Política Pública de Turismo na Cidade do Rio de Janeiro pós implementação de Unidade de Polícia Pacificadora

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA, TURISMO, CULTURA E GESTÃO TURMA 02

POLÍTICA PÚBLICA DE TURISMO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO PÓS IMPLEMENTAÇÃO DE UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA

Daniele Amancia Sampaio Fontainha ORIENTADOR: Prof. Ivan Bursztyn

JANEIRO 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA, TURISMO, CULTURA E GESTÃO TURMA 02

POLÍTICA PÚBLICA DE TURISMO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO PÓS IMPLEMENTAÇÃO DE UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA

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DANIELE AMANCIA SAMPAIO FONTAINHA

BANCA EXAMINADORA PROF. ORIENTADOR. IVAN BURZTYN PROF. RITA AFONSO

JANEIRO 2015 2

AGRADECIMENTOS Aos meus pais, que me deram todo suporte para completar mais um curso em minha jornada acadêmica. Aos amigos que ganhei nesse curso de especialização, no qual passamos um ano de intenso aprendizado e excelente convivência. Ao professor Ivan Bursztyn, pela paciência, confiança e horas de orientação.

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Política Pública de Turismo na cidade do Rio de Janeiro pós implementação de Unidade de Polícia Pacificadora

Resumo: FONTAINHA, Daniele Amancia Sampaio. POLÍTICA PÚBLICA DE TURISMO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO PÓS IMPLEMENTAÇÃO DE UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA. Rio de Janeiro, 2014. Monografia da Pós-Graduação em Economia, Turismo, Cultura e Gestão, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Com o anúncio dos mega eventos, a cidade do Rio de Janeiro fortalece suas políticas públicas de segurança com as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora, inicialmente implantadas nas favelas com maior proximidade dos principais pontos turísticos. Ao mesmo tempo, seguindo a atual lógica de mercado de turismo sustentável/ responsável, buscando a redução da pobreza e inclusão social das populações de baixa renda, a atividade turística surge como uma oportunidade para o fomento da economia destas localidades. Com base em estudos qualitativos, abordaremos o que é favela, sua relação com a cidade e projetos de políticas públicas para o fomento da economia local.

Palavras-chave: UPP, turismo, políticas públicas de turismo, favela

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Tourism Public Policy in the city of Rio de Janeiro after implementation of Pacifying Police Units

Abstract: With the announcement of mega events, the city of Rio de Janeiro strengthens its public safety policies called Pacifying Police Units initially deployed in the slums with greater proximity to major attractions. At the same time, following the current logic of sustainable/ responsible tourism market, seeking poverty reduction and social inclusion of low-income populations, tourism emerges as an opportunity for the development of the economy of the locations. Based on qualitative studies, we discuss what is slum, its relationship with the city and projects of public policies for the promotion of the local economy.

Keywords: UPP, tourism, Public Tourism Policy, slum

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Política Pública de Turismo en la ciudad de Río de Janeiro después de la implementación de la Unidad de Pacificación Policial

Resumen: Con el anuncio de mega eventos, la ciudad de Río de Janeiro refuerza sus políticas de seguridad pública con llamadas Unidades de Policía Pacificadora, inicialmente desplegados en las chabolas con mayor proximidad a las principales atracciones. Al mismo tiempo, siguiendo la lógica actual del mercado del turismo sostenible /responsable , la búsqueda de la reducción de la pobreza y la inclusión social de las poblaciones de bajos ingresos , el turismo se presenta como una oportunidad para el desarrollo de la economía destos lugares. En base a los estudios cualitativos, se discute lo que es chabola, su relación con la ciudad y los proyectos de políticas públicas para la promoción de la economía local.

Palabras claves: UPP , turismo , Políticas Públicas de Turismo , chabolas

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"Em defesa de todas as favelas do meu Brasil, aqui fala o seu embaixador" A favela, nunca foi reduto de marginal A favela, nunca foi reduto de marginal Ela só tem gente humilde Marginalizada e essa verdade não sai no jornal A favela é, um problema social A favela é, um problema social Sim mas eu sou favela Posso falar de cadeira Minha gente é trabalhadeira Nunca teve assistência social Ela só vive lá Porque para o pobre, não tem outro jeito Apenas só tem o direito A um salário de fome e uma vida normal.

A favela é, um problema social A favela é, um problema social” - Noca da Portela & Sérgio Mosca (1994)-

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10 A) Apresentação do tema e contextualização ......................................................... 10 B) Objetivo geral................................................................................................... 10 C) Objetivos específicos ........................................................................................ 11 D) Metodologia ..................................................................................................... 11 CAPÍTULO I- Análise das Políticas Públicas de Turismo e sua relação/ impacto com as populações de baixa renda ........................................................................................ 13 1.1 Introdução.......................................................................................................... 13 1.2 Panorama histórico-político da mudança de paradigma do turismo de massa ...... 13 1.3 Cenário internacional das políticas públicas de turismo ...................................... 16 1.4 Breve histórico das Políticas Públicas de Turismo no Brasil ............................... 18 1.5 Conceito de turismo responsável/sustentável ...................................................... 25 1.6 Considerações finais .......................................................................................... 27 CAPÍTULO II- O turismo nas favelas da cidade do Rio de Janeiro....................... 28 2.1 Introdução.......................................................................................................... 28 2.2 História das favelas na cidade do Rio de Janeiro ................................................ 28 2.3 Turismo nas favelas do Rio de Janeiro ............................................................... 37 2.4 Considerações Finais.......................................................................................... 43 CAPÍTULO III- A política de pacificação nas favelas da cidade do Rio de Janeiro e seu impacto no Turismo .................................................................................................. 44 3.1 Introdução.......................................................................................................... 44 3.2 Estruturação de políticas públicas de turismo nas favelas ................................... 44 3.3 Histórico das UPPs ............................................................................................ 44 3.4 UPPs e os mega eventos ..................................................................................... 45 3.5 Gentrificação nas favelas ................................................................................... 47 3.6 Relação entre as UPPs e os moradores das favelas ............................................. 49 3.7 Relação entre UPPs e Turismo ........................................................................... 52 3.8 Casos ilustrativos ............................................................................................... 55 8

3.8.1 Cantagalo e Pavão-Pavãozinho .................................................................... 55 3.8.2 Rocinha ...................................................................................................... 65 3.9 Considerações Finais.......................................................................................... 74 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 79

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INTRODUÇÃO A) Apresentação do tema e contextualização Conforme dados apresentados pelo Conselho Mundial de Viagens e Turismo (World Travel & Tourism Council- WTTC), o setor fomentou a economia mundial em 9.5% no ano de 2013 e em 9.2% do PIB no Brasil (equivalente a 443,7 bilhões de reais), colocando o país em sexto lugar na lista de economias de turismo do mundo1. Esses valores envolvem toda cadeia produtiva do setor, incluindo geração de empregos diretos e indiretos, gastos públicos com infraestrutura (segurança, saneamento, obras de pavimentação...), investimentos para a construção de novos empreendimentos, indústria hoteleira, de transporte e lazer, entre outros2. A cidade do Rio de Janeiro é conhecida no cenário internacional como a grande receptora de turistas (é a primeira em recebimento de turistas estrangeiros e a segunda colocada pelo prisma do turista brasileiro, perdendo apenas para a capital paulista)3, mas ao mesmo tempo leva o título de sexta cidade mais perigosa para os visitantes4. Nesse sentido, é fundamental que se compreenda a história e a atual estrutura das Políticas Públicas de Turismo e sua inter-relação com um destino turístico muito procurado hoje em dia: as favelas. Com esse cenário, as Políticas Públicas de Turismo da Cidade do Rio de Janeiro aparecem como ponto central das pautas de discussão, já que consideram que sem esse apoio do governo, não podem ser realizadas novas iniciativas de empreendimentos e aumento de nicho de mercado para o chamado "turismo de convivência", muito realizado nas favelas da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e com a promessa de melhoria da economia local. B) Objetivo geral

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Dado citado no site do Ministério do Turismo, no endereço: http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20140417-1.html Acessado dia 01.11.2014 2 Dado citado no site do Ministério do Turismo, no endereço: http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20140417-1.html Acessado dia 01.11.2014 3 Dado citado no site do SENAC RJ, no endereço: http://www.rj.senac.br/home/noticia?id=15288 Acessado dia 01.11.2014 4 Dado disponível no site Escape Here, no endereço: http://www.escapehere.com/destination/10-mostdangerous-cities-in-the-world-to-travel/4/ Acessado dia 03.11.2014

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O objetivo geral do presente trabalho é investigar se, com o advento das UPPs, houve integração da Política Pública de Turismo do Rio de Janeiro com as favelas do Cantagalo e Rocinha, localizadas na Zona Sul, com foco na inclusão social. C) Objetivos específicos Constituem como objetivos específicos: a) entender a relação entre as políticas públicas do turismo e sua relação com a população de baixa renda; b) analisar o contexto histórico das favelas e como o turismo nas favelas acontece na cidade do Rio de Janeiro e; c) analisar como as políticas de pacificação nas favelas impactaram diretamente a atividade turística. Sendo assim, estudaremos se a atuação do ator governamental está presente na prática nessas comunidades e se houve integração das favelas com o restante da cidade pós-pacificação. D) Metodologia A metodologia escolhida para o desenvolvimento do nosso trabalho foi uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, estruturada em duas partes: levantamento bibliográfico e documental nos dois primeiros capítulos e pesquisas em campo no terceiro capítulo. A primeira parte da investigação constitui no levantamento bibliográfico e documental, onde serão utilizadas como referências artigos, monografias, dissertações e livros sobre Política Pública de Turismo e os Planos Nacionais de Turismo, disponíveis em sites da internet e do Ministério do Turismo e EMBRATUR. Na segunda parte da investigação, estudaremos as favelas na cidade do Rio de Janeiro, desde seu surgimento até os dias de hoje, como a favela passou a ser destino turístico e alguns exemplos de prestação de serviço para os visitantes. Usamos como base principal para a pesquisa o livro “Um século de favela” organizado por Alba Zaluar e Marcos Alvito. Já na terceira parte, estudaremos a relação entre as Políticas Públicas de Turismo nas favelas e Unidades de Polícia Pacificadoras, o processo de gentrificação e ainda 11

apresentaremos os resultados de nossa pesquisa de campo realizada nas favelas do Cantagalo e Rocinha, onde a implantação de Unidades de Polícia Pacificadora ocorreu há mais tempo, sendo um melhor objeto de pesquisa. Nossa finalidade será entender se de fato houve inclusão social dos “favelados” com o restante da cidade pós-implementação das UPPs por meio do turismo. Realizamos pesquisas bibliográficas e de campo com entrevista a duas instituições ONG Museu de Favela e Rocinha Original Tour.

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CAPÍTULO I- Análise das Políticas Públicas de Turismo e sua relação/ impacto com as populações de baixa renda 1.1 Introdução Buscando no dicionário o significado da palavra “turismo”, encontramos os seguintes significados: “1. Gosto das viagens. 2. Realização de viagens de prazer ou recreio e esporte. 3. Prática esportiva de locomoção, por mero recreio ou prazer de viajar.”5. Ao refletirmos sobre esses significados, comprovaremos mais adiante que essa prática existe desde a Grécia antiga e está em processo de constantes transformações vividas pela sociedade: tanto perfil sociológico e político quanto de economia. Neste capítulo apresentaremos como a atividade turística surgiu, a evolução da atividade turística com passar dos séculos, um panorama das políticas públicas de turismo do exterior e sua relação com as iniciativas e projetos desenvolvidos para o Brasil e o que é turismo responsável/sustentável, que aparece como uma oportunidade para redução da pobreza e da desigualdade. 1.2 Panorama histórico-político da mudança de paradigma do turismo de massa A atividade turística, de forma conceitual, sempre existiu, acompanhando as mudanças sociais, econômicas, culturais e naturais de cada região, país e lugar. Viagens turísticas ocorrem desde a Antiguidade - as primeiras aconteceram com o advento dos Jogos Olímpicos, onde as pessoas viajavam longas distâncias para assistir e/ou participar do grande evento que ocorria na Grécia Antiga a cada quatro anos (Cf. DE LA TORRE apud BARRETO,1995, p.44). A partir de então, com a criação de estradas e expansão marítima ao longo dos séculos, viagens passaram a ser mais comuns, tanto para expansão de negócios, viagens de cunho religioso, festivais e para simplesmente conhecer novos lugares e culturas (McINTOSH apud BARRETO,1995, p.44). Nesse momento, porém, viagens eram muito custosas e o

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Dado disponível no Dicionário Michaellis: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=turismo Acesso em 13/11/2014

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público que mais usufruía era constituído de pessoas com melhor condição financeira. Sendo assim, podemos afirmar que o turismo como atividade é caracterizado pelo modo capitalista de produção. (BURSZTYN, 2005, p. 11) Entre os séculos XVII e XVIII ganha destaque uma prática oriunda na Europa chamada Grand Tour. Os filhos das famílias ricas concluíam os estudos com uma viagem pelo continente europeu, onde tinham a oportunidade de conhecer novas culturas e tradições, política e história dos países vizinhos. Ainda assim, não havia qualquer estrutura complexa de suporte, que era normalmente composta de servos e um tutor de confiança da família. (BURSZTYN, 2005, p. 16) A Revolução Industrial, ainda no século XVIII, foi capaz de proporcionar mudanças significativas para a sociedade de um modo geral e trouxe para o turismo suas características de produção em massa. De acordo com Bursztyn, “Foi através dos avanços tecnológicos da nova sociedade industrial que, pela primeira vez, os deslocamentos humanos ganham uma característica de turismo. Com a ampliação da malha ferroviária, fundamental para as viagens domésticas e intracontinentais, e a construção dos grandes navios a vapor capazes de atravessar oceanos, a indústria dos transportes muda de escala e passa a ser acessível a um maior número de pessoas.” (BURSZTYN, 2005, p. 16-17)

Essa maior acessibilidade de deslocamento teve como reflexo o aumento do fluxo de pessoas conhecendo novos lugares, surgindo assim, o chamado Turismo de Massa. Essa forte industrialização mudou o cenário das grandes cidades para o modo industrial: fábricas eram construídas no meio das cidades principais, transformando os centros urbanos em centros industriais, modificando sua aparência, sua qualidade do ar e a percepção da população que ali vive em relação ao bucólico ambiente fora desses centros, valorizando ambientes naturais (tais como zona rural e regiões de praia), realizando escapismo como forma de “desestressar” do cotidiano das cidades grandes (KRIPPENDORF apud BURSZTYN,2005, p.10). Classes operárias viajavam nas férias para esses locais e, para atender essa demanda, são inaugurados

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“(...) os primeiros hotéis urbanos e há um grande desenvolvimento dos balneários costeiros no mar Mediterrâneo. O que antes era uma atividade educativa, circunscrita a uma classe social mais abastada, passa a ganhar um caráter recreativo e de lazer para a classe trabalhadora”. (BURSZTYN, 2005, p. 10)

O mundo contemporâneo passou por grandes modificações e que afetaram, para sempre, o real entendimento do que é turismo e de como fazê-lo. Com o término da II Guerra Mundial, cidades europeias que estavam devastadas foram totalmente reconstruídas, física e economicamente, estabilizando a situação sóciopolítica e criando assim um ambiente favorável ao desenvolvimento da atividade turística como forma de aquecimento da economia local. Avanços significativos nos meios de comunicação mudaram a forma de pensar turismo na época, impulsionando a maior conscientização da população no mundo em processo de globalização e na forma de se explorar essa indústria turística ainda tão promissora: quase todas as famílias do mundo capitalista tinham acesso à televisão e/ou rádio, conectando pessoas que antes viviam em cidades, países, continentes isolados. O mundo era capaz de acompanhar acontecimentos tais como o ataque às cidades de Hiroshima e Nagasaki, localizadas no Japão, que no fim da II Guerra Mundial, atingidas por bombas atômicas e não só matou milhares, como mudou o ecossistema de parte da ilha japonesa; a Guerra do Vietnã que começara na década de 1950 ainda ocorria e os Estados Unidos da América utilizavam o chamado “agente laranja”, alterando também o ecossistema local e matando milhares de vietnamitas e participantes da guerra; a Guerra Fria manifestava-se em guerras de pouca duração, porém com grande impacto na sociedade das localidades envolvidas. Enormes avanços da ciência impulsionaram a corrida armamentista e a sensação de insegurança. Os avanços na ciência também incentivaram estudos sobre mudanças climáticas ocasionadas pelo grande progresso industrial dos países desenvolvidos. Comprovou-se que a poluição das águas e do ar motivaram o aumento do fenômeno de chuvas ácidas e o esgotamento dos recursos naturais e que, em grande parte das vezes, os países do mundo subdesenvolvido eram os maiores prejudicados. Movimentos sociais, tais como o Hippie, norteavam novos pensamentos anti-guerra, com o jargão “paz e amor”, e novos comportamentos na sociedade como cooperação, coletividade, compreensão e desprendimento da coisa material. 15

Esses fatores impactaram diretamente o comportamento de grande parte da sociedade da época, exigindo novas posturas por parte dos Estados-Nação. Sendo assim, a UNEP (United Nations Environmental Program, ou PNUMA- Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) foi criada em 1972 na Conferência de Estocolmo sobre o Homem e o Meio Ambiente, com o objetivo de ter uma instituição não governamental e supranacional “To provide leadership and encourage partnership in caring for the environment by inspiring, informing, and enabling nations and peoples to improve their quality of life without compromising that of future generations.”.6 Sendo assim podemos entender que sua criação deu início aos debates sobre mudanças climáticas e seus efeitos à comunidade, considerando a problemática como assunto de extrema importância para discussão entre os Estados, visando cooperação internacional (JULIANO, 2011). O turismo responsável surge como uma possível saída para reduzir essa influência negativa que o turismo de massa traz. Mudanças climáticas, de hábito e ideológicas, crise econômica e condições financeiras criam um novo perfil de visitantes preocupados com o impacto que oferece ao ambiente. Fennell (FENNEL, 2002, p. 21) menciona que essa forma de turismo (...) era garantir que as políticas de turismo não se concentrassem apenas nas necessidades econômicas e técnicas, mas enfatizassem a demanda por um ambiente não degradado e a consideração das necessidades da população local. ”

1.3 Cenário internacional das políticas públicas de turismo A Conferência de Manila, em 1980 foi um grande marco para os estudos sobre turismo, que “nesse momento, de fato, começaram a ser evidenciados os impactos físicos e sociais de um turismo (de massa) descontrolado e ambientalmente desregulado e despreocupado...” impulsionando estudos sobre limite físico das localidades a receptoras, de capacidade de carga e influências negativas do turismo de massa. (SPAMPINATO, 2009, p.07)

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Missão disponível no endereço: http://www.unep.org/Documents.multilingual/Default.asp?DocumentID=43 Tradução livre: “que tenha liderança e encoraje parceiras que cuidem do meio ambiente, inspirando, informando e estimulando nações e pessoas a desenvolver suas qualidades de vida sem comprometendo futuras gerações” Acesso em 11/10/2014

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Desde 1996, a Organização Mundial de Turismo (OMT) e outros organismos internacionais relacionados ao Turismo buscam desenvolver declarações e documentos capazes de direcionar possíveis caminhos que levem a redução/combate de processos de exclusão. Dentro dessa proposta, dois documentos são destacados como pioneiros: "Agenda 21 para a Indústria de Viagens e Turismo para o Desenvolvimento Sustentável" (1996) e o "Código Mundial de Ética do Turismo" (1999). (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p. 45) ● Agenda 21 para a Indústria de Viagens e Turismo para o Desenvolvimento Sustentável:

oito

temas

foram

incluídos

nesse

documento

apresentado

a

representações das organizações da indústria do turismo e governos, dentre eles estão o “(...) treinamento, educação e formação da consciência pública (...) e fomento a participação de todos os setores da sociedade (...)”. (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p. 46) ● Código Mundial de Ética do Turismo: apresenta dez artigos, onde nove estabelecem instruções para todos os envolvidos, do início ao fim do processo turístico. Dentre eles, apresenta três artigos relacionados à inclusão social: “1- contribuições do turismo à compreensão e ao respeito mútuo entre homens e sociedades; (...) 5- o turismo, como atividade benéfica para os países e comunidades receptoras; 6obrigações dos diferentes atores no desenvolvimento turístico.” (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p. 46-47) A questão de inclusão social entrou na agenda de discussão dos países como assunto central após a divulgação da Declaração do Milênio, que continha os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que foram estabelecidos pela ONU no ano 2000. Esse documento contém responsabilidades individuais e comuns para os três principais atores agentes de mudança: “a) governos, ao alcançar e permitir atingir os objetivos e metas; b) rede de organizações internacionais, ao aplicar seus recursos e experiências, da forma mais estratégica e eficiente possível e, ao apoiar e sustentar os esforços dos parceiros nos níveis mundial e dos países; c) cidadãos das organizações da sociedade civil e do setor privado, ao se engajarem plenamente nesta tarefa pioneira e ao colocar em curso sua capacidade singular de fomentar a motivação, a mobilização e a ação.” (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p. 46-47)

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E buscando melhor entendimento sobre as ações do governo brasileiro perante a temática de induzir a atividade turística como forma de inclusão social, elaboramos uma rápida análise sobre o histórico das políticas públicas do Brasil em relação ao Turismo. 1.4 Breve histórico das Políticas Públicas de Turismo no Brasil Abordaremos nessa seção o pano de fundo histórico brasileiro e como os acontecimentos direcionaram as políticas públicas em turismo, que até a década de 1950 não estavam estruturadas e que foi um passo muito importante para a valorização da atividade turística como uma indústria econômica. a) 1958 a 1962 - Comissão Brasileira de Turismo (COMBRATUR) O Brasil vivia uma época de forte modernização na década de 1950. A capital federal mudava do Rio de Janeiro para Brasília, uma cidade 100% planejada e projetada em uma área não habitada ainda, mas perto da área mais central do país. Almejando o crescimento do fluxo de turismo doméstico entre todas as regiões do país (criando assim uma conexão entre as regiões) e a grande quantidade de políticos, investidores e turistas estrangeiros que o Brasil vinha recebendo no governo de Juscelino Kubitschek, foi então criada a Comissão Brasileira de Turismo. Criada através do Decreto 44.863/58, foi a pioneira no Brasil a regulamentar atividades do setor turístico, fiscalizando as agências de viagem e criando estratégias para o desenvolvimento de melhor aparato de infraestrutura turística, desde prestação de serviços e instalações para o recebimento dos turistas, a promoção à criação de inventário com todos os potenciais turísticos a serem explorados. No ano de 1960, um novo decreto (48.126/60) dá poderes a essa comissão para elaborar e implementar a primeira política nacional de turismo, porém não houve efetivação de um plano de política e em 1962 a COMBRATUR é extinta. (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p. 61-62) b) 1966- Sistema Nacional de Turismo Em 1966, o governo militar buscava ocultar a repressão da ditadura, transmitindo para o mundo que o Brasil era um país de pessoas felizes, mulheres bonitas (que posavam de biquíni nas campanhas publicitárias), um país exótico e com belezas exuberantes (praia de 18

Copacabana, Cristo Redentor e Pão de Açúcar) e festeiro (Carnaval), ressaltando assim o orgulho e o saudosismo da população brasileira (DOS SANTOS FILHO). Através do Decreto–Lei 55/66, foi definida a Política Nacional de Turismo com a criação do Conselho Nacional de Turismo (CNTur) e a EMBRATUR (Empresa Brasileira de Turismo). Ambos presididos pelo Ministério da Indústria e do Comércio, mas as propostas de cada um são interdependentes: o CNTur tem como objetivo dirigir, formular e coordenar a Política Nacional de Turismo7, já a EMBRATUR tem como finalidade “...incrementar o desenvolvimento da indústria de Turismo e executar no âmbito nacional as diretrizes que lhes forem traçadas pelo Governo.” 8 No ano de 1967, o Decreto-lei 60.224/67 regulamenta o decreto supracitado e foi instituído o Ministério das Relações Exteriores, que passa a ser responsável por divulgar o turismo do Brasil via tarefas diplomáticas (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p. 62). Esse mesmo decreto apresenta novos temas ainda não apresentados em estratégias anteriores, como melhor qualificação profissional e de atendimento de cliente (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p. 63). Sendo assim, podemos entender que a partir do momento que o governo brasileiro reconhece que a necessidade da criação de um sistema nacional de turismo é fundamental, a atividade turística pode ser usada como um meio de redução das desigualdades e problemas socioeconômicos no país (CRUZ,2000 apud DOS SANTOS & IRVING, 2007, p.62). Na década de 1970 o Brasil vivia o “milagre econômico”, com forte crescimento econômico. Nesse cenário houve viabilidade e disponibilidade de capital para investimentos em infraestrutura para o recebimento de turistas, tal como a inauguração do Hotel Hilton em São Paulo, da primeira rede hoteleira internacional a se instalar no país. Mas o foco principal das campanhas publicitárias da EMBRATUR ainda era o Rio de Janeiro, já que era conhecido como a Cidade Maravilhosa e apresentava lugares icônicos que todo turista deve visitar, como o Cristo Redentor, Pão de Açúcar e Copacabana (KAJIHARA, 2008, p. 40).

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Art. 4 do Decreto-Lei 55/66: http://presrepública.jusbrasil.com.br/legislacao/109350/decreto-lei-55-66 Art. 11 do Decreto-Lei 55/66: http://presrepública.jusbrasil.com.br/legislacao/109350/decreto-lei-55-66

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Em 1986, com o início da reabertura econômica, o Presidente José Sarney cria o Plano Cruzado com o objetivo de estabilizar a economia do país; porém estas medidas do plano não obtiveram sucesso e a inflação ultrapassou alcançou quase 25% em Maio/1987, havendo assim um desaquecimento econômico significativo no país (KAJIHARA, 2008, p. 49). Ainda na década de 1980, o Brasil ganha representações significativas no Patrimônio Histórico Mundial da UNESCO, incluindo as cidades de Ouro Preto, Olinda, São Miguel das Missões, Salvador, Brasília, Parque Nacional do Iguaçu e Santuário do Bom Jesus do Matosinho, adquirindo assim maior credibilidade para o recebimento de novos turistas (KAJIHARA, 2008, p. 54). Vendo a prática do turismo como uma forma de fomento econômico em vista da situação do país, entendeu-se que há necessidade de investimentos na estrutura hoteleira para receber com qualidade. Com isso, houve um aumento de forma significativa nos empreendimentos hoteleiros principalmente no Nordeste, com estruturas capazes de receber grandes quantidades de visitantes ao mesmo tempo, aumentando consideravelmente a oferta de estabelecimentos para realização de congressos, eventos, ou até mesmo grandes grupos que podemos caracterizar de “turismo de massa”. Segundo Cruz, o CNTur conseguiu implementar ações capazes de fortalecer a infraestrutura do setor hoteleiro e concedeu incentivos às empresas do setor até 1991, mas infelizmente até o ano de 1991 a CNTur não foi capaz de implementar o Plano Nacional de Turismo (Plantur) e o conselho foi extinto em 1991 (CRUZ, 2000 apud DOS SANTOS & IRVING, 2007, p.63). c) 1991- EMBRATUR Com a extinção do CNTur, houve o fortalecimento da EMBRATUR. Na Lei 8.181/91, o

art. 1 menciona que “...passa a denominar-se EMBRATUR - Instituto Brasileiro de Turismo, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Regional da Presidência da República.” e tem como objetivo mencionado no art. 2 o “(...) formular, coordenar, executar e fazer executar a

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Política Nacional de Turismo.”9 Passa a ser presidido pelo Ministério do Esporte e Turismo (CRUZ, 2000 apud DOS SANTOS & IRVING, 2007, p.63). Percebendo assim que o Brasil tinha outras potencialidades a serem exploradas, a EMBRATUR passa a direcionar sua estratégia de venda do produto “Brasil” como um lugar diversificado, com foco na natureza e cultura do lugar, com bons hotéis, restaurantes e opções de lazer. A Política Nacional de Turismo, pela primeira vez apresenta novas diretrizes: deixa-se de mencionar sobre melhoria/aumento da infraestrutura hoteleira e apresenta como diretrizes a preservação e valorização de patrimônio e ressalta a importância do homem no processo de desenvolvimento turístico.10 Isso representa uma nova postura governamental, que: 1) busca a preservação e manutenção do ambiente; e 2) percebe que o envolvimento do indivíduo é fundamental para o êxito da atividade. Com o Plano Real implementado em 1994, houve paridade ao dólar americano, o que contribuiu de que forma significativa para que a economia do país se torne estável perante o mercado internacional, atraindo muitos investimentos. d) 1996 a 2002- Política Nacional de Turismo 1996/1999 O Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste Brasileiro, o PRODETUR-NE, tinha como objetivo a implementação de projetos de infraestrutura básica (construção e manutenção de rodovias, abastecimento de água e saneamento e fornecimento de energia elétrica) e de sustentação do turismo (reforma e ampliação de rodoviárias e aeroportos). E essas grandes obras atraem investidores para as localidades. Com grande explosão de empreendimentos hoteleiros no Brasil, especialmente na região Nordeste, percebe-se a exploração de forma predatória, sem retorno dos investimentos e desenvolvimento para a localidade. E para amenizar esse problema, que aumenta as disparidades socioeconômicas, aparecem tendências de desenvolvimento regional, com o

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Lei 8.181/91, Art 1 e 2 http://presrepública.jusbrasil.com.br/legislacao/109339/lei-8181-91 Decreto 448, Art 2 http://presrepública.jusbrasil.com.br/legislacao/113585/decreto-448-92

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estímulo à criação de parceiras entre a população anfitriã, donos de empreendimento e visitantes (KAJIHARA, 2008, p.56). Dito isto, no ano de 1996 foi criada a Política Nacional de Turismo 1996/1999, que foi a pioneira a abordar temos sobre inclusão social, tais como igualdade de acesso ao turismo nacional, minimização de disparidades socioeconômicas com a geração de emprego e descentralização de renda, e promoção de bem estar social, tendo sua vigência estendida até o ano de 2002 (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p. 65). e) 2003 a 2007- Plano Nacional de Turismo 2003/2007 Com a constante preocupação de redução de disparidades socioeconômicas e oferecimento de oportunidades para todos, em 2003 foi lançado o Plano Nacional de Turismo (PNT) 2003/2007. O documento lançado apresentava orientações das atividades turísticas e diálogos entre os âmbitos municipal, estadual e federal, grupos não governamentais, iniciativas privadas e os indivíduos da sociedade como um todo, mostrando “(...)uma proposta de construção coletiva de um plano com uma visão compartilhada” (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p.66), isto é, divisão e compartilhamento de responsabilidades, com diversos setores envolvidos em um só propósito, trabalhando em conjunto visando inclusão social11 . A criação do Ministério de Turismo, um ministério exclusivo para controlar as atividades turísticas no âmbito nacional também estava incluído nesse plano. O plano também menciona o fomento ao turismo de uma específica localidade que teve um bom planejamento, beneficia a comunidade como um todo, afetando a cadeia produtiva local.12 Vale ressaltar que é a primeira vez que se mencionam conceitos de sustentabilidade dentro da atividade turística enfatizando-se assim a pensar em novas oportunidades para a geração de novos produtos, fortalecendo a autoestima a nível nacional:

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Plano Nacional de Turismo 2003-2007, p. 6 http://www.turismo.gov.br/export/sites/default/turismo/o_ministerio/públicacoes/downloads_públicacoes/plano_na cional_turismo_2003_2007.pdf 12 Idem, 4

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“(...) A perseverança na busca da unidade na diversidade será constante. Estamos convencidos de que essa atividade está destinada a constitui-se em fator decisivo para a ampliação de oportunidades e para a utilização sustentável de nossos recursos naturais e culturais, proporcionando um desenvolvimento consequente e equilibrado em todo território nacional”13

É a primeira vez que a temática de Exclusão/Inclusão Social foi inserida no contexto das Políticas Públicas de Turismo, buscando-se dessa forma a discussão da contribuição do turismo para a redução das desigualdades sociais no Brasil.14 Ainda alinhado ao PNT 2003-2007, no ano de 2005 foi publicado um trabalho chamado "Turismo Sustentável e Alívio da Pobreza no Brasil - Reflexões e Perspectivas", criado pelo Ministério do Turismo em parceria com Secretaria Nacional de Programas de Desenvolvimento do Turismo e Departamento de Programas Regionais de Desenvolvimento do Turismo. O mesmo consiste em apresentar uma "nova visão de desenvolvimento sustentável do turismo, valorizando a população proprietária dos ativos turísticos e considerando a grande dependência do planejamento do turismo do capital natural e cultural, bem como da manutenção da paisagem e da atratividade característica, que é mantida e conservada por essas populações.” 15, alinhando mais ainda às metas dos Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU). f) 2007- Plano Nacional de Turismo – PNT 2007/2010 O nome completo do plano de 2007 é “Plano Nacional de Turismo – PNT 2007/2010– uma Viagem de Inclusão”. Podemos entender que o governo realmente buscava entender o turismo como um grande potencial para a conquista da inclusão social, “uma inclusão que pode ser alcançada por duas vias: a da produção, por meio da criação de novos postos de trabalho, ocupação e renda, e a do consumo, com a absorção de novos turistas no mercado interno.”16 Tem como objetivos expandir e fortalecer o mercado interno, buscando enfatizar essa questão social do turismo, apoiado com as iniciativas do Plano de Aceleração do Crescimento

13

Idem, pg 6 Idem 15 Apresentação http://pt.slideshare.net/melfigueredo/turismo-sustentvel-e-alvio-da-pobreza-no-brasil Acesso 16 Plano Nacional de Turismo 2007-2010, pg 11. 14

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(PAC), que visava melhorias em rodovias, ferrovias, aeroportos, melhoria de transportes de massa e expansão do abastecimento d’água e coleta de esgoto para a população residente nas destinações turísticas. Podemos assim afirmar que sem infraestrutura (a serem providas pelas obras do PAC), não há estrutura decente para o recebimento de visitantes e muito menos para os moradores locais. g) 2011- Plano Nacional de Turismo- PNT 2011/2014 O mais recente plano ressalta a manutenção dos vetores do Turismo estabelecidos nos planos anteriores, que são a participação social para as definições das políticas públicas, a promoção de oportunidades iguais para todos os sexos e classes sociais, minimização das desigualdades regionais e sociais, maior geração e melhor distribuição de renda, proteção do patrimônio histórico-cultural, respeito ao meio ambiente e geração de oportunidades para brasileiros conhecerem o Brasil.17 Menciona também a criação de programas de qualificação voltados para a inclusão de pessoas com deficiência, uma ação inédita a ser incluída em um planejamento político.18 O documento aponta ainda que a inclusão da produção local deve estar incluída na estrutura dos produtos turísticos como um fator sustentável, buscando melhor desenvolver regiões/territórios menos favorecidos economicamente.19 Nessa parte de levantamento de Políticas Públicas de Turismo, podemos verificar que ela era moldada mediante adaptações a fim de atender as necessidades do mercado, onde os viajantes buscam um turismo consciente, responsável, não predatório e que haja inclusão social e fomento à economia local.

17

Plano Nacional de Turismo 2011-2014, pg 136 Idem. Pg 143 19 Idem. Pg 76 18

24

1.5 Conceito de turismo responsável/sustentável Tendo em vista a maior conscientização das pessoas em relação às práticas de turismo não predatórias, o mercado reconhece as mudanças do perfil da demanda e se adapta para continuar competitivo no mercado. Segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT), a sustentabilidade turística passa por três níveis de análise – o ecológico, o sociocultural e o econômico– garantindo o desenvolvimento ambiental; atribuindo autonomia às comunidades locais, preservando a cultura e os valores de origem e reforçando a identidade dos membros da comunidade e, por fim, salvaguardando o desenvolvimento econômico através de uma gestão dos recursos disponíveis que garanta as gerações futuras. Estes são princípios defendidos explicitamente na Carta do Turismo que advoga que a prática turística deve se basear em critérios de sustentabilidade econômica, ecológica, ética e social, ou seja, integrar os ambientes natural, cultural e humano; levando em consideração os efeitos na cultura tradicional; sendo uma prática planejada no que diz respeito aos efeitos futuros.20 “O turismo responsável/ sustentável é entendido como adequado, preocupado, sustentável, suave e não agressor, que privilegia o individual ao grupo estruturado e organizado, o operador local especializado que personaliza os serviços prestados ao agente internacional que promoveu anteriormente a massificação. Da mesma forma, emprega recursos locais, normalmente geridos pelas comunidades de acolhimento; privilegia o contato direto e autêntico entre as populações locais e o visitante valorizando o entendimento entre os dois atores envolvidos a partir do pressuposto de que são parceiros, com expectativas diferentes, mas não opostas, numa mesma relação; privilegia o desenrolar das atividades entre quem visita e quem é visitado sem pôr em causa o ambiente (DAVIDSON 1992; JOAQUIM 1997 apud CÂMARA MEDEIROS & SOBREIRA MORAES, 2013, p. 219-220.).”

A cadeia do turismo responsável estimula parcerias saudáveis entre governos, iniciativas privadas, terceiro setor e comunidades. Turistas responsáveis são preocupados com a gerência do hotel com relação às questões da eficiência de água, energia e resíduos sólidos, se há algum tipo de participação nas comunidades próximas buscando conservação cultural de particularidades regionais, se preocupam em saber se os funcionários estão treinados e

20

Código Mundial de Ética do Turismo: http://ethics.unwto.org/sites/all/files/docpdf/portugal.pdf

25

capacitados sobre conscientização ambiental, cultural e regional, e também a respeito da quantidade de gás carbono que é liberado na camada de ozônio com o transporte de funcionários e alimentos consumidos no hotel, por exemplo. De acordo com Spampinato, os turistas responsáveis têm como característica central“(...) anseio de se sentir úteis à comunidade, expressando a vontade de desenvolver trabalho

voluntário

e

colaborações

pessoais

nas

áreas

da

educação

e

da

saúde.”(SPAMPINATO, 2009, p.14), que procuram construir relações mais profundas, com almejo de compartilhar e/ou trocar experiências e colaborar de forma útil para a comunidade receptora. Juntamente a esse turista responsável, temos o conceito de desenvolvimento situado. O desenvolvimento situado definido por Zaoual (ZAOUAL, 2003, p. 58) tem como fundamento “a construção social transformável que se ajusta continuamente aos dados do lugar, da situação e de sua dinâmica” e somente entendendo o ambiente no qual estamos, nos “situando”, é que podemos entender os problemas e criar possíveis soluções criativas para a inovação/renovação/transformação do lugar. Sendo assim, pode ser caracterizado como potencializador do desenvolvimento da região a partir dos seus valores ambientais, sociais, culturais e patrimoniais, valorizando a autenticidade local, elevando a conscientização e práticas sustentáveis (BURSZTYN, 2005, p.100). Essa característica de sustentabilidade e responsabilidade social no turismo também ganha outras ramificações, tais como Turismo de Base Comunitária, que conforme o Ministério de Turismo, "(...) se diferencia por incorporar o modo de viver e de representar o mundo da comunidade anfitriã. Desta forma, prevê na sua essência um intercâmbio cultural com a oferta dos produtos e serviços turísticos, em que há oportunidade para o visitante vivenciar uma cultura diferente da sua e à comunidade local de se beneficiar com as oportunidades econômicas geradas e também pelo intercâmbio cultural." 21. Dito isto, podemos afirmar que prega a) o desenvolvimento comunitário baseando-se no resgate das

21

Fonte de Consulta: Ministério do Turismo, acesso em 10/fev/2014. Endereço: http://turismo.gov.br/export/sites/default/turismo/programas_acoes/regionalizacao_turismo/downloads_regionaliza cao/TBC_-_ARTIGO_MTur.pdf

26

memórias culturais, atrativas, históricas e dos monumentos, b) contribuir para a geração/ desenvolvimento de emprego e renda locais com empreendedorismo, c) fortalecer governança local junto ao apoio dos demais atores envolvidos na atividade turística, diminuindo os vazamentos de renda e fomentando o adensamento do mercado local e d) incentivar a inclusão social e o empreendedorismo, assegurando que os benefícios sejam equitativamente distribuídos a todos os públicos de relacionamento do destino. 1.6 Considerações finais Averiguamos que a prática do turismo existe há muito tempo, sempre se adaptando a nova realidade da sociedade. Essa atividade modificou-se com mais intensidade a partir da década de 1980 quando o assunto “meio ambiente” entrou na pauta da agenda de discussão dos Estados-Nação na década anterior. Temas tais como conscientização ambiental, impactos sobre deslocamento/ fluxo de turistas nas comunidades receptoras, considerando desejos e necessidades das populações locais, foram de suma importância para a adaptação do mercado turístico mediante essa nova demanda, com posicionamento completamente novo. A concepção do turismo como uma forma de inclusão social está presente nos Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, convencionado pela Organização das Nações Unidas no ano 2000. Entende-se que a complexa economia fomentada pela atividade turística pode ser um potencial vetor para erradicar a extrema pobreza e miséria, e ainda proteger o meio ambiente e estimular a economia da comunidade local, desde que planejado de forma correta e envolvendo todos os atores que ali atuam. Ao analisar os três últimos Planos Nacionais de Turismo (PNT 2003/2007, PNT 2007/2011 e PNT 2011/2014), entendemos que uma estrutura descentralizada, onde as esferas do poder municipal, regional, estadual e federal trabalham em conjunto, visando integração e articulando decisões com outros atores da sociedade, sejam estes não governamentais, investidores privados ou até mesmo individuais. Com o advento e popularização das mídias sociais, por exemplo, os cidadãos passam a ter maior influência e participação nas tomadas de decisão governamental, atingindo mais pessoas de forma bem fácil em menos tempo, minimizando a exclusão social da população da baixa renda pela inclusão digital.

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CAPÍTULO II- O turismo nas favelas da cidade do Rio de Janeiro 2.1 Introdução As favelas são conhecidas mundialmente como um lugar pobre e desfavorecido, mas com essa nova tendência de turismo responsável, cada vez mais elas são procuradas pelos visitantes que adentram ao Rio de Janeiro, como mostraremos adiante. Desvendar a história das favelas, desde as primeiras construções, passando por políticas de remoção e políticas de habitação, torna-se necessário para encontrar as potencialidades desse mercado turístico em pleno crescimento. Uma visão de longo prazo é estratégica para perceber a evolução do fenômeno turístico de visitação de favelas na cidade e sua repercussão (positiva ou negativa) no Brasil e fora do país. Para a construção desse assunto em meu trabalho foi utilizado como base o artigo "A Gênese da Favela Carioca- a produção anterior às ciências sociais", de Lícia Valladares, que relata acontecimentos até a década de 1940. Após esse período, usamos como base o livro “Um século de favela”, com vários trabalhos consolidados e organizados por Marcos Alvito e Alba Zaluar. Logo após, apresentaremos o produto “Favela” e algumas formas de comercialização de serviços existentes. 2.2 História das favelas na cidade do Rio de Janeiro Após a abolição da escravatura, os negros abandonados por seus donos perdem o local no qual residiam. Estes começam a se organizar em aglomerados nos morros e encostas da cidade do Rio de Janeiro, que eram regiões próximas de maiores oportunidades de trabalho, crescendo nos arredores dos lugares onde a mão de obra era mais procurada, reduzindo assim, o tempo de condução até o trabalho e assim, aumentando a produtividade e tempo trabalhado (normalmente no eixo Centro-Zona Sul). A quantidade de cortiços aumenta de forma descontrolada pela região do Centro. O ambiente era mal visto, não somente por ser moradia de pessoas menos favorecidas, mas sim por ser estereótipo de lugar que ameaça as ordens sociais e morais, antro de vagabundos e 28

criminosos (VALLADARES, 2000, p.8). A estrutura em si das construções e a imensa quantidade de pessoas que ali viviam favoreciam o contágio de doenças. Conforme descrição do escritor Aluísio de Azevedo em sua obra "O Cortiço" publicada em 1890: "(...)Entretanto, a rua lá fora povoava-se de um modo admirável. Construía-se mal, porém muito; surgiam chalés e casinhas da noite para o dia; subiam os aluguéis; as propriedades dobravam de valor. Montara-se uma fábrica de massas italianas e outra de velas, e os trabalhadores passavam de manhã e às Ave-Marias, e a maior parte deles ia comer à casa de pasto que João Romão arranjara aos fundos da sua varanda. Abriram-se novas tavernas; nenhuma, porém, conseguia ser tão afreguesada como a dele. Nunca o seu negocio fora tão bem, nunca o finório vendera tanto; vendia mais agora, muito mais, que nos anos anteriores. Teve até de admitir caixeiros. As mercadorias não lhe paravam nas prateleiras; o balcão estava cada vez mais lustroso, mais gasto. E o dinheiro a pingar, vintém por vintém, dentro da gaveta, e a escorrer da gaveta para a barra, aos cinquenta e aos cem mil-réis, e da burra para o banco, aos contos e aos contos. (...) Não obstante, as casinhas do cortiço, à proporção que se atamancavam, enchiam-se logo, sem mesmo dar tempo a que as tintas secassem. Havia grande avidez em alugá-las; aquele era o melhor ponto do bairro para a gente do trabalho. Os empregados da pedreira preferiam todos morar lá, porque ficavam a dois passos da obrigação.(...)O que aliás não impediu que as casinhas continuassem a surgir, uma após outra, e fossem logo se enchendo, a estenderem-se unidas por ali a fora, desde a venda até quase ao morro, e depois dobrassem para o lado do Miranda e avançassem sobre o quintal deste, que parecia ameaçado por aquela serpente de pedra e cal.(...)Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem." (AZEVEDO, 1997, p. 3-7)

A prefeitura do Rio de Janeiro, logo na primeira década do século XX implementou medidas administrativas contra a construção de novos cortiços e a grande reforma urbana do prefeito Pereira Passos, que buscava o saneamento e civilização da cidade, ganhou força, acabando com essas habitações consideradas antissanitárias. Mas não houve projeto de realocação dessa população que lá residia, que acabou deslocando-se para as regiões de morros e encostas, ainda próximos dos centros comerciais e de seus trabalhos, que conciliou também com a ocupação ilegal de morros e crescimento desordenado, podemos citar como exemplo o Morro da Providência, onde vários ex-combatentes sobreviventes da Guerra de Canudos fixaram residência para pressionar o Ministério da Guerra a pagar seus salários devidos (VALLADARES, 2000, p. 7). 29

“O morro da Favela22, até então denominado morro da Providência, passa a emprestar seu nome aos glomerados de casebres sem traçado, arruamento ou acesso aos serviços públicos, construídos em terrenos públicos ou de terceiros, que começam a se multiplicar no centro e nas zonas sul e norte da cidade do Rio de Janeiro. Segundo pesquisa realizada por Abreu (1994), apenas na segunda década do século XX é que a imprensa passa a utilizar a palavra favela de forma substantiva e não mais em referência exclusiva ao morro da Favela, surgindo assim uma nova categoria para designar as aglomerações pobres, de ocupação ilegal e irregular, geralmente localizadas em encostas.” (VALLADARES, 2000, p.7)

A partir de então, semelhanças percebidas entre Canudos (Morro da Favela) (descrito na obra Os Sertões, de Euclides da Cunha) e Morro da Providência – tais como o não nivelamento dos terrenos das construções, forma de construção rudimentar com restos de madeira de caixão e com pouca higiene ao redor, área pobre, com moradores que não respeitam à lei e ordem estabelecidas pelo governo, acarretando assim um impacto imenso no padrão estético da cidade - reforçaram a ideia de que a favela é o lugar onde as pessoas vivem de forma miserável, sem organização, que não reconhecem força política do Estado e do papel das autoridades (VALLADARES, 2000, p.9 ). Ainda no início do século XX, discussões sobre habitação popular tornaram-se foco ao pensar o futuro da capital da República do Brasil, Rio de Janeiro, no qual apresentava um crescimento não regulado estrondoso, "cresce à taxa geométrica anual de 2,84%, enquanto as construções prediais expandem-se 3,4% e os domicílios, apenas 1%. O resultado do descompasso entre construções e crescimento populacional reflete-se no aumento da densidade domiciliar, que passa de 7,3 para 9,8 pessoas por moradia” (RIBEIRO, 1997 apud VALLADARES, 2000, p. 12). Sensação de insegurança para o restante da população da cidade devido a esse estereótipo de lugar fora da lei e sujo reforçava a necessidade de planos de ação para esses lugares; médicos higienistas passaram a reconhecer as favelas como um “corpo” que

22

A autora Lícia Valladares ainda afirma que “São duas as explicações para essa mudança de nome: primeiro, a existência neste morro da mesma vegetação que cobria o morro da Favella do Município de Monte Santo, na Bahia; segundo, o papel representado nessa guerra pelo morro da Favella de Monte Santo, cuja feroz resistência retardou o avanço final do exército da República sobre o arraial de Canudos. Se, no primeiro caso, a explicação está baseada numa similitude tout court, no segundo, a denominação morro da Favella vem revestida de um forte conteúdo simbólico que remete à resistência, à luta dos oprimidos contra um oponente forte e dominador”

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precisava de atendimento médico e intervenção, caracterizando assim a favela como uma doença a ser combatida (AGACHE, 1930 apud VALLADARES, 2000, p. 14). Tendo em vista o crescimento desordenado das favelas, ainda na década de 1920, o então Presidente da República Dr. Washington Luiz junto à sua equipe desenvolveram um projeto de casas populares. O objetivo era travar imediatamente a construção de novos casebres para residência, buscando evitar, assim, o progressivo aumento das favelas. Para isso, fez-se necessária a criação de nova fiscalização por parte dos funcionários da Prefeitura e do Departamento Nacional de Saúde Pública, interditando construções clandestinas e iniciando a construção de casas para proletariados, substituindo as favelas por prédios com tratamento de água e esgoto, luz e pagando impostos (VALLADARES, 2000, p. 16). Mas mesmo com esse “repúdio” relacionado às favelas, havia admiração. Ainda na década de 1930, manifestações musicais nas favelas ganhavam espaço na sociedade carioca, seja com parceiras entre os sambistas Noel Rosa e Cartola, considerados “do asfalto” e “do morro” respectivamente, seja com as disputas de escolas de samba carnavalescas entre as comunidades, integrando-se mais ainda ao estilo de vida da cidade (BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p. 26-27). Ao final dos anos 1930 houve a publicação de um Código de Obras (1937) que apresentava uma sessão específica para “Favelas”, onde mencionava que as favelas eram monstros, aberrações e as excluiam completamente do mapa oficial da cidade. A construção de novas casas não seria permitida, que agentes da Prefeitura fariam intervenção direta e que Delegacia Fiscais e Diretoria de Engenharia impediriam a formação de novas favelas e ampliação das existentes, promovendo assim a intenção de extinção das favelas e à sua formação para substituir por núcleo de habitação proletariados, de baixa renda, os chamados Parques Proletariados, e que vingaram a partir da década de 1940, como veremos mais a diante (BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p. 27). Na década de 1940 foram publicados dois importantes estudos sobre as favelas do Rio de Janeiro. O primeiro foi o da assistente social Maria Hortência do Nascimento e Silva, de título “Impressões de uma assistente social sobre o trabalho na favela” e o segundo o do médico Victor Tavares de Moura, intitulado “Favelas do Distrito Federal”. Ambos os relatórios apresentavam novos horizontes, já que reconheciam que conhecer as favelas, 31

reconhecer os terrenos ocupados e as diversidades que estão presentes nesses locais são fundamentais para o desenvolvimento de planos para gerir o espaço e a pobreza (VALLADARES, 2000, p.22). Moura ressalta a importância de um censo das favelas para que possam ter elementos para usarem como base para a formulação de uma política mais eficaz, levantando dados sobre nacionalidade dos moradores, grau de escolaridade, raça, renda, entre outros (VALLADARES, 2000, p.20). Sobre o relatório de Moura, Leeds & Leeds comentam que: “(...)Pré-cidadãos, os habitantes de das favelas não são vistos como possuidores de direitos, mas como almas necessitadas de uma pedagogia civilizatória. (...) além de atestado de bons antecedentes, seus moradores tinham que se submeter a sessões de lições de moral.” (LEEDS & LEEDS,1978 apud BURGOS,1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p.27)

Já a tese de Maria Hortência ressalta que o assistencialismo fornecido pelo governo Vargas foi a primeira iniciativa tomada como uma função do estado e que cabia administrar as favelas com a inserção de assistentes sociais. Estes fariam o levantamento dos dados e o fornecimento dos elementos necessários para melhoria local, transformando em um trabalho social eficaz e eficiente. A autora ainda ressalta que “No entanto, nem por isso conseguiram desvencilhar-se de uma imagem negativa, cheia de clichês, que por muito tempo marcou a maneira de as elites nacionais conceberem a pobreza e os pobres: pobreza igual a vadiagem, vício, sujeira, preguiça, carregando ainda a marca da escravidão; pobre igual a negro e a malandro.” (VALLADARES, 2000, p.22). Ao final da década de 40 o governo passou a entender que a favela não tinha mais a caracterização de um "espaço provisório", então se faz necessária a inclusão oficial das pesquisas do Censo. Sendo assim, o primeiro Censo das Favelas que aconteceu no ano de 1947 e apontou cerca de 119 núcleos, no qual apresentou população de 280 mil favelados, com população inicialmente composta de imigrantes estrangeiros, pobres, ex-escravos, exmoradores de cortiços, ex-combatentes (quando falamos sobre o Morro da Providência) e nordestinos (VALLADARES, 2000, p.23). Em um dos trechos dos resultados do estudo se afirma que: 32

“Segundo o texto, os “pretos e pardos” prevaleciam nas favelas por serem “hereditariamente atrasados, desprovidos de ambição e mal ajustados às exigências sociais modernas”.” (ZALUAR & ALVITO, 2012, p.13)

Esses dados são extremamente significativos se pensarmos que essas pessoas viviam em condições onde não havia esgoto sanitário, água disponível, mínimas condições básicas de sobrevivência e carente de educação e que mostraram um real diagnóstico das condições e padrões de vida de seus moradores que correspondiam a cerca de 7% da população do Distrito Federal do Rio de Janeiro, que em grande parte trabalhava na economia informal, sendo assim, não sendo um contribuinte para o bolso do governo (VALLADARES, 2000, p. 23). Visando uma política populista, que alcançaria camadas mais populares, Vargas via esse novo modelo habitacional como uma grande chave para seu sucesso, onde, quando realizados eventos nessas localidades, os moradores mostrariam sua total gratidão para com o Presidente da República (BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p. 28). Os primeiros parques proletários construídos foram o da Gávea, Leblon e Caju, que comportariam cerca de 4 mil pessoas, visando ser uma residência temporária e que, assim que as áreas onde viviam fossem reformadas e urbanizadas, retornariam com suas famílias. Mas os moradores passaram muito mais tempo nesses parques, sendo expulsos posteriormente devido à valorização imobiliária dos bairros (BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p. 28). Em 1945, não satisfeitos com a forma na qual o Estado tratava esses moradores de favelas quando os colocavam nessas habitações provisórias com precariedade nas instalações e nem com o projeto da prefeitura de realocar todos os habitantes para esses parques, os moradores das favelas do Pavão/Pavãozinho, Cantagalo e Babilônia criam comissões de moradores e formulam uma pauta de direitos sociais relacionados aos problemas de infraestrutura das localidades (BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p. 28), gerando assim uma força política para esse ator das favelas, que até então era invisível. Com essa aparição de força dos antes considerados excluídos veio também o receio do pensamento comunista tomar força nessas favelas. O slogan “é necessário subir no morro antes que os comunistas desçam”(Lima, 1989:73 e segs.) foi usado pela Prefeitura em 33

parceria com a Arquidiocese do Rio de Janeiro para o surgimento da Fundação Leão XIII, que tinha como objetivo dar assistência moral e material para os moradores das favelas. “(...) No lugar da ideia de Estado-nação e do apelo a lideranças carismáticas, a igreja oferece a cristianização das massas; no lugar da coerção, oferece a persuasão, motivo pelo qual não se exime de incentivar as vidas associativas nas favelas(...). Ao invés de conflito politico, promete o diálogo e a compreensão; ao invés da luta pelo acesso a bens públicos, o assistencialismo; no lugar da crítica, a resignação; em vez do intelectual orgânico, a formação de lideranças tradicionais. ”(BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012,

p. 29) Com essa metodologia, até o ano de 1954 a Fundação Leão XIII estendeu sua atuação a trinta e quatro favelas, levando serviços básicos (água, esgoto, redes viárias e luz) para algumas delas, mas isso não impediu a maior participação das favelas com outros segmentos da cidade, inclusive na parte política. Lideranças comunitárias se envolvem com partidos e pessoas influentes da classe média carioca passa a se aproximar dos moradores das favelas. Escritores, estudantes, professores, artistas e curiosos passam a visitar as favelas para descobrir o seu capital cultural, que era muito amplo, diversificado e incomum (BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p. 29-30). Em 1955 a Igreja cria a Cruzada de São Sebastião, com objetivos muito similares aos da Fundação Leão XIII, mas com o intuito mais forte na parte de disseminação da palavra cristã, mas que também levou melhor infraestrutura para algumas das 12 comunidades que atuou. Desgastados da influência da Igreja no dia a dia direto das favelas e mostrando que a pedagogia cristã não controlaria iniciativas paralelas, os moradores criam a Coligação dos Trabalhadores Favelados do Distrito Federal, que visava à luta por melhores condições de vida “através do desenvolvimento de um trabalho comunitário” (Fortuna & Fortuna, 1974:104), reforçando a ideia que os favelados estão dispostos a lutar pelos seus direitos sociais (BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p.30-31). O SERFHA (Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Antihigiênicas), criado em 1956, tinha como objetivo a capacitação dos moradores para que ganhassem independência para lidar com as autoridades estatais, não dependendo assim de favores políticos (LEEDS & LEEDS, 1978 apud BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 34

2012, p.33), mas ao mesmo tempo subordinava as associações de moradores, submetendo-as a regras tais como levantamento de dados de moradores e o impedimento de construção de novos barracos, que deveria ser papel do Estado. O SERFA foi descontinuado e substituído pela COHAB (Companhia de Habitação Popular), que tinha como objetivo a construção de unidades habitacionais para famílias de baixa renda. O projeto demorava a sair do papel, pois o governo ainda não tinha decidido qual das iniciativas era melhor: remoção ou urbanização das favelas. Decidindo aplicar as duas iniciativas entre os anos de 1962 e 1965, foram construídos os conjuntos habitacionais da Cidade de Deus, Vila Kennedy, Aliança e Esperança e a urbanização de poucas outras. Vale ressaltar que esses conjuntos habitacionais eram distantes da oferta de trabalho, isolados do restante da cidade, com péssimas condições de transporte e causaram muita resistência dos moradores para a mudança e sentimento de decepção com o governo (BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p. 34). Já no início do governo militar, em 1968, com o objetivo de “ordenar a desordem” das favelas vista como problemática juntamente com sua associação de moradores, é incluído no contexto do AI5 o Decreto 3330, no qual dizia que a associação de moradores é a representatividade dos interesses da comunidade perante os interesses do Estado (BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p. 35). Contudo, em 1968, foi criada a Coordenação de Habitação de Interesses Sociais da Área Metropolitana do Grande Rio (CHISAM), que tinha como objetivo criar uma política única de favelas, sobretudo no viés remocionista dessas comunidades23. Apontavam as favelas como um “espaço urbano deformado”, habitada por uma “população alienada da sociedade por causa da habitação; e que não tem benefícios de serviços porque não pagam impostos”( BURGOS, 1997 in ZALUAR & ALVITO, 2012, p.35-36). Sendo assim, podemos entender que seu objetivo era eliminar as favelas da cidade do Rio de Janeiro. Entre 1968 e 1975 houve muitas remoções forçadas, com muita violência e sem um plano de realocação das pessoas que ali viviam. E cada vez mais, a população favelada passa

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a ver uma figura de Estado ausente, não participativa e que não colabora para a inclusão social.24 Na década de 1980, a atuação dos banqueiros do jogo do bicho e a chegada das drogas na cidade e o consequente tráfico por sua ilegalidade, as quadrilhas escolhem as favelas como o lugar perfeito para se instalarem, onde há o total descaso por parte do Estado e de grande parte da população, no qual as pessoas são mal instruídas educacionalmente, de baixa renda e vulneráveis. Moradores e traficantes vivem lado a lado, criando assim uma relação de confiança entre comunidade e traficantes, onde os traficantes são os atores principais para a manutenção da ordem do lugar em detrimento a baixa participação do Estado, que fica sem credibilidade e como ator coadjuvante (ZALUAR, 2012, p.209-211). Com isso, as favelas voltam a ter de forma reforçada aquela concepção de antro de bandidos, zona de crime, lugar perigoso, estendendo a fama de lugar inseguro também para a própria cidade do Rio de Janeiro, já que é difícil a dissociação. Sensação de insegurança aumenta e o pânico se instala na população favelada, que vê a criminalidade aumentando cada vez mais devido a falta de participação do Estado na localidade. As entradas de policiais e militares também causam desconforto na população ali instalada já que sofriam com a troca de tiros entre a força policial e traficantes, vindo a sacrificar a vida de muitos inocentes. Na década de 1990, um novo programa de urbanização é lançado: O Favela-Bairro. Seu objetivo era muito parecido com o dos bairros proletariados, com construções de habitações legalizadas para os moradores de algumas favelas da cidade do Rio de Janeiro, mas não houve interesse dos gestores públicos em dar continuidade a esse programa, já que os resultados foram limitados devido à existência e forte atuação de grupos criminosos (CARVALHO

& SILVA).

O sentimento de serem desprezados perante o poder estatal fez com que os moradores se tornassem frágeis. E como consequência do descaso surgiram grupos paraestatais que

24

No artigo de Burgos, Dos parques proletariados ao Favela-Bairro – as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro, livro UM SÉCULO DE FAVELA, menciona o exemplo da Favela da Praia do Pinto, que teve as casas incendiadas e que os bombeiros não puderam atuar para apagar o fogo. (pg 55)

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controlam a área, contribuindo para o aumento da informalidade e com o crescimento da violência. A partir do momento que a violência ultrapassa as barreiras da favela, produz reflexos em múltiplos atores da sociedade, colocando novamente o assunto "favela" nas discussões. Para sediar os megaeventos internacionais, a cidade deve passar por uma reestruturação, inclusive na parte de política de segurança, que criou as Unidades de Polícia Pacificadora, que serão apresentadas e detalhadas no capítulo que se segue. 2.3 Turismo nas favelas do Rio de Janeiro As favelas do Rio de Janeiro sempre foram movimentadas. Recebem estrangeiros e pessoas de outras regiões do Brasil que fixaram residência. Nos anos 1960, o Morro da Babilônia, localizado na cidade do Rio de Janeiro, foi destaque no filme “Orfeu Negro”, que foi reconhecido e premiado internacionalmente. Desde então, a gravação do clipe “They don´t really care about us” do Michael Jackson no Morro Dona Marta e filmes tais como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” também tiveram grande repercussão internacional por mostrarem a realidade das favelas cariocas, mesmo com um pouco de ficção. Ao mesmo tempo, a atividade turística nas favelas do Rio de Janeiro foi fortalecida, atraindo mais e mais visitantes interessados no turismo de convivência, buscando entender e experienciar como os moradores dessas comunidades vivem e sobrevivem, permitindo assim maior contato e com melhor qualidade, diferente daquele turista que só passa pelo local visitado, necessitando assim de mais tempo para que a troca de experiências, para que haja uma sinergia entre o visitante, morador e localidade em si (BARRETO, pg 117). Em sua publicação “A Construção da Favela Carioca como Destino Turístico”, a autora Bianca Freire - Medeiros examina o “processo de elaboração e venda da favela carioca como destino turístico” baseado em um processo investigativo desempenhado por empresários, ONGs, agentes públicos e lideranças comunitárias nas favelas da Rocinha, Morro dos Prazeres, Morro da Babilônia e Morro da Providência (FREIRE-MEDEIROS, 2006, p. 01). Sua comunicação tinha como principal objetivo distanciar-se de referenciais teóricos preexistentes que explicam o turismo em dois extremos: como uma opção segura para o desenvolvimento econômico, não o colocando como o grande responsável pela depreciação de recursos naturais e aculturação. Sendo assim, 37

“(...) Em tempos de globalização, o que é certo é que a indústria do turismo é responsável por criar maneiras de transformar, circular e consumir localidades, criando uma cultura material e uma “economia de sensações “que lhe é específica””(FREIRE-MEDEIROS, 2006, p.02 )

Dito isso, é preciso considerar a construção da favela como destino turístico de duas formas. A primeira, diz respeito à intensa expansão dos realities tours populares mundo a fora e a segunda forma é analisar a “trademark Favela” que tem tanto associação a locais autênticos preservados a lugares violentos, onde o tráfico muitas das vezes aparece como grande ator nesse cenário (FREIRE-MEDEIROS, 2006, p. 06). Sobre os reality tours, podemos interpretar como aquela prestação de serviço estereotipada, na qual o visitante busca conhecer o autêntico, o exotismo e até mesmo a sensação de risco que se dá ao visitar um local. Quando aplicamos esse conceito para favelas, temos dois viés: ao ver a pobreza pode-se estimular o altruísmo, mas ao mesmo tempo, a sensação de risco é encarada como busca de uma aventura (FREIRE-MEDEIROS, 2006, p.05). Temos como exemplo desse tipo de prestação de serviço a empresa Jeep Tour pioneira quando falamos de turismo em favela - que, por inspiração a um passeio de safari feito no Senegal, começou a oferecer serviços de visitação à favela da Rocinha em um carro estilo safari africano, estimulando assim esse turismo de realidade durante a Eco 92.25 Essa visitação, todavia, não pode ser considerada uma iniciativa de turismo responsável, de troca de vivência, já que o visitante conhece a favela de forma en passant, parando somente nos pontos turísticos. Um estudante alemão, ao visitar o Rio, postou em uma rede social sobre os reality tours: “Eu acho que a maioria dos turistas escolhe os lugares que visita segundo o que é conhecido. Turistas que visitam a Alemanha, provavelmente, vão para Munique ou Berlim e não para aquele vilarejo pequeno, que é bonito demais, onde se produz vinho e onde dá para fazer caminhadas. Não, o turista prefere Berlim, onde vai tirar uma foto com um pé no antigo lado leste e o outro no antigo lado

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Site institucional: http://www.jeeptour.com.br/

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oeste da Alemanha. Mas provavelmente também é curioso e quer aprender sobre a história e vai a um museu. Curiosidade é provavelmente também a principal razão por que turistas vão visitar uma favela. Outra razão pode ser o fato de que é uma das coisas conhecidas do Brasil. Igual à Oktoberfest, a festa da cerveja na Alemanha. É muito difícil chegar a algum lugar do mundo sem alguém me perguntar sobre essa festa. Irónico que eu nunca tenha ido.(…) Além disso, o turista já ouviu sobre a desigualdade, mas nem sabe o que realmente significa. Ele não sabe que isso significa uma separação entre as classes sociais, onde uma tem certa aversão de ter contato com a outra. Resulta que o turista não vai ter esse medo de contato com alguém de uma classe social que é diferente da dele. Para ele, simplesmente vai ser um brasileiro. Quando escrevo isso, parece que estou negando o caso de um turista que vai para ver “os pobres como num zoológico”. Eu sei que existe essa tendência de sempre ver algo diferente e talvez mais perigoso. Mas eu acho que não são todos que fazem isso. Tenho vergonha daqueles que são assim.26

Mas pensando que alguns moradores possam se sentir “agredidos” ao se julgarem como “animais vigiados em um safari”, outras empresas fizeram adaptações a mesma prestação de serviço – que é conhecer a favela: a Be a Local, Don´t Be a Gringo27 oferece serviço de moto-táxi e a Favela Tour28 oferece passeio com vans para conhecer o local e a essência do favelado. Já em relação ao trademark Favela, é a representação que a favela tem quando pensamos no Rio de Janeiro, sendo uma parte tipicamente carioca e que deve ser visitada pelo estrangeiro. É a favela vendida nos filmes, novelas e livros, com estilo despojado e antenado às tendências. O funk, jeans colado, short curto, uso de chinelos havaianas são alguns dos estereótipos incluídos nesse trademark. Ainda dentro do conceito de Favelas como trademark, hoje em dia elas são consideradas points com badaladas, opções de bares, pubs, festas de hip hop/ funk/blues/samba para todos os públicos, desde estrangeiros e até mesmo moradores da própria cidade que nunca buscaram ou tiveram oportunidade de conhecer essas comunidades.

26

Dado disponível em http://www.diariodocentrodomundo.com.br/para-o-turista-favela-e-so-uma-parte-tipica-dobrasil/ Acesso: 01/09/2014 27 Site Institucional: http://bealocal.com/ 28 Site Institucional: http://www.favelatour.com.br/ing/index.htm

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Um site muito útil para todos os visitantes é o Guia das Favelas29, que tem sua versão como aplicativo e lista serviços de hospedagem, o que fazer, restaurantes, história e fotos da região. Ao analisarmos esses dois modelos supracitados e ao fazer reflexão sobre o turismo sustentável nas favelas, que são áreas urbanas ainda não muito exploradas, Spampinato vê possibilidade de desenvolvimento situado (SPAMPINATO, 2009, p.02-03), capaz de captar a essência do lugar e transmitir via relações sociais e ou econômicas com os visitantes, gerando trocas produtivas, sendo assim, entendemos que as relações entre autóctones e turistas na atividade turística são fundamentais para o que chama de “turismo alternativo” (abreviado como TA) ou até mesmo a existência do chamado “turismo situado”30 (SPAMPINATO, 2009, p.02-03), ou até mesmo turismo de base comunitária. Serviços de hospedagem domiciliar nas favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro tal como o site Favela Experience31 tornaram-se comuns: com a alta nos preços da cidade, moradores das favelas passaram a oferecer serviços de Cama & Café para visitantes como uma alternativa mais barata para os turistas alternativos com preços de diárias competitivos com alguns hostels, mas que dão uma oportunidade única de turismo de experiência. “Ao contrário de hotéis da orla marítima carioca que oferecem muito conforto e mimos, as pousadas nos morros e nas favelas oferecem pacotes no mínimo inusitados: pouco conforto em troca da chance de experimentar a vida na comunidade e encontrar paisagens panorâmicas vistas de um outro ângulo, de onde muita gente do asfalto não quer conhecer. A mistura da pobreza com ginga, malandragem e simpatia fazem um conjunto perfeito que os ‘gringos’ de diversas nacionalidades querem conhecer e fazem qualquer sacrifício. De olho nestas oportunidades, muitos moradores de morros cariocas resolveram apostar neste nicho de mercado e alguns roteiros já são visitas obrigatórias dos turistas estrangeiros no Rio de Janeiro como um tour na favela da Rocinha, a feijoada com samba na Mangueira e a visita panorâmica por um elevador no Dona Marta. Mas se neste pacote tiver a hospedagem completa a procura é maior o que motiva a moradores a lutarem para melhorarem a estrutura local para receber

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Site Institucional: http://www.guiadasfavelas.com/ A definição dada por Zaoual é que “o turismo situado organiza o intercâmbio intercultural e assegura as durabilidades sociais e ecológicas” (ZAOUAL, 2008) 31 Site institucional: http://favelaexperience.com/ 30

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melhor os turistas e com o sucesso, a oferta de pousadas está crescendo cada dia mais.”32

Esse boom começou no Pan Americano de 2007, passou pela Copa do Brasil em 2014 e continua em crescimento desde então.33 34 Com relação à tipologia dos serviços turísticos nas favelas, em especial o turismo e hospedagem em favelas (SPAMPINATO, 2009, p.3), vê-se uma reciprocidade nas mudanças do discurso sobre o que é turismo: o turismo acompanha novas tendências de mercado, adaptando-se a setores econômicos em expansão, novas demandas/nichos e ofertas diferenciadas/personalizadas, mas também o comportamento da demanda de atividade turística e estimula a transformação e/ou adaptação do conceito da indústria do turismo em si (SPAMPINATO, 2009, p.6-10). O Morro Dona Marta, por exemplo, depois de instalar o plano inclinado em 2006 e a implantação da UPP em 2008, chega a receber 10.000 visitantes por mês, segundo dados da associação de moradores, sendo assim, um modelo bem sucedido35. Com uma bela vista panorâmica da Zona Sul do Rio de Janeiro, a Favela Santa Marta Tour36 (que também começou em 2008) oferece pacotes de visitação que variam de R$50 até R$ 150, que incluem a subida do bondinho, passeio por becos e vielas, almoço com caipirinha, interação com os moradores locais e até mesmo conhecer os locais nos quais as celebridades Michael Jackson, Rainha Elizabeth II, Madonna, Alicia Keys e Beyoncé estiveram.37

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http://www.revistahoteis.com.br/materias/7-Especial/4186-Pousadas-nas-favelas-carioca-fidelizam-turistasestrangeiros 33 Ao entrar nas páginas do Trip Advisor, Cama & Café e Booking.com digitei “favela” na parte de palavra-chave e nenhum resultado foi mostrado. 34 http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/12/22/ny-times-sugere-favelas-cariocas-como-opcao-dehospedagem-durante-a-copa.htm 35 http://oglobo.globo.com/rio/mais-da-metade-dos-turistas-quer-conhecer-favelas-do-rio-7349831#ixzz3FylAdJEA 36 O empreendimento ganhou o Certificado de Excelência de 2014 pelo site Trip Advisor, pela ótima prestação de serviço para os visitantes. 37 Site Institucional: http://favelasantamartatour.blogspot.com.br/

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Segundo pesquisa encomendada pelo Ministério do Turismo e publicada pela Fundação Getúlio Vargas em 2013 revela que 58% dos visitantes brasileiros e 51% dos estrangeiros tem vontade de conhecer a favela no Rio de Janeiro. 38 Podemos então ressaltar que as favelas podem sim ser promovidas como destinos turísticos de diversas formas, com foco nas favelas mais próximas da Zona Sul devido ao “apelo estético” pré-estabelecido pelos promotores dessas empreitadas e a fácil mobilidade, realidade que infelizmente não é uma opção em grande parte das favelas da Cidade do Rio de Janeiro que estão localizadas fora dessa zona turística, mas que não é impossível. Um bom exemplo é o Complexo do Alemão: inaugurado em Julho de 2011 juntamente com a instalação da Polícia Pacificadora, o teleférico do Complexo do Alemão teve como inspiração o teleférico na favela de Medellín e atrai cerca de 12 mil pessoas por dia, sendo que nos fins de semana cerca de 60% delas são visitantes39. Mas o público que busca conhecer o teleférico do Alemão é diferente. Em grande parte das vezes são brasileiros, diferentemente das favelas da Zona Sul, onde se concentra maior quantidade de estrangeiros. O Complexo já é considerado um ponto turístico pelo Ministério do Turismo40 e tem como atrações os cenários da novela Salve Jorge, o caminho percorrido pelo Príncipe Harry (visitado em 2012), a Praça do Conhecimento e a vista da Serra da Misericórdia (principalmente para os amantes de esportes, já que é considerada uma área de preservação ambiental), todos podem ser vistos a partir de uma das seis estações do teleférico. Mas a atividade turística dessas comunidades também pode ser prejudicada. Eventos tais como assassinato do dançarino de um programa de televisão no Cantagalo41 e o sumiço de um morador da Rocinha42 ainda nesse ano impactam negativamente a visitação às comunidades, já que, mesmo que seja um evento pontual, toma grande repercussão nas mídias sociais.

38

http://oglobo.globo.com/rio/mais-da-metade-dos-turistas-quer-conhecer-favelas-do-rio-7349831#ixzz3FylAdJEA http://oglobo.globo.com/rio/teleferico-do-alemao-bate-icones-do-rio-em-numero-de-visitantes-8433461 40 http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20130121.html 41 http://www.diariodecanoas.com.br/_conteudo/2014/04/noticias/pais/37171-protesto-apos-morte-de-dancarinodo-programa-esquenta-deixa-um-morto-no-rio.html 42 http://oglobo.globo.com/rio/a-rocinha-quer-saber-onde-esta-amarildo-9156093 39

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Numa reportagem de um canal de televisão britânico, mostra a polícia carioca que se diz controladora das ruas, porém ressalta que haveria uma venda muito grande (quase o dobro) de drogas no período da Copa do Mundo de 2014 e ainda apresenta um homicídio bem próximo do Estádio do Maracanã43. Mas com todas essas notícias negativas rodando o mundo, o Rio de Janeiro continua sendo um dos lugares mais visitados pelos turistas no mundo, já que tem coisas muito boas que geram encantamento. 2.4 Considerações Finais Com o nosso estudo, percebemos que historicamente as favelas cresceram de forma desordenada e que a atuação do Estado nas favelas sempre ocorreu de forma desigual em relação a outras partes da cidade do Rio de Janeiro - esses lugares foram discriminados, criminalizados e/ou abandonados - tornando-se espaços vulneráveis para a atuação de criminosos armados. E como consequência, o Estado ignorava a necessidade de qualquer atuação. Vários projetos eram escritos e ditos pelo governo do Distrito Federal do Rio de Janeiro que seriam iniciados com o objetivo de construir habitações higiênicas e devidamente urbanizadas, mas estes não saiam do papel, sendo alterados ou descontinuados. Pudemos constatar que os moradores estiveram acuados diversas vezes pela atuação dos poderes público (que muitas das vezes começava a atuar e não concluía ou até mesmo agia com rispidez), religioso, e dos traficantes. Mas mesmo com essa proposta de ambiente “exótico”, as favelas firmam seu espaço como atração turística “must see” quando se fala de Rio de Janeiro e vários empreendimentos (sejam estes locais ou não) oferecem esse produto para os visitantes. Mas uma reflexão extremamente relevante é a seguinte: será a intervenção militar das UPPs uma forma de proteção ou ameaça aos moradores?

43

https://www.youtube.com/watch?v=uTPow3SjMEQ

43

CAPÍTULO III- A política de pacificação nas favelas da cidade do Rio de Janeiro e seu impacto no Turismo 3.1 Introdução Neste capítulo abordaremos sobre a estruturação das políticas públicas de turismo nas favelas, mencionando as Unidades de Polícia Pacificadora implantadas nas favelas do Rio de Janeiro, sua relação com os mega eventos, processo gentrificação e quão importante esse policiamento é para o desenvolvimento da atividade turística nessas localidades. Por fim, mostraremos os resultados de nossa pesquisa de campo de dois casos ilustrativos. No dia 16 de Junho de 2014 foi realizado trabalho de campo na Favela do Cantagalo, com o objetivo de conhecer o Museu de Favela e entrevistar a senhora Antônia Ferreira Soares, sócio fundadora do MUF. Já no dia 26 de Junho de 2014 foi a vez de estudar a Favela da Rocinha, visando conhecer o Fórum de Turismo da Rocinha e a Rocinha Original Tour e entrevistado o senhor Ailton "Macarrão" Araújo Ferreira. 3.2 Histórico das UPPs Com o objetivo de retomar e fortalecer o poder do Estado nas favelas do Rio de Janeiro, o programa de segurança pública de Unidades de Policia Pacificadora começou em Dezembro de 2008, fazendo a primeira unidade no Morro Santa Marta, localizado em Botafogo, na Zona Sul. A partir de então (até Outubro de 2014) foram implantadas 38 UPPs. Esse programa da Policia Militar visa atuação exclusiva em uma ou mais comunidades, tendo sua própria sede e grupo de atuação: “As UPPs trabalham com os princípios da polícia de proximidade, um conceito que vai além da polícia comunitária e que tem sua estratégia fundamentada na parceria entre população e as instituições da área de segurança pública. A atuação da polícia pacificadora, pautada pelo diálogo e pelo respeito à cultura e às características de cada comunidade, aumenta a interlocução e favorece o surgimento de lideranças comunitárias.” 44

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Site institucional: http://www.upprj.com/index.php/o_que_e_upp

44

Com a entrada desse programa de pacificação, em teoria, há a inserção de iniciativas do poder público e privado, tais como: abertura de postos de saúde e clínicas da família; asfaltamento e alargamento de pistas para a melhor locomoção no território de viaturas, ambulâncias, carros de polícia e caminhões para a coleta de lixo; fornecimento de luz, água e esgoto não clandestinos; legalização de empreendimentos, que passam a contribuir para a economia formal com a ajuda do SEBRAE; criação e manutenção de escolas públicas. Em suma, trazer um planejamento público e ordenado para a localidade. A presença desse policiamento traz segurança para visitantes e prestadoras de serviço que levam visitantes. Mas podemos afirmar que a UPP desloca criminalidade para outras favelas que não são fortes pontos turísticos e que não tem tanta visibilidade turística. Podemos pegar como exemplo cidades próximas do Rio de Janeiro, que tiveram a taxa de criminalidade aumentada de forma significativa, tal como Saquarema, Cabo Frio, Niterói e Nova Iguaçu (Jornal EXTRA, 2014)45 (Jornal O DIA, 2014)46 . 3.3 UPPs e os mega eventos Ainda colhendo os resultados dos Jogos Pan-Americanos em 2007 e com o anúncio oficial do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, de forma "implícita", o governo do Rio de Janeiro aproveitou o momento no qual a cidade estava em evidência no cenário internacional para colocar em pauta um discurso de segurança a ser implantado na cidade, para a realização dos mega eventos e satisfazer as expectativas de uma população que cobrava mais segurança - novo modelo de policiamento implantado nas favelas, que será apresentado a seguir. Na proposta de estratégia de organização turística da Copa do Mundo de 2014, mencionava que os investimentos do Governo Federal devem estar voltados para obras de estruturação das cidades-sede (incluindo o Rio de Janeiro), que inclui investimentos em infraestrutura:

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Dado encontrado no site do Jornal Extra, no endereço: http://extra.globo.com/casos-de-policia/novoentreposto-do-trafico-da-capital-regiao-dos-lagos-registra-aumento-na-violencia-14434380.html 46 Dado encontrado no site do Jornal O Dia, no endereço: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-0125/pacificacao-enfim-sai-dos-limites-da-capital.html

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“(...) investimentos na área de transporte urbano, rodoviário e aéreo, na qualificação profissional, na revitalização de áreas urbanas com potencial turístico, na sinalização turística e na área de segurança pública. Muitos projetos já em andamento vêm ao encontro das demandas preexistentes das cidades‑sede. Estes investimentos permanecerão como o legado da Copa para o país, promovendo a execução de projetos que levariam anos para serem realizados se não existisse o caráter de urgência exigido pelo evento. O cidadão brasileiro será o principal beneficiado pelo desenvolvimento dos investimentos para a Copa do Mundo, que deve contribuir para o aumento de demanda doméstica e internacional, além do desenvolvimento regional, tornando‑se o principal legado do evento."47

Podemos entender que investimentos na área de segurança pública no Rio de Janeiro como a maior atuação das UPPs nas favelas e obras de revitalização de áreas urbanas com potencial turístico como o PAC nas comunidades da Zona Sul, especialmente nas favelas da Rocinha e Cantagalo/Pavão- Pavãozinho, favelas de foco em nossa pesquisa de campo. No documento oficial do Dossiê de Candidatura do Rio de Janeiro à Sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 também mencionava planos eficazes contra a criminalidade, com treinamentos especializados para a polícia no relacionamento com as comunidades carentes e na resolução de conflitos, que podemos interpretar como a atuação das UPPs nas favelas: “A segurança dos Jogos se beneficiará da colocação em prática de planos eficazes contra a criminalidade, antes e durante os Jogos Rio 2016. Iniciativas de manutenção da ordem serão complementadas pelas estratégias de redução da criminalidade já em vigor(...)”48 “A redução da criminalidade foi e continua sendo um dos principais objetivos das autoridades policiais no Rio de Janeiro. Iniciativas de combate ao crime são tomadas em conjunto com estratégias de redução da criminalidade nas comunidades.”49

A atuação das polícias pacificadoras ocorreu primeiramente nas favelas em áreas de maior recebimento de turistas (ao redor do Estádio do Maracanã, passando pelo Centro e Zona Sul) e podemos assim considerar as UPPs como um projeto de segurança, de

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Proposta estratégia de organização turística copa do mundo 2014 Brasil http://www.turismo.gov.br/turismo/o_ministerio/publicacoes/cadernos_publicacoes/04propostas.html pg 11 48 Dossiê de Candidatura do Rio de Janeiro à Sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, http://www.rio2016.com/sites/default/files/parceiros/dossie_de_candidatura_v1.pdf 49 Dossiê de Candidatura do Rio de Janeiro à Sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, pg 28

46

policiamento ostensivo e permanente, de controle e vigilância das favelas em evidência e supervalorizadas, principalmente durante os mega eventos. É sobre essa supervalorização que apresentaremos agora. 3.4 Gentrificação nas favelas A palavra “gentrificação” vem do inglês “gentrification” e significa “Ação ou efeito de gentrificar (voltar a possuir certa condição nobre). Ação que consiste no restabelecimento do setor imobiliário degradado que, constituído pela restauração ou revigoração de imóveis, faz com que esses lugares, supostamente populares, sejam enobrecidos.”50 Dito isso, podemos considerar o fenômeno urbano da gentrificação como uma sequência de melhorias - sejam estas físicas, materiais ou imateriais - econômicas, culturais e sociais que acontecem em alguns centros urbanos relativamente antigos e que, com essas mudanças, ocorre um upgrade, ou seja uma elevação no status. Esse processo de modificação do cenário urbano foi primeiramente identificado por Ruth Glass, que dizia que: "Um após o outro, numerosos bairros operários londrinos foram invadidos pelas classes medias alta e baixa. Locais degradados ou com casinhas modestas, com dois aposentos no térreo e dois em cima foram retomados quando os contratos de aluguel expiraram, e se tornaram elegantes residências de alto preço. residências vitorianos maiores, que tinham mudado de função, ou seja, haviam passado a ser utilizadas como pensões familiares ou sublocadas- recuperaram novamente um bom nível de status. Esse processo de gentrificação, uma vez começado em um bairro, se estendeu rapidamente até que quase todas as camadas populares que aí moravam originalmente tivessem deixado o lugar e que todas as características sociais tivessem mudado” (GLASS 1964: XVIII et apud BIDOUZACHARIASEN, 2006, p. 60)

Antes do anúncio do Rio de Janeiro como cidade-sede para a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, os bairros apresentavam os valores de venda e de aluguel relativamente estáveis, que variavam de acordo com a quantidade e qualidade de prestação de serviço ao redor (seja infraestrutura de transporte ou prestações de serviço, mercado informal e formal). Mas logo após essa divulgação, houve uma supervalorização dos

50

http://www.dicio.com.br/gentrificacao/ 47

imóveis na cidade, aumentando assim o custo de vida na cidade. Esse processo pode ser analisado em quase todos os bairros da cidade: famílias da classe média alta que antes moravam no Flamengo sofrem com o IPTU e custo de vida mais altos, que tem como consequência a mudança para bairros menos centrais, como Tijuca, Grajaú e Méier; a zona portuária e as obras

do Porto Maravilha revitalizam e valorizam a região, que fora

abandonada e negligenciada desde que a capital deslocou-se para Brasília em 1960, e que agora tem diversas empresas de construção e imobiliárias atuando na região. O mesmo pode ser visto nas favelas (GAFFNEY, 2013, p. 07-10). Ao mesmo tempo em que as UPPs entram nas favelas como uma intervenção estatal, a redução de homicídios e o consequente aumento da sensação de segurança abrem novos horizontes para novos negócios e especulação imobiliária. Tanto as favelas quanto o seu entorno foram valorizadas de forma disparada (GAFFNEY, 2013, p. 12). Temos como bom exemplo de gentrificação as áreas onde a Transolímpica, Transcarioca e complexos olímpicos serão criados. A Favela da Vila Autódromo, localizada ao lado do antigo Autódromo de Jacarepaguá, sofre com a valorização da região e com as tentativas constantes da prefeitura de remoção, que alega que os moradores residem em um lugar invadido e que não pertence a eles. Para o local, foi projetada uma linha de transporte que fará a ligação entre o Parque Olímpico e a Vila dos Atletas. "A luta dos moradores e dos movimentos sociais contra a Prefeitura e os agentes da especulação imobiliária no Rio de Janeiro chamou atenção internacional com a chegada dos Jogos Olímpicos. Uma das batalhas mais simbólicas em curso é sobre o local onde será construído o futuro Parque Olímpico. Essa peça triangular de terra é onde está localizada a Vila Autódromo, um assentamento fundado por pescadores na década de 1960 que desde então cresceu tornando-se um assentamento ribeirinho de aproximadamente quatro mil pessoas. A Vila Autódromo está sob ameaça de remoção há bastante tempo, mas como a maior parte dos moradores tem a titulação legal de suas propriedades, a associação de moradores construiu uma resistência legal e política que contiveram as tentativas da Prefeitura de limpar o local." (GAFFNEY, 2013, p. 14-15)

Na região onde a Transolímpica e a Transcarioca passam e ao redor do Maracanã, moradores das favelas eram notificados em cima da hora que seriam despejados e que suas casas seriam demolidas para que houvesse a viabilização das obras. O valor pago pela Prefeitura era muito pequeno, não houve negociação e poucas famílias foram realocadas para 48

as novas construções da prefeitura (que segue a mesma lógica dos prédios dos bairros proletariados já mencionados).51 Segundo dados divulgados durante o Fórum Fala Vidigal 52, 30% das pessoas que ali vivem não são brasileiros. Essa presença de “gringos” cria uma nova realidade nas favelas que pode ser boa ou ruim. Ao mesmo tempo em que acontece uma diversificação das pessoas que ali vivem, pode haver uma descaracterização do que é favela. Ainda durante esse fórum, pudemos observar uma corrente muito forte de moradores que acredita que os favelados devem ter consciência da história do lugar onde vivem para que evitem a venda de seus imóveis para novos moradores, não ligados de forma direta à cultura da favela. Moradores querem ser do Morro do Vidigal, não do "Bairro Vidigal". E se pensarmos a favela como trademark, podemos afirmar que há gentrificação, já que pessoas querem morar lá, com o estilo de vida ditado pelo local e seu encantamento. Os gringos quando visitam as favelas e decidem por ali fixar moradia, tem uma "visão mercadológica" e valores para investimento na abertura de negócios que os moradores às vezes não têm. Abrem empreendimentos (como albergues) e logo após, quando os moradores originais veem que a ideia teve êxito, desejam também investir numa iniciativa voltada para o fomento da economia local. 3.5 Relação entre as UPPs e os moradores das favelas Uma frase popular diz que “a cidade boa para o turista é a cidade boa para o morador”, e a mesma lógica pode ser aplicada para os policias e favelados. Com a entrada da figura do Estado nas favelas mediante a pacificação, houve redução na quantidade de crimes nas comunidades. É pouco provável afirmar que o tráfico de drogas e as bocas de fumo tenham sumido, mas a atuação deste mercado ilegal está mais discreta, com menor quantidade de pessoas armadas pela parte mais transitada das comunidades (ANASTÁCIO, 2011, p.12).

51 52

https://www.youtube.com/watch?v=x7QVfV9YBBI

Evento realizado dia 08 de Abril de 2014 na Praça do Vidigal e o assunto do debate foi Que Vidigal Você Quer no Futuro?

49

A palavra “pacificação” tem como definição no dicionário “ato ou efeito de pacificar”53 e há críticas que ressaltam que essa palavra tem um conceito de guerra, militarização: "A formação policial é militarizada, não passa pelos direitos do cidadão, que é visto como inimigo, até o termo pacificação é militarizado, combate inimigos, não cidadãos que por desventura descumpriram a lei. O cidadão é visto como um inimigo de guerra, como uma pessoa de outro Estado. Os militares em guerra agem assim porque não sabem quem é o outro, os soldados não se conhecem. Mas guerra é outra coisa. Entrou-se numa lógica de guerra, não numa ação de inteligência.”54

E essa forte expressão policial militarizada com foco no controle de território ainda cria conflito com moradores já que atua com grande quantidade de armas e muitas das vezes esses militares não são devidamente treinados para lidar com civis. Com esse cenário, os "os moradores são vistos como parte do problema e não da solução em relação ao seu direito à segurança pública." 55 3.6 Estruturação de Políticas Públicas de Turismo nas favelas “pacificadas” Atualmente no Brasil não existe uma estratégia de Políticas Públicas de Turismo destinadas às favelas, mas veremos a seguir análises que comprovam a necessidade de uma estruturação para que as favelas sejam utilizadas de forma saudável pelo mercado turístico. A Cidade do Rio de Janeiro foi se modernizando e a população carente era posta à margem da sociedade, para fora dos centros urbanos, caracterizando assim essa configuração bipartida que existe até hoje. O turismo aparece como tema central das discussões de política pública como uma possibilidade de promoção de inclusão social pós grande e intensa expansão do capitalismo a partir dos anos 1970, que contribuiu para “o acirramento das desigualdades, superexploração de recursos naturais e crescimento da pobreza” (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p.09 ), como já vimos nos capítulos anteriores.

53

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=pacifica%E7%E3o 54 http://observatoriodefavelas.org.br/noticias-analises/direitos-individuais-nas-favelas/ 55 http://observatoriodefavelas.org.br/noticias-analises/opiniao/por-uma-seguranca-publica-em-defesa-da-vida-eda-cidadania/ 50

Ainda em 1987, o professor Mario G Nogueira identificou em seu artigo "O Papel do Turismo no Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil" que a discussão sobre turismo nos debates públicos fazia-se necessária, mostrando a importância da atividade para o desenvolvimento econômico do país. Com seu artigo, apresentou as funções do Estado, "do ponto de vista do turismo, propondo objetivos e sugerindo medidas, que visem o planejamento e a participação na tomada de decisões que afetam a atividade turística e, ao mesmo tempo, convocando formuladores e executores das políticas públicas de turismo a assumirem sua responsabilidade pública.” (NOGUEIRA, 1987, p. 02 ). Nogueira destacou o Estado com quatro funções essenciais para o desenvolvimento econômico alinhado à atividade turística (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p.02-07): 1. Função Coordenadora-> essa coordenação só é possível pela elaboração e implementação de políticas públicas para o setor, de forma que atue com todos os atores envolvidos (órgãos governamentais, profissionais da área, empresários, pessoas da localidade e usuários da atividade) 2. Função Normativa-> há necessidade de criar leis e regulamentos "específicos que privilegiem o papel do turismo em todos os campos da vida econômica, social, cultural e política, dando-lhe prestígio como atividade e, em consequência, atraindo gente jovem e competente para o setor." 3. Função Planejadora-> responsável por criar um ambiente propício para que haja sinergia entre a estrutura local, empresariado e turistas. 4. Função Financiadora-> já considerava o Estado como responsável de manter o bem estar de sua população local para atrair mais turistas, aumentando infraestrutura básica para atrair investimentos de iniciativa privada. A Organização Mundial do Turismo (OMT) emprega ao turismo essa possibilidade de redução de concentração de renda e o uso de forma sustentável dos recursos naturais, mas para isso há necessidade da implantação de um turismo de qualidade. No entanto, grande parte dos países que participam da OMT consideram as Políticas Públicas de Turismo menos importante que o viés econômico em si, sendo assim, menos importante e com menos investimentos na área (DOS SANTOS & IRVING, 2007, p. 09-10).

51

Como analisado anteriormente no capítulo sobre a história da favela, o Estado foi um ator coadjuvante na vida ativa dessas comunidades de baixa renda por muito tempo, até que encontrou nas Unidades de Polícia Pacificadora a forma de voltar a ter controle do espaço, em detrimento do poder paralelo de traficantes e milicianos. No mesmo capítulo, vimos que as favelas no Rio de Janeiro, sempre receberam visitantes, mesmo antes do início das UPPs, porém essa visitação não tinha muito espaço no mercado de turismo devido a falta de formalização/conhecimento dos prestadores de serviço, falta de apoio da mídia sensacionalista, que enfatizava as favelas como um antro de marginais, traficantes e pobres e até mesmo como um lugar que deveria ser invisível aos olhos dos visitantes. Antes das UPPs, quando os policiais entravam nas favelas eram alvejados em tiros e normalmente a mídia mostrava que algum inocente fora baleado. Hoje em dia, com o objetivo de evitar maiores conflitos, quando os policiais entram nas favelas, avisam com certa antecedência para que moradores possam deixar suas casas e não obstruírem a passagem da tropa especializada para o início da pacificação. E esse tipo de atitude dá boa repercussão na mídia, já que mostra que o Estado é organizado e zela pelos moradores, gerando assim uma sensação de segurança e credibilidade da polícia nessas localidades e uma das consequências é a maior visitação. Desde a instalação das UPPs, a procura por meios de hospedagens e visitas guiadas em comunidades têm aumentado. E com o mercado de turismo de experiência/convivência em alta, há uma forte tendência dos moradores de criarem seus próprios empreendimentos para melhor receber esses visitantes, seja uma empresa de turismo com guias locais, seja viabilizando o cardápio de restaurantes em pelo menos mais um idioma além do português. “’A maioria dos guias em comunidades não vive na comunidade. Nosso diferencial é que a gente cresceu em favela, então conhecemos toda a cultura do ambiente. Por isso, os turistas preferem guias locais, até porque eles sabem que dessa maneira estão nos ajudando’, descreve Rodrigo Gordon, da Carioca Free Culture. Rodrigo lembra que o interesse em conhecer a favela teve uma mudança de foco. Antes, os turistas também tinham curiosidade, mas era algo mais ligado à violência. ‘Era o mito da favela violenta e a gente subia o morro com o turista para ele quebrar isso (mudar de opinião)’, relata. ‘Agora, o foco é a pacificação. Os estrangeiros estão curiosos para saber o que mudou, e 52

como a favela está reagindo a esse novo momento. E quanto mais se fala em pacificação, mais o turista vem, porque ele quer conhecer a realidade, a verdadeira cultura brasileira’, afirma.”56

E há também grande procura por jornalistas, que desejam explorar os efeitos da pacificação e essa grande tendência de mercado que é a venda das favelas como produto turístico. Essas matérias ajudam a popularizar e promover o turismo de experiência no exterior, atraindo maior quantidade de visitantes e curiosos. Como divulgado no New York Times, uma moradora da favela da Rocinha hospedaria até 10 visitantes em sua casa, mas que seu preço de aluguel foi relativamente barato (cerca de US$ 50 por noite durante as competições, mas que o preço é significantemente mais baixo fora dessas datas, que fica por volta de US$ 15) e a justificativa se dá devido ao cheiro de esgoto não tratado próximo a sua casa - que ainda assim não é impedimento para procura de hospedagem dos estrangeiros, que ainda assim veem as favelas como opção atraente em comparação às tarifas de hotéis e hostels no “asfalto”, além de terem a oportunidade de experienciar o que é favela.57 Ainda sobre o recebimento de visitantes nas favelas com UPPs instaladas, temos essa reportagem demonstrando, que mesmo com o policiamento ostensivo, não houve total “pacificação”: " O jovem de 26 anos alugará sua quitinete na maior favela do Brasil durante o mês da Copa do Mundo, que termina em 13 de julho. Ele espera arrecadar R$ 4.000 (US$ 1.719) dos hóspedes dispostos a provar a vida no Rio de Janeiro, onde tropas federais estão se unindo à polícia no combate aos ataques das gangues de traficantes. Há seis anos, o Rio começou a construir postos policiais avançados em um esforço para estabelecer a lei e a ordem e converter as favelas controladas pelas quadrilhas em vizinhanças com água corrente e eletricidade.(...)Mesmo com a polícia patrulhando, o som de disparos ainda crepita ocasionalmente através da estreita malha de becos íngremes que forma as vizinhanças."58

56

http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-selecionado/turismo-movimenta-areas-com-upp-durante-acopa/CPP 57 Para ler a reportagem completa, acesse http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/the-new-yorktimes/2013/12/24/favelas-do-rio-recebem-reservas-para-hospedagem-na-copa-do-mundo.htm e http://www.portal2014.org.br/noticias/7109/HOSTELS+EM+FAVELAS+DO+RIO+ATRAEM+TURISTAS+DO+MU NDO+TODO.html 58 http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/turistas-da-copa-alugam-apartamentos-em-favelas-do-rio

53

Lembremos também o caso do turista alemão que foi baleado na Rocinha em 2013, enquanto subia a favela de forma inadvertida e bateu fotos de traficantes, mas que o Governo conseguiu reverter a situação, mesmo com a notícia negativa já disseminada internacionalmente, quando mostrou que os policiais foram devidamente treinados para dar assistência a turistas: “O secretário [Secretário de Segurança Pública Jose Mariano Beltrame] explicou que a preparação adotada para receber a Copa foi ponto chave para seu sucesso. O objetivo era de ocupar um nicho específico que o Secretário afirmou que estava “aberto”, o da assistência total ao visitante, e que começou a ser trabalhado com antecedência. “Nós tivemos um bom exemplo dessa assistência, aquele caso do turista alemão que entrou de forma inadvertida na Rocinha em 2013 e foi baleado. Foi manchete no mundo inteiro. Demos plena assistência a ele e aos familiares, ao ponto de ele ter dito que queria visitar o Corcovado antes de retornar à Alemanha. O que seria algo negativo para o Rio de Janeiro, nós revertemos”. 59

Não encontramos Políticas Públicas de Turismo direcionadas para as favelas, mas caso existissem, acreditamos que seria pautada no desenvolvimento de um turismo responsável/ sustentável, com uma economia solidária bem estruturada. A economia solidária, inventada no início do século XIX na Grã-Bretanha tem como fundamentos a não separação entre trabalho e posses de meio de produção, utiliza os princípios do cooperativismo, em outras palavras, autogestão, que é o oposto da base do capitalismo. O capital da empresa solidária engloba o de todos que trabalham nela, diferentemente da lógica capitalista, onde os donos não necessariamente trabalham na empresa. "A empresa solidária é basicamente de trabalhadores, que apenas secundariamente são seus proprietários. Por isso, sua finalidade básica não é maximizar lucro, mas a quantidade e a qualidade do trabalho. Na realidade, na empresa solidária não há lucro porque nenhuma parte de sua receita é distribuída em proporção às cotas de capital. Ela pode tomar empréstimos dos próprios sócios ou de terceiros e procura pagar

59

http://www.rj.gov.br/web/setur/exibeconteudo?article-id=2176790

54

os menores juros do mercado externos).”(SINGER, 2002)60

aos

credores

(internos

ou

Como um grande passo para a discussão de aplicação de segurança para as áreas turísticas, em Novembro de 2014 ocorreu no Estádio do Maracanã o Primeiro Encontro Nacional de Segurança Turística no Rio de Janeiro, que teve como objetivo discutir sobre segurança focada em turismo. Temas tais como capacitação e treinamento de policiais, policiamento especial de pontos turísticos, troca de experiências relacionadas às ações preventivas de proteção e a segurança turística integrada foram abordados.

"O trabalho preventivo e a segurança turística integrada serão os grandes temas desse debate nacional sobre segurança turística, segundo o comandante do Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas do (BPTUR), Tenente Coronel Joseli Cândido”61

Mas desde já podemos afirmar que é de suma importância a participação interministerial para o desenvolvimento das Políticas Públicas do Turismo devido à grande complexidade, que envolve educação, patrimônio histórico e cultural, melhoria de estradas, rodovias, ferrovias, saneamento básico, entre outros segmentos. 3.7 Casos ilustrativos 3.7.1 Cantagalo e Pavão-Pavãozinho 3.7.1.1 Breve histórico sobre o Morro do Cantagalo Cantagalo e Pavão-Pavãozinho são favelas localizadas entre os bairros de Copacabana e Ipanema. Desenvolvidas no Maciço do Cantagalo como mostra a figura 1, essas comunidades atualmente apresentam população de pouco mais de 10 mil habitantes62.

60

61 62

http://www.ceeja.ufscar.br/a-recente-ressurreicao-singer

http://www.rj.gov.br/web/setur/exibeconteudo?article-id=2196443 Site http://www.guiadasfavelas.com/?page_id=1280

55

Figura 1- Maciço do Cantagalo. Imagem Google Maps

As primeiras casas construídas no Morro do Cantagalo apareceram no início do século XX, devido à aceleração da ocupação da orla da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e suas obras de urbanização, atraindo trabalhadores de todo Brasil, principalmente do estado de Minas Gerais.63 Até a entrada das Unidades da Polícia Pacificadora em dezembro de 2009, esse conjunto de favelas era dominada pelas regras da facção criminosa Amigo dos Amigos (conhecido como ADA) e comandava o narcotráfico. Em julho de 2010 foi inaugurado o Complexo Rubens Paiva (Figura 2), que integra o Metrô da Estação General Osório com o Morro do Cantagalo, mediante sistema de elevador. Também foi inaugurado o chamado Mirante da Paz nesse mesmo complexo, com vista panorâmica do bairro à comunidade, a 65 metros acima do nível do mar.64

63 64

idem idem

56

Figura 2- Vista do Mirante da Paz65

3.7.1.2 Projeto Museu de Favela (MUF) 66 Antes de 2008, a partir de iniciativa de lideranças culturais comunitárias das favelas Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, conseguiu-se identificar que as características iniciais da comunidade desapareciam com o passar dos anos, esquecendo as raízes das pessoas que ali viveram/vivem e as dificuldades passadas antes da estrutura de água, esgoto, escadas e ruelas, por exemplo. Sendo assim, essas lideranças começaram a realizar trabalhos para resgatar essas memórias e documentá-las de forma que não se percam. Eram realizados trabalhos em diversos segmentos, tais como artesanato, capoeira, rádio comunitária, ramos turístico, sociais e culturais. Todos começaram a trabalhar em iniciativas paralelas, mas a partir de um “caldeirão de ideias” (palavras da entrevistada) foi criado em 2008 o Museu de Favela (MUF), usando como base de comparação o Museu da Maré para visionar a estrutura e as lideranças tornaram-se seus sócios-fundadores. O MUF é uma organização não governamental de viés comunitário (fundado um ano antes da entrada da Unidade de Polícia Pacificadora), considerado um museu territorial, a céu aberto e tem como patrimônio e acervo a favela como um todo, com suas casas e forma peculiar de construção, culinária, cultura, histórias, labirintos, becos e estilo de vida dos seus moradores. A organização não recebe apoio ou patrocínio de empresas privadas e só recebe

65

66

http://www.viajenaviagem.com/2011/06/a-boia-em-rio-de-janeiro-para-duros-mirante-da-paz Site oficial da instituição: http://www.museudefavela.org/

57

apoio governamental mediante editais, e para todos os projetos, dá preferência à contratação de integrantes da comunidade para constituir a equipe técnica. O museu tem uma base operacional (sede do Museu de Favela na “Igrejinha”, como mostra as figuras 3 e 4), mas essa proposta de território-museu vai além, interagindo com tudo que se passa ao redor do Maciço do Cantagalo, sendo um museu vivo, em constante renovação com mudança de cenário (se uma casa foi pintada, um rádio é ligado e/ou um animal é solto entende-se que já houve mudança no cenário).

Figura 3- Sede do MUF. Imagem: acervo pessoal

58

Figura 4- Material de divulgação da Biblioteca Itinerante. Imagem: acervo pessoal

Com base nos dados passados pela entrevistada, podemos afirmar que a estabilidade financeira da ONG se dá a partir de verba pública com ganho de editais, aluguel do terraço da sede operacional para eventos, visitação e guiamento de turistas, venda de artesanato local e doações, buscando sempre o fomento de atividades econômicas dentro da própria comunidade, valorizando a cultura local, gerando mais empregos e serviços Todos os atores envolvidos trabalham em sinergia, garantindo o sucesso de todos nessa parceria entre moradores credenciados/parceiros com o próprio Museu. O site da ONG é trilíngue (português, inglês e espanhol), é bem fácil de navegar e é o principal meio de comunicação para pessoas de fora da comunidade, sejam estrangeiros ou brasileiros. Podemos encontrar a proposta do MUF, todos os trabalhos em andamento e passados, trajetos dos passeios, mapa organizacional, publicações, loja de artesanato local e informações sobre trabalhos voluntários. A visitação dos turistas se dá por três possíveis entradas dos morros, mas a mais utilizada, confortável e de fácil acesso se dá pelo Mirante da Paz, localizado na Estação de Metrô General Osório - e foi exatamente por lá que começamos nossa visitação. Ao chegar ao espaço do corredor do Mirante, fomos surpreendidos por uma exposição chamada "Passarela da Memória" (Figura 5), que reúne vários banners impressos com fotos e histórias de moradores ilustres do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. Todas as exposições já trabalhadas pela organização buscam resgatar a história da comunidade a partir do ponto de vista dos próprios moradores. 59

Figura 5- Corredor do Mirante da Paz com as exposições. Imagem: acervo pessoal

Não vimos sinalização para o MUF desde a chegada ao Mirante da Paz, mas todas as pessoas que estavam no caminho foram muito atenciosas e informaram o caminho corretamente. Como plano futuro de ação, é interessante a colocação de sinalização indicativa até a sede operacional para que o visitante consiga facilmente locomover-se para tal destino (fomos informados durante a entrevista que as sinalizações anteriores foram apagadas e/ou removidas com o passar do tempo, mas estão estudando o desenvolvimento de uma sinalização permanente). Nossa entrevistada foi com a senhora Antônia Ferreira Soares (Figura 6), sóciofundadora do MUF e a mesma explicou que a proposta do museu a céu aberto é dar a real percepção do que a favela é ao visitante e transformá-la de alguma forma. Outras empresas atuam no morro, mas o MUF utiliza somente guias locais, com moradores que sentem na pele a vivência do que é viver na comunidade, cada um contando a história com uma emoção diferente, mesmo que seja a mesma história.

60

Figura 6- nossa entrevistada Sra Antônia. Imagem: acervo pessoal

O perfil do visitante que escolhe o MUF para conhecer o morro é aquele preocupado com responsabilidade social, que não tem restrição de duração da visitação, que não tenha problema de locomoção (devido à grande quantidade de escadas e caminhos estreitos, grande parte do trajeto é realizado a pé), que busca maior interação com os moradores, ouvindo os sons da favela e fazendo perguntas. E, quando um grupo interessado não tem uma dessas características, a organização chega a negar o recebimento do turista, visando a não descaracterização e perda da essência do passeio. O público brasileiro que realiza a visitação é constituído normalmente de estudantes, mas a grande maioria dos grupos ainda é de estrangeiros. Porém, a falta de qualificação de guias que falam línguas estrangeiras (especialmente inglês e espanhol) vem a prejudicar algumas das vezes o recebimento de turistas estrangeiros: quando a ONG é procurada com certa antecedência, entra em contato com os parceiros da UNIRIO (estudantes de Turismo que auxiliam na tradução e interação entre guias locais e visitantes) ou intercambistas voluntários, mas quando não consegue essa participação, cancela a visita do grupo. Mesmo que o Museu da Favela tenha sua Galeria de Arte a Céu Aberto, isto é, a comunidade como um todo como acervo, o principal produto comercializado é o “Favela Tour Cultural no Cantagalo e Pavão-Pavãozinho”, que apresenta o roteiro “Casas-Tela”: “Você vai se surpreender com as maravilhas desse local que inclui, como um de seus principais atrativos, o Museu de Favela, com sua 61

Galeria de Arte a Céu Aberto: um conjunto de obras de arte instalado no território de um museu vivo, que retrata as memórias e a cultura local e é composto por três portais de acesso e 27 casas tela criados por artistas que expressam suas poéticas por meio das artes visuais, da oralidade e de textos escritos. (...) O visitante conhece os modos de trabalho, as estratégias participativas, os desafios de “musealização” e gestão de um museu territorial, o cotidiano da favela e seu patrimônio cultural. ”67

Figura 7- Panfleto de divulgação de passeios: Imagem: acervo pessoal

As Casas-Tela foram desenvolvidas a partir do primeiro edital ganho do município, no qual mencionava aquisição de acervo para o museu-território. Em parceria com o artista de arte urbana Carlos Esquivel (mais conhecido como Acme), renomado nacional e internacionalmente, os desenhos foram desenvolvidos, apresentadas as propostas a alguns moradores e os próprios moradores decidiam qual o desenho seria feito nas suas casas, criando assim uma identificação com os moradores em relação à proposta da ONG. Ainda estudando esse conceito de museu-território, a mesma forma que há trabalho com a população para o recebimento e acolhimento do visitante, é dada recomendação aos turistas para que tenham cautela ao bater fotos dentro do morro, não direcionando as lentes de suas câmeras para crianças nem moradores sem prévia permissão, para que não se sintam “em um zoológico”, evitando possível constrangimento. Como ponto forte do MUF, nossa entrevistada Antônia retrata a comunidade como um todo e sua interação e hospitalidade ao receber os visitantes e sua essência cultural e histórica.

67

http://www.museudefavela.org/pt/participe/favela-tour-roteiro-casas-tela

62

Mas também considera a própria comunidade como ponto fraco, tendo em vista que o MUF é reconhecido nacional e internacionalmente, mas não é reconhecido pela própria comunidade. Muitos moradores, por “viverem em um museu”, esperam receber algo físico nesse conceito de museu a céu aberto, que é um conceito abstrato. Depois da Exposição Passarela da Memória, mais moradores sentiram-se parte do “museu”, buscando participar e aparecer de forma mais ativa, tanto nas Casas-Tela quanto nas exposições de resgate de memória. E como plano de ação para esse ponto fraco, estão realizando trabalhos de conscientização (fóruns, seminários e rodas de discussão) para que mais moradores entendam a proposta visionada pelos sócios-fundadores, atraindo mais adeptos. A ONG tem parceria com algumas faculdades, sendo estas: a) UNIRIO com a parte de tradução de documentos auxílio no guiamento de estrangeiros pela comunidade com os guias locais e capacitação dos guias; b) UFRJ com o LUPA (Laboratório Universitário de Publicidade Aplicada), que é o departamento de comunicação e desenvolvimento e aprimoramento do site do museu e; c) PUC com três distintas parceiras. Com a Escola de psicologia, que no ano de 2013 implementou um projeto chamado Mulheres Escutadoras de Memória e com o Departamento de Design a organização e desenvolvimento da Exposição Mulheres Guerreiras de forma artesanal, utilizando a própria mão de obra local; departamento de Relações Internacionais com intercambistas dispostos a auxiliar com a tradução e escolinha de inglês. Também recebem voluntários em geral, onde podem ajudar com a manutenção e organização da biblioteca e montagem do plano de negócios visando parceria e/ou apoio com outras empresas/instituições. Porém, mesmo com a entrada do ator governo na comunidade, realizando a pacificação, eventos pontuais ocorridos na comunidade prejudicam a visitação: pelo MUF, a média é de dois grupos de turistas por mês após morte de dançarino conhecido da comunidade. Mas vale ressaltar que outros guias e operadoras têm iniciativas paralelas de visitação, que não são registradas pela ONG. O museu não trabalha em parceria com outras favelas, mas há troca de experiência e informações em eventos oficiais que reúnem mais favelas. No ano de 2013 ocorreu o Conselho Internacional de Museus (ICOM) no Rio de Janeiro e o MUF se fez presente tanto na conferência quanto levando um grupo de cerca de 100 visitantes num mesmo dia para seu território, separando os grupos e utilizando as três possíveis entradas da favela, com o 63

objetivo de evitar que os moradores se sentissem “agredidos” ao passar um grupo muito grande de visitantes ao mesmo tempo na porta de suas casas.68 O Museu de Favela faz-se presente nacional e internacionalmente no Guia das Favelas69, no Mapa de Cultura do Rio de Janeiro70 e com suas exposições itinerantes de resgate de memória e cultura locais, apresentando seus trabalhos dentro da própria comunidade quanto para museus no estado do Rio de Janeiro (Museu da República, Parati e Petrópolis) e em eventos (Conferência do Rio +20). Inclui em sua agenda exposições anuais tais como a Exposição Mulheres Guerreiras, que ocorre no mês de Setembro de todo ano (em 2014 será realizada a quarta edição) e Exposição Passarela da Memória, que reúne histórias de moradores do Morro do Cantagalo e do Pavão-Pavãozinho. (Figura 8 mostra flyer de exposições itinerantes)

68

Usualmente, quando recebido um grupo grande, faz-se trabalho de conscientização com a população local para que não se sintam expostos, e sim confortáveis, como um real “morador de museu” (palavras da entrevistada). Também existe interação com o comando da UPP para que saibam dessa entrada grande de turistas, causando uma sensação de tranquilidade, no sentido de segurança maior. 69 Site http://www.guiadasfavelas.com/?page_id=1280 70 Site http://mapadecultura.rj.gov.br/manchete/museu-de-favela-2

64

Figura 8- Divulgação das exposições itinerantes. Imagem: acervo pessoal

3.7.2

Rocinha

3.7.2.1 Breve histórico sobre a Favela da Rocinha A Rocinha é uma favela localizada entre os bairros da Gávea e São Conrado. Desenvolvida a partir da Fazenda Quebra Cangalhas e subdividida em lotes, essa comunidade que ganhou título de bairro em 1993 é considerada uma das maiores favelas da América Latina, com população estimada em 150 mil habitantes.

65

Figura 9- Favela da Rocinha. Imagem: Google Maps

Seus primeiros moradores foram agricultores europeus pós Primeira Guerra Mundial, fixando residência em pequenos sítios nas encostas. Com terra muito fértil para plantação, conseguiam cultivar grande variedade de frutas e hortaliças em uma região relativamente perto das feiras da Zona Sul – a partir daí surgiu o nome “rocinha”, criado pelos próprios fazendeiros que diziam vir da rocinha. Porém o crescimento da favela se deu a partir da década de 1930, concentrando como população trabalhadores de construção e prestação de serviço que vinham do Nordeste para trabalhar em Ipanema, Leblon e Gávea. Até a entrada das Unidades da Polícia Pacificadora em novembro de 2011, esse conjunto de favelas era dominado pelas regras da facção criminosa Amigo dos Amigos (conhecido como ADA), que comandava o narcotráfico. O roteiro ecológico no meio da Mata Atlântica, fácil acessibilidade e vista panorâmica de grande parte da Zona Sul do Rio de Janeiro são alguns dos pontos turísticos da cidade. Sua grande gama de serviços e comércio também é um grande diferencial.

66

Figura 10- Parte baixa da Rocinha. Imagem: Google71

Figura 11- Vista da rua. Imagem: acervo pessoal

3.7.2.2 Fórum de Turismo da Rocinha/Rocinha Original Tour Como já abordado, a Rocinha foi a pioneira com os chamados "favela tour", que teve início durante a realização do evento da Eco 92 e hoje em dia é considerada um dos grandes pontos turísticos da cidade do Rio de Janeiro.72 Com o projeto Rocinha Empreendedora, o SEBRAE impulsionou iniciativa de moradores deixarem de ser coadjuvantes, criando o espírito empreendedor nos moradores para reverterem seus negócios em benefícios para a comunidade.

71

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/rj/2012-09-19/upp-da-favela-da-rocinha-sera-inaugurada-nesta-quintafeira.html 72 Segundo dados do Rocinha.org (http://www.rocinha.org/noticias/rocinha/view.asp?id=2656), a favela representa o terceiro ponto turístico mais visitado, perdendo somente para Cristo Redentor e Pão de Açúcar respectivamente.

67

Com a filosofia de “turismo só é bom quando é bom para o morador também”73, o Fórum de Turismo da Rocinha (FTUR) é uma instituição sem fins lucrativos e começou em 2007 com o objetivo principal de trazer à tona discussões a respeito da forma que o turismo era explorado dentro da comunidade. Essa iniciativa foi primeiramente realizada pelo SEBRAE, com apoio da TurisRio e parceria do SESC e Instituto Pereira Passos, reunia empresários e representantes da esfera pública para as discussões. No ano de 2008 o líder comunitário e sócio-fundador da escola de samba Acadêmicos da Rocinha, Ailton Macarrão foi convidado para presidir o Fórum.

Figura 12- Cartão de visita do organizador do Fórum do Turismo da Rocinha. Imagem: acervo pessoal

A realidade vista era de turismo predatório: agências de fora da comunidade traziam turistas, passeavam pela comunidade dentro dos carros e paravam nos mirantes para que pudessem bater fotos. Não fomentavam a economia local e, conforme relato de Airton, muitos moradores não se mostravam satisfeitos com essa forma de turismo exploratório praticado e nem se sentiam confortáveis com turistas batendo fotos de pessoas sem autorização prévia. Esse turista de passagem não tinha oportunidade de ouvir os moradores e os sons da favela, de trocar experiências, de ver uma roda de capoeira que estivesse ocorrendo em uma praça que o carro da agência passa rapidamente. Dito isso, o Fórum de turismo da Rocinha é usado para que os moradores empreendedores tenham capacidade de usufruir dos benefícios que o turismo responsável pode trazer para a comunidade. São feitas discussões de boas práticas e compartilhamento de experiências de cada cadeia produtiva do turismo. Isso envolve vários tipos de empreendimentos/negócios serviços, sejam de guias locais, setor hoteleiro, restaurantes,

73

Entrevista com Airton Macarrão 68

bares, de transporte ou até mesmo de prestação de serviço de internet. Todos podem trabalhar de forma conjunta para que fomentem a economia local (exemplo: os guias locais que são moradores têm grande vantagem, já conhecem como ninguém a favela, diferentemente dos guias que passam nos carros das empresas externas, que só conhecem os pontos de parada para fotos. Estes mesmos guias sabem recomendar o melhor açaí, melhor hotel, melhor bar, criando assim uma rede de confiança e fonte de renda para os moradores locais). Primeiramente, assim que o Fórum foi criado, houve tentativa de atuar com as agências externas que vendiam o produto Rocinha, para que evitassem a venda da imagem marginalizada e que contratassem guias locais para o fornecimento do guiamento. Essa proposta era bem interessante ao pensarmos que os visitantes teriam a legítima experiência de conhecer a favela por meio de um favelado, porém já que grande parte dos guias não falava uma segunda língua e não tinha formação e capacitação, essas agências não toparam fazer essa parceira, já que encararam esse investimento com altos custos e preferiam seguir com a lógica de mercado usada até então (SPAMPINATO, 2009, p. 126-129). Com a força do tráfico que existia no bairro querendo exercer influência em cima do turismo, o fórum não ocorreu entre os anos de 2009 e 2010. Felizmente no ano de 2011 teve início a pacificação e o fórum pôde ser retomado. Buscando o desenvolvimento e aprimoramento de uma rede de fornecedores locais para atender a demanda de visitantes, uma das futuras iniciativas do Fórum de Turismo da Rocinha é a criação de um selo de qualidade para os comerciantes representantes da rede local - prestadores de serviços turísticos da região - amenizando a informalidade de grande parte dos empreendimentos, mas que, ao mesmo tempo, garante a boa qualidade do serviço prestado, na qual as empresas conveniadas/certificadas passam a ter maior credibilidade e o consumidor final sente maior segurança ao consumir um produto. Sendo assim, a parceria com empresários é fundamental para a sobrevivência do negócio e até mesmo expansão do modelo para outras comunidades pacificadas.

69

Figura 13- Fórum de Turismo da Rocinha realizado no dia 31 de julho de 2014. Imagem: Facebook Rocinha Tour74

Esse selo ainda garantirá a capacitação dos comerciantes locais, no qual o fórum tem parceiras com escola de idiomas FEST (empresa “rocinheira”) e o próprio SEBRAE para a capacitação dos mesmos. Mas para que isso ocorra, há necessidade de mapeamento dos prestadores de serviço para se vincularem. Vale ressaltar porém que essa é uma iniciativa que perdurará pós mega eventos na cidade, já que capacitação não se adquire nem se perde de um dia para o outro, tendendo sempre a aprimorar.75 Ainda, Airton percebe a necessidade de criar ambiente de colaboração entre os empresários para que o governo possa entrar com apoio, criando assim um modelo de negócio que gere lucro, mas com responsabilidade social, negócio responsável, com o dinheiro circulando dentro da própria comunidade. E essa formalização e parceria são fundamentais para que haja uma maior oferta de empregos e renda para as pessoas que deixaram de trabalhar com o tráfico assim que a pacificação começou. Mas é reconhecido que ainda se precisa melhorar os esforços para que os comerciantes se unam em prol de um bem maior para a comunidade: “Nas conversas com o assessor de comunicação e com o presidente do Fórum, ficou evidente a existência de problemas e dificuldades que a instância precisa enfrentar para que comece a andar sozinha. Entre esses problemas o mais grave seria, sem dúvida para os entrevistados, a fragmentação dos comerciantes e dos grupos produtivos presentes no território, que, junto com o ceticismo por decepções anteriores, leva a uma escassa participação em suas atividades, fazendo com que os que deveriam ser seus principais atores, ficam esperando por ações

74

75

https://www.facebook.com/RocinhaTour

No fórum realizado dia 31/07/2014, Airton reforça logo na abertura do evento a necessidade de capacitação maciça para absorver a demanda turística que tem esse perfil do nicho de mercado que estão oferecendo. 70

que dependeriam fundamentalmente de sua participação, ativando, dessa forma, um perigoso círculo vicioso de inatividade organizativa e baixa participação comunitária.’ (SPAMPINATO, 2009, p. 138).

Busca-se também criar um calendário de eventos constantes na comunidade que englobe desde os ensaios da Escola de Samba dos Acadêmicos da Rocinha, bailes funk até exposição de artesãos locais e Ano Novo na Laje. (Entrevista AM) Já que o Fórum não tem fins lucrativos, e ainda não havia uma empresa de turismo local 100% “rocinheira”, o próprio Airton criou a empresa Rocinha Original Tour ( ROT), agência de turismo receptivo criada em Março de 2014 para ser a interface da Rocinha com o mercado. 76 A ROT busca entrar no mercado de forma diferenciada, analisando as potencialidades locais, com proposta de capacitação, competindo com agências/guias locais que já estão no mercado há mais tempo. Busca ainda “transformar a Rocinha em um polo turístico-cultural,

como Santa Teresa, só que com suas características únicas” (Entrevista AM), mostrar ao visitante o lado bom da favela, e não mostrar somente que a favela tem lixo, pobreza/miséria, fomentando a economia local, aumentando o tempo de estadia do visitante e conhecendo a cultura da favela.

Figura 14- Cartão de visita da Rocinha Original Tour. Imagem: acervo pessoal

A ROT tem parceiras com fornecedores que reconhecem os esforços do Fórum como uma grande força para a consolidação da prestação de serviço. A empresa Embarque Cultural

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Até o momento da entrevista, ainda estavam no aguardo da papelada burocrática para entrarem na legalização e começarem a atuar no mercado.

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é uma das grandes parceiras de ambos ROT e Fórum, que traz visitantes do meio acadêmico para conhecer a localidade. Estudos do SEBRAE são usados como base para algumas das iniciativas, ajudando a alavancar o ritmo do turismo em parceira com as políticas públicas destinadas a esse fomento da atividade. O site da ROT é bilíngue e apresenta boa diversidade de pacotes turísticos (Figura 16), disponibilizando serviços personalizados de acordo com o grupo a ser recebido para geração de emprego e renda para os moradores locais, adequando assim às expectativas do cliente. Por exemplo, caso um grupo deseje almoçar feijoada na laje, com visita a uma roda de capoeira, passeio pelo bairro e estadia num hotel, é desenvolvida essa opção.

Figura 15- "Macarrão" apresentando a vista de um dos mirantes. Imagem: Rocinha Original Tour 77

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http://www.rocinhaoriginaltour.com.br/paginas/albuns.htm

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Figura 16- Panfleto de divulgação de produtos e serviços. Imagem: acervo pessoal

Sua sede ainda é escondida e pouco divulgada, e no mesmo lugar do ROT, ficam a sede do Fórum e de uma empresa de consultoria também de Airton (e de acordo com suas palavras, ajudar a “formalizar os projetos que gerem oportunidades”). Visando o melhor recebimento de visitantes, Airton menciona que a Prefeitura está com projeto de colocação de quiosques de informação como ponto de referência na base da favela e que se espera firmar parceria para a maior divulgação da empresa. Por ser uma favela de fácil acesso, com muitas opções de meios de transporte e com grande circulação de pessoas, não há necessidade de interação com a UPP quando recebe um grupo grande de turistas. 73

Os locais carimbados para a visitação são o Pub Barraco, Parque Ecológico da Rocinha (SPAMPINATO, 2009, 137) (onde a UPP está baseada, mas que precisa de maior manutenção para ser usada como área de lazer), a Praça dos Artesãos (que tem uma vista privilegiada da cidade) e o Largo dos Boiadeiros. Segundo François, o projeto de despoluição da praia de São Conrado também será benéfico para a comunidade e assim que concluída a Obra do Metrô irá atrair mais visitantes que buscam conhecer a maior favela do Brasil. 3.9 Considerações Finais As UPPs estão incluídas no escopo de políticas públicas de segurança da cidade do Rio de Janeiro, em conjunto com vários outros projetos de renovação da cidade e preparo para o recebimento dos megaeventos como Copa do Mundo de Futebol (ocorrida nesse ano de 2014) e os Jogos Olímpicos de 2016. As UPPs são a representatividade do Estado na localidade onde o ator governamental não se fez presente durante décadas de história e que acabou dando espaço para atuação de traficantes e milicianos como controladores da ordem na localidade. As implantações das UPPs também podem ser consideradas como uma possibilidade de abertura de negócios e fomento da economia local juntamente com práticas da atividade turística que se tornaram um fator relevante para o aumento da visitação das favelas, consequências importantes na sociabilidade e política locais. Já foram completados seis anos desde a primeira UPP em favelas da cidade como forma de representatividade do Estado nos espaços comandados pelo poder paralelo, chamado de "pacificação", mas que algumas vezes pode ser caracterizado como abuso de autoridade em detrimento dos moradores. Sendo assim, não basta o ingresso das UPPs nessas favelas para que o Estado possa alegar que investe em segurança, mas investimentos em educação, saúde, saneamento básico, asfalto e com isso, atrair pessoas curiosas, potenciais turistas e investidores, para conhecer essa diferente realidade. Com relação aos casos de inspiração, podemos afirmar que há ganhos para a comunidade através dos projetos estudados, já que podemos verificar que todo trabalho de cultura e resgate à história implica em um programa de envolvimento dos moradores para as rodas de discussão, há incentivo à melhoria de renda da população, proporcionado oficinas de 74

capacitação, reconhecendo como cidadão e criando independência financeira. Ao mesmo tempo, ambos MUF e FTUR & ROT são projetos com propostas distintas. O MUF é uma ONG que visa mostrar ao visitante o que a favela é e sua essência e realidade (ex: hospitalidade e simpatia x falta de saneamento básico e casas extremamente humildes) e tem parcerias com alguns atores locais e externos. Por não ter fins lucrativos, seu modo de sobrevivência depende diretamente da verba de editais, da quantidade de turistas recebidos e parcerias com outras instituições. O FTUR também é uma ONG, mas tem como parceira comercial a ROT, que monta pacotes personalizados conforme necessidade dos clientes e sua sobrevivência se dá também pela associação com empresários locais, que futuramente desenvolverão um “selo de qualidade” para os prestadores de serviço conectados às iniciativas. Dito isso, fazendo uma comparação rápida, o MUF tem uma visão mais “romântica” de gerenciamento do negócio e dos serviços, enquanto o Fórum de Turismo da Rocinha e a ROT tem uma visão mais “agressiva, capitalista”.

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CONCLUSÃO A Organização Mundial de Turismo admite que o turismo pode ser um grande estimulador de desenvolvimento econômico, reduzindo a concentração de renda e utilizando os recursos de forma sustentável e responsável com um projeto de turismo de qualidade. Como pudemos comprovar, ainda na década de 1980 foi divulgado estudo sobre a grande relevância do turismo para o desenvolvimento econômico do país, mas seria de responsabilidade do Estado garantir: a) a elaboração de políticas públicas para o setor envolvendo atores governamentais, não governamentais e indivíduos; b) criar leis e regulamentos para o setor turístico; c) criar e manter ambiente sinérgico entre empresários, estrutura local e turistas; e d) aumentar a infraestrutura básica para o maior recebimento de turistas e bem estar da população residente do local. Mas mesmo assim, o Brasil por ser um país de dimensão continental e apresentar problemas estruturais de longa data devido à falta de continuidade de projetos de governo e descaso das autoridades, apresenta fraca evolução em políticas públicas, em especial na de turismo. Como mostramos no nosso trabalho, há menos de 15 anos foi criado o Ministério do Turismo para melhor reestruturar as políticas públicas na área e ainda há muito a fazer. Pudemos perceber com a nossa análise que grande parte das políticas de inclusão social propostas pelo governo mostra o Turismo como atividade capaz de melhorar o cenário econômico do país, sendo representado por aumento da geração de empregos e consequentemente aumento da renda, e a inserção de nova demanda de consumidores no mercado turístico do Brasil, fomentando a economia como um todo. As favelas são produtos muito procurados hoje em dia, já que são vistas como extensão da própria cidade quando pensamos no Rio de Janeiro pensamos no Cristo Redentor, Pão de Açúcar, praias e favelas. Essa mistura de classes sociais, estilos de vida e padrões de estética diferentes criam uma atmosfera exótica, com ambiente interessante a ser explorado pelo visitante e pelos próprios moradores, que convivem e sobrevivem em um pequeno espaço espremido entre o mar , morros e encostas. E ainda há muito o que fazer para que a forma de “exploração” do turismo nas favelas seja vista, e a interação entre Governo e moradores é fundamental para haja o desenvolvimento de uma economia local saudável, que tem como objetivo beneficiar a maior quantidade de pessoas. 76

Conseguimos comprovar que as UPPs são uma representação do ator governamental de força militar dentro das favelas, mas que ao mesmo tempo, ainda precisa ampliar sua atuação em outras áreas de responsabilidade estatal, como prover segurança, saúde, educação e principlamente a inclusão social com o restante da sociedade. Pessoas que usufruem das favelas como um ponto turístico acreditam que a presença das UPPs é positiva de certa forma, já que mostra que a favela é lugar seguro, exótico e que desperta curiosidade. Entretanto, a repercussão dos grandes eventos e as obras de desenvolvimento de infraestrutura necessárias para o recebimento dos mesmos faz com que o governo maquie/elimine a imagem de pobreza e subdesenvolvimento, expulsando e/ou despejando populações menos favorecidas e vulneráveis na sociedade, que cedem espaço para esta renovação urbana (decoração e modernização) - em especial no cinturão nobre da cidade e em áreas olímpicas - e sofrem com o fenômeno da gentrificação já visto e que expomos como um exemplo a Favela Vila Autódromo. Comprovamos que hoje em dia, o pensamento de remoção das favelas se faz acompanhar de projetos de realocação dessas famílias para outros lugares com devidas medidas de urbanização, higienização e prestação de serviço para as respectivas coletas de impostos, que alimentam os governos. A continuidade de projetos de urbanização das favelas são essenciais para que realmente se integrem ao restante da sociedade, almejando o combate contra o preconceito e discriminação. Mesmo que não haja essa remoção das famílias nessas regiões supervalorizadas, observa-se um fenômeno de empobrecimento de algumas delas, que não conseguem manterse nessas comunidades pacificadas da Zona Sul, deslocando-se para outras que muitas das vezes ainda não entraram nesse processo de pacificação - isso normalmente ocorre porque juntamente com as UPPs entram serviços básicos (como luz e água), que antes eram gratuitos devido a “gatos” e que agora passam a ser pagos, encarecendo assim o custo de vida nessas comunidades. 78

http://outraspalavras.net/brasil/upps-especulacao-imobiliaria-e-desigualdade

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Processo de legitimização da propriedade dos favelados é fundamental para que não haja venda irregular das propriedades nessa grande especulação imobiliária existente nessas favelas da Zona Sul com UPPs instaladas. É um conceito conhecido como “segurança de posse”, no qual são desenvolvidas políticas habitacionais baseadas em direitos humanos, atendendo os menos favorecidos, para que continuem nessas favelas e mantenham suas histórias e características culturais na localidade. Mas enquanto essa legitimização de propriedades não chega, pessoas da classe média e estrangeiros buscam as favelas como um lugar alternativo para fixar residência, com menores custos em relação ao “asfalto”, mas algumas vezes isso gera conflito entre as tradições culturais da favela e a cultura imposta de forma subliminar pela sociedade que vive fora da favela, com tendências de moda e comportamento. Sobre os nossos objetos de estudo inspiradores (Cantagalo, Pavão-Pavãozinho e Rocinha) averiguamos não há grande participação da figura do Estado nessas iniciativas e que estas buscam: a) o desenvolvimento cultural, com a inter-relação entre pessoas e comunidade, entre nativos, seus descendentes e os visitantes pode gerar encontros singulares e oportunidades de construir uma nova comunidade baseada nessa sinergia e reciprocidade. Promove a participação consciente de todos os públicos relevantes ao processo, acolhendo os saberes e cultura das comunidades tradicionais e garantir os direitos humanos de todos; b) o

desenvolvimento humano, que cria conexões significativas com moradores do local, maior compreensão das questões culturais, sociais e ambientais; estimula respeito entre turistas e anfitriões, fortalecendo a confiança e o orgulho locais; e c) desenvolvimento social, que beneficia as comunidades receptoras com um desenvolvimento sustentável ao resgatar sua identidade individual. Mistura interesses e anseios das comunidades locais e demandas dos empreendimentos (criando, por exemplo, o que é necessário para atrair um turista, tal como um museu ou uma exposição), respeitando sempre as limitações e vontades da população local e do espaço geográfico em si.

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