepção de Flávio Bierrenbach, Estado “é uma nação com um governo institucionalizado”19. A estabilidade do governo é mantida pela Constituição, que deve limitar suas competências para impedir o uso arbitrário do poder estatal e definir o raio de ação do poder político para que este atue nos conflitos entre classes, impedindo o arbítrio do poder econômico em face dos demais cidadãos. Sem a existência desses freios para controlarem o poder, não se pode falar em governo constitucional. Estas principais finalidades da Constituição têm o objetivo de garantir a liberdade e a igualdade dos cidadãos20.

3.4

PODER POLÍTICO O poder social para alcançar o direito tem como instrumento a política, esta é

entendida como o conjunto de meios utilizados para o acesso, exercício e manutenção do poder. Toda Constituição, como norma fundamental de um Estado e como resultado de um conjunto de influências na sociedade, implica em uma ligação do que compreende aspectos jurídicos e políticos. A política é usada para atingir finalidades de interesse da sociedade, sendo que o modo como isto se procede é de caráter essencialmente político, até chegar à sua inserção em uma ordem jurídica. O poder político é a decorrência da capacidade de influência de seu corpo de afetar a vida da sociedade, possibilitando o controle e o direcionamento do Governo. O poder político visa à preservação dos valores fundamentais do indivíduo, da sociedade e do Estado, e procura métodos adequados para atingir esses objetivos, ou seja, procurar atingir o bem comum. Dalmo de Abreu Dallari menciona três dualismos fundamentais para êxito desses objetivos21:

19

BIERRENBACH, Flavio. Quem tem medo da Constituinte? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 23

20

Bierrenbach, p. 41

21

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2003. p.130

20

a) necessidade e possibilidade. É a verificação das necessidades do povo, de forma a preservar seus valores, assegurando elementos compatíveis com a natureza humana e a sua sobrevivência, e estabelecer, de acordo com as possibilidades, os métodos para a consecução desses fins; b) indivíduos e coletividade. É a conciliação das necessidades dos indivíduos e da coletividade, tendo em consideração que, embora o indivíduo tem o valor mais alto, deve ser analisado ele inserido no contexto da sociedade, de forma a não privilegiar um ou alguns indivíduos em detrimento dos outros; c) liberdade e autoridade. Trata-se da possibilidade de existir coerção por parte do governo para manter a ordem e atingir os objetivos propostos, mas com cautela para não ensejar demasiada restrição a este direito, que é um dos valores fundamentais da pessoa humana. Juntamente com a conceituação de poder político, faz-se necessário compreender o entendimento de que esta condição (poder político) é estritamente ligada à concepção de Lassalle, no qual a Constituição seria o resultado dos fatores reais de poder, partindo do pressuposto de que quem detém poder político é capaz de influenciar na edição da norma fundamental, mas com a distinção de que, se a Constituição não mais atender completamente os interesses do poder político, nem sempre suas normas não serão mais efetivas, isto porque a Constituição possui um vigor normativo que pode atribuir regras para o poder político e este pode aceitar sem uma necessária alteração na norma fundamental. Contrapondo-se a Ferdinand Lassalle, o professor Konrad Hesse, elaborou um trabalho em 1959 afirmando que a Constituição não deve ser encarada apenas como um desfecho das influências dos fatores reais de poder, pois assim a Constituição sempre será vista em uma forma negativa, como apenas um instrumento para justificar as forças dominantes de um Estado em um determinado momento. Segundo Hesse, a Constituição possui uma força própria, motivadora e ordenadora do Estado22. Segundo o autor, a Constituição terá força ativa se as regras nela contidas forem efetivamente realizadas. Para isso, ela deve ter vinculação com as tendências 22

HESSE, p. 11.

21

dominantes da situação atual do Estado, preservando as disposições culturais, sociais, políticas e econômicas presentes. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a 23 vontade de poder, mas também a vontade de Constituição .

A vontade de Constituição, segundo Hesse, é caracterizado pela vontade de manter o respeito à Constituição, mesmo que, em certo momento, seja necessária a renúncia a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens. A freqüente revisão ou criação de novas Constituições sob alegação de suposta necessidade política desvaloriza a eficácia da norma Constitucional, por isso a sua estabilidade é condição fundamental24. Assim, entendendo o que é poder político, pode-se dizer que a Constituição é decorrente de uma força política apta a instituir e preservar o vigor normativo de seu conteúdo. O poder constituinte, então, é a exteriorização da vontade política da nação que “não pode ser entendido sem a referência aos valores éticos, religiosos, culturais que informam essa mesma nação e que motivam suas ações”25.

3.4

POVO Percebe-se que o detentor o poder político, ou pelo menos quem o exerce, não é

o povo como um todo, mesmo sendo ele o foco deste poder. A palavra “povo” é uma constante nas Constituições modernas, seja em seu texto, seja invocando o poder constituinte. Está na atual constituição brasileira, no § único de seu art. 1º: “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Está

23

Hesse, p. 19.

24

Hesse, p. 23

25

Mendes; Coelho; Branco. p. 197-199.

22

também na constituição alemã, em seu preâmbulo: “o Povo Alemão, por força do seu poder constituinte”26. Esta palavra é demasiadamente usada no vocabulário político e jurídico, sendo preciso em grande esforço para se atingir uma noção aceita de seu sentido. Para isso, tem-se que esclarecer algumas confusões quanto ao termo e aproximá-lo à sua concepção jurídica. Primeiramente, cumpre esclarecer a diferença entre povo e população. População é apenas uma expressão numérica que cinge o conjunto dos indivíduos que compõe um Estado. Povo não pode se resumir a esta concepção, o termo população não abrange nenhuma vinculação jurídica entre o individuo e o Estado27. Outra diferenciação importante ocorre entre povo e nação. Como já visto, nação foi o grande termo utilizado por Sieyès em seu manifesto da Revolução Francesa, sendo utilizado para exteriorizar o que se referisse ao povo na época. Desta forma, ligava-se à nação como um sentido de Estado. No entanto, modernamente, a nação não é mais entendida desta maneira. Este termo agora abarca apenas a origem do indivíduo, como inserido em uma comunidade com ligações histórico-culturais, com mesmos ideais e costumes. Portanto, a extensão deste termo também não abrange conexão jurídica entre o individuo e o Estado28. A conexão dos indivíduos com o Estado ocorre em duas situações: quando estão em uma relação de subordinação ao Estado, sendo sujeito de deveres, e quando se encontram em uma relação de coordenação com o Estado e com os outros indivíduos, sendo, portanto, sujeito de direitos. Neste juízo de idéias, quando o indivíduo se insere neste relacionamento, pode-se dizer que ele é um cidadão. No entanto, para ser considerado um cidadão, pressupõe-se a participação do indivíduo na constituição do Estado, pois é isso que vai consignar um caráter permanente dessa

26

MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo? São Paulo: Max Limonad, 1998. p.47-48

27

Dallari, p. 95.

28

Dallari, p. 96.

23

relação, mesmo com o nascimento de outros indivíduos. Assim, considera-se um cidadão com capacidade e direitos políticos, pois é atuante e participativo no Estado29. Como Dalmo de Abreu Dallari afirma: Todos os que se integram no Estado, através da vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar povo como o conjunto de cidadãos do Estado. Desta forma, o indivíduo, que no momento mesmo de seu nascimento atende aos requisitos fixados pelo 30 Estado para considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão.

Müller amplia ainda mais o conceito do povo, dizendo que não são apenas os cidadãos, pois ninguém está excluído do povo-destinatário, isto é, mesmo que a pessoa perca temporariamente a capacidade de exercer os direitos civis, como os doentes mentais ou os menores de idade, também estes tem sua pretensão normal aos seus direitos fundamentais31. Diante do exposto, há necessidade da participação do povo no processo constituinte do Estado. Este deve ser a expressão da vontade popular, de forma a realizar suas aspirações. Se não ocorrer deste modo, não há como falar em legitimidade seja do corpo político, seja do governo, seja do processo constituinte por si mesmo.

3.6

DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO A Constituição, como norma fundamental do Estado e com o objetivo de

guardar os interesses do povo, deve preservar um conjunto de princípios inerentes à condição humana, decorrentes de suas condições e de seus desejos permanentes. Pode-se afirmar isto, pois, como já visto, a Constituição somente se legitima com o povo, e este possui direitos intrínsecos à sua categoria.

29

Dallari, p. 98-100

30

Dallari, p. 100

31

Müller, p. 79-80.

24

Esta preocupação se volta até a Antiguidade, onde as sociedades já se preocupavam na preservação de direitos fundamentais, pois estes estão acima do poder de qualquer governante. Os direitos fundamentais nesta época eram decorrentes de uma combinação de preceitos jurídicos, morais e religiosos de uma determinada sociedade. No entanto, o documento que é considerado o precursor destes resguardos é a Magna Carta da Inglaterra, que majorou os direitos da igreja e dos nobres da época em detrimento do poder absoluto do monarca. Em seu conteúdo, estabeleceu princípios que tiveram uma consagração universal, como, por exemplo, o grande instrumento contra a restrição da liberdade, o habeas corpus. Ainda na Inglaterra, no ano de 1689, houve a criação pelo Parlamento do Bill Of Rights, que garantia liberdade de expressão e liberdade política, os indivíduos podiam eleger seus representantes e podiam também ter voz ativa no Parlamento32. No ano de 1776, na intitulada Declaração de Virgínia, surgiu a primeira declaração de direitos, que tinha como foco a preservação de direitos naturais do indivíduo, cuja cláusula primeira proclamava “que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inerentes, dos quais, quando entram em qualquer estado de sociedade, não podem por qualquer acordo, privar ou despojar os pósteros; quer dizer, o gozo da vida e liberdade, com os meios de adquirir e possuir propriedade, e perseguir e obter felicidade e segurança”33. Percebe-se, no conteúdo desta primeira cláusula da declaração da Virgínia a prevalência dos direitos naturais, que estão acima das próprias Constituições. A Assembléia Nacional francesa, inspirada pelo feito em Virgínia, ocorreu em 1789, onde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi aprovada, que compreendeu em dezessete artigos e um preâmbulo os ideais do liberalismo francês na primeira fase da Revolução Francesa. Esta declaração representou o maior marco para a preservação dos direitos e valores fundamentais da pessoa humana e tem um caráter notável até os dias atuais. A declaração envolve direitos de liberdade de opinião e política, igualdade, finalidade do poder político, propriedade, segurança, legalidade e 32

Dallari, p. 206.

33

Dallari, p. 207.

25

ainda proclama que se em uma sociedade não houver assegurado a garantia dos direitos fundamentais, nesta não há constituição. Uma idéia de uma nova declaração de direitos surgiu após a II Guerra Mundial, decorrente dos abusos de Governos e visíveis desigualdades sociais frutos dos princípios

essencialmente

individualistas

do

liberalismo,

que

favoreceu

demasiadamente a burguesia em detrimento dos indivíduos, que nada mais possuíam do que a força de trabalho. O objetivo era proteger os homens para que pudessem ter acesso aos bens sociais. Deveriam ser regidas normas para que seja possível o alcance de uma justiça social. O documento que contemplava esta finalidade foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Proclama em seu artigo 22, a segurança social, à realização dos direitos econômicos, sociais e culturais, indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. Esta declaração, por tratar de direitos fundamentais inerentes à natureza humana, tem no próprio conteúdo de suas normas o objetivo de torná-las efetivas a todo indivíduo, sendo que ninguém tem legitimidade de retirá-las, seja governos, Estados, ou a própria Organização das Nações Unidas.34 Isto tudo conduz à conclusão que nenhuma Constituição será legítima se não conter direitos inerentes ao homem, como a liberdade e a igualdade. Faz-se necessário um Estado de Direito, onde sejam previstas normas que contenham tutela aos direitos fundamentais do indivíduo e que limitem a atuação do Governo com o objetivo de prevenção a um poder absoluto que não respeita estes princípios.

3.7

DEMOCRACIA A questão da legitimidade do poder constituinte adquire um aspecto

compreensível ao ser relacionada com uma concepção democrática de exercício do poder. 34

Dallari, p. 209-211

26

Visto que o povo é o titular e é quem legitima o poder constituinte, aproxima-se o poder constituinte com a democracia, pois esta é um regime político que se fundamenta na vontade do povo. O Estado Democrático surgiu com a finalidade de preservar os direitos fundamentais do indivíduo em face do absolutismo, decorrente dos princípios já expostos elaborados no Bill Of Rights, na Inglaterra, da Declaração de Virgínia, nos Estados Unidos, e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França. A democracia é o meio utilizado para que esses direitos sejam tutelados pelo Estado. Segundo Dallari35, existem três pontos fundamentais que são exigências da democracia: a) supremacia da vontade popular. É a exigência da participação popular no Governo, onde está inserido o modo representativo de Governo, o direito de sufrágio e os sistemas eleitorais e partidários; b) preservação da liberdade. É entendida como o direito de fazer tudo que não incomode outros indivíduos e o direito de dispor de sua pessoa e de seus bens; c) igualdade de direitos. É a isonomia de todos perante a lei. A democracia, portanto, tem como essência a soberania popular, como resposta aos poderes absolutos. Na democracia, os cidadãos aderem à autoridade de forma livre e voluntária, pois governo atua para garantir o máximo de segurança e bem-estar a todos36. “O poder, assim, será legítimo, na medida em que os meios de realização de suas vontades, ou de seus comandos, integrem um processo democrático de tomada de decisões”37.Deste modo, a democracia é a conexão entre o povo e o governo. Agora, resta entender as formas com que o povo participa do poder. Para isso, existem três espécies de exercício da democracia: a direta, a representativa e a semidireta.

35

Dallari, p. 151

36

Silva, p. 45.

37

Bierrenbach, p.45

27

Democracia direta ocorre quando o povo atua editando leis, administrando e julgando. Esta é uma realidade de difícil realização, pois é complicado imaginar todo o povo exercendo tais funções do Estado diretamente. Devido a impossibilidade prática da democracia direta, se tornou mais exequível o exercício da democracia representativa, onde o povo elege representantes para atuarem em seu nome, com mandatos periódicos. Segundo José Afonso da Silva38: A democracia representativa pressupõe um conjunto de instituições que disciplinam a participação popular no processo político, que vêm a formar os direitos políticos que qualificam a cidadania, tais como as eleições, os sistemas eleitorais, os partidos políticos, etc. Mas nela a participação é indireta, periódica e formal, por via das instituições eleitorais que visam a disciplinar as técnicas de escolha dos representantes do povo.

Na modalidade de democracia semidireta, ocorre uma de uma forma representativa, mas são utilizados institutos que possibilitam ao povo uma participação direta: a iniciativa legislativa popular, onde o povo ou parte dele apresenta projetos de lei que devem ser submetidos à aprovação popular, após aprovadas pela Câmara Legislativa, por meio de eleição; o referendo popular, que garante ao cidadão o voto em projetos de lei aprovadas pelo Legislativo; o veto popular; que é a garantia do povo em retirar vigor normativo à uma lei; a revocação (recall), onde, a requerimento de um certo número de eleitores, o mandado de um cargo eletivo pode ser revogado, após submetido ao voto popular. A democracia semidireta também pode ser chamada de democracia participativa39. A discussão em torno da democracia é relevante, pois induz a maneira da participação do povo no processo constituinte. O povo deve ter participação na elaboração do conteúdo básico da Constituição, bem como, após ser aprovado o projeto constituinte, decidir, em referendo popular, se esta é a Constituição que atende aos seus valores e as mudanças que almejam. Somente assim podemos dizer que ela é legítima e é reflexo da vontade popular. “Na verdade, sem a plenitude da participação

38

Silva, p. 47.

39

Silva, p. 51.

28

do povo, o governo não será nunca um governo constitucional, mas governo de fato dissimulado em aparências constitucionais ou sem essas aparências”40.

3.8

EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO O exercício do poder constituinte é modo que o poder constituinte atingirá sua

constituição formal. Este assunto está ligado ao caráter incondicional do poder constituinte, isto é, não há forma prefixada para seu exercício. Por uma concepção democrática, somente com a participação popular será criada uma constituição legítima e efetiva, onde o povo deve participar direta ou indiretamente, para que seja a expressão de suas vontades e aspirações. José Afonso da Silva aponta quatro formas democráticas de exercício do poder constituinte:41 a) exercício direto, onde a constituição é preparada por um governo provisório ou em transição e é submetida a referendo popular. Temos como exemplo mais recente o referente em 1980 no Chile de Pinochet, que este método de exercício foi usado para consagrar seu governo; b) exercício indireto, onde é criada uma Assembléia Constituinte composta de representantes do povo eleitos com poderes específicos para elaborar e promulgar uma constituição; c) exercício por forma mista, onde é formada uma Assembléia Constituinte nos modos do exercício indireto e, quando criada a constituição, é submetida a referendo popular. Esta foi a forma utilizada para a Constituição espanhola de 1978. d) exercício pactuado, onde ocorre uma criação consensual da constituição por representantes dos Estados ou províncias de um país. Este tipo de exercício ocorreu

40

FAORO, Raymundo. Assembléia Constituinte e Legitimidade Recuperada. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.15 41

Silva, p. 70-71.

29

nos Estados Unidos em 1787, quando se reuniram delegados dos treze Estados soberanos, que eram colônias inglesas, em uma convenção. Atualmente, o modo típico de exercício do poder constituinte originário por participação popular é por meio da Assembléia Constituinte. Na Assembléia Constituinte, como já dito, a constituição provém da deliberação de representantes do povo, realizado através de debates e votações. Para isto, se torna de extrema importância a eleição de representantes constituintes em consonância ao desejo da nação, para realmente propor para a nova constituição as transformações aspiradas, em todos os âmbitos: político, econômico e social. Ressalta-se a importância dos membros da Assembléia Constituinte ser independente da atual composição do Poder Legislativo. Os dois poderes não podem ser confundidos. Isto segundo José Afonso da Silva, garantiria a idéia de exclusividade e autonomia da Assembléia Constituinte, sendo esta funcionando como um poder paralelo às funções do Legislativo, Executivo e Judiciário durante um certo período de tempo.42 Esta discussão é relevante, pois, se o Legislativo compusesse simultaneamente o poder de criar uma nova constituição e de editar leis em consonância com a antiga constituição seria uma total incoerência com as características básicas do poder constituinte originário. O poder da Assembléia Constituinte deve ser soberano, pois é decorrente da vontade do povo. Enquanto em funcionamento, a Assembléia deve ser o único poder real existente. Melhor dizendo, os outros poderes estão condicionados a atuação da Assembléia Constituinte, pois esta pode alterar o próprio funcionamento do Legislativo, Executivo e Judiciário. Pelos motivos expostos, seria totalmente inaceitável que os membros do Legislativo também fizessem parte da Assembléia Constituinte. A Assembléia Constituinte tem a responsabilidade de atender a vontade da nação, por isso deve ser soberana, o povo não pode reconhecer outro poder de maior ou igual hierarquia, só ela deve decidir sobre assuntos da organização estatal e jurídica em todos os níveis. A presença de qualquer outra instituição do Estado na Assembléia

42

Silva, p. 73.

30

Constituinte traria um conflito onde não mais se preservaria a legitimidade para qual foi proposta.43 Essa é a idéia da doutrina francesa da soberania nacional, que tem como princípio básico que o poder constituinte deve recair em um órgão distinto dos outros órgãos já constituídos. O poder constituinte deve ser um poder em paralelo aos poderes constituídos, pois estes já pressupõem uma constituição e já se fundamentam nela para atuarem. Esta é uma garantia de natureza formal, pois assim há um resguardo de interferências que restrinjam direitos de interesse da nação.44 Existe também o modo de outorga como exercício do poder constituinte. A outorga consiste na edição da Constituição por declaração unilateral do próprio detentor do poder, elaborada através de uma carta. Nesta caso, o a agente do poder constituinte se sujeita a impor determinadas regras ao próprio poder, ao invés de deixálo ilimitado. Este modelo é comum às monarquias absolutas e também pode ser decorrente de revoluções onde seus líderes assumem o poder, como o ocorrido na Constituição brasileira de 1937, originado de um golpe de Estado dado pelo Presidente Getúlio Vargas.45 Esta é claramente um modo no qual não está presente a vontade do povo, pois o poder constituinte está restrito a uma pessoa apenas. Quanto ao caso da Constituição de 1967, com traços de exercício do poder constituinte mediante outorga e mediante Assembléia Constituinte, é um estudo que faz parte do presente trabalho e será exposto em momento oportuno.

43

Silva, p. 74.

44

Bonavides, p.153-154.

45

Ferreira Filho, p.64.

31

3.9

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E REVOLUÇÃO Compreender este assunto se torna de fundamental importância para o

propósito deste trabalho, pois é a ligação entre o poder necessário para se estabelecer uma constituição e o fenômeno social revolução, que é, na maioria das vezes, ponto de partida para uma nova constituinte. De certo, desde já, pode-se dizer que a revolução se caracteriza como um veículo do poder constituinte originário. Em um sentido genérico, revolução é um ato ou efeito de revolucionar, é uma insurreição, rebelião, é uma mudança radical na estrutura econômica, política e social de um Estado, que acarreta total modificação das instituições, costumes e ideologias dominantes. Por meio de uma análise histórica, duas causas geram as grandes revoluções, quais sejam, a causa política e a causa sócio-econômica. As revoluções ocorrem frente a uma desarmonia entre as instituições e os valores fundamentais de uma sociedade ou a repressão a esses institutos da sociedade e a impossibilidade de satisfazer as necessidades vitais da maioria dessa sociedade. Compreendem este entendimento, dentre outros, a má distribuição de riquezas, desigualdade de privilégios e conflito de classes economicamente desiguais. Na revolução política, há interesse de um grupo em promover alteração na composição do atual governo, por estar insatisfeita com a gestão, sem se importar muito com a estrutura do Estado. Quanto à revolução social, esta ocorre de forma muita mais profunda, pois trata-se de um movimento popular que busca alterações sociais, de estrutura governamental, econômicas e também políticas.46 No entanto, nem sempre uma revolução vislumbra uma alteração completa na estrutura do Estado e de seu relacionamento com os cidadãos. Há a possibilidade de ocorrer uma mera substituição de governantes, como a revolução política citada anteriormente. Também é possível criar uma nova constituição e não haver mudanças significativas em um contexto geral do Estado. Há possibilidade de unir as duas hipóteses anteriores, o que não necessariamente é se configura uma revolução para o 46

SILVA, Heber Americano. Direito Constitucional. Bauru: Jalovi, 1971, p. 84-85.

32

povo. Transpondo essas duas hipóteses de revolução, pode-se chegar a um nível de transformação que realmente se torne necessário um poder constituinte originário, onde se forme uma nova escala de valores, onde o povo, o único titular do poder constituinte originário, tenha seus interesses atendidos. Quando a revolução se torna de interesse popular, da coletividade, surge de forma decisiva para o seguimento do Estado e, conseqüentemente, para a estrutura jurídica daquela nação. Por isso, a revolução passa de apenas um fenômeno social para um fenômeno jurídico. A revolução se caracteriza também por ter um resultado em curto prazo, tendo o uso da violência muitas vezes inevitável. Isto ocorre pois é difícil que alguma mudança significativa e rápida ocorra sem o uso da força bruta ou sem reação daqueles que deixaram o poder pela insurgência ou ascensão revolucionária. Porém, não é isso que garante o sucesso de uma revolução como poder constituinte originário, como afirma o doutrinador Jorge Miranda47: A revolução não é o triunfo da violência; é o triunfo de um Direito diferente ou de um diverso fundamento de validade do sistema jurídico positivo do Estado. Não é antijurídica; é apenas anticonstitucional por oposição à anterior Constituição – não em face da Constituição in fieri que, com ela, vai irromper.

Hans Kelsen, define o conceito jurídico de revolução. Para ele “é revolução toda modificação ilegítima da Constituição, ou seja, toda modificação da Constituição que se efetive por um caminho que não é o previsto nessa mesma Constituição para sua própria modificação”.48 Para Kelsen, portanto, não importa o que como que essa alteração foi efetivada. Revolução, juridicamente, é uma alteração ou uma total substituição da Constituição que não foi previsto pela Constituição vigente. De fato, a revolução é um ato antijurídico contra o direito vigente, mas nela está presente um direito próprio, que busca consolidação. Como já estudado, ao conceber uma nova idéia constituinte, com a quebra do ordenamento jurídico em vigor, é imprescindível a presença de valores e princípios que

47

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000. p.83-84

48

Kelsen, apud Ferreira Filho, P. 37.

33

abarcam o direito natural do indivíduo em um contexto coletivo, somente assim o veículo revolução vai ter a legitimidade necessária para desencadear efeitos normativos direcionados a todos os ramos que a revolução social tem por escopo. São somente os valores e princípios em questão que justificam um total rompimento da ordem anterior para criação de uma nova e assim tornar efetivo o poder constituinte e a nova Constituição. A revolução tem na força, o ponto de apoio para o sucesso de tal empreitada, que só necessitará disso até ter controle da situação que é o momento que passará de uma fase destrutiva para uma construtiva, social e jurídica. Por isso a revolução ocorre em caráter transitório, até a completa sua legitimação.

34

4

O PODER CONSTITUINTE DO MOVIMENTO MILITAR ENTRE 1967 E 1969

4.1

CONTEXTO HISTÓRICO, ORIGENS E FUNDAMENTOS PARA O GOLPE DE 1964 O início da década de 60 foi conturbado, foi um período de crise política para o

Brasil. Em lapso de apenas quatro anos, entre 1961 e 1965, tivemos três presidentes. O primeiro eleito, Jânio Quadros, foi levado a renúncia; o segundo, João Goulart, teve uma difícil sustentação de seu mandato e sucumbiu em 1964 em razão do movimento revolucionário organizado pelos militares, que ergueram o militar Humberto Castelo Branco à presidência do país no mesmo ano. Essa perturbada história política teve origem desde os primeiros anos de vigência da Constituição de 1946, principalmente a partir de 1954. Neste período, apenas dois presidentes terminaram seus mandados: Eurico Gaspar Dutra, entre 1946 e 1951, e Juscelino Kubitschek, entre 1956 e 1961. Para sucessão do Governo Kubitschek, tivemos dois candidatos, que se preparavam para a eleição em outubro de 1960. Eram eles Jânio Quadros e Henrique Lott. Lott, que era o Ministro da Guerra, como exigência legal, deixou seu cargo para formalizar sua candidatura pelo Partido Social Democrático (PSD). Jânio, seu opositor, era considerado o maior fenômeno da política brasileira até então. Tinha 43 anos de idade nas eleições sendo que, com 13 anos de vida pública, já tinha participado de vários cargos públicos em São Paulo: vereador, deputado estadual, prefeito da capital e governador do Estado. Jânio tinha uma imagem de ser populista com uma enorme identificação com as massas. Além de ser extremamente populista, considerava-se que Jânio era extremamente competente em seus cargos49. No início de sua candidatura, que começou a partir de abril de 1959, um ano e meio antes do pleito, Jânio não era filiado a nenhum partido político, fazia parte do

49

PILAGALLO, Oscar. A História do Brasil no Século 20 (1960-1980). São Paulo: Publifolha, 2004. P. 14-15.

35

Movimento Popular Jânio Quadros. Porém, como o candidato era o favorito, a União Democrática Nacional (UDN) passou a cortejá-lo sendo que, em novembro do mesmo ano, por grande interesse do deputado de maior expressão do partido, Carlos Lacerda, foi oficializada uma aliança entre as partes. Porém, diante do da excessiva ingerência do partido, Jânio renunciou a sua candidatura três semanas após formada a aliança. A primeira vista, pareceu um ato impensado, mas se tratava de uma manobra política praticada pelo candidato. Este ato, na verdade, o fortaleceu e, pouco tempo depois, retornou ao partido e a sua candidatura. Nesta eleição, havia uma peculiaridade interessante que pode ter alterado a história dos episódios subseqüentes em nosso país: era possível a elegibilidade do presidente e do vice em voto separado. Deste modo, tivemos quatro nomes nesta eleição: Jânio Quadros (Presidente) e Milton Campos (Vice) pela UDN e Henrique Lott (Presidente) e João Goulart (Vice) pelo PSD. No dia 3 de outubro, pela primeira vez na história do país, foram eleitos representantes por partidos diferentes. Jânio Quadros com larga vantagem sobre Lott e João Goulart com pouca diferença de Milton Campos. Em seu governo, Jânio se apresentava divergente do partido que fora eleito, a UDN, principalmente no tocante à política externa do país. Enquanto seu partido tinha clara identificação e influência dos Estados Unidos, Jânio se mostrava com tendência socialista. No ato mais emblemático desta convergência, relevando sua negação de apoio aos Estados Unidos à invasão de Cuba, em 1961, Jânio recebeu o líder comunista e ministro cubano Ernesto “Che” Guevara, em agosto do mesmo ano, para homenageá-lo. Carlos Lacerda, então Governador do Estado da Guanabara, que foi o principal cabo eleitoral de Jânio pelo partido UDN, estava desiludido com o andar do Governo Jânio. Além do caráter emblemático do episódio citado, também foi o estopim para que Carlos Lacerda se pronunciasse pelo rádio, a todo o país, demonstrado sua crítica a homenagem feita. Carlos Lacerda também denunciou um golpe que o Presidente da República poderia desferir frente às instituições. Os dois estavam em rota de colisão.

36

Devido às pressões, Jânio Quadros passou um ofício ao Congresso Nacional, renunciando ao mandato de Presidente da República, sem muitas explicações, apenas mencionando que haveria forças se levantando contra ele. Diante da renúncia, João Goulart, o Jango, era o sucessor imediato. O problema é que Jango tinha tendências esquerdistas maiores até do que as de Jânio. No momento da renúncia, por exemplo, Jango se encontrava na China comunista, em missão oficial. Portanto, os presidentes mudaram, mas o principal problema continuou. Como visto, a tendência socialista era uma constante preocupação de Carlos Lacerda e neste sentido também se postava às forças militares da época. O consenso dos militares era que Jango não deveria tomar posse. Resta entender o motivo desta inquietação. A partir da Segunda Guerra Mundial, o mundo estava dividido em duas partes: o ocidental, “democrático”, “cristão” e “livre”, que tinham como força principal os Estados Unidos, e o oriental, “socialista” que tinham como líder União Soviética. Tamanho era o antagonismo que, entre os países, não havia espaço para intermediários, ou se estava a favor de um, ou a favor de outro. Devido a posição geográfica, os países ocidentais, como o Brasil, se encontravam obrigados a acompanhar os Estados Unidos. Os norteamericanos atuavam em enorme influência nestes países, proibindo-os de manter relações diplomáticas com a União Soviética e seus aliados. Este foi o período da “guerra fria”50. No Brasil, logo após o início da “guerra fria”, para difundir o idealismo norteamericano, foi criada a Escola Superior de Guerra, que deveria agrupar e doutrinar convenientemente os altos chefes militares das forças armadas, os funcionários graduados dos ministérios e instituições estatais e paraestatais e os grandes empresários. Os Estados Unidos, na verdade, queriam influenciar os militares do país, de modo a velar para que as bases impostas pelos norte-americanos fossem

50

SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e Morte da Ditadura: 20 anos de autoritarismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984. P. 22-23.

37

estabelecidas. Desta maneira, qualquer conduta contrária ao interesse norte-americano poderia ser subjugada frente ás forças militares do Brasil51. Os fatos comprovam esta influência. A instrução militar do Brasil passou a modelar-se pelo adotado pelos norte-americanos. No período compreendido entre 1945 e 1965, os militares, no Brasil, depuserem quatro vezes os presidentes. Em todos os casos, os presidentes eram acusados de tendências socialistas. Nas palavras de Nelson Werneck Sodré52: Após a Segunda Guerra Mundial, os golpes militares, no Brasil, apresentam curiosa alternância (e aqui são incluídos os pronunciamentos que não chegaram à fase de luta armada e conquista do poder): em 1945, Vargas é deposto, quando orientava a redemocratização do país, acusado de pender para solução “subversiva”; em 1951, retorna ao poder, garantido pelos militares, em conseqüência de sua consagração nas urnas; em 1954, é deposto e levado ao suicídio, ao inclinar-se a uma posição nacionalista; em 1955, entretanto, Kubitschek, apoiado em forças políticas antes organizadas por Vargas, tem sua posse assegurada pelos militares; em 1961, com renúncia do presidente Quadros, a tentativa de golpe militar aborta por força de resistência da própria força militar. Existe, assim, uma alternância, na seqüência dos golpes e pronunciamentos militares: ora eles se definem em defesa de soluções democráticas, ora contra a democracia... Em todos os casos, tais presidentes eram acusados de tendências esquerdistas. E todas as vezes, a propaganda do golpe militar alicerçou-se no anticomunismo.

Como citado em Sodré, houve uma tentativa de golpe à posse de Jango. De pronto à renúncia de Jânio, os ministros militares ordenaram a prisão do Marechal Lott, fracassado em sua candidatura à presidência, era favorável ao seu companheiro de partido Jango. Do outro lado, havia os que defendiam a legalidade, que já faziam sua organização armada, onde o principal foco era Rio Grande do Sul, com o atual Governador, Leonel Brizola, cunhado de Jango, que o apoiava fielmente para sua posse. Os dois eram convergentes em pensamentos, Brizola, durante seu mandato de Governador, encampou uma filial de uma empresa norte-americana em seu Estado. Tal fato provocou a hostilidade com as forças conservadoras do país. A tensão que surgiu

51

SODRÉ, p. 24-25.

52

Sodré, p. 27.

38

com o apoio de Brizola a Jango era tamanha, que o próprio governador do Rio Grande do Sul andava com uma metralhadora a tiracolo53. Em favor à posse de Jango, os esquerdistas contaram com o apoio do General José Machado Lopes, comandante do III Exército, que era o mais bem equipado do país. Diante desta situação, com a divisão dentro do próprio exército, a oposição a Jango perdeu força, o que acarretou com a tão conturbada posse à presidência, em 7 de setembro, treze dias após a renúncia de Jânio Quadros. Logo após a posse, o presidente Jango, para se estabilizar no poder, buscou o apoio do centro, que era a favor do cumprimento da legalidade após a renúncia de Jânio. Para isso, foi aprovada emenda constitucional na qual se firmou o sistema parlamentar de governo, em que o primeiro-ministro seria Tancredo Neves. Era um parlamentarismo híbrido. Ao presidente cabia apenas algumas atribuições de representar a nação, enquanto ao Conselho de Ministros cabia toda a direção e a responsabilidade da política de governo e da administração federal. Porém, Jango queria o retornou ao presidencialismo, não era de seu interesse permanecer com seus poderes diminuídos e o próprio Tancredo Neves e outros ministros do conselho não estavam convencidos de que este regime seria o que mais os agradaria. Desta forma, em decorrência de falta de interesse das partes e também pela falta de estrutura e conflitos partidários da época, ficava claro que o regime duraria pouco. Assim, foi convocado um plebiscito para que fosse escolhido o regime para o governo, que confirmou a volta ao presidencialismo. O período entre 1961 e 1964 em que Jango se manteve como presidente, se caracterizou como um intervalo democrático no país, onde se preservou direitos individuais e políticos dos cidadãos que resultou em uma grande aprovação do governo, principalmente quando foi aprovado o Plano Trienal, que se tornou a diretriz de gestão do governo Jango, com planos antiinflacionários e desenvolvimentista. O Plano Trienal tinha como principal objetivo conter a inflação e retomar o crescimento do PIB.

53

Pilagallo, p. 27.

39

No entanto, embora a população estivesse agradada com as intenções do governo, Jango encontrava problemas para alcançar o sucesso de sua gestão. Para fomentar o Plano Trienal, era necessária a entrada de capital estrangeiro que, logicamente, viria dos Estados Unidos. Ocorre que o governo de Jango era visto com extrema desconfiança pelos norte-americanos, por haver tendências socialistas do presidente. No final, o plano proposto não conseguiu alcançar seus objetivos. A tensão estava posta. As forças contra o presidente Jango começavam a se articular veementemente. Logo após a posse de Jango, surgiu o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o IPES, formado com integrantes da Escola Superior de Guerra, reduto de interesses e influências norte-americanas, que defendia a doutrina de segurança nacional contra o comunismo, foi a peça principal para a montagem da operação deflagrada no Golpe Militar de 1964, com o pretexto de preservar à Democracia e manter a segurança nacional.

4.2

O GOLPE MILITAR E O INÍCIO DO AUTORITARISMO Jango travava uma batalha com o Congresso Nacional. Este não aprovava as

reformas que Jango propunha. O presidente, taticamente, realizava comícios para conquistar apoio da população, com o fito de pressionar o Congresso. No dia 13 de março de 1964, Jango iniciou uma série de atos públicos previstos, aconteceu o que ficou conhecido como o Comício das Reformas, que ocorreu na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. O Presidente referiu-se a reformas estruturais que se convencionou chamar de reformas de base: eleitoral, administrativa, tributária, agrária, urbana, bancária, cambial e universitária. Foi um sucesso total. Durante oito horas e quarenta e cinco minutos o comício organizado por Jango foi acompanhada por uma multidão, que estimavam ser em duzentos e cinqüenta mil pessoas. No entanto, as reformas de base não tinham o apoio da classe média. Carlos Lacerda, logo após o comício de Jango, incitou o Congresso a se manifestar sobre o ocorrido, alegando que o comício foi um desrespeito à Constituição e acusando Jango de preparar uma guerra revolucionária com ideologias comunistas.

40

Uma semana após o comício, como resposta, as forças conservadoras organizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Neste momento, os planos de romper a ordem Constitucional eram atribuídos tanto à esquerda quanto à direita. A crise militar se agravava juntamente com as condutas do Presidente. Todas as organizações militares, incluindo a Escola Superior de Guerra faziam contundentes críticas à diretriz governamental e conspiravam para um golpe. As organizações militares, porém, tinham várias frentes sendo que trabalharam em conjunto apenas poucos dias antes do golpe. Os principais nomes do movimento que depôs o Presidente são dois: o General Olympio Mourão Filho, comandante da região militar de Juiz de Fora e o General Humberto Castello Branco, chefe do Estado-maior do Exército, que se mostrava a iniciativa mais articulada, contando com o apoio de vários outros militares de altas patentes, empresários de peso e representantes dos interesses americanos. O General Mourão foi quem apressou o movimento, que teve início na manhã do dia 31 de março em Juiz de Fora e, após certa divergência para o momento da ação, foi acompanhada pelo General Castello Branco. Castello Branco significava a garantia de que o movimento contra Goulart não seria em vão. Diante da situação, o Congresso Nacional, na noite de 31 de março, pelo presidente do Senado Auro Moura Andrade, reconheceu que eclodira uma revolução e, no dia seguinte, a queda do presidente Jango foi consumada oficialmente, declarandose vaga a Presidência da República. A posição generalizada das pessoas em face da consumação do golpe foi de perplexidade. As reformas de base, propostas por Jango, tinham o apoio popular, mesmo sem entender exatamente como isso ocorreria e qual era sua extensão. Na verdade, a população se encontrava desentendida, com três mudanças de governo no período entre 1961 e 1964, todos tinham o consenso, ao menos, que a situação era de uma verdadeira crise política. Por este motivo, as forças articuladas do golpe, se justificavam afirmando as medidas tomadas para isso foram feitas com o objetivo de estabilizar o governo.

41

O movimento militar de 1964, ao depor o Presidente, em um primeiro momento, entregou ao seu sucessor previsto na constituição, o então Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, que ficaria no exercício do cargo até a realização das eleições pelo Congresso Nacional. À primeira vista, a intervenção da normalidade política teria o mesmo resultado de outras que ocorreram na vigência da Constituição de 1946. Levavam a acreditar que apenas haveria uma substituição do corpo dirigente, sem uma mudança estrutural abrupta no governo. Os indivíduos que iriam compor a elite dirigente seriam aquelas que tomaram o poder. Porém, desta vez, ocorreu um ruptura governamental mais profunda, em virtude da exaustão institucional da época e da crise que custava a transpor54. Primeiramente, antes de traçar novas diretrizes para o governo, era fundamental a escolha de um novo Presidente. Formou-se um consenso em torno de Castello Branco, que foi a figura mais influente do movimento militar para depor João Goulart. Realmente foi isso que ocorreu, o Congresso Nacional o elegeu como o novo Presidente da República em 5 de abril e tomou posse no dia 15 do mesmo mês. Definido o novo Presidente da República, o movimento militar definiu seus objetivos por meio da edição do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, formado pelo seu preâmbulo e por mais onze artigos. Essa medida viria para institucionalizar a “revolução”, como assim o movimento se denominava: “A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas 55 sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória.”

Este trecho faz parte do preâmbulo do Ato Institucional nº 1, que foi subscrito pelo general do exército Artur da Costa e Silva, pelo tenente-brigadeiro Francisco de

54

Faoro, p. 17.

55

BRASIL. Ato Institucional nº 1, disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_2.htm.

Data de acesso: 27/09/2009.

42

Assis Correia de Mello e o vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald. Ao ler o presente trecho, é entendido que a revolução estava totalmente investida de legitimidade. Mas não é o que ocorre. Os militares invocaram o nome do povo sem o seu consentimento. Logicamente, tem-se que levar em consideração o grande distúrbio em que os cidadãos estavam inseridos, sendo que era difícil imaginar qualquer consenso da sociedade. A única coisa que estava clara era que a organização militar concentrava um poder, graças ao interesse norte-americano e aos grandes empresários brasileiros, que era improvável que uma oposição se consolidasse em uma mesma proporção. De qualquer maneira, estes grupos faziam parte de uma minoria que manifestou seus interesses em nome do povo como um todo. O Ato Institucional foi elaborado para legitimar o movimento revolucionário, se auto-investindo como poder constituinte, esquecendo de questionar o povo sobre isso. Ora, as revoluções vitoriosas, se procuram a legitimidade democrática, como foi o pretexto do movimento militar, não podem dispensar da assembléia constituinte, que é a efetiva participação popular em um processo constituinte. A assembléia constituinte é o método democrático de participação popular, onde o povo tem a oportunidade de escolher os representantes que elaborarão a nova Constituição e, através do referendo popular, a aprovarão ou não. Um grupo que se arrogue titular do poder constituinte demonstra, de imediato, exatamente o contrário, que definitivamente não é legítimo para possuir este poder, pois somente o povo pode decidir sobre isso. Em atenção a este ponto, considerando que a assembléia constituinte é uma forma de representação para atingir a plenitude da participação do povo na formação da Constituição, isto já previsto na obra de Sieyès, o Que é o Terceiro Estado. Segundo ele, somente com a forma representativa de Governo é que o poder constituinte atingiria o seu objetivo principal, o atendimento da vontade da nação, como visto no item 2.2. Além do preâmbulo de extrema usurpação do poder constituinte, em seus artigos, ocorreram mais demonstrações alarmantes em que estava presente a essência autoritária dos novos governantes. Em seu artigo segundo, retirou as eleições diretas para a escolha de um novo presidente, definindo que as eleições do Presidente e do Vice-Presidente seriam

43

realizadas pelo Congresso Nacional. Esta foi a forma que foi eleito Castello Branco. Em seu artigo quarto, estabeleceu que os projetos de lei enviados pelo Presidente da República deveriam, necessariamente, serem apreciados, no prazo de 30 dias, pelo Congresso Nacional, caso contrário, seriam tidos como aprovados automaticamente. Pela redação do artigo quarto, percebe-se a superioridade que o ato institucional deu ao Executivo: o Presidente poderia elaborar leis que provavelmente sequer seriam apreciadas pelo Congresso para terem vigência. O Congresso, que ainda tinha em seu corpo membros eleitos pelo povo, não teria nenhuma participação na edição e aprovação destas leis. Já em seu artigo 10º, possibilitava a suspensão de direitos políticos por dez anos, com a cassação de mandatos federais, estaduais e municipais, sem qualquer apreciação do Judiciário. Esta redação autorizou a cassação de mais de 102 pessoas, em uma primeira lista, elaborada em 10 de abril de 1964, que incluía nomes como João Goulart e Jânio Quadros. Queremos devolver o Brasil à democracia, diziam os militares, mas antes vamos aproveitar o momento para introduzir algumas reformas e mudanças que possam garantir a longevidade de nossa “democracia” e a articulação do Brasil com a economia mundial. E, como todos sabemos, não havia prazo para o término da intervenção. Como argumentavam os militares, há sempre o perigo de retrocesso presente em todo processo revolucionário, sendo preciso tempo para que a revolução se consolidasse e apresentasse resultados (uma idéia de Francisco Campos introduziu na Carde de 37 e que, como co-autor do 56 AI-1, manteve no movimento militar) .

No primeiro momento após a edição do AI-1, se manteve a estrutura federal e não houve alterações na administração. Porém, com a edição do Ato Institucional nº 2, editado em 27 de outubro de 1965, acabaram-se as esperanças de que o regime democrático voltaria ao País. O movimento militar dava continuidade ao seu golpe que ocorreu em 31 de Março de 1964, expondo o perigo do retorno à situação anterior já vencida.

56

BONAVIDES, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. P. 429

44

Aos indivíduos que tiveram seus mandatos cassados, o governo poderia restringir sua locomoção, proibindo-os de freqüentar certos lugares, além de qualquer manifestação que envolva assuntos políticos. Em seu artigo 19, excluíram de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo Federal. O Presidente da República, por força do artigo 30 do presente ato institucional, poderia editar decretos leis e atos complementares sobre matéria de segurança nacional. No cúmulo da usurpação do poder, por seu artigo 33, estabelece a vigência do Ato Institucional nº 2, revogadas as disposições constitucionais ou legais em contrário, demonstrando total desprezo pela Constituição vigente. O AI-2, desta forma, foi editado para legalizar os atos autoritários do novo regime, em detrimento do disposto na Constituição de 1946, isto é, foi criado ignorando a Constituição, demonstrando o desprezo por uma norma fundamental legitimamente formulada. Restou demonstrada que não havia formalidade para impor a ideologia autoritária. A possibilidade de coerção, a violência deflagrada contra direitos individuais era o bastante para manter o novo poder autoritariamente constituído. O Poder Executivo já não encontrava barreiras, o Judiciário não pode atuar contra atos do governo, e o Legislativo tinha um papel suprimido, podendo apenas formular leis em conformidade com os interesses dos militares. Ninguém tinha mais força no país do que o Executivo. Toda evolução histórica das doutrinas construídas como forma de equilibrar os poderes, como ensina Montesquieu, foram preteridos em prol de um poder autoritário com uma ideologia de segurança nacional e equilíbrio político e social. Isto porque, nesta altura, a democracia já havia caído no esquecimento. Foram editados, ainda, o Ato Institucional nº 3, que teve como regulação mais marcante a eleição indireta para o governo dos Estados e a nomeação, para os próximos mandatos, para os Prefeitos dos Municípios da Capitais.

45

Sem muitos impedimentos para editar novas normas, no período compreendido entre 1965 e 1966, o Presidente Castello Branco baixou três atos institucionais, 36 complementares, 312 decretos-leis e 3.746 atos punitivos57.

4.3

A EDIÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE 1967 A edição de uma nova Constituição já se tornava de fundamental importância

para os militares, uma vez que o texto de 1946 se encontrava inteiramente deformado, razão pela qual era de interesse do “poder constituinte” instaurado, a formulação de uma nova Constituição que atendesse os interesses e ideais do movimento militar. Além do mais, “os atos institucionais eram a própria contestação de uma Carta democrática como a de 1946 e seria impossível a convivência dos atos de arbítrio com um texto constituinte de efetiva representação popular”58. Segundo Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, dois eram os principais pontos que a nova carta constitucional deveria abordar. Deveria amoldar as instituições constitucionais aos novos fatores reais de poder e evitar que o país esteja sujeito a novos golpes e soluções de força improvisadas e destinadas a curta duração59. Ocorre que os novos fatores reais de poder foram constituídos de forma ilegítima, sem a aprovação popular, e o próprio movimento de sua instauração foi um golpe apoiado apenas pela força. Se fosse o caso de uma revolução legítima, de interesse popular, se convocaria uma Assembléia Nacional Constituinte para editar a nova Constituição. Mas não foi assim que se procedeu. Foi com a edição do AI-4, que o Presidente da República convocou o Congresso Nacional para se reunir de forma extraordinária para discutir e votar uma nova Constituição, estabelecendo o dia de 24 de janeiro de 1967 como limite 57

Bonavides; Andrade, p. 432.

58

Bonavides; Andrade, p. 435.

59

FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. História Breve do Constitucionalismo no Brasil. Curitiba, 1970. P. 63.

46

para sua promulgação e o dia 21 para que o Congresso apresente a nova carta devidamente aprovada. Os militares tinham ciência que, neste momento, já não mais contavam com qualquer apoio popular, os traços autoritários do regime eram visíveis a toda a população e a cada ato institucional criado isso se tornava mais evidente. Já foi discussão do presente trabalho, no item 3.8, a necessidade de constituir um poder apartado dos poderes já constituídos para a elaboração de uma nova Constituição. Isto é de extrema importância, pois a Assembléia Constituinte deve ser soberana, é ela que irá definir o grau de atuação dos outros poderes do Estado, portanto, esta acima de qualquer outro poder. Somente assim será alcançada a desvinculação necessária das instituições constituídas para que seja impetrada a nova Constituição de acordo com a vontade popular. Logicamente que, para isso, o corpo da Assembléia Constituinte deverá ser escolhido pelo povo. Para a edição da Constituição de 1967, além de convocar o próprio Congresso Nacional, este se encontrava coagido pela constante ameaça aos seus membros de terem seus mandatos cassados, caso o Presidente da República não concordasse com alguma atitude60. Isto porque, nesta altura, o poder já estava completamente centralizado no Poder Executivo. A atribuição do Congresso Nacional de editar a Constituição foi chamado pelo Presidente Castello Branco de Poder Constituinte Congressual. Desta forma, cerceados pelos atos institucionais e pela coerção exercida pelo Executivo, mesmo se os membros do Congresso Nacional tivessem intenções democráticas, a ele não era garantido uma mínima autonomia para criação da Constituição, o único resultado possível era um retrato dos ideais militares. Restou evidente que o Congresso aceitou a promulgação de uma Constituição com enorme concentração do poder político61. Como visto no item 3.4, para construir um Constituição que tivesse força normativa e que respeita-se os valores presentes na sociedade, é necessário uma vontade de Constituição, como garantia de sua legitimidade. Vontade de Constituição, 60

Silva, p. 105

61

Bonavides; Andrade, p. 433-435

47

com entendido por Hesse, certamente não houve em 1967. É evidente que a Constituição foi criada apenas para manter justificar o arbítrio dos militares. Para enfatizar a ilegitimidade da forma em que seria editada a nova Constituição, José Afonso da Silva relata o episódio burlesco que ocorreu no prazo fatal para sua aprovação pelo Congresso Nacional, em 21 de janeiro de 1967: Aproximava-se da meia-noite e a votação do projeto ainda não tinha terminado. Faltando um minuto para terminar o prazo fatal, o Presidente do Congresso Nacional, senador Auro de Moura Andrade, determinou que fossem parados todos os relógios do recinto, para que, pelos relógios da Casa, não se esgotasse o tempo, enquanto não se encerrasse a votação da matéria, com o argumento, um tanto ridículo, de que o tempo do Congresso, agora Constituinte, se marcava pelos seus relógios... E, assim, concluída a votação já na manhã do dia seguinte, ele mandou reativar os relógios. E tudo 62 ficou como se tivesse sido feito dentro do prazo .

Sendo assim, no dia aprazado, 24 de janeiro de 1967, foi promulgada a nova Constituição do Brasil, para entrar em vigor no dia 15 de março de 1967. O modo em que foi editada a Constituição de 1967, se aproxima a modalidade de outorga de exercício do poder constituinte. A outorga, como já foi visto, consiste na declaração unilateral do detentor do poder. Tem caráter limitado às regras impostas pelo detentor do poder, sendo que o agente do poder constituinte é obrigado a cumprilas. No caso brasileiro de 1967, embora não seja apenas uma pessoa que dita as regras, foi o “grupo revolucionário” que impôs ao “Poder Constituinte Congressual” às diretrizes para a elaboração da Constituição para o novo Governo. A Influência era clara. O poder constituinte perdeu seu caráter ilimitado e incondicionado, isto porque, mesmo não vinculado a uma ordem anterior, ele não livre, a extensão de seu poder era determinado pela elite detentora do força. As principais características da Constituição de 1967, são: Eleição indireta do Presidente da República, com voto a descoberto; ampliação dos poderes do Executivo com a supressão de parte das prerrogativas do Legislativo; aprovação dos projetos do Executivo por decurso de prazo, independentemente da apreciação pelo Legislativo; reforma do Sistema Tributário Nacional, com centralização vertical na União; Outorga de poderes ao Presidente da República para legislar mediante decretos-leis” acerca de 62

Silva, p. 106.

48

assuntos de segurança nacional e finanças públicas; institucionalização da “Doutrina da Segurança Nacional”; decretação do Estado de Sítio sem prévia autorização do Congresso; nomeação, por parte do Presidente da República, dos Prefeitos das Capitais e dos Municípios declarados áreas de segurança nacional; ampliação das hipóteses de intervenção federal nos Estados e Município63. No parágrafo primeiro de seu primeiro artigo, a Constituição de 1967 proclama: “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”. Torna-se difícil crer que uma Constituição criada sem nenhuma participação popular, com essência autoritária, com o poder centralizado no executivo, tenha o poder “emanado do povo”. O povo, na realidade, é uma mera justificativa formal no texto constitucional para embasar os propósitos dos militares, que eram, preservar a estabilidade do governo e garantir a “doutrina da segurança nacional”. Embora a garantia da segurança nacional tantas vezes expressa pelos militares tenha o propósito de afastar qualquer hipótese de oposição do Brasil frente ao Estados Unidos, que era uma situação que poderia se tornar extremamente maléfica para o país no cenário mundial da época, esta justificativa não poderia fazer com que o Governo usurpa-se os outros fatores reais poder, inclusive os cidadãos do país, cerceando suas liberdades políticas. Note-se, pelas características expostas da Constituição de 1967, que ela aproveitou os quatro já editados atos institucionais, e reforçou alguns outros pontos. Mas o traço autoritário que desde o início do movimento é marcante estava cada vez mais evidente. Com o vigor da nova Constituição, houve uma interrupção na edição de novos atos institucionais, período compreendido entre 6 de dezembro de 1966 e 13 de dezembro de 1968. Neste lapso, a população, diante do autoritarismo exercido, já se manifestava

intensamente

contra

o

Governo.

Houve

passeatas

gigantescas,

concentrações populares, agitações estudantis, greves operárias e, também, um início de luta armada, iniciada por alguns grupos, numericamente pouco expressivos64.

63

Bierrenbach, p. 87

64

Bierrenbach, p. 89

49

Qualquer manifestação contra o atual governo era extremamente reprimida pelo Governo. Como exemplo da intolerância militar, em uma manifestação pacífica de estudantes do Rio de Janeiro, em junto de 1968, os jovens foram reprimidos a tiros pela polícia, resultando em quatro mortos, 20 feridos e mais de mil estudantes detidos, demonstrando que o governo não suportaria qualquer organização que se voltasse contra ele. Embora a Constituição de 1967 tenha atendido as intenções dos militares na época, foi editado, dois anos mais tarde, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, onde foi alterada boa parte do conteúdo da Constituição. Isso vai exatamente de encontro com o esclarecido por Hesse: não se pode atribuir qualquer vigor normativo a uma Constituição que seja alterada por qualquer necessidade política ou diretriz de Governo. Infelizmente, essa experiência brasileira se enquadra exatamente nos aspectos negativos de formação de Constituição expostos por Lassalle. Os militares eram um dos fatores reais de poder e apenas se mantiveram no Governo pois mantinham força suficiente para construir uma Constituição que atendesse seus interesses.

4.3

PODER

CONSTITUINTE

ORIGINÁRIO

E

O

AUTORITARISMO

COMO

USURPAÇÃO DO PODER Tendo em consideração que a Constituição se forma a partir da conjugação de poderes presentes na sociedade, sempre se tem o risco de ocorrer situações em que esses poderes não são devidamente exercidos, como o ocorrido nesta experiência brasileira. O Constitucionalismo teve origem justamente com o objetivo de controle do poder, na luta contra poderes absolutistas e autoritários. Para a efetivação deste controle, com o poder constituinte originário, faz-se necessário o uso adequado do poder político, tendo o povo como foco. Deve ser feito com o consentimento dos destinatários do poder e deve ser fiel à finalidade em que o poder constituinte a criou. Se não for desta maneira, há carência de legitimidade.

50

Primeiramente, faz-se necessário mencionar que a força política, como forma de manifestação dos fatores reais de poder, pode atuar de forma ilegítima. Tendo o condão de afetar a vida da sociedade, o poder político pode ser exercido com o consenso dos governantes, ou através da coação, do medo e da força. Isto exprime que os regimes que atuam sustentados apenas pela força, impondo suas ordens sem a aceitação dos governados, carecem de legitimidade. Esta é a consoante dos regimes autoritários do poder, onde um grupo, convencido de que expressa a vontade popular, produz e impõe normas à coletividade, pois detém o monopólio da violência representada pelas Forças Armadas ou pela Polícia65. Como já dito, a força tem estrita ligação com o fenômeno revolução, que pode ser usado indevidamente. Em uma rápida percepção, verifica-se que os militares têm maior probabilidade em obter êxito nos movimentos revolucionários, pelo fato de controlarem a força. O que é possível nesta situação é que o movimento revolucionário pode ser obra do interesse de apenas uma minoria. Neste caso, um grupo, apenas em seu nome, mas presumindo de que expressa a vontade popular, impõe sua autoridade, porque dispõe dos instrumentos de coação política. Advindo uma revolução vitoriosa, não se pode prescindir da assembléia constituinte, bem como do referendo popular. Esta é a forma democrática do processo constituinte. O povo tem que escolher seus representantes. As assembléias constituintes são meios preventivos para limite e controle do poder. Um poder constituinte que se julgue legítimo deve passar pelo crivo popular. Ao tardar este procedimento

constituinte,

o

grupo

revolucionário

estará

prolongando

sua

provisoriedade, uma vez que somente com a Constituição que se atinge a legitimidade do poder revolucionário66. Neste sentido, o poder constituinte originário não pode ser invocado somente através do uso da força, isto é destoante com suas próprias características. Só é possível falar em poder constituinte originário se o grupo que o representa é detentor da anuência do povo. “Quem tenta romper a ordem constitucional para instaurar outra e 65

Bierrenbach, p. 26.

66

Faoro, p. 21-22

51

não obtém adesão dos cidadãos não exerce poder constituinte originário, mas age como rebelde criminoso”67. O poder revolucionário que quebra a ordem vigente e apela unicamente para a força como forma de manutenção do poder é a consagração do governo de fato. Governo de fato é governo sem legitimidade. Utilizando-se da constituinte de forma arbitrária, um poder autoritário, mesmo com respaldo na Constituição que criou não pode ser considerada legítima. O autoritarismo não precisa de uma Constituição, uma vez que esta tem o objetivo de delimitar o poder frente ao seu uso arbitrário. Em um Estado em que ocorra uma usurpação do poder constituinte originário, por quanto tempo este consegue se manter no poder? Ora, este regime ilegítimo se mantém no poder enquanto sua força de coação for suficiente para conservar a obediência dos governados. Este regime não tem um poder de persuasão, detém apenas o poder da força. O problema desta situação é que o regime jamais será estável, sempre haverá poderes sociais em confronto com sua autoridade. Estes regimes justificam o uso da força e da violência para manter uma suposta segurança que levará ao crescimento econômico. Na verdade, com o uso da violência e a conseqüente cerceamento dos direitos de liberdade e igualdade, irá acarretar um rompimento na vida social, o que, em sua maioria das vezes, ocorre bruscamente, de uma forma que os cidadãos não esperam, sendo verdadeiramente um choque, que traz consigo um sentimento de indignação social. Como mencionado, a supressão dos direitos individuais do homem, como a liberdade e a igualdade, quem também é uma característica da legitimidade, é uma constante nos regimes autoritários, que restringem esses direitos para se manterem no poder. O autoritarismo está presente não em um Estado de Direito, onde o governo está adstrito a princípios, que se destinam, sobretudo ao povo, presentes na Constituição. Este regime não é Constitucional, uma vez que usurpam o poder constituinte. Não há respeito por suas competências, é um Estado onde o governo não permite críticas ou contestações ás suas condutas. Há repressão contra as livres 67

Mendes, Coelho, Branco, p. 199.

52

manifestações públicas. Há um controle cultural na qual limita os cidadãos

de

expressarem e de adquirirem conhecimento. Estão preocupados apenas como que vão prolongar este período. E o pretexto para isso é a segurança nacional e o desenvolvimento econômico. Se nos apregoarmos na forma que o poder autoritário se mantém, estaremos nos aproximando dos Estados Totalitários, no nazismo e na ditadura soviética. Segundo Hannah Arendt, um Estado Totalitário suprime as liberdades democráticas, pois tem no apoio das massas seu sustentáculo, organizando toda a população para que acreditem em uma mesma ideologia de seus líderes. Para alcançar isso, o totalitarismo deve estar presente em todas as ações dos indivíduos, de modo a possibilitar a lealdade total para seu regime. Eles são induzidos a serem isolados da convivência com a família, ou com amigos, pois devem estar sempre ligados à ideologia do regime. Esta situação do indivíduo é chamado de atomização social68. Embora talvez seja um dos objetivos de um governo autoritário, a “atomização social” não ocorre em relação aos governados. Pois a crença na ideologia, como objetivo do totalitarismo, é substituída pelo objetivo de desenvolvimento econômico e segurança nacional. O que é uma falácia, pois somente com a garantia dos direitos do homem é que podemos garantir o verdadeiro desenvolvimento de uma Nação. O que acontece, na verdade, é a completa separação da Sociedade Civil com o Governo. O Totalitarismo tem no terror a essência de seu movimento. O Terror, para Hannah Arendt, é a forma que o Totalitarismo atinge se mantém no poder, é a atomização social e o desaparecimento de qualquer oposição. Os nazistas, para alcançar a atomização social, matavam integrantes de partidos opostos, ao invés de grandes líderes políticos, pois tinham como objetivo mostrar à população o perigo que podia acarretar o simples fato de pertencerem a um partido inimigo. É a “propaganda da força”69.

68

ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 372-373.

69

Arendt, p. 393.

53

De certa forma, em uma analogia, está também é a tônica dos regimes autoritários. Pois neste regime, a supressão dos direitos individuais em prol de seus objetivos, leva a sanções estarrecedoras, como prisões ilícitas e até a mortes, embora nem sempre sejam evidentes. Outro ponto interessante na analogia entre o autoritarismo e o totalitarismo, ocorre na forma de manutenção do poder. A ideologia criada pelo totalitarismo nada mais é do que um mundo fictício, que é a maneira utilizada para que as massas permaneçam em um estado de atomização social. Hannah Arendt afirma que o líder totalitário tem duas tarefas básicas: tem de estabelecer o mundo fictício envolto em sua ideologia e, em contrapartida, evitar que este mundo criado não adquira uma estabilidade que faça confundir o Estado Totalitário com um governo absoluto, pois o equilíbrio de suas instituições certamente extinguiria o próprio movimento. Desta maneira, o Governo Totalitário deve evitar que a normalização de seu movimento atinja um nível que poderia surgir um novo modo de vida, deixando de parecer tão falso e se comparando aos modos de vida de outras nações do mundo70. Em um Estado Autoritário, a manutenção do poder não é tão complexa, pois se baseia apenas no uso da força, e só se mantém enquanto seus instrumentos de coação perdurarem. Tanto no autoritarismo como totalitarismo, como se percebe, não tem a prevalência do povo como titular do poder constituinte ou como destinatário de seus objetivos. Para garantir uma congruência entre poder e povo, como já foi visto, utilizase da democracia, uma vez que é um regime político em que a vontade do povo é atuante no governo. A legitimidade somente atinge sua plenitude com a participação dos cidadãos nas decisões políticas. Somente com uma solução democrática isto é possível, “na medida em que a liberdade individual se harmoniza com a vontade coletiva, concretizada numa ordem social”71. Nas Constituições de Estados democráticos o termo “povo” é usado para demonstrar legitimidade. É a expressão normativa para afirmar a participação do povo 70

Arendt, p. 439-441.

71

Faoro, p. 49.

54

no processo constituinte com o objetivo de evidenciar a legitimação do Sistema Político Constituído. Segundo Friedrich Muller72: A idéia fundamental da democracia é a seguinte: determinação normativa do tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo. Já que não se pode ter o autogoverno, na prática quase inexeqüível, pretende-se ter ao menos a autocodificação das prescrições vigentes com base na livre competição de opiniões e interesses, com alternativas manuseáveis e possibilidades eficazes de sancionamento político.

Esta é a aproximação entre povo e democracia na concepção do autor. O autor se preocupa em demonstrar se o termo “povo” é devidamente utilizado nas Constituições. Afirma que em sistemas autoritários, o “povo” é fartamente utilizado como tentativa de instância de atribuição, isto é, afirmando que o poder “emana” do povo. Ocorre que isto não reflete a realidade. Na verdade, em regimes autoritários, este termo é usado apenas como um ícone, pois é apenas uma “padroeira tutelar abstrata”, é a simples justificação para o regime impor suas condutas repressivas, dizendo que está fazendo isso em nome do povo73. Como já vimos, em um Estado autoritário, o povo está longe de ter algum poder ou influência no governo, a palavra “povo” é usurpada e só utilizada nos textos constitucionais como uma auto-afirmação de legitimidade. É incrível como todos estes meios de usurpação do poder constituinte está presente no caso brasileiro exposto no presente trabalho. É impossível visualizar uma congruência entre poder autoritário e poder constituinte legítimo.

72

Müller, p.57

73

Müller, p. 67.

55

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Para atingirmos a plenitude da concepção do poder constituinte originário

legítimo, a agente atuante tem que ter seu poder ilimitado, os poderes políticos influentes no processo constituinte têm que ser legítimos, o povo tem que ter participação democrática nas decisões, os direitos fundamentais dos indivíduos têm que ser garantidos, de forma a ter o povo como foco do trabalho que será realizado. Esta é uma rápida compilação de características inerentes ao poder constituinte originário. No presente estudo, foi evidente a distorção quanto às características expostas no processo constituinte do movimento militar a partir do golpe em 1964 até a edição da Constituição em 1967. Os militares tomaram o poder sem o consentimento da população. Está certo que isso poderia mudar, se as condutas subseqüentes respeitassem a sociedade, mas não foi isso que ocorreu. Foram baixados atos institucionais que deflagraram a essência autoritária do movimento, a superioridade do Executivo frente os outros poderes deram a ele liberdade para editar leis sem apreciação pelo Congresso Nacional, era possível retirar direitos políticos de qualquer pessoa caso se manifestasse contra a “segurança nacional”, situação que o indivíduo não tinha tutela jurisdicional, poderia assumir prefeituras e estados caso fosse do entendimento do Governo, qualquer manifestação contra o Governo Militar era brutalmente reprimida. Ao formular uma nova carta constitucional, não convocaram sequer uma Assembléia Nacional Constituinte. O fato é que um poder autoritário jamais será legítimo, por sua própria essência. O autoritarismo no Governo acaba por se configurar em um Estado de Fato que, mesmo se apregoando há justificativa de que há direitos que devem ser suprimidos ou cerceados, para tornar possível a consecução dos seus ideais, a segurança e o desenvolvimento, não pode tomar o povo como prejudicado nisso tudo. A segurança a ser garantida deve ser a segurança da pessoa, com preservação de seus direitos fundamentais, como liberdade e igualdade, e o desenvolvimento deve caminhar em consonância a isso. É necessário lembrar sempre que a Constituição deve ser o reflexo

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dos interesses do povo e este deve ter participação na sua formação. Somente assim poderemos dizer que estamos em um Estado de Direito. O exposto no presente trabalho, apenas uma análise do processo constituinte dos militares a partir de 1964 até 1967, por sua extensão, deixou de englobar uma série de atos até mais autoritários do que foi visto, que ocorreram a partir de 1967, principalmente com a edição do Ato Institucional nº 5 e com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, o que resultou em 20 anos de ditadura em nosso país, até a formulação da Constituição de 1988, que teve um exemplo de processo constituinte e que, por suas normas, atendeu as expectativas da população e é um exemplo para vários países no mundo atual. Mas uma análise das possíveis deficiências em um processo constituinte foi válida para podermos ampliar o conhecimento, concebendo uma hipótese totalmente contrária do que se pode esperar hoje na formação de uma constituição. Atualmente, em decorrência da Constituição de 1988, tem-se clara que, para a constituição das normas fundamentais de um Estado, a participação democrática é essencial. Não é possível a separação desses dois pontos: democracia e Constituição. Mas nem sempre foi assim, e o Brasil teve uma lenta formação, muitas vezes em sentido contrário, até ter um revés em 1964 e com a ditadura que sucedeu, onde toda a sociedade vagarosamente começou a se organizar para alcançar o grande feito de 1988: a promulgação da nova Constituição da República Federativa do Brasil.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. São Paulo:

Editora Companhia das

Letras, 1989. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1998 BIERRENBACH, Flavio. Quem tem medo da Constituinte? Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1986. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2003. p.141-169 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1991. P. 427-447 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004. p. 315-365 BRASIL.

Ato

Institucional



1,

disponível

em

http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_2.htm. Data de acesso: 27/09/2009. BRASIL.

Ato

Institucional



2,

disponível

em

http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_3.htm. Data de acesso: 27/09/2009. BRASIL.

Ato

Institucional



3,

disponível

em

http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_4.htm. Data de acesso: 27/09/2009. BRASIL.

Ato

Institucional



4,

disponível

http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_5.htm. Data de acesso: 27/09/2009.

em

58

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm. Data de acesso: 27/09/2009. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 24ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p.51-159 FAORO, Raymundo. Assembléia Constituinte e Legitimidade Recuperada. 5ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. História Breve do Constitucionalismo no Brasil. 2ª ed. Curitiba: [s.i.] 1970. P. 55-99. GARCIA, Marilia. O que é Constituinte? 1ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Liber Juris, 1988. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO; Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 147-229. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4ª ed. Coimbra: Editora Coimbra, 2000. p.7-129. MÜLLER, Friedrich. Fragmento (sobre) o Poder Constituinte do Povo. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2004.

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MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo? São Paulo: Editora Max Limonad, 1998. PILAGALLO, Oscar. A História do Brasil no Século 20 (1960-1980). São Paulo: Publifolha, 2004. SALDANHA, Nelson. O Poder Constituinte. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986 SILVA, Jose Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular. 1ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 11-113. SILVA, Heber Americano. Direito Constitucional. 2ª ed. Bauru: Editora Jalovi, 1971, p. 19-123. SILVA, Hélio. 1964: Golpe ou Contragolpe? Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1975. SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e Morte da Ditadura: 20 anos de autoritarismo no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984.

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ANEXO 1 – ATO INSTITUCIONAL Nº 1 Disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_2.htm. Data de acesso: 27/09/2009. ATO INSTITUCIONAL (Nº 1) À NAÇAO

É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular. O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional

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da nossa Pátria. A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar e se apressa pela sua institucionalização a limitar os plenos poderes de que efetivamente dispõe. O presente Ato institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa, representada pelos Comandos em Chefe das três Armas que respondem, no momento, pela realização dos objetivos revolucionários, cuja frustração estão decididas a impedir. Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do Pais. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institucional. Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação. Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua vitória, de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um governo capaz de atender aos anseios do povo brasileiro, o Comando Supremo da Revolução, representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica resolve editar o seguinte. ATO INSTITUCIONAL Art 1º - São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respectivas Emendas, com as modificações constantes deste Ato.

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Art 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos terminarão em 31 (trinta e um) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de 2 (dois) dias, a contar deste Ato, em sessão pública e votação nominal. § 1º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, outra realizar-se-á no mesmo dia, sendo considerado eleito quem obtiver maioria simples de votos; no caso de empate, prosseguir-se-á na votação até que um dos candidatos obtenha essa maioria. § 2º - Para a eleição regulada neste artigo, não haverá inelegibilidades. Art 3º - O Presidente da República poderá remeter ao Congresso Nacional projetos de emenda da Constituição. Parágrafo único - Os projetos de emenda constitucional, enviados pelo Presidente da República, serão apreciados em reunião do Congresso Nacional, dentro de 30 (trinta) dias, a contar do seu recebimento, em duas sessões, com o intervalo máximo de 10 (dez) dias, e serão considerados aprovados quando obtiverem, em ambas as votações, a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso. Art 4º - O Presidente da República poderá enviar ao Congresso Nacional projetos de lei sobre qualquer matéria, os quais deverão ser apreciados dentro de 30 (trinta) dias, a contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados, e de igual prazo no Senado Federal; caso contrário, serão tidos como aprovados. Parágrafo único - O Presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça, em 30 (trinta) dias, em sessão conjunta do Congresso Nacional, na forma prevista neste artigo. Art 5º - Caberá, privativamente, ao Presidente da República a iniciativa dos projetos de lei que criem ou aumentem a despesa pública; não serão admitidas, a esses projetos, em qualquer das Casas do Congresso Nacional, emendas que aumentem a despesa proposta pelo Presidente da República. Art 6º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio, ou prorrogá-lo, pelo prazo máximo de 30 (trinta) dias; o seu ato será submetido ao Congresso Nacional, acompanhado de justificação, dentro de 48 (quarenta e oito) horas.

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Art 7º - Ficam suspensas, por 6 (seis) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade. § 1º - Mediante investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, mediante atos do Comando Supremo da Revolução até a posse do Presidente da República e, depois da sua posse, por decreto presidencial ou, em se tratando de servidores estaduais, por decreto do governo do Estado, desde que tenham tentado contra a segurança do Pais, o regime democrático e a probidade da administração pública, sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos. § 2º - Ficam sujeitos às mesmas sanções os servidores municipais. Neste caso, a sanção prevista no § 1º lhes será aplicada por decreto do Governador do Estado, mediante proposta do Prefeito municipal. § 3º - Do ato que atingir servidor estadual ou municipal vitalício, caberá recurso para o Presidente da República. § 4º - O controle jurisdicional desses atos limitar-se-á ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos fatos que o motivaram, bem como da sua conveniência ou oportunidade. Art 8º - Os inquéritos e processos visando à apuração da responsabilidade pela prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de guerra revolucionária poderão ser instaurados individual ou coletivamente. Art 9º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, que tomarão posse em 31 de janeiro de 1966, será realizada em 3 de outubro de 1965. Art 10 - No interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, os Comandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos. Parágrafo único - Empossado o Presidente da República, este, por indicação do Conselho de Segurança Nacional, dentro de 60 (sessenta) dias, poderá praticar os atos previstos neste artigo.

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Art 11 - O presente Ato vigora desde a sua data até 31 de janeiro de 1966; revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro-GB, 9 de abril de 1964. ARTHUR DA COSTA E SILVA Gen.-Ex. FRANCISCO DE ASSIS CORREIA DE MELLO Ten.-Brig. AUGUSTO HAMANN RADEMAKER GRUNEWALD Vice-Alm.

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ANEXO 2 – ATO INSTITUCIONAL Nº 2 Disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_3.htm. Data de acesso: 27/09/2009. ATO INSTITUCIONAL Nº 2 À NAÇÃO

A Revolução é um movimento que veio da inspiração do povo brasileiro para atender às suas aspirações mais legítimas: erradicar uma situação e uni Governo que afundavam o País na corrupção e na subversão. No preâmbulo do Ato que iniciou a institucionalização, do movimento de 31 de março de 1964 foi dito que o que houve e continuará a haver, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, mas também na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. E frisou-se que: a) ela se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação; b) a revolução investe-se, por isso, no exercício do Poder Constituinte, legitimando-se por si mesma; c) edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória, pois graças à ação das forças armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representa o povo e em seu nome exerce o Poder Constituinte de que o povo é o único titular. Não se disse que a revolução foi, mas que é e continuará. Assim o seu Poder Constituinte não se exauriu, tanto é ele próprio do processo revolucionário, que tem de ser dinâmico para atingir os seus objetivos. Acentuou-se, por isso, no esquema daqueles conceitos, traduzindo uma realidade incontestável de Direito Público, o poder institucionalizante de que a revolução é dotada para fazer vingar os princípios em nome dos quais a Nação se levantou contra a situação anterior.

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A autolimitação que a revolução se impôs no Ato institucional, de 9 de abril de 1964 não significa, portanto, que tendo poderes para limitar-se, se tenha negado a si mesma por essa limitação, ou se tenha despojado da carga de poder que lhe é inerente como

movimento.

Por

isso

se

declarou,

textualmente,

que

"os

processos

constitucionais não funcionaram para destituir o Governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País", mas se acrescentou, desde logo, que "destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo Governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do poder no exclusivo interesse do País". A revolução está viva e não retrocede. Tem promovido reformas e vai continuar a empreendê-las, insistindo patrioticamente em seus propósitos de recuperação econômica, financeira, política e moral do Brasil. Para isto precisa de tranqüilidade. Agitadores de vários matizes e elementos da situação eliminada teimam, entretanto, em se valer do fato de haver ela reduzido a curto tempo o seu período de indispensável restrição a certas garantias constitucionais, e já ameaçam e desafiam a própria ordem revolucionária, precisamente no momento em que esta, atenta aos problemas administrativos, procura colocar o povo na prática e na disciplina do exercício democrático. Democracia supõe liberdade, mas não exclui responsabilidade nem importa em licença para contrariar a própria vocação política da Nação. Não se pode desconstituir a revolução, implantada para restabelecer a paz, promover o bem-estar do povo e preservar a honra nacional. Assim, o Presidente da República, na condição de Chefe do Governo revolucionário e comandante supremo das forças armadas, coesas na manutenção dos ideais revolucionários, CONSIDERANDO que o País precisa de tranqüilidade para o trabalho em prol do seu desenvolvimento econômico e do bem-estar do povo, e que não pode haver paz sem autoridade, que é também condição essencial da ordem; CONSIDERANDO que o Poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco, não apenas para institucionalizá-la, mas para assegurar a continuidade da obra a que se propôs, Resolve editar o seguinte:

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ATO INSTITUCIONAL Nº 2 Art 1º - A Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respectivas emendas são mantidas com as modificações constantes deste Ato. Art 2º - A Constituição poderá ser emendada por iniciativa: I - dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - das Assembléias Legislativas dos Estados. § 1º - Considerar-se-á proposta a emenda se for apresentada pela quarta parte, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por mensagem do Presidente da República, ou por mais da metade das Assembléias Legislativas dos Estados, manifestando-se cada uma delas pela maioria dos seus membros. § 2º - Dar-se-á por aceita a emenda que for aprovada em dois turnos na mesma sessão legislativa, por maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. § 3º - Aprovada numa, a emenda será logo enviada à outra Câmara, para sua deliberação. Art 3º - Cabe, à Câmara dos Deputados e ao Presidente da República a iniciativa dos projetos de lei sobre matéria financeira. Art 4º - Ressalvada a competência da Câmara dos Deputados e do Senado e dos Tribunais Federais, no que concerne aos respectivos serviços administrativos, compete exclusivamente ao Presidente da República a iniciativa das leis que criem cargos, funções ou empregos públicos, aumentem vencimentos ou a despesa pública e disponham sobre a fixação das forças armadas. Parágrafo único - Aos projetos oriundos dessa, competência exclusiva do Presidente da República não serão admitidas emendas que aumentem a despesa prevista. Art 5º - A discussão dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República começará na Câmara dos Deputados e sua votação deve estar concluída dentro de 45 dias, a contar do seu recebimento. § 1º - Findo esse prazo sem deliberação, o projeto passará ao Senado com a redação originária e a revisão será discutida e votada num só turno, e deverá ser concluída no

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Senado Federal dentro de 45 dias. Esgotado o prazo sem deliberação, considerar-se-á aprovado o texto como proveio da Câmara dos Deputados. § 2º - A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados se processará no prazo de dez dias, decorrido o qual serão tidas como aprovadas. § 3º - O Presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça em 30 dias, em sessão conjunta do Congresso Nacional, na forma prevista neste artigo. § 4º - Se julgar, por outro lado, que o projeto, não sendo urgente, merece maior debate pela extensão do seu texto, solicitará que a sua apreciação se faça em prazo maior, para as duas casas do Congresso. Art 6º - Os arts. 94, 98, 103 e 105 da Constituição passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 94 - O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I - Supremo Tribunal Federal; II - Tribunal Federal de Recursos e Juízes Federais; III - Tribunais e Juízes Militares; IV - Tribunais e Juízes Eleitorais; V - Tribunais e Juízes do Trabalho." "Art. 98 - O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional, compor-se-á de dezesseis Ministros. Parágrafo único - O Tribunal funcionará em Plenário e dividido em três Turmas de cinco Ministros cada uma." "Art. 103 - O Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital Federal, compor-se-á de treze Juízes nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, oito entre magistrados e cinco entre advogados e membros do Ministério Público, todos com os requisitos do art. 99. Parágrafo único - O Tribunal poderá dividir-se em Câmaras ou Turmas." "Art. 105 - Os Juízes Federais serão nomeados pelo Presidente da República dentre cinco cidadãos indicados na forma da lei pelo Supremo Tribunal Federal. § 1º - Cada Estado ou Território e bem assim o Distrito Federal constituirão de per si uma Seção judicial, que terá por sede a Capital respectiva.

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§ 2º - A lei fixará o número de Juízes de cada Seção bem como regulará o provimento dos cargos de Juízes substitutos, serventuários e funcionários da Justiça. § 3º - Aos Juízes Federais compete processar e julgar em primeira instância. a) as causas em que a União ou entidade autárquica federal for interessada como autora, ré, assistente ou opoente, exceto as de falência e acidentes de trabalho; b) as causas entre Estados estrangeiros e pessoa domiciliada no Brasil; c) as causas fundadas em tratado ou em contrato da União com Estado estrangeiro ou com organismo internacional; d) as questões de direito marítimo e de navegação, inclusive a aérea; e) os crimes políticos e os praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas, ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; f )os crimes que constituem objeto de tratado ou de convenção internacional e os praticados a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; g) os crimes contra a organização do trabalho e o exercício do direito de greve; h) os habeas corpus em matéria criminal de sua competência ou quando a coação provier de autoridade federal não subordinada a órgão superior da Justiça da União; i) os mandados de segurança contra ato de autoridade federal, excetuados, os casos do art. 101, I, i, e do art. 104, I, b." Art 7º - O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Juízes vitalícios com a denominação de Ministros, nomeados pelo Presidente da República, dos quais quatro escolhidos dentre os Generais efetivos do Exército, três dentre os Oficiais Generais efetivos da Armada, três dentre os Oficiais Generais efetivos da Aeronáutica e cinco civis. Parágrafo único - As vagas de Ministros togados serão preenchidas por brasileiros natos, maiores de 35 anos de idade, da forma seguinte: I - três por cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada, com prática forense de mais de dez anos, da livre escolha do Presidente da República; II - duas por Auditores e Procurador- Geral da Justiça Militar. Art 8º - O § 1º do art. 108 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação:

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"§ 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares." § 1º - Competem à Justiça Militar, na forma da legislação processual, o processo e julgamento dos crimes previstos na Lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1963. § 2º - A competência da Justiça Militar nos crimes referidos no parágrafo anterior com as penas aos mesmos atribuídas, prevalecerá sobre qualquer outra estabelecida em leis ordinárias, ainda que tais crimes tenham igual definição nestas leis. § 3º - Compete originariamente ao Superior Tribunal Militar processar e julgar os Governadores de Estado e seus Secretários, nos crimes referido no § 1º, e aos Conselhos de Justiça nos demais casos. Art 9º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente, da República será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal. § 1º - Os Partidos inscreverão os candidatos até 5 dias, antes do pleito e, em caso de morte ou impedimento insuperável de qualquer deles, poderão substituí-los até 24 horas antes da eleição. § 2º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, repetir-se-ão os escrutínios até que seja atingido, eliminando-se, sucessivamente, do rol dos candidatos, o que obtiver menor número de votos. § 3º - Limitados a dois os candidatos, a eleição se dará mesmo por maioria simples. Art 10 - Os Vereadores não perceberão remuneração, seja a que título for. Art 11 - Os Deputados às Assembléias Legislativas não podem perceber, a qualquer título, remuneração superior a dois terços da que percebem os Deputados federais. Art 12 - A última alínea do § 5º do art. 141 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação: "Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de subversão, da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe." Art 13 - O Presidente da República poderá decretar o estado de sítio ou prorrogá-lo pelo prazo máximo de cento e oitenta dias, para prevenir ou reprimir a subversão da ordem interna.

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Parágrafo único - O ato que decretar o estado de sítio estabelecerá as normas a que deverá obedecer a sua execução e indicará as garantias constitucionais que continuarão em vigor. Art 14 - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por tempo certo. Parágrafo único - Ouvido o Conselho de Segurança Nacional, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos, removidos ou dispensados, ou, ainda, com os vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, desde que demonstrem incompatibilidade com os objetivos da Revolução. Art 15 - No interesse de preservar e consolidar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais. Parágrafo único - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos. Art 16 - A suspensão de direitos políticos, com base neste Ato e no, art. 10 e seu parágrafo único do Ato institucional, de 9 de abril de 1964, além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e no art. 6º da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, acarreta simultaneamente: I - a cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II - a suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III - a proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza política; IV - a aplicação, quando necessária à preservação da ordem política e social, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado.

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Art 17 - Além dos casos previstos na Constituição federal, o Presidente da República poderá decretar e fazer cumprir a intervenção federal nos Estados, por prazo determinado: I - para assegurar a execução da lei federal; II - para prevenir ou reprimir a subversão da ordem. Parágrafo único - A intervenção decretada nos termos deste artigo será, sem prejuízo da sua execução, submetida à aprovação do Congresso Nacional, Art 18 - Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros. Parágrafo único - Para a organização dos novos Partidos são mantidas as exigências da Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965, e suas modificações. Art 19 - Ficam excluídos da apreciação judicial: I - os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo federal, com fundamento no Ato Institucional de 9 de abril de 1964, rio presente Ato Institucional e nos atos complementares deste; II - as resoluções das Assembléias Legislativas e Câmara de Vereadores que hajam cassado mandatos eletivos ou declarado o impedimento de Governadores, Deputados, Prefeitos ou Vereadores, a partir de 31 de março de 1964, até a promulgação deste Ato. Art 20. - O provimento inicial dos cargos da Justiça federal far-se-á pelo Presidente da República dentre brasileiros de saber jurídico e reputação ilibada. Art 21 - Os projetos de emenda constitucional, enviados pelo Presidente da República, serão apreciados em reunião do Congresso Nacional, dentro de 30 (trinta) dias, e serão considerados aprovados quando obtiverem em ambas as votações, a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso. Art 22 - Somente poderão ser criados Municípios novos depois de feita prova cabal de sua viabilidade econômico-financeira, perante a Assembléia Legislativa. Art 23 - Constitui crime. de responsabilidade contra a probidade na administração, a aplicação irregular pelos Prefeito da cota do imposto de Renda atribuída aos Municípios pela União, cabendo a iniciativa da ação penal ao Ministério Público ou a um terço dos membros da Câmara Municipal.

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Art 24 - O julgamento nos processos instaurados segundo a Lei nº 2.083, de .12 de novembro de 1953, compete ao Juiz de Direito que houver dirigido a instrução do processo. Parágrafo único - A prescrição da ação penal relativa aos delitos constantes dessa Lei ocorrerá dois anos após a data da publicação incriminada, e a da condenação no dobro do prazo em que for fixada. Art 25 - Fica estabelecido a partir desta data, o princípio da paridade na remuneração dos servidores dos três Poderes da República, não admitida, de forma alguma, a correção monetária como privilégio de qualquer grupo ou categoria. Art 26 - A primeira eleição para Presidente e Vice-Presidente da República será realizada em data a ser fixada pelo Presidente da República e comunicada ao Congresso Nacional, a qual não poderá ultrapassar o dia 3 de outubro de 1966. Parágrafo único - Para essa eleição o atual Presidente da República é inelegível. Art 27 - Ficam sem objeto os projetos de emendas e de lei enviados ao Congresso Nacional que envolvam matéria disciplinada, no todo ou em parte, pelo presente Ato. Art 28 - Os atuais Vereadores podem continuar a perceber remuneração até o fim do mandato, em quantia, porém, nunca superior à metade da que percebem os Deputados do Estado respectivo. Art 29 - Incorpora-se definitivamente à Constituição federal o disposto nos arts. 2º a 12 de presente Ato. Art 30 - O Presidente da República poderá baixar atos complementares do presente, bem como decretos-leis sobre matéria de segurança nacional. Art 31 - A decretação do recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do Presidente da República, em estado de sítio ou fora dele. Parágrafo único - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente, fica autorizado a legislar mediante decretos-leis em todas as matérias previstas na Constituição e na Lei Orgânica. Art 32 - As normas dos arts. 3º, 4º, 5º e 25 deste Ato são extensivas aos Estados da Federação.

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Parágrafo único - Para os fins deste artigo as Assembléias emendarão as respectivas Constituições, no prazo de sessenta dias, findo o qual aquelas normas passarão, no que couber, a vigorar automaticamente nos Estados. Art 33 - O presente Ato institucional vigora desde a sua publicação até 15 de março de 1967, revogadas as disposições constitucionais ou legais em contrário. Brasília, 27 de outubro de 1965; 144º da Independência e 77º da República. H. CASTELLO BRANCO Juracy Montenegro Magalhães Paulo Bossisio Arthur da Costa e Silva Vasco Leitão da Cunha Eduardo Gomes

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ANEXO 3 – ATO INSTITUCIONAL Nº 3 Disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_4.htm. Data de acesso: 27/09/2009. ATO INSTITUCIONAL Nº 3 À NAÇÃO

CONSIDERANDO que o Poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco, não apenas para institucionalizá-la, mas para assegurar a continuidade da obra a que se propôs, conforme expresso no Ato institucional nº 2; CONSIDERANDO ser imperiosa a adoção de medidas que não permitam se frustrem os superiores objetivos da Revolução; CONSIDERANDO a necessidade de preservar a tranqüilidade e a harmonia política e social do Pais; CONSIDERANDO que a edição do Ato institucional nº 2 estabeleceu eleições indiretas para Presidente e Vice-Presidente da República; CONSIDERANDO que é imprescindível se estenda à eleição dos Governadores e Vice-Governo de Estado o processo instituído para a eleição do Presidente e do VicePresidente da República; CONSIDERANDO que a instituição do processo de eleições indiretas recomenda a revisão dos prazos de inelegibilidade; CONSIDERANDO, mais que e conveniente à segurança nacional alterar-se o processo de escolha dos Prefeitos dos Municípios das Capitais de Estado; CONSIDERANDO, por fim, que cumpre fixar-se data para as eleições a se realizarem no corrente ano. O Presidente da República, na condição de Chefe do Governo da Revolução e Comandante Supremo das Forças Armadas, Resolve editar seguinte: ATO INSTITUCIONAL Nº 3

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Art 1º - A eleição de Governador e Vice-Governador dos Estados far-se-á pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa, em sessão pública e votação nominal. § 1º - Os Partidos inscreverão os candidatos até quinze dias antes do pleito perante a Mesa da Assembléia Legislativa, e, em caso de morte ou impedimento insuperável de qualquer deles, poderão substituí-los até vinte e quatro horas antes da eleição. § 2º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, repetir-se-ão os escrutínios até que seja atingido, eliminando-se, sucessivamente, do rol dos candidatos, o que obtiver menor número de votos. § 3º- Limitados, a dois os candidatos ou na hipótese de só haver dois candidatos inscritos, a eleição se dará mesmo por maioria simples. Art 2º - O Vice-Presidente da República e o Vice-Governador de Estado considerar-seão eleitos em virtude da eleição do Presidente e do Governador com os quais forem inscritos como candidatos. Art 3º - Para as eleições indiretas, ficam reduzidos à metade os prazos de inelegibilidade estabelecidos na Emenda Constitucional nº 14, de 3 de junho de 1965 e nas letras m , s e t do inciso I e nas letras b e d do inciso, II do art. 1º da Lei nº 4.738, de 15 de julho de 1965. Art 4º - Respeitados os mandatos em vigor, serão nomeados pelos Governadores de Estado, os Prefeitos dos Municípios das Capitais mediante prévio assentimento da Assembléia Legislativa ao nome proposto. § 1º - Os Prefeitos dos demais Municípios serão eleitos por voto direto e maioria simples, admitindo-se sublegendas, nos termos estabelecidos pelos estatutos partidários. § 2º - É permitido ao Senador e ao Deputado federal ou estadual, com prévia licença da sua Câmara. exercer o cargo de Prefeito de Capital de Estado. Art 5º - No corrente ano, as eleições de Governadores e Vice-Governadores de Estado realizar-se-ão em 3 de setembro; as de Presidente e Vice-Presidente da República, em, 3 de outubro; e as de Senadores e Deputados federais e estaduais, em 15 de novembro.

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Art 6º - Ficam excluídos de apreciação judicial os atos praticados com fundamento no presente Ato institucional e nos atos complementares dele. Art 7º - Este Ato Institucional entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Brasília, 5 de fevereiro de 1966; 145º da Independência e 78º da República. H. CASTELLO BRANCO Mem de Sá Zilmar Araripe Decio de Escobar Juracy Magalhães Eduardo Gomes

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ANEXO 4 – ATO INSTITUCIONAL Nº 4 Disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_5.htm. Data de acesso: 27/09/2009. ATO INSTITUCIONAL Nº 4 Convocação do Congresso Nacional para discussão, votação e promulgação do Projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República. CONSIDERANDO que a Constituição federal de 1946, além de haver recebido numerosas emendas, já não atende às exigências nacionais; CONSIDERANDO que se tornou imperioso dar ao País uma Constituição que, além de uniforme e harmônica, represente a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução; CONSIDERANDO que somente uma nova Constituição poderá assegurar a continuidade da obra revolucionária; CONSIDERANDO que ao atual Congresso Nacional, que fez a legislação ordinária da Revolução, deve caber também a elaboração da lei constitucional do movimento de 31 de março de 1964; CONSIDERANDO que o Governo continua a deter os poderes que lhe foram conferidos pela Revolução; O Presidente da República resolve editar o seguinte Ato Institucional nº 4: Art 1º - É convocado o Congresso Nacional para se reunir extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967. § 1º - O objeto da convocação extraordinária é a discussão, votação e promulgação do projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República. § 2º - O Congresso Nacional também deliberará sobre qualquer matéria que lhe for submetida pelo Presidente da República e sobre os projetos encaminhados pelo Poder Executivo na última sessão legislativa ordinária, obedecendo estes à tramitação solicitada nas respectivas mensagens.

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§ 3º - O Senado Federal, no período da convocação extraordinária, praticará os atos de sua competência privativa na forma da Constituição e das Leis. Art 2º - Logo que o projeto de Constituição for recebido pelo Presidente do Senado, serão convocadas, para a sessão conjunta, as duas Casas do Congresso, e o Presidente deste designará Comissão Mista, composta de onze Senadores e onze Deputados, indicados pelas respectivas lideranças e observando o critério da proporcionalidade. Art 3º- A Comissão Mista reunir-se-á nas 24 horas subseqüentes à sua designação, para eleição de seu Presidente e Vice-Presidente, cabendo àquele a escolha do relator, o qual dentro de 72 horas dará seu parecer, que concluirá pela aprovação ou rejeição do projeto. Art 4º - Proferido e votado o parecer, será o projeto submetido a discussão, em sessão conjunta das duas Casas do Congresso, procedendo-se à respectiva votação no prazo de quatro dias. Art 5º - Aprovado projeto pela maioria absoluta será o mesmo devolvido à Comissão, perante a qual poderão ser apresentadas emendas; se o projeto for rejeitado, encerrarse-á a sessão extraordinária. Art 6º As emendas a que se refere o artigo anterior deverão ser apoiadas por um quarto de qualquer das Casas do Congresso Nacional e serão apresentadas dentro de cinco dias seguintes ao da aprovação do projeto, tendo a Comissão o prazo de doze dias para sobre elas emitir parecer. Art 7º- As emendas serão submetidas à discussão do Plenário do Congresso, durante o prazo máximo de doze dias, findo o qual passarão a ser votadas em um único turno. Parágrafo único - Aprovada na Câmara dos Deputados pela maioria absoluta será, em seguida, submetida à aprovação do Senado e, se aprovada por igual maioria, dar-se-á por aceita a emenda. Art 8º - No dia 24 de janeiro de 1967 as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgarão a Constituição, segundo a redação final da Comissão, seja a do projeto com as emendas aprovadas, ou seja o que tenha sido aprovado de acordo com o art. 4º, se nenhuma emenda tiver merecido aprovação, ou se a votação não tiver sido encerrada até o dia 21 de janeiro.

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Art 9º - O Presidente da República, na forma do art. 30 do Ato institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, poderá baixar Atos Complementares, bem como decretos-leis sobre matéria de segurança nacional até 15 de março de 1967. § 1º - Durante o período de convocação extraordinária, o Presidente da República também poderá baixar decretos-leis sobre matéria financeira. § 2º - Finda a convocação extraordinária e até a reunião ordinária do Congresso Nacional, o Presidente da República poderá expedir decretos com força de lei sobre matéria administrativa e financeira. Art 10 - O pagamento de ajuda de custo a Deputados e Senadores será feito com observância do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 3º do Decreto Legislativo nº 19, de 1962." Brasília, 7 de dezembro de 1966; 145º da Independência e 78º da República. H. CASTELLO BRANCO Carlos Medeiros Silva Zilmar Araripe Ademar de Queiroz Manoel Pio Corrêa Eduardo Gomes

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