Políticas urbanas na área da Luz: 40 anos de fracassos governamentais

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES

MARCELO RICARDO FERNANDES

POLÍTICAS URBANAS NA ÁREA DA LUZ: 40 ANOS DE FRACASSOS GOVERNAMENTAIS.

São Paulo 2015

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES

MARCELO RICARDO FERNANDES

POLÍTICAS URBANAS NA ÁREA DA LUZ: 40 ANOS DE FRACASSOS GOVERNAMENTAIS.

Trabalho de Conclusão apresentado para o curso de graduação em Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Gestão de Políticas Públicas. Orientador: Prof. Dr. Martin Jayo

São Paulo 2015

AGRADECIMENTOS No início eu julgava impensável que este trabalho tivesse um tema que não se referisse à Zona Leste da cidade de São Paulo. Sentia-me como se estivesse pecando com aquelas e aqueles que, de diversas formas, tiveram suas vidas afetadas com a implementação da USP Leste. Abordar em meu trabalho de conclusão o bairro da Luz fazia-me refletir sobre tudo que vivi nessa jornada de graduando, parecia-me que após longos anos vividos em Ermelino Matarazzo eu retornara aos momentos anteriores ao meu ingresso, retornara ao bairro em que cresci e em que estudei dos oito aos dezoito anos de idade. E, de fato era. No entanto, percebi que o trabalho de conclusão marcaria o início (e não o fim) da minha vida acadêmica, e, por isso, nada mais justo do que a iniciar por onde iniciei a minha vida, no bairro da Luz. Além disso, entender que os muitos problemas vividos pela população das periferias de São Paulo são decorrência de uma ação especulativa no centro da cidade foi – mais do que fundamental – estimulante para que eu redigisse cada uma das linhas deste trabalho. Se pessoas morrem nas enchentes no Jardim Pantanal é porque em algum momento foram retiradas de suas casas, expulsas de seus bairros e empurradas para regiões periféricas – em geral, nas margens de rios e represas ou nas encostas de morros – onde a especulação imobiliária não pôde chegar. De um lado, milhões de pessoas se deslocam diariamente ao centro da capital paulista em trajetos que chegam a durar três horas, por outro, existem cem mil moradias inabitadas nas áreas centrais. A cidade, assim como o mundo, não se divide por regiões, mas sim, por classes, e, portanto, só me resta parafrasear Karl Marx e dizer aos sem tetos, aos favelados, aos encortiçados, aos moradores de rua, aos que pagam aluguel e aos que ocupam prédios ou terrenos em todo o mundo: - Uni-vos! Minha insegurança inicial era, portanto, injustificável – fruto de uma ingenuidade comum à juventude. Em verdade esta monografia me permitiu agradecer, de uma só vez, os dois fragmentos desse município onde mais aprendi: A Luz e Ermelino Matarazzo. E, preciso ressaltar que esse aprendizado não se deu somente nas salas de aula da E.E Prudente de Moraes, da E.E Orestes Guimarães, da ETESP ou da EACH. Foram nas ruas da Luz jogando bola aos domingos; Na Praceta da ETESP conhecendo pessoas maravilhosas; Nos corredores da EACH (e nos bares do entorno) em longas discussões, e; Claro, no movimento estudantil da ETESP e da EACH (e, por consequência deles, de todo o Brasil) onde construí a minha forma de ver o mundo. Sou muito grato a todos os que participaram disso e, dentre todos que

eu poderia citar, queria registrar minha gratidão especial ao Marcos, que mesmo a distância continua sendo um de meus mais sólidos pontos de apoio. Agradeço e dedico esse trabalho ao Flavinho que nasceu, cresceu e (precipitadamente) morreu no bairro da Luz, aos professores Eduardo Caldas e André Fontan, por aceitarem ser parte de minha banca examinadora e a quatro apaixonados por São Paulo: Meu pai, que diz conhecer todas as avenidas e (boa parte das) ruas dos 1500 km² do município; minha mãe, que muito jovem partiu de Camocim de São Félix-PE e no bairro da Luz se encantou pelo português da padaria – que viria a ser meu pai; a Olga por ter me aturado, nesta reta final, e; ao meu orientador, Martin Jayo pelas relevantes sugestões, por ter me ajudado na definição do tema e por ter suportado os meus atrasos. Agradeço aos movimentos sociais que lutaram anos a fio pela criação de uma USP na Zona Leste e também aos homens e mulheres que diariamente constroem essa escola, e, em especial àqueles com quem cerrei fileiras no movimento estudantil ao longo de todos esses anos. Como não posso citar todos, não citarei nenhum, mas, saibam, sou muito grato por tudo o que passamos juntos. Como toda regra tem uma exceção, aqui não será diferente. Agradeço especialmente a você, Jaqueline, pelos longos anos de militância compartilhada, por todos os bons momentos e por ter me dado a honra de militar ao seu lado por um mundo sem classes (e sem aranhas!). Por fim, dedico esse trabalho às ocupações por moradia do bairro da Luz, que, enfrentam diariamente não só o preconceito e a insegurança, mas também, os governantes e os especuladores. Mesmo sabendo que um grama de prática equivale a uma tonelada de teoria espero que, ao evidenciar as faces cruéis dos projetos urbanísticos da Luz, eu esteja de alguma forma contribuindo para a luta de vocês.. ¡Hasta la victoria, compañeros!

Fizeram as COHAB Pra me tirar do centro Não combino com os prédios Com os monumentos Facção Central

RESUMO O bairro da Luz que foi símbolo da “Belle Époque” paulista e que um dia abrigou alguns dos maiores empresários e intelectuais do país, assemelha-se hoje a um cenário de filme pós-apocalíptico. É comum, ao andarmos pelos logradouros da região, que avistemos casarões abandonados (alguns semidemolidos), prédios vazios e com as portas cimentadas, esgotos a céu aberto, sacos de lixo amontoados e revirados e quarteirões inteiros tomados por viciados em crack – que causam pavor aos transeuntes e alimentam o sensacionalismo midiático de parte da imprensa. Devido a sua posição privilegiada – ao lado da principal rota ferroviária de transporte de café ao porto de Santos – a Luz se consolidou, no fim do século XIX, como o principal bairro da elite cafeeira paulista, no entanto, com o declínio da centralidade do café na economia nacional e com a expansão da cidade ao sul, os antigos empresários do café “migraram” para outras localidades do município e, junto com eles, migrou-se a atenção governamental. A partir de então, foram décadas de esquecimento. Somente a partir da lei de zoneamento municipal de 1972 foram desenvolvidas iniciativas que visavam resgatar o bairro e o seu patrimônio arquitetônico, histórico e cultural. Esse trabalho almeja analisar as quatro macropolíticas urbanísticas desenvolvidas para a região nos últimos quarenta anos – a Renovação da Luz, o Projeto Luz Cultural, o Pólo Luz e Projeto Nova Luz – E, comparar o teor dessas propostas; Analisar as motivações, os atores e as conjunturas em que se desenvolveram cada uma delas, e; Compreender o porquê de que todas tenham fracassado.

Palavras-chave: Bairro da Luz. Políticas Urbanas. Urbanismo. Renovação. Revitalização. Requalificação. Renovação da Luz. Luz Cultural. Pólo Luz. Nova Luz.

ABSTRACT The Luz neighborhood, symbol of “Belle Époque” in São Paulo City, in the past sheltered some of the biggest businessmen and intellectuals of the country. Nowadays, it resembles a movie set for a post-apocalyptic film. As we walk throughout the streets of this area, it is a common scene to see abandoned spacious old houses (some semi-demolished), empty apartment buildings with their doors cemented over, open sewage, piled and torn garbage bags, and whole blocks overtaken by crack addicts – who cause horror to pedestrians and feed sensationalist media coverage. Given its privileged location – next to the main railroad route of coffee transportation to Santos harbor – Luz consolidated itself in the end of the 19th century as the main neighborhood of the coffee producer elite of São Paulo City. However, as coffee became less central to the national economy along with the expansion of the southern parts of the city, the old coffee businessmen “migrated” to other parts of the city, and with them, migrated the attention of the government. Thus initiated decades of neglect. After the 1972 municipal zoning law was passed, multiple initiatives were developed that envisioned the rescue of the neighborhood, along with its architectural patrimony, historical and cultural. This thesis aims to analyze the four urban macro political policies developed in the region in the last forty years: Renovação da Luz (Luz' Renewal), Luz Cultural (Luz Cultural Project), Pólo Luz (Luz Pole) and Nova Luz (New Luz Project) – and to compare the content of the proposals. This will involve analyzing the motivations, the players involved and the scenarios they developed, ultimately, to understand the reasons they all failed.

Keyboards: Luz neighborhood. Urban politics. Urbanism. Renewal. Revitalization. Urban requalification. Luz' Renewal. Luz Cultural Project. Luz Pole. New Luz Project.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Trincheira na Avenida Tiradentes protegendo a entrada da cidade de São Paulo de tropas vindas de Minas Gerais e Rio de Janeiro.

23

Figura 2 – Guia Luz Cultural.

35

Figura 3 – A Usina da Luz e sua chaminé.

37

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Subáreas Z8701 à Z8707, a área da Luz (perímetro do projeto “Renovação da Luz”).

29

Mapa 2 – Perímetro do projeto Pólo Luz.

42

Mapa 3 – Perímetro do projeto Nova Luz.

47

Mapa 4 – Mapa síntese dos quatro projetos analisados.

56

Mapa 5 – O perímetro do projeto Renovação da Luz e os seus pontos centrais.

59

Mapa 6 – Perímetro apresentado pelo serviço de mapas da empresa norteamericana Google ao buscarmos os termos “bairro da Luz”.

60

Mapa 7 – Área do projeto Luz Cultural. Ao centro, o parque da Luz.

61

Mapa 8 – Perímetro do projeto Pólo Luz com a linha férrea em negrito ao centro.

62

Mapa 9 – Perímetro do programa Nova Luz com o seu centro destacado.

63

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Padrões de desempenho para a região da Luz – Renovação da Luz.

28

Tabela 2 - Distribuição de usos do solo – por perímetro.

32

Tabela 3 - Inserção distrital e administrativa dos projetos urbanísticos da Luz.

58

Tabela 4 - A conjuntura urbanística, política e econômica de cada projeto.

69

Tabela 5 - Fonte de financiamento dos projetos Luz Cultural, Pólo Luz e Nova Luz.

72

Tabela 6 - Análise de objetivos.

82

LISTA DE SIGLAS

AHM

Arquivo Histórico do Município

AL

Ações Locais

AMOALUZ Associação dos Moradores e Amigos da Luz AMORLUZ Associação dos Moradores da Luz AR

Administrações Regionais

ARENA

Aliança Renovadora Nacional

AVC

Associação Viva o Centro

BANESPA

Banco do Estado de São Paulo

BC

Banco Central

BID

Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNDES

Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Sustentável

CIAM

Congresso Internacional da Arquitetura Moderna

CID

Certificado de Investimento em Desenvolvimento

CMTC

Companhia Municipal de Transporte Coletivo (extinta)

COGEP

Coordenadoria Geral do Planejamento do Município de São Paulo (extinta)

COLUZ

Conselho do Programa de Incentivos Seletivos da Luz

DHP

Departamento do Patrimônio Histórico

DHPM

Departamento do Patrimônio Histórico Municipal (extinto)

DP

Distrito Policial

EACH

Escola de Artes, Ciências e Humanidades

EMURB

Empresa Municipal de Urbanismo

FAU

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

FFLCH

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

FGV

Fundação Getúlio Vargas

FHC

Fernando Henrique Cardoso

FLM

Frente de Luta por Moradia

FUNDAP

Fundação de Desenvolvimento Administrativo

GCM

Guarda Civil Metropolitana

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPHAN

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IPTU

Imposto Predial e Territorial Urbano

ISS

Imposto Sobre Serviços

ITBI

Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis

MMRC

Movimento por Moradia na Região Central

MSTC

Movimento Sem Teto do Centro

ONG

Organização Não Governamental

OSCIP

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

OSS

Organizações Sociais da Saúde

OUC

Operação Urbana Centro

PDDI

Plano Diretor do Desenvolvimento Integrado

PDE

Plano Diretor Estratégico

PIB

Produto Interno Bruto

PM

Polícia Militar

PMDB

Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMSP

Prefeitura Municipal de São Paulo

PRAF

Programa de Renovação das Áreas Ferroviárias

PSDB

Partido da Social-Democracia Brasileira

PT

Partido dos Trabalhadores

PUB

Plano Urbanístico Básico

QG

Quartel General

SECOVI-SP Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imoveis Residenciais e Comerciais de São Paulo TELESP

Telecomunicações do Estado de São Paulo

USP

Universidade de São Paulo

ZEIS

Zona Especial de Interesse Social

SUMÁRIO

1. - Introdução

13

2. - Breve revisão conceitual

15

2.1. -

Renovação Urbana

16

2.2. -

Revitalização Urbana

16

2.3. -

Requalificação Urbana

18

2.4. -

Renovar, Revitalizar e Requalificar

19

3. - Das capelas aos prostíbulos: Uma breve história do bairro da Luz

20

4. - Políticas Urbanas na área da Luz…

25

4.1. -

Renovação da Luz (1972-79)

25

4.2. -

Luz Cultural (1985-86)

34

4.3. -

Pólo Luz (1995-02)

38

4.4. -

Nova Luz (2005-12)

45

5. - …40 anos de fracassos governamentais.

55

5.1. -

Qual Luz pretendiam transformar?

56

5.2. -

Quando pretendiam transformar a Luz?

64

5.3. -

Quem pagava para transformar a Luz?

69

5.4. -

Quem atuava para transformar a Luz?

73

5.5. -

Com quais objetivos queriam transformar a Luz?

76

5.5.1. -

Objetivos do projeto Renovação da Luz

77

5.5.2. -

Objetivos do projeto Luz Cultural

78

5.5.3. -

Objetivos do projeto Pólo Luz

79

5.5.4. -

Objetivos do projeto Nova Luz

80

5.5.5. -

A teoria diverge da prática: Análise dos objetivos cumpridos

81

6. - Considerações finais

84

7. - Referências

86

13 1. Introdução

O bairro da Luz que foi símbolo da “Belle Époque” paulista e que um dia abrigou alguns dos maiores empresários e intelectuais do país, assemelha-se hoje a um cenário de filme pós-apocalíptico. É comum, ao andarmos pelos logradouros da região, que avistemos casarões abandonados (alguns semidemolidos), prédios vazios e com as portas cimentadas, esgotos a céu aberto, sacos de lixo amontoados e revirados e quarteirões inteiros tomados por viciados em crack – que causam pavor aos transeuntes e alimentam o sensacionalismo midiático de parte da imprensa. Na verdade, para a maioria dos paulistanos, a Luz é apenas isso: um grande ponto de consumo de crack cravado em meio ao coração da cidade. O intrigante é saber que essas ruas, hoje desprezadas pela população e pelo poder público, há pouco mais de um século eram cobiçadas pela alta sociedade e serviam de residência a figuras como Santos Dumont. Se entre 1870 e 1920 a Luz foi a queridinha dos endinheirados, nos 50 anos seguintes ela sofreu com uma grande ausência de políticas públicas. O bairro que abrigava a elite foi sendo esquecido por ela, que agora usufruía das arborizadas ruas de Higienópolis e dos Jardins. Os governantes municipais e estaduais pouco (ou nada) fizeram para que fossem aproveitados os equipamentos deixados pela burguesia cafeeira na região. Somente a partir da lei de zoneamento municipal de 1972, algumas iniciativas foram pensadas para resgatar o bairro e o seu patrimônio arquitetônico, histórico e cultural. Este trabalho almeja analisar as quatro principais intervenções urbanísticas pensadas para a região desde então: a Renovação da Luz (1972-79), o Projeto Luz Cultural (1985-86), o Pólo Luz (1995-02) e Projeto Urbanístico Nova Luz (2005-12). Além disso, pretende-se comparar o teor dessas propostas e analisar as motivações, os atores e as conjunturas em que se desenvolveram. Para cumprir tal objetivo foi efetuado um levantamento bibliográfico e videográfico – que englobou notícias, artigos, teses, dissertações, livros, documentários, leis e documentos legais. Tamanha diversidade de fontes se deve às disparidades temporais e de repercussões existentes entre cada um dos projetos. Se pouco foi produzido acerca do projeto Renovação da Luz, o oposto pode-se dizer do Nova Luz, por exemplo. Desta feita, a respeito do projeto dos anos 70, as principais fontes de dados são do próprio poder público e do escritório autor do

14 projeto, ao passo que sobre o Nova Luz existe uma ampla gama de informações, incluindo (ao menos) três documentários e diversos trabalhos acadêmicos – além de grande quantidade de matérias jornalísticas. Por esse motivo, o projeto mais antigo acabou recebendo uma maior atenção por parte do autor desse trabalho, que julgou necessário uma análise mais detalhada deste que é o menos estudado dentre os programas urbanísticos da região da Luz. Dessa forma, o presente trabalho de conclusão é composto por 6 capítulos – incluso este, introdutório. O capítulo 2 situa um conjunto de conceitos oriundos da área de Arquitetura e Urbanismo – em específico, os de renovação, revitalização e requalificação urbana – que, deram suporte à pesquisa, e, cujo entendimento, portanto, é um ponto de partida fundamental. A seguir, o terceiro capítulo apresentará a história do bairro, visando fornecer ao leitor uma breve contextualização sobre o objeto estudado para que o quarto capítulo possa expor de forma individual cada uma das políticas públicas aqui discutidas. Por fim, no capítulo 5, efetuar-se-á a análise comparativa entre os projetos – o objetivo final deste trabalho. E, por fim, encerrando o trabalho, um capítulo de considerações finais expõe alguns apontamentos observados pelo autor ao longo da realização deste trabalho de conclusão. Boa leitura!

15 2. Breve revisão conceitual

Após a segunda guerra mundial, as principais cidades europeias estavam destruídas e, em meio as ruínas e marcas da guerra, encontravam-se monumentos, palácios e prédios históricos. A Europa precisava ser reconstruída, mas, não podia se desfazer de todo o patrimônio histórico e cultural que havia acumulado ao longo dos três mil anos que separavam a década de 1950 e o surgimento das primeiras pólis na Grécia antiga. Fazia-se necessário aproveitar o momento de reconstrução para que se modernizassem as grandes cidades europeias, sem, no entanto, que o passado fosse apagado. Para dar conta desse desafio, inúmeras teorias urbanísticas ganharam corpo. Foi justamente na Grécia (que pode ser considerada, o local do surgimento da cultura europeia) onde desenvolveu-se uma das vertentes mais discutidas do urbanismo do século XX: a renovação urbana. Inspirada nos ideais modernistas expressos na Carta de Atenas de 19331, a renovação urbana ganharia notoriedade nos anos 50 como modelo de reconstrução das capitais europeias destruídas pela guerra, e permearia o ideário urbanístico desde então. Pasquotto (2010) lista um conjunto de terminologias arquitetônicas – todas elas iniciadas pelo prefixo “Re” - de presença marcante nos debates urbanísticos da primeira década após a segunda guerra: “[…]Observa-se diversas expressões, como: reestruturação, revitalização, reapropriação, renovação, reabilitação, reciclagem, restauração, redesenho, reversão, recomposição, readequação, requalificação, entre outros[…].” E acrescenta que, dentre as vertentes mais utilizadas e discutidas pelo urbanismo contemporâneo estão: a renovação, a revitalização, e a requalificação. Não é por acaso que estes conceitos foram os mais encontrados ao decorrer desse trabalho e, por isso, a interpretação dos seus significados permeou os debates existentes em todas as intervenções urbanas aqui estudadas, e, por isso, são estes os conceitos que se pretende apresentar com este capítulo.

1

A carta de Atenas é o resultado do IV Congresso Internacional da Arquitetura Moderna, IV CIAM, realizado em Atenas no ano de 1933. Seu conteúdo pode ser acessado na íntegra no site do Instituto de Preservação Histórico e Artístico Nacional, através desse link: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta %20de%20Atenas%201933.pdf

16 2.1. Renovação urbana

Começaremos pelo supracitado conceito de renovação urbana. Apesar de ter um único ponto de partida (afinal, como dito acima, essa vertente urbanística é oriunda da Carta de Atenas), a chamada Renovação Urbana, como não poderia deixar de ser, teve interpretações diferentes em seus diferentes contextos de implementação. Nos EUA, por exemplo, ficou conhecida por ser uma metodologia “arrasa quarteirão” associada aos processos de demolição de antigos bairros industriais em cidades como Chicago e Nova York. O que de certa forma, opõe-se ao que ocorreu em cidades da Europa que destruídas por bombardeios durante a guerra, preocuparam-se em preservar o patrimônio histórico que restara. Vaz e Silveira (1999) classificam os distintos tipos de programas de renovação urbana, e dentre eles elencam a renovação clássica (similar à norte-americana) e a renovação preservadora (modelo europeu). As diferentes formas de renovação urbana, sejam elas mais radicais ou mais moderadas, no entanto, guardam entre si características comuns: a demolição de edificações para ceder espaço aos grandes arranha-céus modernos de uso comercial, e, consequentemente, o esvaziamento do centro, ou seja, executam um movimento centrífugo, pressionando a população para fora do centro. Serão essas as características fundamentais que analisaremos para determinar se um projeto está ou não inserido na ótica da renovação urbana.

2.2. Revitalização urbana

Revitalizar, segundo o dicionário Aurélio, significa tornar a ser vital. Vital, para o mesmo dicionário é o sinônimo de “ter vida”. A revitalização urbana é uma vertente urbanística que teve seu auge nos anos 60 e 70, principalmente nos EUA e Inglaterra, e que buscava reverter a tendência centrífuga (gerada pelos projetos de renovação) vivida nas principais cidades do mundo naquele momento, ou seja, objetivava fazer com que o centro voltasse a “ter vida”, fazendo jus a sua definição semântica. Os processos de revitalização, consistiram em estimular a construção (ou a restauração) de equipamentos que serviriam de

17 chamariz para atrair a população para as áreas centrais, seja como frequentadores ou como moradores (variando em cada projeto). A revitalização, portanto era um processo centrípeto, que muitas vezes se relacionava as políticas culturais, visto que podia utilizar-se de equipamentos culturais existentes (ou, até mesmo, construir novos) para “convencer” a população a voltar ao centro das cidades. Novamente, os Estados Unidos foram um caso à parte. Seus projetos de revitalização valorizaram também estruturas comerciais, muitas vezes em detrimento das culturais, para dar nova vida às áreas centrais e “[…] estas iniciativas lançaram uma nova fórmula para revitalização dos antigos centros, que combinava atividades diversas, como recreação, cultura, compras, habitação para faixas diversificadas de renda, acompanhada de reciclagem de antigas estruturas arquitetônicos para novos usos […]” (KARA JOSÉ, 2007). Na América Latina, e no Brasil em particular, como a renovação urbana não havia chegado a reduzir a população das áreas centrais2, o conceito de revitalização esteve intimamente relacionado com a tentativa de “retomada” do centro por parte da classe dominante. Era, portanto, um processo centrífugo, que tendia a expulsar a população pobre que habitava áreas centrais, para que dessem lugar a um pequeno número de indivíduos de classes média e alta, ampliando, dessa forma a quantidade de moradores nas regiões periféricas: “[…] Tais intervenções acabaram por expulsar a população residente, o comércio e as atividades peculiares do local. […]” (PASQUOTTO, 2010). Podemos perceber que o conceito de revitalização, assim como o de renovação, englobou significados distintos. Portanto, para entender esta vertente, necessita-se levar em conta que o seu conteúdo está atrelado à posição geopolítica da cidade que está implementando-a. Como trataremos de São Paulo, na hora de analisar um projeto, consideraremos a vertente latino-americana da revitalização que, de certa forma, diverge da aplicada na Europa e nos Estados Unidos.

2

A saída dos setores endinheirados do núcleo antigo foi sucedida pelo “boom” das quitinetes, o que fez elevar a população da área central. Segundos dados da Infocidade, em 2010 três entre os cinco distritos de São Paulo com maior densidade populacional, estavam localizados na região central. Além disso, em análise comparada, pode-se observar que a densidade nesses bairros era ainda maior em 1980, momento auge dos projetos de Revitalização Urbana de nosso subcontinente. Essas informações necessitam ser analisadas com mais profundidade, mas, podem indicar que a Revitalização do Centro estimulou um processo de fuga para as periferias. Veja mais em: infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/7_populacao_recenseadataxas_de_crescimento_1980_10745.html

18 2.3. Requalificação urbana

O termo Requalificação Urbana foi cunhado para expressar os processos de intervenção que se beneficiam de patrimônios já existentes, alterando-se o seu significado (a sua qualidade) original. Tais “[…] intervenções promovem reformas na estrutura física dos equipamentos públicos e outras medidas que incrementam o valor simbólico, a partir do planejamento de novos usos […]” (LOPES, 2013). Diferente dos modelos anteriormente abordados, a Requalificação não tem foco em uma cidade ou em uma região, mas, em uma edificação (ou em um grupo de edificações). Um projeto de revitalização ou de renovação, pode se utilizar da requalificação para cumprir os seus objetivos urbanísticos. Um projeto urbano de requalificação consistiria, portanto, na centralidade da adoção de ações requalificadoras de patrimônios e tendo como objetivo a consolidação de uma determinada intervenção urbana. Um grande exemplo de intervenção urbana baseada na requalificação é, a “High Line” em Nova York. Trata-se de uma antiga linha férrea (em um trecho de 2,5 km) que encontrava-se abandonada há mais de vinte anos e, que, em 2009, foi convertida em um parque linear suspenso. Outras iniciativas semelhantes foram desenvolvidas em diversas partes do globo. A origem desse tipo ação remonta aos anos 90 e vem do outro lado do Atlântico. Foi em 1993, que Paris lançou definitivamente para o mundo o modelo de requalificação das linhas férreas. Com 4,7 km, o “Plantée Promenade” é considerado o patrono da requalificação. Tanto o “High Line” estadunidense quanto o “Plantée Promenade” francês, são exemplos bem-sucedidos de requalificação como ferramenta de projetos urbanos de revitalização. Mais adiante, ao estudarmos o projeto Pólo Luz, veremos como a cidade de São Paulo também requalificou equipamentos ferroviários, transformando-os em espaços culturais visando a revitalização da área da Luz.

19 2.4. Renovar, revitalizar e requalificar

Apresentados estes conceitos, podemos começar os estudos sobre o tema de pesquisa em si. Os 40 anos de insucessos de políticas públicas urbanísticas na área da Luz, que são objeto desse trabalho, foram também os anos em que estiveram em voga, sucessivamente, os modelos de renovação e de revitalização. Ainda que não se possa dizer que essas escolas urbanísticas são datadas historicamente, podemos afirmar que a renovação predominou na Europa entre 1945-70 e tornou-se o padrão de intervenção urbana na América Latina entre 1960-1980. Enquanto que a Revitalização ganhou força nos países centrais do capitalismo a partir de 70 e perdurou até 1990, mas, só ganhou visibilidade nos países periféricos após 1980. Além disso, desde a década de 90 projetos de intervenção urbana buscam utilizar as ferramentas da requalificação. Veremos nos próximos capítulos deste trabalho, como esses “períodos urbanísticos” influenciaram (ou não) nas políticas urbanas da área da Luz.

20 3. Das capelas aos prostíbulos: Uma breve história do bairro da Luz

A história do bairro da Luz inicia-se ainda no apagar das luzes do século XVI, quando, em 1583, o português Domingos Luiz, um dos primeiros residentes do núcleo urbano de São Paulo de Piratininga, transfere-se junto de sua esposa, Ana Camacho, para as margens do rio Guaré, onde haviam recebido uma vasta extensão de terra. Domingos Luiz, conhecido como Carvoeiro, era devoto de Nossa Senhora da Luz e, em sua homenagem havia fundado uma capela nas margens do rio Ipiranga 3 onde morava. Ao mudar-se para a região do Guaré, o Carvoeiro construiu uma nova capela dedicada à santa, chamando-a de “Capela de Nossa Senhora da Luz do Guaré”, enquanto a capela anterior passou a ser conhecida como “Capela de Nossa Senhora da Luz do Ipiranga”. A capela do Guaré estava cravada entre o centro urbano de Piratininga e o Rio Tietê, em um local conhecido à época como caminho de Sant’Ana (DICK, 1997), ou Estrada de Minas Gerais (GUIMARÃES, 1973). Devido a sua posição estratégica, rapidamente tornou-se ponto de referência para quem entrava ou saía da Vila de Piratininga, e, assim, os seus arredores, repletos de pastos e fazendas, adquiriram fama e, passaram a ser conhecidos como “Campos da Luz”. Pouco se sabe sobre a vida do Carvoeiro e se este possuía herdeiros, porém, um século e meio após a construção da capela, esta (bem como os alqueires de seu entorno) estava em posse do Estado que, em 1765, por decisão do Governador da Capitania Morgado Matheus, a doou para que Frei Antônio de Sant’Ana Galvão construísse o Mosteiro de Nossa Senhora da Luz, um local para recolhimento de freiras da ordem concepcionista4. Os Campos da Luz eram o ponto por onde convergiam os rios Tietê e Tamanduateí e, por isso, tratava-se de um terreno bastante alagadiço. No momento da inauguração do Mosteiro da Luz, em 1774, também inauguravam-se as primeiras pontes na cidade de São Paulo, dentre elas, ao menos duas estavam na região do Guaré, a “[…] ponte grande do Guaré (ou ponte grande de Sant’Ana), a segunda a cruzar o Tietê; e a ponte pequena do

3 4

Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick, autora do livro “A dinâmica dos nomes na cidade de São Paulo, 1554 – 1897” aponta que, possivelmente, as margens nas quais residia Domingos Luiz não eram do Ipiranga e sim, do Iriripiranga, um pequeno afluente do córrego do M' Boi Mirim. conforme afirma o sítio eletrônico da própria igreja: http://www.museuartesacra.org.br/pt/museu/mosteiroda-luz

21 Guaré, também conhecida como Cruz das Almas, que cruzava o Tamanduateí em direção a ponte grande […]” (GUIMARÃES, 1973), estas construções facilitariam enormemente a travessia da região, tornando o local menos inóspito para se residir e possibilitando a expansão da cidade de São Paulo para a região. Nesse momento, a coroa portuguesa havia ordenado a implantação de “hortos botânicos” em diversas localidades do Brasil, e, em São Paulo, aproveitando-se da expansão urbana que rumava a norte, a região escolhida para abrigar o jardim botânico foram as margens do rio Guaré, em local próximo ao mosteiro da Luz. O jardim botânico (hoje parque da Luz) foi inaugurado em 1798, mas tornou-se aberto ao público apenas em 1825, convertendo-se no primeiro espaço público destinado ao lazer na cidade de São Paulo 5. A abertura do jardim botânico iniciaria grandes mudanças no entorno e o bairro da Luz deixaria pouco a pouco de ser um conjunto de fazendas e tornar-se-ia um vilarejo luxuoso repleto de palacetes. Um novo impulso ao desenvolvimento do bairro fora dado em 1865 com a inauguração da estação ferroviária da The São Paulo Railway Company, a rodovia inglesa que ligava Santos a Jundiaí, servindo como rota para a exportação de café. A Estação popularmente batizada com o nome do bairro seria construída na lateral do Jardim Público, em terreno doado pela administração do Jardim para esse fim, e, em frente ao recéminaugurado seminário episcopal da Luz (atual igreja de São Cristóvão). Após profundas escavações, sua linha férrea foi instalada em desnível para que pudesse passar abaixo da Rua do Comércio (GUIMARÃES, 1973)6 e, assim confluísse com a Estrada de Ferro Sorocabana (inaugurada em 1872), permitindo que se escoasse também o algodão da região de Sorocaba ao porto de Santos. As estações ferroviárias estimulavam cada vez mais fazendeiros do interior a estabelecerem residência na capital, e a região da Luz se tornaria sua predileta dada a proximidade das linhas férreas. “[…] Não há dúvida de que as circunvizinhanças do bairro da Luz muito se beneficiaram com o início do funcionamento da ferrovia de Santos a Jundiaí. Ao ligar de modo rápido e cômodo o Porto de Santos ao interior paulista, produtor de café, a nova via de comunicação 5 6

Informações extraídas do folder informativo sobre o parque elaborado pelo projeto “Trilhas Urbanas”. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/FolderLuzVerso_1253908826.pdf Antigo Caminho de Sant’Ana (ou Estrada de Minas Gerais) e atual Avenida Tiradentes.

22 determinou a ascensão econômica, financeira e política da capital. Situada entre os dois pontos extremos da linha férrea, São Paulo acabou guindada à condição de centro da Província, tornando-se pólo de atração para os ricos proprietários do interior. […]” (CAMPOS, 2005).

Estes abastados cafeicultores de todo o Estado traziam consigo novas demandas para a cidade e o poder público não hesitava em atendê-las. Impressionados pela recente inovação europeia que abrilhantava as ruas de Paris durante a noite, pediam que São Paulo também adentrasse à era da eletricidade, e então, a presidência do Estado, rapidamente iniciou a construção da Usina Elétrica da Luz que, a partir de 1896, proveria energia para a iluminação pública e para os palacetes do bairro. Também era latente a demanda por instituições de ensino. Algumas iniciativas nesse sentido já se encontravam em curso, mas, o Estado não tardou em somar-se a elas. Dessa forma, durante a última década do século XIX, três importantes escolas foram inauguradas na região: A Escola Politécnica7 (1893); o Liceu de Artes e Oficios (1897), e; a Escola Livre de Farmácia8 (1898). No início do século XX o Liceu de Artes e Oficios seria transferido para outro prédio na região (assim como a escola de Farmácia que deixaria a rua Brigadeiro Tobias, na época Rua da Luz, e iria para a rua Três Rios), abrindo espaço para que ali se instalasse a Pinacoteca do Estado. Com a Pinacoteca, duas faculdades e dois Liceus9, a Luz converteu-se durante as primeiras décadas do século XX em um reduto da intelectualidade paulistana. Com a primeira guerra mundial (1914-18) e a impossibilidade de importar bens de consumo dos países europeus, o Brasil acelerou seu processo de industrialização, importando maquinário inutilizado da Europa, instalou o modelo de desenvolvimento industrial conhecido como “industrialização por substituição de importações”. Inúmeras indústrias surgiram na cidade nesse momento, todas próximas a linha férrea em regiões como a Moóca, a Lapa e o, então vizinho pobre da Luz, Bom Retiro. O Bom Retiro, favorecido pela proximidade com a Estrada de Ferro Sorocabana, era um local de hospedagem temporária àqueles que estavam de 7 8

9

Incorporada à USP em 1934 e transferida para Cidade Universitária em 1968. Incorporada à USP em 1934 como Faculdade de Farmácia e Odontologia, foi desmembrada em 1962 dando origem a Faculdade de Farmácia e Bioquímica (atual Faculdade de Ciências Farmacêuticas) e a Faculdade de Odontologia, ambas transferidas para a Cidade Universitária em 1965. Fonte: http://200.144.182.66/memoria/por/unidade/240-Faculdade_de_Ciencias_Farmaceuticas Além do Liceu de Artes e Oficios, funcionava desde 1885 o Liceu Salesiano, localizado atrás da estação Sorocabana.

23 passagem pela cidade, no entanto, durante a guerra passou a apropriar-se do algodão vindo de Sorocaba e tornou-se assim, um pólo industrial e comercial de produtos têxteis. Em 1924 a cidade de São Paulo foi palco da Segunda Revolta Tenentista, sendo o Quartel da Força Pública – Batalhão Tobias de Aguiar – a sede dos revoltosos, e o Liceu Salesianos um abrigo para os civis refugiados (BATISTA, 2014). A Revolta tenentista foi o maior conflito bélico vivenciado pela cidade de São Paulo e, por ter sido parte ativa no confronto, muitas das construções do bairro da Luz foram destruídas por bombardeios do exército legalista – a chaminé da antiga usina, preserva até hoje as marcas do bombardeio.

Figura 1: Trincheira na Avenida Tiradentes, protegendo a entrada da cidade de São Paulo de tropas vindas de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Foto extraída de netleland. Disponível em: http://netleland.net/hsampa/epopeia1924/Epopeia1924.html

A decadência do bairro da Luz, assim como sua ascensão, está vinculada à economia cafeeira. Durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-45), o Brasil mudaria sua matriz econômica e aprofundaria seu processo de industrialização. Esse movimento faria diminuir a importância comercial da estação ferroviária da Luz.

24 Com a redução do fluxo de exportações de café, novas atividades comerciais passaram a ser desenvolvidas na cidade. O café não era mais o centro da vida econômica do país, e a Luz perdia sua importância estratégica. Nesse momento, Francisco Prestes Maia 10, desenvolveu o seu plano de avenidas, privilegiando o automóvel em detrimento do trem e, a elite, que já não mais necessitava estar próxima da linha férrea, foi atraída para os novos loteamentos nas regiões das zonas sul e oeste da cidade (Higienópolis, Pacaembu, Pinheiros, Morumbi, Itaim Bibi e Jardins). “A utilização da ferrovia declinou e ela perdeu sua antiga função. Além de ter que competir com os bondes, carros e, posteriormente, ônibus e caminhões a estação passou a integrar o sistema metropolitano de transporte de passageiros das regiões mais periféricas, o que popularizou a região.” (CAMARGO, 2006)

A cidade de São Paulo foi se expandido e novos polos comerciais foram surgindo, o centro da cidade “migrou”, ou melhor, dividiu-se, entre um centro comercial moderno (primeiramente a Avenida Paulista, depois a Faria Lima e mais recentemente, a Berrini) e um centro histórico abandonado, que recebeu o adjetivo de “velho”. O núcleo antigo foi desprezado pelo poder público por décadas e a região da Luz seguiu o mesmo caminho. Os antigos palacetes tornaram-se cortiços ou prostíbulos e as edificações históricas entraram em processo de degradação. A Luz, que em 1865 tornara-se o principal bairro da elite paulista, convertera-se, um século após, em um bairro popular deteriorado, com constantes alagamentos e altos índices de criminalidade. A cidade crescera e não tinha tempo para olhar para o seu passado. É este o bairro da Luz no início dos anos 70.

10 Prestes Maia foi prefeito de São Paulo entre 1938 e 1945, e, foi na sua gestão que se desenvolveu o plano de avenidas que previa a canalização de córregos da cidade para a construção de avenidas sobre os seus leitos. Dizia inspira-se em modelos europeus, no entanto, omitia a existência das ferrovias e hidrovias destas cidades (Informações extraídas do documentário Entre Rios, disponível em: https://vimeo.com/14770270

25 4. Políticas urbanas na área da Luz…

Este capítulo pretende apresentar em poucas páginas quarenta anos de políticas urbanas na região da Luz, almejando compreender os processos de formulação e de implementação (nos casos em que ocorreu) de tais políticas e fazer uma análise preliminar do resultado destas, buscando entender o motivo de nenhuma delas ter sido efetiva. O período estudado inicia-se com a Lei de Zoneamento de 1972 e se encerra junto com a gestão do prefeito Gilberto Kassab (31/12/2012). O primeiro projeto que analisaremos será o “Renovação da Luz” desenvolvido para adequar o bairro para a chegada do metrô. Em seguida será feita uma breve explanação sobre o Pólo Luz e o Luz Cultural (projetos de revitalização, que buscavam promover o redesenho urbano através da recuperação dos equipamentos culturais da região) e, por fim, será apresentado o projeto Nova Luz.

4.1. Renovação da Luz (1972-79)

Por ocasião da promulgação da Política de Zoneamento do Município de São Paulo 11 e, frente aos preparativos para a inauguração da primeira linha de metrô na cidade, que viria a acontecer em março de 1978, foi desenvolvido pelo escritório de arquitetura Rino Levi Arquitetos Associados, a pedido da Coordenadoria Geral do Planejamento do Município de São Paulo (COGEP), o “Projeto de renovação urbana em São Paulo”, que tinha como intuito apresentar políticas urbanísticas para melhorias no chamado “núcleo antigo” da capital paulista. Um Capítulo à parte do projeto foi destinado para o plano de Renovação da Luz que estudaremos abaixo. Nesse projeto a chamada área da Luz, denominada pela Lei de Zoneamento como Z8007, compreende a região localizada no perímetro situado entre a Marginal do Rio Tietê, a Avenida Cruzeiro do Sul, a Avenida do Estado, a Rua Mauá, a Rua Prates e uma linha imaginária entre esta e a Marginal do Rio Tietê. O projeto de renovação para esta área foi orientado em base a dois objetivos centrais, descritos a seguir: 11 Trata-se da Lei Municipal 7.805 de 01 de novembro de 1972 assinada pelo prefeito e engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz e o Decreto Regulatório Nº 11.106 de 28 de junho de 1974 promulgado pelo seu sucessor, Miguel Colassuono.

26 – Maximizar o desempenho da ´Área da Luz’ no contexto urbano e metropolitano, tendo em vista suas condições excepcionais de localização e acesso; – Otimizar a qualidade de vida urbana na área assegurando condições ambientais do mais alto nível. (FRANCO et al, 1977)

Esses objetivos, que, na década de 1970 podiam parecer contraditórios, foram abordados de forma bastante “moderna” pela equipe liderada pelo arquiteto Luiz Roberto Carvalho Franco, e, a preocupação com a qualidade de vida dos moradores da região; com a preservação do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural do centro da cidade; e com o meio ambiente, tangenciaram as cerca de 200 páginas entregues no projeto concluído em 197712 que, por outro lado, não deixava de levar em consideração as demandas surgentes pelo fortalecimento da malha viária da cidade, especialmente em uma região estratégica como a da chamada área da Luz. Para propor alterações na infraestrutura viária da região, Franco e os demais arquitetos do escritório Rino Levi recuperaram algumas das propostas contidas no Plano Urbanístico Básico (PUB)13 de 1968 e no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) 14 de 1971 que haviam sido negligenciadas pelo poder público até então (MOSQUEIRA, 2007). As principais obras viárias tratadas pelo projeto eram: 1) O prolongamento da Rua Prates até a Marginal do Rio Tietê; 2) A constituição do corredor Bresser-Emissário, um corredor viário que utilizaria em sua maior parte vias já existentes e ligaria a Avenida dos Emissários (atual Avenida Marquês de São Vicente) na Barra Funda até o Viaduto Bresser, no bairro do Brás, cortando os bairros do Bom Retiro, Luz e Pari;

12 O Projeto de Renovação da Luz começou a ser elaborado ainda em 1973, apresentado parcialmente em 1975 e publicado em forma de livro (FRANCO, BRUNA e CERQUEIRA CESAR, 1977) em 1977. Na época de sua publicação, foi recebido como “obra indispensável para arquitetos e estudantes de arquitetura, por ser este projeto um exemplo de metodologia na abordagem dos problemas de reurbanização de uma área extensa da cidade” (Folha de S.Paulo, 10 de abril de 1977, p.58). 13 Lei 7.112 de 11 de janeiro de 1968, assinada pelo prefeito José V. de Faria Lima. 14 Lei 7.688 de 30 de dezembro de 1971, assinada por José Carlos de Figueiredo Ferraz.

27 3) A Extensão do trecho duplicado da Rua João Teodoro até a Rua Rodrigues dos Santos, interligando-a ao corredor Bresser-Emissário15, e, sua extensão em trecho não duplicado até a Avenida Paes de Barros no bairro da Moóca, utilizando-se do eixo das ruas Mendes júnior e Hipódromo; 4) A construção de uma nova via expressa, que atravessasse a região do Pari, partindo da Avenida Alcântara Machado, na região do Gasômetro e ligando-a a Marginal Tietê e, consequentemente, desafogando o trânsito nas pontes da Bandeira e Cruzeiro do Sul. Esses quatro projetos viários visavam solucionar o problema dos congestionamentos na região (que tendia a crescer com a chegada do metrô) sem que fossem feitas grandes intervenções em sua paisagem; para isso, pretendia-se aproveitar as vias já existentes e utilizálas de forma mais inteligente, fazendo com que o tráfego pudesse ser mais rapidamente escoado para fora da região da Luz. A escolha pela ausência de grandes obras é elemento atípico na política urbanística brasileira, marcada pelos “elefantes brancos” (GONÇALVES, 2013), mas a escolha dos arquitetos Luiz Roberto Franco, Roberto de Cerqueira César e Paulo Bruna estava relacionada ao modelo de urbanização por eles defendido, inspirado no ideário recém-desenvolvido de arquitetura ecologista16, conforme explicitado nos objetivos do projeto apresentados anteriormente. Esse modelo de urbanização visava elevar a qualidade de vida na região assegurando condições ambientais do mais alto nível (FRANCO et al, 1977) para a população, ainda que, para isso, fosse necessária a redução das atividades industriais e da circulação de veículos, conforme podemos notar na tabela 1:

15 Conforme relata MOSQUEIRA (2007), a proposta original do PDDI foi revista visando a preservação de edifícios históricos na região da Rua João Teodoro limitando a duplicação desta somente até a Rua Rodrigues dos Santos. 16 “Da década de 1960 para cá, intensificaram-se as teorias sobre um novo urbanismo baseado na ecologia dos lugares. Hough, McHarg e outros, em suas análises teóricas e proposições práticas, propõem as primeiras tentativas contemporâneas de reconciliar a natureza e a cidade; reapresentam os caminhos verdes numa escala pública e com múltiplas funções, inclusive de complementação dos processos naturais na cidade, reforçando a necessidade de arquitetos e planejadores trabalharem juntos.” (CALLEGARO, 2012).

28 Padrões de Desempenho para a Região da Luz Usos

Padrão existente na Luz em 1974

Padrão proposto para a Luz

Padrão definido por PUB e PDDI

Vias de Circulação

29,36%

20%

20%

Institucionais

24,12%

15%

5%

Residenciais

14,89%

40%

-

Industriais

7,21%

0%

60%

Comércios e Serviços

9,94%

10%

-

Áreas Verdes

5,12%

15%

15%

Outros

9,36%

-

-

Totais

100%

100%

100%

Tabela 1: Padrões de desempenho para a região da Luz – Renovação da Luz. Reproduzido de FRANCO et al, 1977 apud MOSQUEIRA, 2007 p.. 130.

Em 1974, 7,21% da área total da região da Luz eram destinados a atividades industriais. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado pretendia industrializar ainda mais a região, destinando até 60% do espaço físico dela para tais atividades, aproveitando sua localização privilegiada, próxima às linhas férreas e à Marginal Tietê. No entanto, os arquitetos do escritório Rino Levi, ao contrário, pretendiam extinguir esse tipo de atividade da área da Luz, pois consideravam-na oposta ao modelo de bairro verde proposto por eles, pois as atividades industriais são responsáveis por parte considerável da degradação da qualidade do ar. Quanto às vias de circulação, tanto o PUB/PDDI quanto a proposta do Rino Levi pretendiam reduzir o uso do solo destinado a elas, dos quase 30% que ocupavam em 1974 para, no máximo, 20%. Desindustrializar, reduzir o número de vias e aumentar o número de áreas verdes – sem isolar a região do contexto metropolitano – eram a chave da renovação defendida por Franco e seus colaboradores e, para dar conta desses objetivos e para tratar as especificidades internas da região, a área da Luz foi dividida pelos arquitetos em 7 subáreas, (denominadas respectivamente de Z8701 a Z8707)17, conforme imagem abaixo:

17 O perímetro da área da Luz apresentado nessa parte do projeto, difere do apresentado anteriormente. Mais precisamente, toda a subzona denominada Z8705 e a metade norte da subzona Z8706, (acima da rua Prates) não estão inseridas no perímetro original descrito no início desta seção.

29

Mapa 1: Subáreas Z8701 à Z8707, a área da Luz (perímetro do projeto “Renovação da Luz”). Mapa produzido utilizando recursos do software Google Earth, através das informações de Franco et al (1977). Norte à direita.

Para cada uma das subáreas foram feitos diferentes diagnósticos e, consequentemente, produzidos diferentes propostas. Como segue: •

A área denominada Z8701 é predominantemente arborizada, destinada a usos institucionais, de lazer, educação e cultura, com baixo coeficiente de aproveitamento do solo (FRANCO, 1977). A área Z8701-01 atualmente abriga a Estação da Luz, o Parque da Luz, a Pinacoteca, uma escola estadual e uma escola municipal – ocupação não muito diferente da que já havia na época do projeto. Já a área Z8701-02 havia sido recém-desocupada para a construção do metrô e tornou-se uma grande praça arborizada entre as avenidas Tiradentes, Santos Dumont e do Estado. Os dois perímetros que compunham a área Z8701 possuíam fundamental importância no projeto de Renovação da Luz, por guardarem riquíssimo acervo arquitetônico e

30 cultural e por formarem um cinturão verde ao redor da Avenida Tiradentes, ou seja, bem no centro na região compreendida pelo projeto. •

Outro perímetro de fundamental importância para a preservação cultural e para a arborização da região era o Z8702, o quarteirão em que se localiza exclusivamente o Museu de Arte Sacra, considerado com médio coeficiente de aproveitamento do solo. O museu é rodeado de áreas verdes, inclusive com vegetação exótica e nativa (possivelmente fruto de reflorestamento)18.



A zona Z8706 também não necessitaria de grandes modificações, a área era dividida tão somente pelo poder público e pelo Clube de Regatas Tietê (tradicional clube da cidade que viria a decretar a falência no ano de 2012). O uso do solo foi considerado adequado para a sua localização, a equipe de Franco apenas advertiu que seria “necessário estabelecer controles quanto às formas de ocupação do espaço e tratamento das áreas livres. (FRANCO et al, 1977)” a fim de manter essas características (área verde e pouco construída).



Os três perímetros contidos na subárea Z8703, ao contrário, necessitariam de consideráveis intervenções governamentais por tratar-se de regiões que se encontravam bastante degradadas. O perímetro 01 desta subárea contava, por um lado, com equipamentos arquitetônicos que necessitariam de reparos (a Vila Economizadora e o Seminário Episcopal, atual igreja de São Cristóvão), e, por outro, com a presença considerável de indústrias, especialmente às margens da linha férrea e do rio Tamanduateí, as quais, como dito, eram consideradas atividade inadequada para a região, portanto, a prefeitura deveria trabalhar para que fossem remanejadas para outras localidades do município. Propunha-se também a destinação das áreas que fossem desocupadas para a construção de moradias e/ou de parques e áreas verdes. O perímetro 02, por sua vez, compreendia exclusivamente as áreas militares ainda hoje existentes no polígono formado pelas ruas Cantareira, João Teodoro e Jorge Miranda e, pela Avenida Tiradentes. A proposta do projeto de Renovação da Luz era a

18 Correa, V. “Mosteiro da Luz perderá 56 árvores infestadas de cupim”. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 de julho de 2011, Folha Cotidiano, página C9. Disponível em: http://acervo.folha.com.br/fsp/2011/07/15/15

31 desativação total dos equipamentos militares ali presentes e a instalação em seu lugar de conjuntos comerciais, residenciais e institucionais. O último perímetro (o 03), constituía-se de área onde eram encontradas diversas moradias precárias, como pensões e cortiços, e que agora contaria também com a presença do metrô, dividindo-a ao meio. Além disso, a região é delimitada por 4 grandes vias expressas, incluindo-se entre elas o corredor Bresser-Emissário, que pretendia-se que fosse construído no limite sul dessa subzona. Sua localização geográfica e o tipo de uso que já havia no solo da região tornavam esse perímetro estratégico para o uso residencial intensivo, conforme defendido pelos associados do escritório Rino Levi. •

O setor Z8704 era uma pequena área delimitada pelas Avenidas Cruzeiro do Sul, do Estado e encravada ao meio das ex-futuras pistas da Avenida Bresser-Emissário, motivo pelo qual foi descrito por Franco como sendo um setor “ilhado” que deveria ser usado centralmente para atividades de circulação viária “sendo o espaço restante distribuído entre usos institucionais, comércio e/ou serviços, com pequena participação de áreas verdes.”(FRANCO, 1977), ou seja, esse setor era considerado impróprio para moradia, devendo apenas concentrar atividades comerciais, preferencialmente de serviços, “podendo ainda ser localizado uso diretamente vinculado à presença de tráfego intenso” (FRANCO, 1977). O inverso aconteceria com a zona Z8705, localizada na extremidade oeste da região da Luz. Essa região no momento de confecção do projeto de renovação era ocupada pela secretaria de limpeza urbana e por habitações precárias, regularizadas ou não. A proposta era o remanejamento dos equipamentos municipais ligados ao setor de limpeza urbana para outra área e a implementação de conjuntos habitacionais.



Por fim temos a zona Z8707, dividida em três perímetros distintos que guardavam entre

si

algumas

características

comuns,

como

por

exemplo:

1)

Eram

predominantemente residenciais; 2) Possuíam usos diversificados para o solo; e 3) contavam com certa concentração de áreas verdes. Na área 01 havia mais atividades do tipo institucional, devido à presença da Escola Politécnica, da TV Cultura e do QG da Polícia Militar, todos estes instalados ao redor da praça Cel. Fernando Prestes – que junto aos perímetros das subáreas Z8701 e Z8702 contribuía na arborização do arredor

32 da Avenida Tiradentes. Nas áreas 02 e 03, se não havia tantas atividades institucionais, destacavam-se as atividades de Comércio e Serviço no perímetro 02 e a maior existência de áreas verdes no perímetro 03. De toda forma, em toda subárea Z8707, não haveria necessidade de maiores intervenções por parte do poder público pois a mesma já se encontrava praticamente em acordo com as principais diretrizes propostas no programa. Além, das 7 subáreas apresentadas, o eixo central das grandes avenidas que atravessam a área (Tiradentes e do Estado) configuraram uma outra subárea, a Z8CR708, que, no entanto, não foi apresentada aqui por ter sido englobada às respectivas zonas limítrofes19. Na tabela a seguir podemos ver como seria dividido o uso do solo em cada um dos perímetros após a concretização das mudanças propostas pelo projeto Renovação da Luz.

\Uso Zonas\

Distribuição de Usos do Solo (%) Institucional

Verde

Com./Serv.

Residencial

Circulação

Z8-701-01

15,0

60,0

-

-

25,0

Z8-701-02

-

40,0

-

-

60,0

Z8-702

25,0

50,0

-

-

25,0

Z8-703-01

15,0

20,0

25,0

15,0

25,0

Z8-703-02

15,0

15,0

30,0

20,0

20,0

Z8-703-03

5,0

10,0

10,0

40,0

35,0

Z8-704

20,0

5,0

20,0

-

55,0

Z8-705

5,0

20,0

5,0

50,0

20,0

Z8-706

70,0

15,0

-

-

15,0

Z8-707-01 (1)

25,0

5,0

10,0

35,0

35,0

Z8-707-02

5,0

5,0

35,0

25,0

30,0

Z8-707-03

5,0

10,0

10,0

45,0

30,0

Z8-CR-708

Incluída nas demais zonas de uso

Tabela 2: Distribuição de usos do solo - por perímetro. Reproduzido de FRANCO et al 1977. pág.164. (1) O percentual de 110% equivale a área acrescida pela extensão da rua Prates.

19 Mesma metodologia adotada para a publicação do projeto.

33 Sem que fossem esclarecidas as razões, o projeto foi arquivado por Olavo Setúbal (prefeito de São Paulo entre 1975 e 1979), e, apenas algumas de suas propostas foram contempladas pelas leis 8.328 de 02 de dezembro de 1975 20 e 8.848 de 20 de dezembro de 1978, que tombaram alguns prédios históricos, delimitaram o tamanho dos passeios, legislaram sobre a ocupação do solo e a preservação das áreas verdes e oficializaram a arborização da praça construída no entorno da nova estação Ponte Pequena (atual praça Armênia e estação Armênia), por exemplo. Mas, há de se dizer que o que havia de fundamental no projeto, os seus pilares, aquilo que poderia de fato ter renovado a região da Luz, foi descartado pelo poder público. E, ainda quanto ao decreto 8.848/78, Mosqueira ressalta que ele: “[…] Não seguiu as especificações de aproveitamento do solo que compunham o estudo […] As metas de adensamento e renovação do estoque imobiliário não se concretizaram, muito menos as de melhoria da qualidade ambiental do bairro […]” (MOSQUEIRA, 2007)

O regime autoritário que vigorava à época dispensava o chefe do executivo da necessidade de justificar os motivos de seus vetos, mas podemos acreditar, que o mercado imobiliário não demonstrou interesse algum nas propostas de Franco, pelo contrário, notou o antagonismo entre o projeto Renovação da Luz e os seus interesses especulativos, visto a previsão de destinação de uma grande área central da cidade para moradias populares, a diminuição da malha viária na região e a imposição de dificuldades para a verticalização do bairro. Apesar da gestão de Olavo Setúbal ter sido reconhecida pelas políticas progressivas relacionadas a reforma urbana, como por exemplo a anistia aos terrenos clandestinos21 (BELLE, 2009), a criação dos calçadões, o tombamento e a preservação de áreas, edifícios e monumentos na região central da Cidade (FLORENCE, 2001) e a proposta de IPTU progressivo (DIOGO, 2004), no caso da Renovação da Luz, seu decreto optou

20 Os trechos que se referiam à região foram posteriormente revogados pelas leis municipais 8.769/78 e 9.300/81. 21 A Lei Federal 6.766 de 19 de dezembro de 1979, conhecida como Lei Lehman, assinada por Figueiredo possuía caráter contraditório, visto que anistiava os grandes latifundiários que apossaram-se de volumosas porções de terras públicas ao longo de décadas e, de forma ainda mais acentuada, nos meses que antecederam a promulgação da lei, no entanto, na cidade de São Paulo, por ocasião do Decreto nº 15.764 de 22 de março de 1979, inibiu-se a utilização da Lei Lehman por parte das grandes incorporadoras e, estimulou-se seu uso para a regularização de assentamentos, favelas e outros loteamentos populares que encontravam-se em situação ilegal, criando-se assim os programas Pró-Morar, Pró-Periferia e Pró-Favelas.

34 conscientemente pela não valorização da área, “[…] Apesar do estudo de renovação urbana ter identificado inúmeras deficiências na região, a legislação teve a intenção deliberada de manter estas condições para não correr o risco de descaracterizar o tecido urbano existente.” (MOSQUEIRA, 2007). Assim, apesar de todo esforço despendido por Luiz Roberto Carvalho Franco, Roberto de Cerqueira César e Paulo Júlio Valentino Bruna, a região da Luz continuou vítima do descaso governamental e órfã de políticas públicas, seguindo assim sua trajetória de deterioração por, pelo menos, mais uma década.

4.2. Luz Cultural (1985-86)

No início do ano de 1985, o então prefeito Mário Covas, o Secretário Estadual de Cultura, Jorge Cunha Lima e a diretora do Departamento de Patrimônio Histórico Municipal (DPHM), Regina Prospery Meyer, apresentaram o projeto cultural e urbanístico batizado de Luz Cultural. O Luz Cultural pretendia promover uma revitalização na área da Luz, através da divulgação dos equipamentos culturais e dos edifícios e monumentos históricos da região. O secretário de cultura do Estado acreditava que se o patrimônio histórico e cultural fosse atrativo, haveria um “processo natural”22 de reurbanização. A utilização da cultura como elemento de melhorias no meio urbano estivera em voga em Londres, Paris e Nova York durante as décadas de 60 e 70, tendo servido como fonte de inspiração para o projeto paulistano. A região “beneficiada” pelo Luz Cultural incluía parte dos bairros de Bom Retiro e do Campos Elíseos, além da própria Luz – Indo do entroncamento da Alameda Nothmann com a Avenida Rio Branco, na sua extremidade oeste, até o encontro das ruas Djalma Dutra e João Teodoro a leste e de norte a sul utilizando o leito das avenidas Tiradentes e Prestes Maia, desde a Rua dos Bandeirantes até a Rua Paula Souza. O projeto era composto por quatro itens: (a) Implantação de programas e roteiros turísticos envolvendo todos os equipamentos culturais do estado, localizados na região; (b) Organização do zoneamento do bairro; (c) Elaboração de um projeto gráfico de divulgação, e; (d) Algumas intervenções pontuais de recuperação de edifícios de interesse histórico. 22 (LIMA, 2005 apud JOSÉ, 2007).

35 A região de fato abrigava inúmeros atrativos culturais ou turísticos como: a Vila dos Ingleses, a Vila Economizadora, a Vila Sá Barbosa, o Conjunto Militar, a Chaminé da Luz, a Igreja de São Cristóvão, o Mosteiro da Luz, a antiga prisão pública, a antiga Escola Politécnica, o antigo edifício da faculdade de farmácia e odontologia, a Pinacoteca, a Estação da Luz, a Estação Sorocabana, o Teatro Taib, o Colégio Feminino de Santa Inês e o Colégio Masculino de Santo Eduardo, a Igreja Armênia e o Instituto Salesianos, o Palácio dos Campos Elíseos e o palacete Santos Dumont, além dos casarões localizados nas baixadas próximas à Marginal do Rio Tietê e da Avenida do Estado. Atendendo ao objetivo “(c)” apresentando acima, todos estes locais, fizeram parte de uma lista com 63 pontos culturais na região que seria divulgada em forma de guia no ano de 1986, tendo como título “Guia Luz Cultural – Museus, Teatros, Bibliotecas, Cursos, Lazer e Serviços” (vide imagem abaixo):

Figura 2: Guia Luz Cultural, reproduzido de KARA JOSÉ, 2007.

36 Para dar conta da formulação e da implementação dos roteiros turísticos, foram mobilizados a Secretaria Estadual de Esportes e Turismo, a Fundação de Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP), o Metrô, a TurisMetrô, a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) e o Comando do Polícia Militar 23. Com todo esse contingente estatal mobilizado, foram organizados passeios, exposições, ateliês, oficinas e diversas atividades recreativas, inclusive a céu aberto, em sua maioria no Jardim da Luz, que se encontrava em situação deplorável (IZZO Jr., 1999 apud MOSQUEIRA, 2007), o que prejudicava a lógica do projeto, de atrair população de classes mais altas, especialmente moradores da zona sudoeste. A nova política de zoneamento da cidade de São Paulo, balizada pela Lei Municipal 9.841/85, assinada por Mario Covas em 04 de janeiro de 1985, não promoveu grandes modificações na legislação citada anteriormente (8.769/78 e 8.848/78), apenas reconheceu o papel de destaque como centro comercial para alguns trechos no interior da área da Luz. Dentre as poucas obras de infraestrutura que foram orientadas pelo Luz Cultural, destacam-se a recuperação e a conservação dos edifícios da Pinacoteca, do Museu de Arte Sacra, do Liceu de Artes e Ofícios e da Faculdade de Farmácia e Odontologia (atual Oficina Cultural Oswald de Andrade), além da revitalização da Praça Fernando Prestes transformada em “praça cultural”, e a controversa demolição do prédio que abrigava a Usina Termoelétrica da Luz. “[..] Não eram previstas obras de grande porte, nem novas construções, mas, apenas recuperação, reaproveitamento e organização dos equipamentos culturais públicos e privados já existentes […].” (KARA JOSÉ, 2007). A demolição da Usina Termoelétrica para ampliação da Rua João Teodoro repercutiu de forma negativa sobre o projeto Luz Cultural e os seus criadores. O secretário Cunha Lima respondeu em ação penal sobre o ocorrido 24 e o jornal “O Estado de São Paulo” destacou em sua edição de 04 de março de 1985 que, o projeto que ia proteger o bairro, estava destruindoo. O edifício não era tombado, mas, o restante do conjunto militar, do qual a Usina fez parte, havia sido tombado em 1976. “Apesar de avanços que vinham ocorrendo […] este episódio revelava a predominância da concepção monumental em detrimento da valorização dos objetos que tivessem significado para a história do cotidiano […].” (KARA JOSÉ, 2007)

23 Essa articulação fora facilitada, pois, o prefeito, assim como os secretários, eram nomeados pelo Governador do Estado, naquele momento, André Franco Montouro. 24O Estado de São Paulo, 08 out 1985 apud KARA JOSÉ, 2007.

37

Figura 3: A Usina da Luz e sua chaminé (foto de 1924).

O Secretário de Cultura, Cunha Lima, afirmava se tratar de um projeto “não financeiro”, e dizia que o poder público não necessitaria dispender um grande montante. Para isso, o projeto Luz Cultural contou desde o início com investimento privado, algo ainda pouco comum na década de 80. A Philips e a IBM, por exemplo, fizeram doações: A Philips doou a nova iluminação da praça Fernando Prestes e a IBM os equipamentos para a computadorização da biblioteca municipal, que hoje abriga o Arquivo Histórico Municipal. 25 Apesar dos investimentos destas grandes empresas, o Luz Cultural não conseguiu tornar a região da Luz atrativa para os investidores e para elementos da classe média alta e, com isso, a almejada reforma urbana não obteve êxito e o secretário Cunha Lima, não conseguiu criar o seu “Greenwich Village26 paulistano” (Folha de São Paulo, 04 de maio de 1986 apud KARA JOSÉ, 2007).

25 Folha de São Paulo, 08 de outubro de 1985. São Paulo, Primeiro Caderno, pág. 22. 26 Um dos bairros nova iorquinos beneficiado por projetos urbanísticos semelhantes ao Luz Cultural.

38 4.3. Pólo Luz (1995-02)

Apesar do programa Luz Cultural não ter sido oficialmente encerrado, ficou claro que o desinteresse do empresariado e da classe média alta pela região central da cidade inviabilizou o processo de reurbanização esperado. Em janeiro de 1986, Mario Covas se despediria da prefeitura de São Paulo e, um ano mais tarde, Cunha Lima e Regina Meyer também sairiam de seus postos no executivo estadual. No entanto, aparentemente, continuaram a agir, ainda que nos bastidores, em prol do Luz Cultural. Em 1991, um grupo de empresários – coordenados pelo então presidente do Bank of Boston, Henrique Meirelles, fundaram a Associação Viva o Centro (AVC) que, visava articular “[…] Arquitetos, urbanistas, empresários, comerciantes e demais segmentos da sociedade civil interessados em discutir sistematicamente os problemas da área central e apontar e dar encaminhamentos para possíveis soluções. […]” (ABRAHÃO, 2008). Dois dos principais consultores da AVC eram justamente, Jorge Cunha Lima27 e Regina Meyer. O Pólo Cultural da Luz, ou simplesmente Pólo Luz, é um termo adotado no início dos anos 90, mas, que não se consolidou em um programa, tampouco em uma política pública específica, apesar de ter norteado diversas ações e discursos estatais (e também nãogovernamentais). Por esse motivo, é difícil delimitar com precisão o momento em que vigorou. O ponto inicial está ligado à vitória de Mário Covas no pleito estadual de 1994, e, consequentemente, a ida da equipe responsável pelo Luz Cultural ao Palácio dos Bandeirantes.28 Mas vale ressaltar que o Pólo Luz se tratou de uma ação coordenada entre os três níveis de governo e a iniciativa privada, conforme veremos a seguir. Um dos atores sociais mais importantes nas políticas urbanísticas de São Paulo na década de 1990 foi a já citada Associação Viva o Centro. Em sua página na internet, a AVC se considera “[…] resultado da tomada de consciência das mais significativas entidades e empresas sediadas ou vinculadas ao Centro de São Paulo do seu papel de sujeitos e agentes do desenvolvimento urbano.”29 Essa repentina tomada de consciência por parte de um 27 Em entrevista concedida a Heitor Frúgoli Jr. em 1997, Cunha Lima conta que estava presente na reunião realizada na sede do Bank Boston em São Paulo, onde se fundou a Associação. (FRÚGOLI JR., 2000). 28 Quando governador, Montouro era filiado ao PMDB, no entanto, assim como Covas, se desfiliou para fundar o PSDB, em 1988. Montouro e Covas alternaram entre o apoio crítico e a oposição aos governos peemedebistas de Quércia e Fleury. 29 Disponível em: http://www.vivaocentro.org.br/quem-somos/a-associa%C3%A7%C3%A3o-viva-ocentro.aspx (Consultado em 22/01/2015).

39 benevolente setor de empresários do ramo financeiro e imobiliário, nos foi elucidada em 1996, quando da publicação do livro “São Paulo Centro – Uma Nova Abordagem”, uma espécie de programa político que nortearia toda a atuação dessa organização sem fins lucrativos. Nesse livro, Meyer discorre sobre a ausência de políticas públicas que levou ao êxodo das classes altas para longe do centro e defende uma revitalização deste pelo poder público (que deve atuar em parceria com o setor privado) e a sua reocupação, nos mais variados sentidos, pelos extratos mais elevados da sociedade paulistana. “[…] Ainda que a atuação do poder público tenha sido, recorrentemente, marcada por elevados investimentos nos espaços centrais, principalmente em transportes e sistema viário, estes resultaram mais como viabilizadores do crescimento extensivo da cidade, do que como indutores de reciclagem e de melhoria das condições de desempenho das atividades centrais. […] Como consequência desse processo, um conjunto de bairros próximos a centros de empregos, com todos os serviços públicos e excelentes condições de acessibilidade, passaram pelo crescente esvaziamento populacional e, em alguns casos, permaneceram ocupados por atividades incompatíveis com a localização central. […]” (Meyer, 1996)

Visando reocupar o centro da cidade com atividades “compatíveis”, um conjunto de políticas públicas havia sido formulado pela AVC nos primeiros anos da década de 90 e seriam aprovadas ainda nos primeiros meses da gestão de Mário Covas. A Operação Urbana Centro (OUC) foi a principal delas, pois, dava diretrizes a todas as intervenções que seriam feitas no centro da cidade – inclusive, as consideradas integrantes do projeto Pólo Luz. Meyer, em “São Paulo Centro – Uma Nova Abordagem”, expõe a preocupação (que ganharia cada vez mais espaço, a partir de agora) de saciar os desejos da especulação imobiliária, um dos novos interessados em “recuperar” o centro de São Paulo. “[…] A Operação Urbana constitui instrumento de fundamental importância para viabilizar investimentos do setor privado na Área Central. Outras formas de parcerias devem também ser buscadas, para intervenções de menor porte, que possibilitem, por um lado, soluções projetuais mais definidas e, por outro, permitam a inserção de grupos diversificados do setor imobiliário.”

Por fim, nessa publicação Meyer conclama o empresariado paulistano a investir na revitalização do centro, e assim, associar a sua marca em um processo importantíssimo de

40 reurbanização da cidade. Explica como esse processo pode ser lucrativo e ainda defende contrapartidas fiscais por parte do governo. Portanto, esta associação empresarial em prol do centro, visava formular políticas públicas que incentivassem que a burguesia voltasse a morar, trabalhar e frequentar o centro de São Paulo. Para o setor imobiliário, prometiam terreno fértil, para o setor comercial prometia-se a desoneração e para os demais setores empresariais prometia-se um bairro seguro, rico culturalmente, arborizado, agradável e próximo aos seus locais de trabalho. Como dito, durante o mandato de Mário Covas o governo federal atuou em conjunto com o Estadual nas políticas de revitalização do centro da capital paulista. O então presidente Fernando Henrique Cardoso desempenhou papel importante na criação do Pólo Luz, através de três medidas: o Programa de Revitalização de Áreas Ferroviárias (1995), o Programa de Preservação do Patrimônio Cultural (1997) e, a mais importante, a adesão 30 ao MONUMENTA, em 1999. O MONUMENTA começou a ser articulado em 1997 pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para ser um programa de financiamento voltado a projetos de revitalização de centros urbanos. No entanto, segundo, Tozi (2007) o MONUMENTA fazia com que as cidades abandonassem as políticas de preservação desenvolvidas pela IPHAN e se voltassem a busca de atrativos financeiros ao revitalizarem suas áreas centrais. "[…] Inicialmente chamado de ‘Programa de Preservação do Patrimônio Cultural Urbano’ (1997), o Programa MONUMENTA pretendia-se uma linha de financiamento para preservação do patrimônio cultural […] situados em municípios que pudesses sustentar a manutenção dos bens após o investimento de recuperação. Abandonando, após a assinatura do empréstimo, os métodos de trabalho do IPHAN, e priorizando o potencial econômicos das cidades […]" (TOZI, 2007)

O Governo Federal, que já recebia verbas culturais do BID desde 1996 (KARA JOSÉ, 2007) assinou o novo contrato de financiamento e implementou o programa MONUMENTA em 1999, no qual, 26 cidades foram beneficiadas, dentre elas, São Paulo. Na cidade de São Paulo, a Luz foi a única região receptora de políticas públicas oriundas beneficiadas por verbas do programa MONUMENTA-BID (DUARTE JR., 2010), as 30 FHC foi parte da elaboração do projeto da linha de financiamento que viria a ser conhecido como MONUMENTA, conforme relata TOZZI (2007).

41 reformas da Estação e do parque da Luz, a construção do complexo cultural da Júlio Prestes e do Museu de Língua Portuguesa são exemplos de melhorias executadas com o financiamento do BID. Em 1998, ainda no contexto do Programa de Preservação do Patrimônio Cultural, a prefeitura de São Paulo (na época sob gestão de Celso Pitta) aprovou o Projeto Luz para “dar vida” à estação da Luz e para que essa desempenhasse novamente papel crucial na mobilidade da cidade. No contexto do projeto Luz a prefeitura cedeu os arredores da estação para melhorias que seriam feitas pelo governo do Estado. Com o assessoramento financeiro, técnico e teórico da Viva Centro, com o financiamento do BID, com o apoio político do governo federal e com aval da prefeitura municipal, o Pólo Luz começava a ganhar os seus contornos institucionais. Apenas no ano de 2000, a Associação Viva o Centro publicaria um estudo intitulado Pólo Luz, uma declaração ulterior de autoria que continha as propostas de políticas públicas que já vinham sendo implementadas na região, ao menos, desde 1995 e outras que não haviam sido aceitas pelo poder público. O conteúdo deste livro, também, de autoria de Regina Meyer, é o que passou a ser denominado como projeto Pólo Luz. Nele podemos conhecer exatamente o perímetro do Pólo Luz e as principais propostas do projeto. O Pólo Luz consistiu-se em diversas ações localizadas na região delimitada pelos seguintes logradouros: rua Três Rios ao norte, rua Silva Pinto e alameda Nothmann ao Noroeste, avenida Rio Branco ao Oeste, avenida Duque de Caxias e rua Mauá ao Sul e avenida Tiradentes ao Leste. Como podemos notar na Figura 5, todo o perímetro do Pólo Luz (em amarelo) está contido dentro do Luz Cultural (em verde e em amarelo).

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Mapa 2: Perímetro do Pólo Luz. Produzido com recursos do software Google Earth em base as informações contidas em MEYER (2000)

As principais ações em equipamentos culturais no Pólo Luz foram: A reforma da Pinacoteca, do Parque e da estação da Luz; a transformação da Estação Sorocabana no Complexo Cultural Júlio Prestes com a implantação da Sala São Paulo, da Estação Pinacoteca e do Memorial da Resistência; a inauguração da Museu da Energia Elétrica e do Museu da Língua Portuguesa, e; a reforma do palácio dos Campos Elíseos. Todas estas foram iniciadas durantes a gestão de Mário Covas e concretizadas em conjunto pelos três níveis de governo, através de parcerias público-privadas, tendo a AVC como principal intermediária, e, utilizando o dinheiro oriundo do BID. Diferente do Luz Cultural, o Pólo Luz previa medidas de melhorias para o tráfego da região; dentre elas, as mais notáveis eram a construção de viadutos que ligariam a Avenida Duque de Caxias à Rua Prates – privilegiando o fluxo de pedestres entre o Complexo Cultural

43 Júlio Prestes e a estação da Luz; e, da Rua Prates à Avenida do Estado, retomando a ideia já contida no projeto Renovação da Luz (OLIVEIRA, 2009). Além dos viadutos previa-se também a transformação de parte das vias expressas da Avenida Tiradentes, no trecho entre as ruas Mauá e João Teodoro, em túnel para possibilitar a transformação desta em um arborizado boulevard – com quiosques para o funcionamento de cafés, bares e livrarias. (TOZI, 2007). O Pólo Luz mantinha a visão, já contida no Luz Cultural, de que para revitalizar o bairro seria necessário modificar o perfil social de seus moradores e frequentadores. Os idealizadores do projeto defendiam que a construção de novos equipamentos culturais e a reforma dos já existentes seriam as ferramentas ideais para a atração de um novo público para a região. No entanto, ambos os projetos pareciam esquecer-se de que, para que essas novas pessoas se mudassem para o bairro, os atuais moradores deveriam deixá-lo, afinal não apontam alternativas para esses. Como se o centro fosse, com o perdão do paralelo histórico, uma terra sem povo destinada a um povo que já tem muita terra. Cunha Lima em entrevista divulgada na publicação de Frúgoli Jr. (1998) expõe seu ponto de vista sobre “aquela gente” expressão pela qual se refere às classes populares residentes na região central ou afluentes a ela: “O Centro não tem a população que se imagina. O Centro é uma servidão de passagem para sistemas de transporte idiotas que virou ponto final de todos os sistemas de ônibus. Então, aquela gente que passa no Centro, para ir de um lado para o outro, pegar condução, aquela massa popular que até é geradora de camelôs e de interesses, não tem nada a ver com o Centro. O popular do Centro é o que está prejudicado por isso aí, que é o bancário, o comerciário, o funcionário público. Esse sim, nós temos que respeitar”

E Regina Prosperi Meyer, também em entrevista contida no trabalho de Frúgoli reconhece que centro poderá ser um bairro popular, mas, frisa que não será um bairro “de pobre”: “[…] Minha visão é que o Centro poderá ser um bairro popular, não de pobre, mas popular, […] Acho que seria uma conquista você trazer para essas áreas, onde você tem a vantagem locacional dada pelo transporte, pessoas que dependem do transporte público […]” (FRÚGOLI, 1998)

44 E vai além, ao explicar porque considera errônea a utilização do termo revitalização em vez de requalificação (essa “fuga semântica”, conforme retratado no subcapítulo 2.2, se fez presente nos projetos de revitalização das áreas centrais da América Latina): “[…] Hoje o Centro é tão ou mais vital do que em outros momentos. Acontece que ele está apropriado por uma classe social diferente, e essa nova classe social que está aí não se apropriou por escolha, ela se apropriou porque aquele espaço se tornou um espaço residual dentro da cidade, e, como diz o Raymond Williams, os pobres ocupam as brechas deixadas, e aquilo foi uma brecha. Nos anos 80, o Centro se tornou um espaço, se consolidou uma grande brecha dentro da cidade. […] Sempre estou trabalhando dentro desse parâmetro, de que o Centro é fadadamente um bairro popular dentro da cidade de São Paulo” (FRÚGOLLI, 1998)

Se para Cunha o centro deve ser um reduto de funcionários públicos e bancários, com baixa densidade habitacional, e que pode ter sua composição social alterada com simples mudanças no sistema de transporte, para Meyer, o centro deveria pertencer à elite, mas, devido à ausência de políticas públicas foi “tomado” pelos pobres e agora está fadado (sic) a ser um bairro popular. Na ótica de Meyer, os equipamentos culturais poderiam atrais novos frequentadores para região, e talvez até novos moradores, mas, a transformação do perfil social do bairro seria um processo de longo prazo, e, só poderia ser concluído se novas “brechas” fossem deixadas na cidade, o que, poderia ser facilitado pelos seus parceiros 31 do setor imobiliário e por políticas habitacionais centrífugas. Com o enfraquecimento da AVC, com a morte de Mário Covas em 2001, com a venda do Bank Boston Brasil para o Fleet Bank em 1999 e com a entrada de Meirelles na presidência do Banco Central em 2003, aos poucos o termo Pólo Luz foi caindo em desuso, ainda que as melhorias feitas nos patrimônios culturais da região continuassem a ser sentidas – entre 2002 e 2005, segundo dados compilados por Kara José (2007), cerca de um milhão de pessoas visitaram a Pinacoteca. No entanto, estes patrimônios se consolidaram como ilhas dentro de uma região degradada, e, mais uma vez, a burguesia e a alta classe média não se sentiram atraídas para frequentar, investir, abrir negócios e, muito menos, residir na região da Luz. A política de reurbanização através da valorização do patrimônio histórico e cultural mostrou-se ineficiente para o caso paulistano. Caberia ao poder público pensar em novas 31

A AVC possuía maior participação do capital financeiro, no entanto suas Ações Locais (AL), espécie de associações destinadas a preservação de apenas uma rua ou quarteirão do centro, eram dominados por especuladores, conforme relata Frúgoli (1998).

45 formas de atração para este público e, enquanto isso, um novo fato somava-se a paisagem degradada da região – um verdeiro exército de usuários de crack passara a frequentar as proximidades da antiga rodoviária, assustando e causando incômodo aos transeuntes e frequentadores dos novos e velhos equipamentos culturais do bairro, destinados à elite.

4.4. Nova Luz (2005-12)

Assim como ocorreu com o Luz Cultural, o projeto Pólo Luz foi abandonado sem que tivesse sido oficialmente encerrado, o que permitiu à prefeitura de São Paulo, em 2003, pleitear a renovação do convênio MONUMENTA-BID que se concretizou em 2004 e que serviu de base para a formulação das políticas urbanas que seriam inclusas no Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2004-1432. Oriundo do PDE foi desenvolvido o programa denominado “Ação Centro”, que era composto por uma ação integrada por diversas secretarias municipais que abrangia a totalidade da área central da cidade e tinha como finalidade “Promover o desenvolvimento social e econômico […] dinamizando e criando condições de atração e suporte de atividades compatíveis com o centro metropolitano e promovendo a reabilitação urbanística e ambiental da área, com inclusão social.33”. O programa Ação Centro previa políticas urbanísticas, sociais, habitacionais e de geração de emprego, no entanto foi sofrendo constantes mutações decorrentes de três fatores: a) a desvalorização do dólar (moeda utilizada como base no financiamento do BID) que diminuía o valor real recebido no empréstimo; b) os constantes embates entre os técnicos do BID e os técnicos da prefeitura sobre as prioridades para região, e; c) a mudança de gestão no município, fruto da eleição municipal de 2004, cujo vencedor foi José Serra. Desde o início de sua gestão, José Serra trabalhou em desmembrar o programa Ação Centro e substitui-lo por pequenos programas, cada um deles voltado para uma diferente área da região central da cidade. Atenção especial, no entanto, era dada ao local denominado pela mídia de “Cracolândia” que, apesar das ações despreparadas (e desesperadas) do poder público convertera-se em um megaponto de encontro de usuários de crack. 32 Lei 13.885 de 25 de agosto de 2004, assinada pela prefeita Marta Suplicy. 33 SÃO PAULO-SP, BRASIL. Programa Ação Centro. Plano de Ação para as aquisições. Empresa Municipal de Urbanização. 2004.

46 A “Cracolândia” é fruto direto dos anos de descaso dos três níveis de governo, não somente com as áreas centrais da cidade, mas, especialmente, com as políticas sociais de habitação, emprego, educação e saúde. Esse descaso ocasionou uma epidemia do crack que assola todas as grandes cidades brasileiras, mas, que em São Paulo adquiriu maior magnitude, gerando esta multidão de dependentes químicos que se concentram entre o Terminal Princesa Isabel e a Estação da Luz. Este trabalho não discorrerá sobre as causas da existência da cracolândia, no entanto, é necessário salientar que havia uma campanha midiática e governamental de desumanização dos usuários de crack e tal campanha acarretou em uma repulsa da população paulistana pelos dependentes químicos que frequentavam aquela região. O fim da “Cracolândia” era o carro-chefe do programa que ficaria conhecido como Nova Luz. No entanto, o perímetro definido no projeto ia além da “Cracolândia” e abrangia também o pólo conhecido como Santa Efigênia, um famoso centro comercial de produtos eletrônicos do centro de São Paulo. A prefeitura aproveitar-se-ia do apelo popular contra o crack e iniciaria uma guerra também contra velhos inimigos governamentais: O comércio ambulante ilegal e a pirataria – que no início do presente século atingia grandes proporções e, por isso, também era alvo de inúmeras peças publicitárias governamentais.34 Para abranger a região da Santa Efigênia, foi criada uma definição totalmente nova para o bairro da Luz, contrariando o próprio zoneamento urbano municipal, constante no PDE de 2004. Conforme ilustrações abaixo. Com o auxílio da figura 6 é possível localizar precisamente o território compreendido pelo projeto Nova Luz, composto por 48 quarteirões delimitados pelo pentágono formado pelas avenidas Ipiranga, Rio Branco, Duque de Caxias, Cásper Libero e Rua Mauá35.

34 SANCHES, Pedro Alexandre. “Pirataria terá nova campanha”. Folha de São Paulo, São Paulo, 08 de março de 2002, Folha Ilustrada, página E5. Disponível em: http://acervo.folha.com.br/fsp/2002/03/08/21/ 35 SÃO PAULO-SP, BRASIL. Projeto Nova Luz. Projeto Urbanístico Especifico. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. 2011.

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Mapa 3: Perímetro do projeto Nova Luz (SÃO PAULO-SP, 2011). Produzido utilizando recursos do software Google Earth.

O Programa Nova Luz, seria financiado com recursos do projeto Ação Centro (oriundos de repasses federais, estaduais e do BID), mas, para isso, conforme exigência do BID deveria estar sob responsabilidade e constante acompanhamento de uma Comissão Executiva Especial. Até esse momento, todos os projetos urbanos que utilizaram-se dos recursos do MONUMENTA-BID, inclusive os desenvolvidos na gestão de Celso Pitta (19972000), tiveram a participação da sociedade civil em sua comissão executiva, porém, em 12 de abril de 2005, José Serra promulgou o decreto municipal 45.832 que extinguia a participação da sociedade civil no acompanhamento dos projetos urbanísticos da região central da cidade. Um dos passos iniciais para a implementação do Projeto Nova Luz foi dado ainda no primeiro trimestre do mandato de José Serra (2005-06) e já revelava uma importante característica: seu caráter gentrificador e de higienização social. Conforme relato do jornal

48 Folha de São Paulo36, que adota um tom que pode ser considerado comemorativo, no dia 08 de março se iniciou a “Operação Limpa” que consistia na instalação de bases das Policias Militar e Civil na região e no deslocamento de um efetivo de duzentos e vinte policiais que, apenas no primeiro dia, abordaram mais de setecentas pessoas na região e detiveram setenta e cinco (das quais setenta eram estrangeiras, conforme enfatiza a reportagem). Nesse momento o projeto Nova Luz, ainda não havia sido noticiado, porém, já era claro o interesse da prefeitura em realizar um processo que recuperasse e reocupasse (sic) a região: "A ocupação do local por traficantes e prostitutas ocorreu na década de 90. De lá para cá, outras administrações propuseram a revitalização do local, sem nunca tirar a ideia do papel. A ação policial é um dos primeiros passos da recuperação e da reocupação proposta pela prefeitura, que inclui a atração de faculdades particulares para o local." (BRANDT, 2005)

Com o dinheiro do BID em mãos, com a apoio da imprensa e com a opinião pública a seu favor, a prefeitura dedicou-se em construir as bases legais do programa Nova Luz. No dia 08 de dezembro foi sancionada a Lei Municipal 14.096/05 que isentava em 80% o IPTU e o ISS de empresas que realizassem investimentos em imóveis no local. Enquanto a Lei 14.096 ainda tramitava na Câmara Municipal, a prefeitura de São Paulo já trabalhava em desapropriar os imóveis dessa região visando vagá-los para a vinda das empresas investidoras. O Decreto Municipal nº 46.291, assinado pelo então vice-prefeito, Gilberto Kassab, no dia 5 de setembro de 2005, tornava toda a região do projeto Nova Luz área de utilidade pública, permitindo que os imóveis ali localizados fossem desapropriados pelo poder público. O jornal Folha de São Paulo, mais uma vez, louvou a iniciativa: “O prefeito José Serra (PSDB) decidiu desapropriar imóveis existentes em uma área de dez quarteirões na ‘cracolândia’ […]. O primeiro passo nesse sentido foi dado nesta semana, com a publicação de um decreto que declara como sendo de utilidade pública cerca de 105 mil m2 […] a declaração já deve mobilizar o mercado imobiliário da região […]” 37

A partir dai, muita especulação se gerou sobre quais imóveis seriam desapropriados, deixando moradores e comerciantes da região apreensivos com a falta de informação. No 36 BRANDT, R. “Cracolândia ganha repressão e ações sociais”. Folha de São Paulo, São Paulo, 09 de março de 2005, Cotidiano. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0903200516.htm. 37 “Prefeitura decide desapropriar cracolândia” Folha de São Paulo, São Paulo, 09 de setembro de 2005.

49 entanto, a primeira fase do projeto, centrar-se-ia exclusivamente no mapeamento do perímetro e na negociação com o empresariado. Conforme aponta Oliveira (2009), o foco do Nova Luz nesse momento era dirigido a atração de empresas do ramo tecnológico e call centers. Vinte e três empresas declararam interesse em receber as isenções fiscais e se instalarem na região, dentre elas estavam gigantes como IBM e Microsoft, no entanto, nenhuma delas apresentou o seu projeto para a região. Durante os três anos seguintes, poucas informações oficiais foram fornecidas, para apreensão dos moradores e frequentadores da região. Devido aos sucessivos fracassos governamentais na tentativa de converter o “núcleo antigo” em um local atrativo para o mercado imobiliário, os investidores olhavam com desconfiança para o projeto e questionavam a capacidade do poder público de realizar as ações prometidas. Essa desconfiança dificultava os planos da prefeitura, pois, a ressignificação proposta para a região previa a construção de centros comerciais e para isso, contava com a vinda de grandes empresas para a região. Conta o folclore paulistano que, quando da construção do edifício Martinelli (na esquina das avenidas São João e Líbero Badaró) havia entre a elite paulista um grande receio sobre a segurança desse edifício, na época, o maior da América Latina. Essa insegurança afastava os possíveis locatários do edifício, e, para provar que seu arranha-céu era seguro, Giuseppe Martinelli construiu a sua residência no topo dele, elevando-o em mais cinco andares e, trazendo confiança para os possíveis investidores da época. Não há comprovação sobre a veracidade desse inusitado acontecimento, no entanto, é possível traçar um paralelo entre a suposta iniciativa de Martinelli na década de 1920 e a tática adotada pela prefeitura de São Paulo para alavancar o projeto Nova Luz, entre 2005 e 2009. Dada a dificuldade de atrair o setor privado para a região da Nova Luz, a prefeitura de São Paulo e o Governo do Estado mudaram o foco do projeto e decidiram que recheariam a Nova Luz com órgãos da administração direta e indireta dos governos do município e do Estado. Com esta nova configuração, que incorporava as mudanças ao projeto original, visando sanar o deficit de confiança do empresariado (especialmente do setor imobiliário), em maio de 2009, o prefeito Gilberto Kassab (2006-12) sancionou a lei de concessão urbanística38, e, com ela, a versão consolidada do projeto Nova Luz, contendo a previsão de áreas que seriam demolidas e/ou desapropriadas.

38 Lei nº 14.917, de 7 de maio de 2009.

50 O documento batizado de “Nova Luz – Programa de Requalificação Urbana”, produzido pela Empresa Municipal de Urbanismo (EMURB) e publicizado pela PMSP junto à lei de concessão urbanística, além de fornecer a previsão de loteamentos a serem desapropriados, é o primeiro documento oficial a fornecer um panorama das ações empenhadas entre 2005 e 2009 e a divulgar os objetivos do projeto, sendo eles: A retomada de espaços públicos e privados ocupados por atividades ilícitas; a renovação de edificações degradadas; o incremento do uso não-residencial do solo, e; o adensamento populacional. O documento da EMURB nos faz questionar inclusive o caráter urbanístico do Nova Luz, pois, ao descreverem as ações empreendidas pelo poder público entre 2005 e 2009, apenas ações policiais são listadas, como por exemplo, apreensões de produtos piratas, drogas e/ou armas de fogo, imoveis desocupados e prisões efetuadas. Além disso, enquanto a maior parte das metrópoles do mundo, visando combater os congestionamentos, buscam gerar empregos fora da região central, em São Paulo, o Nova Luz objetivava o aumento do uso não-residencial do solo no centro, e, apesar de falar em adensamento populacional, os dados expostos pelo documento demonstram que o número de residentes na região sofreria uma redução de 9%, ou seja, procurava-se aumentar o número de empregos enquanto diminuía a população da região, forçando que ainda mais pessoas tenham que se locomover da periferia ao centro para trabalhar. Os objetivos explicitados nesse programa foram balizados por diretrizes, também descritas no documento. Dentre elas, destaca-se a preocupação em “criar incentivos à produção imobiliária para mercado”. A preocupação em satisfazer os interesses do mercado imobiliário foi uma das marcas do projeto e trouxe consequências nefastas para moradores e comerciantes. Como a região era conhecida por contar com inúmeras ocupações urbanas – tradicional forma de pressão pela reforma urbana e ferramenta de redução do deficit habitacional na cidade de São Paulo – essas foram as primeiras vítimas da ação governamental. Desapropriações, ações judiciais e incêndios acidentais, tornaram-se frequentes. Em sua coluna na revista Carta Maior, Maricato (2012) descreve duas situações que tornar-se-iam corriqueiras na região da Luz: “Algumas ações não deixam dúvida sobre as intenções de quem as promove. Um incêndio, cujas causas são ignoradas, atingiu a Favela do Moinho, situada na região central, (próxima a cracolândia). Alguns dias depois, numa ação de emergência, a prefeitura contrata a implosão de um edifício no local sob alegação do risco que ele podia oferecer aos trens que

51 passam ali […]. Em seguida os dependentes químicos que frequentam a chamada ‘cracolândia’ são atacados pela polícia sem qualquer diálogo e sem a oferta de qualquer alternativa. […]”

Infelizmente, a repressão (com ou sem consentimento judicial) a camelôs, favelados, moradores de rua e usuários de crack, tornou-se prática corriqueira para a Polícia Militar do Estado de São Paulo. No entanto, a prefeitura conseguiu surpreender quando anunciou que nem mesmo os grandes comércios, com mais de 40 anos na região (alguns com faturamento acima de R$ 200 mil reais/mês), seriam poupados. A prefeitura não evitaria esforços para que se abrisse espaço aos interesses imobiliários. Ser tratado como os moradores pobres do bairro, causou alvoroço entre os setores de classe média da região que, até então, aplaudiam as ações policialescas na Luz. O vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas da Região, Luiz Cláudio Vieira, disse à época, em entrevista à Rede Brasil Atual que considerava “uma contradição criar um projeto de requalificação que vai destruir exatamente o que está em excelentes condições e até prédios novos” salientando ainda que “o resultado desse projeto é colocar no chão boa parte de um bairro histórico, bem estruturado e cheio de vida.” e, sobre o termo revitalização, ironizava “Sem vida devem estar as ideias do prefeito para propor esse tipo de coisa”. 39 E, foi assim que o prefeito Gilberto Kassab e o projeto Nova Luz, conseguiram contar com a antipatia até mesmo de setores historicamente afinados aos seus interesses. Ao se darem conta, que os empresários beneficiados pelo Nova Luz não seriam eles próprios, os pequenos e médios comerciantes da Santa Efigênia buscaram alinhar-se aos moradores de cortiços e ocupações da região para se opor ao projeto supostamente urbanístico. Antes do Nova Luz, conforme exposto no documentário “Nova Luz: Contra a cracolândia ou a favor da especulação” havia rixas até mesmo entre a Associação de Moradores da Luz (AMORLUZ) e os movimentos de ocupação urbana que atuam na região 40, no entanto, a lei de concessão urbanística e o início das demolições na região, expôs a necessidade de que esses movimentos se unificassem. Até mesmo a Associação de Comerciantes da Santa Efigênia que, outrora defendia reintegrações de posse nas ocupações 39 Contido na reportagem da Rede Brasil atual, de setembro de 2011 intitulada “Lojistas veem contradição da Prefeitura ao desapropriar bons imóveis para Nova Luz”. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/cidades/2011/09/lojistas-veem-contradicao-da-prefeitura-de-sp-aodesapropriar-imoveis-em-bom-estado-para-nova-luz 40 Destacam-se o Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) e o Movimento por Moradia na Região Central (MMRC).

52 da região, tornou-se aliado dos movimentos de moradia. Outro documentário, batizado “Um lugar ao Centro” aponta que o sentimento que possibilitou a composição destas alianças foi o medo. Os comerciantes tinham medo de serem obrigados a deixarem a Santa Efigênia, os locatários de imóveis temiam perder sua fonte de renda, os inquilinos sabiam que, caso continuassem a residir na área, o custo de vida subiria muito e os ocupantes de imóveis na região sabiam que, mais do que nunca, corriam risco de reintegração de posse. Dessa articulação antes inimaginável, surgiu a Associação de Moradores e Amigos da Luz (AMOALUZ) que defendia que os projetos urbanísticos para a Luz deveriam priorizar os grupos já presentes na região, seja morando ou trabalhando, e pautava a criação de moradias populares como prioridade para o projeto Nova Luz. A força política obtida da coligação entre moradores (ocupantes ou não) e comerciantes possibilitou o ingresso de Movimentos Sociais 41 no Conselho Gestor da ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) 5, órgão deliberativo sobre as intervenções urbanas no chamado “núcleo antigo”. No entanto, conforme Paula Ribas, presidenta da AMOALUZ, relata ao documentarista do “Um lugar ao Centro”, os movimentos sociais eram voto vencido dentro do conselho gestor que contava com a participação da subprefeitura da Sé, diversas secretarias municipais e estaduais e do SECOVISP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imoveis Residenciais e Comerciais de São Paulo), que, além de ter sido o proponente da Lei de Concessão Urbanística, financiou a campanha de 23 dos 42 vereadores que votaram a favor do projeto42. Dentro e fora do Conselho Gestor, a sociedade civil continuou lutando contra o Nova Luz, e, se por um lado o projeto avançava com inúmeras demolições, por outro, a resistência ao projeto também crescia e ganhava cada vez mais a empatia dos paulistanos. Não foram divulgados os números referentes as demolições efetuadas até maio de 2010 (período prévio a conclusão do processo licitatório para a concessão urbana), mas, sabe-se que não foram poucas, basta dar uma caminhada pelo local para visualizar os “buracos” deixados pelos edifícios derrubados.

41 Foram incorporados no conselho gestor da ZEI 5, além da AMOALUZ: a Associação de Idosos; a Câmara dos lojistas; a União de Luta dos Cortiços e a Frente de Luta por Moradia (FLM), entidade que congrega o MSTC e o MMRC. 42 “Maioria que aprovou Nova Luz recebeu doação de imobiliária” Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2404200916.htm

53 Uma das últimas demolições feitas pelo poder público, antes da entrega da área para a iniciativa privada, foi a da antiga rodoviária, iniciada em 12 de abril de 2010, e duas vezes interrompida pela justiça. Tal demolição foi um marco emblemático para o Nova Luz, pois, demonstra que o projeto, para abrir espaço ao mercado imobiliário, passaria por cima da história do bairro e da cidade. A suposta modernização do centro, não poderia conviver com o passado. Uma das empresas vencedoras do certame licitatório era uma velha conhecida de São Paulo. Tratava-se da companhia inglesa City conhecida pelas intervenções que fez na cidade ao longo de todo século XX, e dona de um longo histórico de lobby junto ao setor público. A City a rigor não venceu a licitação, mas, ainda assim, foi escolhida pelo prefeito Gilberto Kassab, através da contratação por dispensa de licitação. O Jornal Estado de São Paulo de 11 de maio de 2010, noticiou a escolha da seguinte forma: " […] A licitação da Nova Luz ocorreu de forma diferente. Em vez de escolher um projeto, o processo público optou pelo grupo considerado mais habilitado a propor as mudanças na região. […]"43 O Consórcio Nova Luz, liderado pela City contava ainda com o escritório de arquitetura

estado-unidense,

AECOM;

o

conglomerado

de

engenharia

nacional,

CONCREMAT, e; a consultoria da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O consórcio passou a operar oficialmente no dia 01 de julho e, de acordo com o cronograma pré estabelecido, deveria em um ano e meio apresentar uma proposta consolidada de ações a serem executadas na região (incluso nesse prazo, dois meses para análise por parte da sociedade civil). Porém, sem efetuar nenhuma consulta à sociedade, exatamente um ano depois, foi apresentada a versão final do projeto. Através do documento batizado como “Projeto Nova Luz, São Paulo, Brasil – Projeto Urbanístico Específico”, o consórcio descreveu com detalhes (ao longo de 200 páginas) o que pretendia fazer em cada um dos quarenta e oito quarteirões do perímetro do Nova Luz. Segundo o projeto, ao longo de 15 anos, 284.096 m² de edificações seriam demolidos para que fossem erguidos em seu lugar, 783.401 m² em arranhas céus, dos quais, 375.080 deveriam ser destinados ao uso residencial e 408.322 para o uso nãoresidencial. O valor estimado do projeto estava estimado em cerca de R$ 1,5 bilhão. No entanto, a City e as demais empresas do consórcio enfrentaram graves dificuldades em conduzir o Nova Luz. A resistência dos moradores crescia e o judiciário dava sinais de 43 “Prefeitura de São Paulo anuncia consórcio que fará projeto da Nova Luz” Disponível em: http://saopaulo.estadao.com.br/noticias/geral,prefeitura-de-sao-paulo-anuncia-consorcio-que-fara-projeto-da-novaluz,550293

54 contrariedade – tanto à forma, quanto ao conteúdo do projeto. Iniciou-se então uma longa batalha judicial, onde o projeto foi suspenso por 4 vezes – todas derrubadas por liminares impetradas pelo consórcio. No entanto, os processos judiciais, ao impedirem o trâmite licitatório da execução das obras paralisaram o andamento do Nova Luz, até que, passadas as eleições municipais, o novo prefeito da cidade, Fernando Haddad (2012 -) decidisse por abandonar o projeto devido a sua inviabilidade técnica e financeira. O novo prefeito afirmou que haviam pontos positivos no projeto e que um estudo detalhado seria produzido antes que novos projetos para a região fossem elaborados. Apesar da Lei de Concessão Urbanística ainda não ter sido revogada (o que gera grande receio por parte dos moradores e amigos da Luz), o formato de concessão está descartado por decisão judicial44. E assim, a velha Luz, perdeu alguns prédios e deteriorou-se ainda mais, mas, continuou sendo a residência de 11 mil pessoas, que venceram a batalha contra a gentrificação institucional promovida pela prefeitura e puderam permanecer em suas casas. A Luz também continua sendo a fonte de renda para quase 2 mil comerciantes e comerciários que fazem da Santa Efigênia o maior pólo de produtos Eletrônicos da América Latina.

44 Após a decisão do prefeito, a justiça proferiu nova decisão onde sentenciava que, para o projeto nova Luz ser continuado, necessitaria ser feito um novo projeto que não deixasse a cargo da iniciativa privada, decisões referentes sobre o gerenciamento do projeto.

55 5. …40 anos de fracassos governamentais.

Este capítulo efetuará uma análise comparada entre os quatro projetos urbanísticos apresentados no capítulo anterior. Para que essa análise possa produzir um resultado satisfatório, faz-se necessário um cuidado metodológico: Antes de tudo, é preciso delimitar cautelosamente, dentre os diversos atributos e características passíveis de serem utilizados, quais serão adotados na sua comparação. Dito isso, inicia-se esse capítulo apresentando a metodologia de comparação adotada. Como um primeiro parâmetro de comparação, serão debatidos os perímetros geográficos dos projetos e os contextos temporais em que se inseriam – buscando a compreensão acerca do momento político e socioeconômico vivido pelo país e o período urbanístico que vigorava no Brasil e no mundo no momento da formulação de cada uma das intervenções estudadas. Feito isso, o próximo passo será analisar as fontes de financiamento e a origem dos investimentos de cada um dos projetos, pois, estas nos darão elementos para a observação crítica a respeito das motivações e das diretrizes implícitas – ou, por vezes, explícitas – que norteiam cada uma das intervenções. Como diz a célebre frase: Siga o dinheiro.45 Outro aspecto que será analisado é o envolvimento dos atores, e, para isso, buscar-se-á responder as seguintes questões: Quem são os atores envolvidos em cada uma das intervenções; Como se dava a interação entre esses atores; Como era a interação entre cada um dos atores com o poder púbico; O que cada ator envolvido esperava/desejava da intervenção em questão, e; Quais eram os interesses de cada um desses atores. Por fim, será efetuada a análise da eficácia de cada um dos programas através da comparação entre os seus objetivos pretendidos (oficialmente e extraoficialmente) e os objetivos alcançados. As particularidades de cada um dos projetos implicarão que, algumas dessas questões não possam ser respondidas (ou possam sê-lo apenas parcialmente). De todo modo, os parâmetros aqui propostos ajudarão entender algumas das principais semelhanças e diferenças entre os projetos “Renovação da Luz”, “Luz Cultural”, “Pólo Luz” e “Nova Luz” e os motivos que os levaram a não obterem êxito. 45 “Follow the money” frase pronunciada por um fonte secreta do jornal Washington Post sobre a tentativa de assalto à sede do comitê eleitoral do Partido Democrata em Washington, em 1972.

56 5.1. Qual Luz pretendiam transformar?

Mapa 4: Mapa síntese dos quatro projetos analisados..

A territorialização do município de São Paulo tem como unidades mínimas os distritos. A configuração atual é relativamente recente, de 1986, e, por isso, somente dois dos projetos estudados fizeram uso desta repartição. O projeto Nova Luz está compreendido pelo distrito da República, mas, aparentemente, os distritos não foram considerados na definição perimetral feita por Regina Meyer e Cunha Lima no programa Pólo Luz – uma vez que o projeto mescla logradouros dos distritos do Bom Retiro e da República. Antes da configuração distrital que possuímos hoje, tivemos a distritalização que coincidia com a divisão dos distritos policias da cidade (DPs) e que vigorou durante a ditadura militar. Por essa divisão, a Renovação da Luz abrangeria a totalidade da área do distrito da

57 Santa Efigênia46 e uma parte do distrito do Bom Retiro, enquanto que o Luz Cultural atingiu, além desses, o distrito da Santa Cecilia. Atualmente, os noventa e seis distritos do município de São Paulo estão inseridos dentro de alguma das trinta e duas subprefeituras existentes. As subprefeituras não são somente uma divisão territorial, mas, também, administrativa e portanto, ao contrário dos distritos, que são apenas uma divisão abstrata, possuem uma sede, um espaço físico e concreto onde atuam técnicos, burocratas e gestores municipais. Por esse motivo, têm conseguido tornar-se um conceito conhecido pelos habitantes do município, que vêm ali o espaço de contato mais próximo entre governo e governados. O programa Nova Luz foi desenvolvido em conjunto por diversas secretariais municipais e estaduais e também pela subprefeitura da Sé, a responsável pelo distrito da República – área onde estava inserida o projeto. A busca pela otimização da divisão administrativa e territorial do município de São Paulo inicia-se, no entanto, com o Plano Urbanístico Básico, em 1968, onde institui-se as Administrações Regionais (ARs). Apesar da similaridade com as atuais subprefeituras, as Administrações Regionais funcionavam como secretarias municipais destinadas a atender uma determinada região que possuía demandas específicas (Delorenzo Neto, 1986). O número de ARs variou a cada gestão, inicialmente foram criadas dezesseis (Scarfoni Filho, 1981), mas esse número mais do que dobrou e atingiu a marca de trinta e três na gestão de Jânio Quadros (1986-88) sendo posteriormente reduzido a vinte por Luíza Erundina (1989-1992), antes de o modelo ser extinto durante a gestão de Paulo Maluf (1993-96)47. Os programas Renovação da Luz, Luz Cultural e Pólo Luz foram ações desenvolvidas dentro do perímetro da Administração Regional da Sé – a que menos sofreu mutações ao longo dos quase trinta anos em que esse modelo de divisão administrativa vigorou. Com o intuito de facilitar a visualização deste confuso emaranhando territorial e administrativo, a tabela abaixo apresenta todos os projetos estudados e os agrupa na territorialização utilizada atualmente (de 96 distritos e 32 subprefeituras). Percebe-se assim, que todos os projetos foram desenvolvidos no âmbito da subprefeitura da Sé, mas, quanto a divisão distrital, quatro distritos diferentes receberam projetos voltados à área da Luz.

46 Na reconfiguração feita em 1986, o distrito da Santa Efigênia dividiu-se entre os distritos da República, da Sé e do Bom Retiro. 47 DI GIUSEPPE, Diana Teresa e MARTINS, Maria Lúcia Refinetti, 1998.

58 Divisão territorial e administrativa Projeto

Territorial

Administrativa

Distritos (pré 1986)

Distritos (pós 1986)

AR

SUB

Renovação Da Luz

Bom Retiro, Santa Ifigênia

Bom Retiro.





Luz Cultural

Bom Retiro, Santa Ifigênia, Santa Cecilia.

Bom Retiro, República, Santa Cecilia, Sé.





Pólo Luz

-

Bom Retiro, República.





Nova Luz

-

República.

-



Tabela 3: Inserção distrital e administrativa dos projetos urbanísticos da Luz

Evidencia-se dessa maneira que frente a inexistência de uma demarcação de bairros 48, o poder público permite-se utilizar a definição que melhor lhe convir em cada momento. Sorte diferente teríamos caso a repartição intradistrital prevista na Lei de zoneamento municipal de 1972 houvesse sido continuada e aprofundada. No zoneamento da década de 1970, os perímetros intradistritais aproximavam-se de uma forma bairral de divisão territorial. O perímetro Z8007, a área de intervenção do programa Renovação da Luz, é denominado na lei como “área da Luz” e, ao elaborarem suas delimitações, mantiveram o perímetro original do bairro fundado no século XVII. Os campos da Luz (ou do Guaré) localizavam-se entre as margens inundáveis dos rios Tamanduateí e Tietê (Dick, 1997) e, como toda freguesia do período colonial, possuíam uma igreja em seu centro, a capela de Nossa Senhora da Luz do Guaré – atual museu de arte sacra.

48 O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de 2004 (PDDI-04) em seu artigo número 43 prevê que a prefeitura deve “[…] Estabelecer a divisão da cidade em bairros e estipular a delimitação e a denominação correspondente a cada um deles […]”. No entanto, até o momento o cumprimento deste artigo segue pendente.

59

Mapa 5: O perímetro do projeto Renovação da Luz e os seus pontos centrais. Na imagem da esquerda, as estações de metrô e na imagem da direita, o seu marco fundador, o mosteiro da Luz. Imagem produzida com base nas informações de Franco et al, 1977 com auxílio do software Google Earth.

O zoneamento setentista conseguia fazer com que o bairro não se desvencilhasse de suas origens (mantendo o mosteiro como ponto central do perímetro) e ao mesmo tempo, servia como ferramenta de planejamento urbano, tendo como centro o eixo do metrô e preparando a região para as mudanças vindouras derivadas da chegada desse novo meio de transporte na região. O descritivo do perímetro Z8007 passou a ser apresentado por mapas e guia de ruas como bairro da Luz. Guias impressos como o MAPOGRAF 2015 e o Quatro Rodas 2014 e digitais como o MAPLINK, o Nokia Here e o Google Maps, em suas versões mais recentes ainda apresentam a área da Luz com perímetro similar ou idêntico ao da lei de 1972. Ao digitarmos “bairro da Luz” no serviço de busca do Google Maps, o sistema nos retorna um mapa com uma área circundada entre a linha férrea (ao sul) e a Marginal do Rio

60 Tietê (ao norte) e as avenidas Tiradentes, Santos Dumont e do Estado (ao Oeste) e Cruzeiro do Sul e do Estado (ao leste). Na imagem abaixo está o perímetro apresentado pelo sistema de localizações do Google – a linha que circunda o perímetro foi reforçada pelo autor deste trabalho para facilitar a visualização.

Mapa 6: Perímetro apresentado pelo serviço de mapas da empresa norte-americana Google ao buscarmos os termos "bairro da Luz". Disponível em: https://maps.google.com.br

A área apresentada pelo site de buscas é a metade leste do perímetro definido pela lei de zoneamento de 1972, enquanto que, a parte oeste, é reconhecida nos principais guias de ruas como Bom Retiro. Se o programa de Renovação da Luz, não esteve restrito ao interior de um único distrito, ao menos buscou utilizar-se da lei de zoneamento municipal (que, por sua vez, buscava aproximar-se dos limites históricos bairro). Mas, como veremos a seguir, os demais

61 projetos não utilizaram a jurisdição oficial para batizar os seus perímetros. O programa Luz Cultural, por exemplo, prezava pela mescla de parques arborizados e equipamentos culturais atrativos, e, por isso, utilizou o Parque da Luz como seu marco zero pretendendo revitalizar a região ao entorno dele, transformado-o em uma versão paulistana do Central Park.

Mapa 7: Área do projeto Luz Cultural. Ao centro, o Parque da Luz. Produzida com base as informações contida em KARA JOSÉ, 2007 utilizando o software Google Earth.

O programa Pólo Luz nunca existiu oficialmente, tratando-se apenas de um conjunto de políticas, das quais as mais importantes eram o Programa de Revitalização de Áreas Ferroviárias (PRAF) e o Programa de Preservação do Patrimônio Cultural – que mais tarde se converteria no programa MONUMENTA-BID. Como o PRAF, foi o primeiro projeto do governo Covas para intervenção na região, este foi fundamental na definição do perímetro; e, por tratar-se de um programa federal, cujo financiamento estava atrelado às intervenções próximas às áreas das antigas linhas férreas, convencionou-se que o eixo central do programa Pólo Luz seria a linha do trem.

62

Mapa 8: Perímetro do projeto Pólo Luz com a linha férrea em negrito ao centro. Imagens produzida com auxilio do software Google Earth.

Para analisar os perímetros dos programas Luz Cultural e Pólo Luz partiu-se da identificação de elementos desses projetos que pudessem justificar o recorte territorial adotado por cada um deles. Coincidentemente, o Parque da Luz, no caso do Luz Cultural, e a linha férrea, no caso do Pólo Luz, ocupavam o centro geográfico do perímetro abordado. Fazendo o procedimento inverso para o Nova Luz, primeiramente identifiquemos o seu centro geográfico e a posteriori analisemos os significados dessa escolha.

63

Mapa 9: Perímetro do programa Nova Luz com o seu centro geográfico destacado. Mapa produzido com o auxílio do software Google Earth.

A área identificada na imagem acima é correspondente aos principais quarteirões do centro comercial conhecido como Santa Efigênia. Além da rua que batiza a região, conhecidos logradouros perpendiculares (como as ruas Aurora e Vitória) e paralelos (rua dos Andradas e rua do Triunfo) ocupam a área mais central do projeto, demonstrando que: 1)O projeto Nova Luz não estava voltado à região da Luz, mas, sim, para uma região popularmente conhecida (e reconhecida pelos principais guias de ruas) como Santa Efigênia, e, como consequência; 2) Era a Santa Efigênia e não a cracolândia o alvo central do projeto Nova Luz.

64 Apesar de os discursos oficiais estarem centrados no combate à cracolândia, como descrito na seção 4.4 havia outros alvos. Não há como negar que Serra e Kassab pretendiam por fim ao quadrilátero do crack – o empenho de suas ações não deixa espaço para dúvida – no entanto, a remoção de usuários de crack de uma determinada região era uma tarefa policial rotineira durante essas gestões e, por contar com o apoio da opinião pública, tornava-se relativamente fácil. No entanto, o Nova Luz pretendia algo maior: Expulsar moradores e comerciantes que estavam em dia com suas obrigações para demolir quarteirões inteiros e finalmente abrir espaço para o mercado imobiliário agir na região. Quando os cassetetes não foram suficientes, apelaram para a lei. Se não podiam remover as pessoas na base da força, decretaram que toda a região era de utilidade pública, e, que, portanto, poderia ser expropriada (mediante o pagamento de indenização). Por fim, é interessante notar que o Nova Luz é o único dos projetos que não está inserido ainda que parcialmente no distrito do Bom Retiro e que seu perímetro é o que menos coincide com os demais projetos, não tendo sequer um ponto de intersecção com os programas Renovação da Luz e Luz Cultural.

5.2. Quando pretendiam transformar a Luz?

Inegavelmente, o mundo em 2012 não era igual ao que foi em 1972. Guerras começaram e terminaram em meio a essas quatro décadas. Países surgiram na mesma velocidade em que se desintegraram grandes nações. Muros caíram, e não só na Alemanha , afinal, o advento da internet subjetivou as fronteiras nacionais. No Brasil, o período mais sombrio de nossa história, a ditadura militar, saiu de seu auge e foi abolido em 1985. Uma nova constituição foi promulgada em 1988. Superamos o fantasma da inflação, mas, não sem antes, termos tido cinco padrões monetários distintos. A população do estado de São Paulo, saltou de 17 para 42 milhões e a do município saiu de 5,5 para 12 milhões de habitantes. A mancha urbana da cidade se expandiu e “engoliu” cidades vizinhas. Foram 12 prefeitos no período. 10 governadores. Nenhum planejamento efetivo. Frente a um período de análise tão abrangente, é preciso compreender a conjuntura municipal, estadual, nacional e global no momento de cada um dos projetos. Além disso,

65 como vimos no capítulo 2, o próprio urbanismo passou por evoluções neste período e, ao menos, três vertentes foram predominantes ao longo dos 40 anos estudados por este trabalho. Dentre os quatro projetos, somente um – a Renovação da Luz – foi formulado durante a ditadura militar. Os outros três foram pensados em momentos diferentes do amadurecimento democrático brasileiro. O Luz Cultural começou a ser pensado no apagar das luzes do regime militar, não chegou a vigorar simultaneamente à nova constituição e conviveu com a inflação galopante dos anos 80. O Pólo Luz, por sua vez, foi beneficiado por uma situação política e econômica muito melhor, ainda que o Brasil tenha sofrido uma forte crise econômica no final dos anos 90, já o Nova Luz foi acompanhado por um forte crescimento econômico nacional e um maior respaldo do Brasil no cenário internacional. O programa de Renovação das Áreas Centrais de 1972 e sua vertente aplicada à área da Luz, começou a ser elaborado em plena expansão municipal. Amparada pelo chamado “milagre econômico”, a cidade seguia crescendo e com a construção da Cidade Universitária, do Estádio do Morumbi e do Palácio dos Bandeirantes atravessara o outrora distante rio Pinheiros. O Banco Nacional da Habitação construía moradias populares cada vez mais longe do centro e o modelo de cidade criado pelo Plano de Avenidas de Prestes Maia estava a todo vapor. Em meio a esse cenário, o Plano Urbanístico Básico (PUB) foi desenvolvido, visando ordenar o crescimento do município e preparar a cidade para a chegada do metrô. Para concretizar a aplicação das metas do PUB, o banqueiro e então governador Laudo Natel (1971-1975) nomeou o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAUUSP), José Carlos de Figueiredo Ferraz, para ser o prefeito da capital paulista e pensar a lei de zoneamento municipal, da qual, a Renovação da Luz, foi uma consequência. Após um curto mandato – interrompido de maneira precoce devido, justamente, a sua discordância sobre o ritmo de expansão do município – quis o destino (ou a ARENA) que fosse outro banqueiro, Olavo Setúbal, o responsável por arquivar o programa de Renovação da Luz, indiretamente iniciado por Laudo Natel. “José Carlos de Figueiredo Ferraz disse uma frase que se tornou emblemática: ‘São Paulo precisa parar de crescer’. Mal interpretado na época, foi exonerado por Laudo Natel. Ferraz falava com conhecimento de causa, pois sabia que o poder municipal não poderia prover esse crescimento urbano com os serviços básicos necessários.” (PARRON, 2004)

66 Eram os anos 70, e, em todo o mundo, assistia-se a uma tendência centrífuga que fazia as cidades se expandirem. A vertente da renovação urbana incentivava esses processos expansionistas e era a mais benquista no mundo dos urbanistas, por isso Figueiredo Ferraz e seu colega professor da FAU-USP, Luiz Roberto Carvalho Franco, que não concordavam com a utilização estritamente comercial do centro de São Paulo, deram ao seu ousado projeto a alcunha de “renovação” - mesmo que o programa de Renovação das Áreas Centrais nada tivesse em comum com as renovações urbanas em curso nas principais cidades europeias e norte-americanas. O programa de Renovação da Luz, assemelhava-se de certa forma ao modelo de revitalização em curso na Europa, afinal, um de seus pilares era ampliar a densidade populacional da área central da cidade, aproveitando-se do recém-implementado metrô, para reduzir o tempo médio dispendido com a mobilidade, no entanto, distancia-se dos demais processos de revitalização vividos na América Latina, por possuir aspectos anti-especulativos, que, provavelmente foram a razão que levou tal intervenção a ser abortada. Se nos anos 1970, prefeitos eram depostos por crerem que a cidade deveria parar de crescer, na década seguinte a ideia de expansão ilimitada do município já soava como absurda. Ganhavam força os ideais da revitalização urbana que defendiam cidades compactadas, com centros urbanos de uso misto – alternando estabelecimentos culturais, um forte comércio e uma alta densidade habitacional. A adaptação paulistana a esse ideário, no entanto, adquiriu contornos inusitados. Cunha Lima e Regina Meyer aplicavam mecanicamente os conceitos europeus à realidade de São Paulo, muitas vezes desconsiderando importantes aspectos desta. Em seus documentos, retratavam um centro vazio, inabitado e pouco frequentado, o que em nada correspondia à realidade da região, que nos anos 50 e 60 vivera o “boom” das quitinetes e vira sua população aumentar. Além disso, o processo de migração do centro comercial da cidade nunca foi concluído, e a região ainda concentrava algumas centenas de milhares de postos de trabalho 49 que mantinham as suas ruas com um grande movimento. O projeto Luz Cultural, a política de Covas, Cunha Lima e Meyer para revitalizar a Luz, inspirava-se no exemplo de Greenwich Village, em Manhattan, e, pretendia fazer a região 49 Ainda em 2012, os distritos do chamado núcleo antigo mantinham-se como um importante pólo gerador de empregos. Sé; República; Bom Retiro, e; Santa Cecília, possuíam respectivamente 102.695, 172.971, 67.372 e 68.850. Sendo a República o terceiro distrito com mais postos de trabalho na cidade e a Sé, o quinto. Fonte: InfoCidade.

67 da Luz “voltar” a ser frequentada, utilizando-se dos equipamentos culturais, mas, como vimos na seção 4.2 havia uma “forma de vida” preferida para a região, a expectativa da “Revitalização” era que a abastada população da zona sudoeste (Moema, Itaim Bibi, Morumbi, Pinheiros, Higienópolis e Jardins) passasse a frequentar os equipamentos culturais da Luz. A crise econômica e financeira que o Brasil atravessa nos 80 prejudicou a implementação do projeto, que, apesar do investimento privado, acabou encerrado devido a falta de recursos. Os arquitetos do Luz Cultural, como visto anteriormente, articularam ao longo dos oito anos seguintes, instrumentos que os auxiliassem na capitalização, para que, já sob o Plano Real, e, consequentemente, com o controle da inflação, pudessem retomar o seu projeto. O cenário agora era de enxugamento do Estado e o BANESPA e a TELESP (dentre outras empresas públicas paulistas) estavam na mira do processo de privatização. Era o Brasil do Estado gerencial e as organizações não governamentais adentraram de vez a cena política e interfeririam, para o bem ou para o mal, na agenda pública, ao mesmo tempo em que as Parcerias Público-Privadas (PPPs) também tornaram-se comuns e converteram-se em práticas usuais nos processos de intervenção urbana. O urbanismo noventista já se pautava pelo modelo da requalificação. O pensamento padrão era dar novos sentidos às coisas. Transformar uma estação ferroviária em centro cultural e sala de concertos foi o marco inaugural de São Paulo no urbanismo contemporâneo, no urbanismo requalificador. As políticas urbanísticas que constituíam o projeto Pólo Luz fizeram uso de recursos financeiros oriundos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (tratar-se-á com mais profundidade sobre o tema do financiamento na seção 5.3) e, dessa forma, ficaram sujeitos as variações cambiais sofridas no período. Segundo dados do Banco Central, a taxa de conversão do dólar no primeiro ano do governo de Mário Covas, 1995, foi de em média R$ 0,91 x US$ 1,00 e ao longo de 2002 chegou a marca de R$ 4,00 x US$ 1,00, o que ocasionou um hiperinvestimento nos contratos firmados em dólar que permitiram os altos gastos na recuperação de prédios históricos como a Pinacoteca e as estações Luz e Júlio Prestes e a construção da luxuosa Sala São Paulo. Na primeira década do novo milênio, a ampliação do acesso ao crédito e a política de financiamento de longo prazo do BNDES fizeram com que o Brasil – e São Paulo, em

68 especial – presenciasse uma grande expansão do mercado imobiliário. Novos prédios surgiam em todos os lugares da capital paulista. Os rentistas e especuladores lucravam como nunca, e, ainda assim, não aceitariam perder sequer um metro quadrado da cidade. Não se conformavam em ver aquele centro comercial e a mal fadada região da Cracolândia existindo a poucas quadras de Higienópolis. Para atuar nessas áreas, elaboraram junto ao poder público, o projeto Nova Luz. A requalificação urbana estava em voga em toda a cidade, algumas fábricas abandonadas foram convertidas em espaços culturais, mas, a área do Nova Luz, segundo seus formuladores, necessitava de intervenções mais drásticas. O Nova Luz, se autointitulava parte da vertente do urbanismo renovador, e, ao contrário do projeto de Renovação da Áreas Centrais de 1972, de fato guardava similaridades com os projetos europeus e norteamericanos dos anos 1960. Propunha-se demolir quase 60%50 da área construída do bairro para ceder espaço a construções “modernas”, isto é, de acordo com os parâmetros – de lucro, principalmente – do mercado imobiliário. Conforme cresciam os investimentos especulativos na cidade, também fortaleciam-se os movimentos de ocupação urbana por moradia. Esses movimentos passaram a ter relevância na agenda política a partir dos anos 2000 e foram decisivos em todos os projetos urbanísticos pensados a partir de então. A área da Luz estava entre as regiões com mais edifícios ocupados, dentre eles, a maior ocupação urbana da América Latina, a ocupação Mauá, estava localizada próxima à região – a dois quarteirões de distância do perímetro do projeto Nova Luz. Uma vez descritos os elementos conjunturais que mais interagiam com os projetos estudados, a tabela 4, procura sintetizar as informações deste subcapítulo.

50 “Estão previstas intervenções urbanísticas, com desapropriações e demolições de até 60% das construções de 45 quadras do bairro” (SOUZA, 2011)

69 Projeto Urbanístico

Conjuntura Política

Econômica

Municipal

Urbanística.

Auge do “milagre econômico”. Crescimento do PIB de, em média, 8,3%.

Cidade em expansão, ocupando áreas cada vez mais distantes do centro.

Revitalização urbana no modelo europeu.

Renovação da Luz

Ditadura militar (governo Médici).

Luz Cultural

Pós boom das Transição da Inflação galopante quitinetes; Revitalização ditadura para (135% em 198551). Redução no ritmo de urbana. a democracia. cresc. populacional.

Pólo Luz

Democracia (governo FHC) e Reforma Bresser.

Nova Luz

Democracia (Gov. Lula)

Estabilização da inflação; onda privatista; Caos na mobilidade valorização do US$, e; Revitalização urbana das grandes baixo crescimento urbana. cidades. econômico (PIB cresceu em média 2%). Política de expansão do crédito; Facilitação de financiamentos via BNDES, e; Alto crescimento econômico (PIB crescendo 5,5% aa.)

Mercado imobiliário em alta; elevação dos preços dos imoveis; alta Renovação concentração de urbana propriedades; vazios urbanos propositais, e; fortalecimento das ocupações urbanas

Tabela 4: A conjuntura urbanística, municipal, econômica e política no momento da formulação e implementação de cada um dos projetos estudados. Dados sobre o PIB extraídos da série histórica do IBGE.

5.3. Quem pagava para transformar a Luz?

Apesar da relevância dessa seção para a compreensão do todo do trabalho, esta será marcada por uma impossibilidade. Como o projeto “Renovação da Luz” não foi implementado, não é possível que avaliemos empiricamente a sua fonte de financiamento e, como em seu escopo teórico proposto não se fazia menção a captação ou origem dos recursos, tampouco será possível analisar de forma teórica, ainda que tudo indique que os recursos viessem dos cofres municipais, como de prexa na administração pública setentista. 51 MUNHOZ, 1997.

70 Iniciemos então, em 1985, quando da implementação do programa Luz Cultural. Nesse momento, as práticas de financiamento privado para empreendimentos do poder público não eram muito comuns, ainda assim, através de doações de equipamentos, algumas empresas como a Philips e a IBM apoiaram o projeto que não contou com nenhum incentivo dos demais entes da federação. Vale lembrar que devido às crises econômica e financeira vividas pelo Estado brasileiro nos anos 1980, o então prefeito Mário Covas gostava de anunciar que tratava-se de um projeto “não-financeiro” e que, devido ao seu baixo custo, não geraria gastos extras ao orçamento público, salvo os gastos de custeio que já estavam previstos. Ao constatarem que um dos principais problemas do Luz Cultural foi a falta de recursos, Prospery Meyer e Cunha Lima empenharam-se em obter fontes (públicas ou privadas) de financiamento. Os esforços, aparentemente, foram bem-sucedidos, afinal, nove anos mais tarde, a nova versão do Luz Cultural – o Pólo Luz – contou com três fontes de financiamento principais: Empresários, de todos os portes que investiam montantes variados através da Associação Viva o Centro e que almejavam obter melhorias em seus arredores; o governo federal que fazia transferências correspondentes ao número de obras em andamento em regiões amparados pelo Programa de Renovação das Áreas Ferroviárias, e; a partir de 1997, do BID que, através do programa MONUMENTA, auxiliava na preservação da história e da cultura dos países latino-americanos. Ao não se configurar como uma ação específica e sim, como um conjunto de intervenções, o Pólo Luz teve ao mesmo tempo, o mais complexo arranjo institucional e os mais diversificados financiamentos, que lhe permitiram um longo período de implementação sem que enfrentasse escassez de recursos. Ao analisarmos essas fontes de financiamento, notamos o papel de destaque desempenado pelo terceiro setor na gestão das iniciativas do projeto Pólo Luz. A coordenação de projetos públicos por intermédio do terceiro setor (trataremos com mais profundidade sobre o assunto na seção 5.4) é característica do modelo gerencial de administração pública que foi implementado no Brasil através da Reforma do Aparelho do Estado, feito nos primeiros anos do governo de FHC. Ao contrário do Pólo Luz, em que o Estado gerenciava o investimento privado, o programa Nova Luz, ao contrário, contaria com a gerência privada dos recursos públicos. Ainda que tenha optado pelo modelo de concessão urbanística, o poder público realizou os

71 investimentos iniciais, visando atrair o setor privado. Conforme o documento da EMURB (2009) ao longo dos anos haveria a substituição desses investimentos, de forma que o Estado fosse gradualmente substituído pelo setor privado. Para possibilitar essa substituição gradual, institui-se através da Lei Municipal 14.096 de 08 de dezembro de 2005, o Programa de Incentivos Seletivos 52 que previa incentivos fiscais para qualquer pessoa (física ou jurídica) que despendesse montante igual ou superior à cinquenta mil reais em intervenções que, segundo avaliação do COLUZ (Conselho do Programa de Incentivos Seletivos da Luz) promovessem o desenvolvimento do bairro. Os abatimentos se dariam no IPTU, no ITBI-IV (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis “Inter Vivos”) e no ISS, conforme incisos II, III e IV do Art. 2º da lei supracitada: “[…] II – redução de 50% (cinquenta por cento) do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, referente ao imóvel objeto do investimento; III – redução de 50% (cinquenta por cento) do Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos” de Bens Imóveis – ITBI-IV, referente ao imóvel objeto do investimento; IV – redução de 60% (sessenta por cento) do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS incidente sobre os serviços de construção civil referentes ao imóvel objeto do investimento. […]”

Além dos abatimentos fiscais, os investidores ainda seriam beneficiados com o Certificado de Investimento em Desenvolvimento (CID) de até 80% do valor investido. Supondo que um edifício destinado a prestação de serviços e cujo valor de venda é avaliado em R$ 1.000.000,00 passe por uma obra de restauro, para a qual, sejam feitos investimentos da ordem de R$100.000,00, o “investidor” em questão receberia um CID de R$ 80.000,00 e, em base à alíquota de 2010, obteria desconto de R$ 10.000,0053 no IPTU. Além disso, caso vendesse o imóvel, seria beneficiado por abatimento de 50% no ITBI que resultaria em um decréscimo de mais R$ 10.000,00, ou seja, ao final da transação, receberia de volta a totalidade do valor investido. 52 Regulamentado pelo Decreto Municipal 46.966 de 13 de fevereiro de 2006. 53 Segundo o decreto 51.357/10, a alíquota do IPTU para imóveis não residenciais seria de 1,5% que deveria ser somado a uma taxa variável relacionada ao valor do imóvel, que, para imoveis de mais de R$720.000,00 seria de 0,5%, totalizando 2% de IPTU, ou seja, R$20.000,00.

72 O objetivo de o parágrafo acima estar repleto de números é evidenciar que, apesar da gestão do projeto ser privada, a principal fonte de financiamento do programa Nova Luz foi o próprio poder público municipal e a sua suposta substituição gradual não ocorreria de fato, visto que os investimentos feitos pelo setor privado seriam quase integralmente subsidiados pelo Programa de Incentivos Seletivos. Através do Programa Ação Centro, o BID 54 e os governos Estadual e Federal repassaram recursos ao projeto que poderiam ser utilizados em políticas sociais, habitacionais e urbanísticas e, apesar da falta de clareza nos dados orçamentários, é possível que parte desse montante também tenha sido utilizada para o Programa de Incentivos Seletivos na região. Dessa forma, podemos observar que os investimentos privados (inclusive, os não coordenados) seriam priorizados e contariam com o apoio do poder público. Eram diversas fontes de financiamento, mas, quem decidia como gastá-las era o proprietário do imóvel. A tabela abaixo busca expor de forma sucinta informações referentes às fontes de financiamento dos projetos estudados.

Fonte de financiamento

Programa Luz Cultural

Pólo Luz

Nova Luz

Municipal Estadual Federal 3º setor Setor Privado Fomento Internacional

Tabela 5 Fonte de financiamento dos projetos Luz Cultural, Pólo Luz e Nova Luz.

54 Segundo relatório de gestão apresentado no término da gestão de Marta Suplicy, dos US$168 mi recebidos no programa MONUMENTA-BID, US$ 85 milhões foram gastos em 2003, no primeiro ano do projeto. Esses números são contestados por outros autores e podem ser até dez vezes menores.

73 5.4. Quem atuava para transformar a Luz?

Nos capítulos e subcapítulos anteriores muito foi falado sobre os processos que, entre 1972 e 1975, originaram o projeto de renovação da Luz. Como já dito, o então prefeito, José Carlos Figueiredo Ferraz, arquiteto e professor da FAU-USP escolheu o escritório de arquitetura Rino Levi , do também professor da USP, Luiz Roberto Carvalho Franco para elaborar o projeto urbanístico. Apesar de todas as qualidades que esse projeto apresenta, especialmente no âmbito social, não há relatos de que tenha havido algum grau de mobilização do poder público para que a população fosse consultada. Ao que tudo indica, não só o processo de elaboração e formulação, como também o papel de articulação e pressão em prol do projeto ficaram a cargo dos técnicos e arquitetos do escritório Rino Levi, da EMURB e da prefeitura de São Paulo e, provavelmente, contaram com grande amparo técnico e científico da academia. Se do lado “pró” renovação da Luz os atores foram apenas alguns poucos técnicos, burocratas e intelectuais, no lado dos contrários não foi diferente. Não existiu debate público e aberto sobre o projeto de Renovação da Luz. Não houve declarações públicas contrárias, com exceção do próprio veto. O regime ditatorial em vigor inibia as discordâncias, restringindo os espaços de tomada de decisão a alguns círculos restritos, dessa forma, pouco se sabe sobre quem exerceu pressão contrária ao projeto, ainda que tudo indique que o mercado imobiliário tenha ficado insatisfeito com as propostas apresentadas. Quando a situação política esteve mais favorável, foi a situação econômica que justificou a restrição dos instrumentos de participação e pressão. Como não pretendia gerar novos gastos, o prefeito Mario Covas precisou engajar o seu secretariado (e os técnicos e gestores das secretarias) no projeto Luz Cultural, ajudando-o com a obtenção de recursos e, em contrapartida, procurando influenciar o projeto e participar da formulação do mesmo. Criou-se assim uma ampla articulação de órgãos da administração direta e indireta dos governos municipal e estadual que envolvia as pastas de transporte, turismo, cultura, educação e segurança pública. Dessa feita, todos os atores envolvidos no projeto eram do poder público e viam o Luz Cultural por sua própria ótica, buscando maior visibilidade para seu órgão. Entre o final dos anos oitenta e o início dos anos noventa, alguns dos ex-secretários de Covas fundaram a Associação Viva o Centro buscando acumular capital político, financeiro e

74 técnico para pautar as políticas públicas na região central da cidade. A AVC se tornaria, ao longo da década de 90, o principal agente da sociedade civil a tratar sobre as áreas centrais. Foi através da AVC que mesmo antes da vitória eleitoral de Covas em 94, o Pólo Luz começou a ser formulado. Ao aderir ao Programa de Renovação das Áreas Ferroviárias de Fernando Henrique Cardoso, o Governo de São Paulo reduziu por um lado sua dependência dos recursos privados mas, por outro, incluiu o consórcio MRS55 na arena da implementação das políticas urbanísticas no centro de São Paulo. Um último ator que desempenhou papel de destaque na elaboração e implementação do Pólo Luz foi o BID. A linha de financiamento MONUMENTA-BID impunha os seus próprios parâmetros de conservação em detrimento das normativas do IPHAN. Como é de costume nas práticas de fomento internacional, o BID acompanhou todo o processo de formulação, elaboração, implementação e monitoramento das políticas que financiou. Como podemos notar, os principais atores do Pólo Luz eram também seus financiadores. No entanto, há de se salientar uma notória diferença entre o Pólo Luz e os programas anteriores: A presença de atores não-estatais. Quem elaborou a maior parte das políticas públicas que compunham o programa Pólo Luz foi a Associação Viva o Centro, uma organização não governamental que atuava como intermediadora entre o setor público e o privado, apesar de ser composta exclusivamente por membros do último. Na década de 90, a gerência direta do setor privado sobre o bem público ainda não era benquista, e, por isso, essa participação se deu de forma velada. No entanto, no programa Nova Luz, o Estado transferiu a gerência do projeto urbanístico diretamente para um consórcio empresarial, sem sequer utilizar-se da camuflagem das ONGs e fundações. Ao longo dos anos 90 as ferramentas do estado gerencialista foram sendo constantemente “aprimoradas” e cada vez mais o Estado era substituído por organizações do terceiro setor. OSS (Organizações Sociais de Saúde) e OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) passavam a administrar as atividades não exclusivas – Como a saúde, a cultura e a educação. Consórcios empresariais passaram a administrar rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Mas, o consórcio urbanístico foi uma inovação, trazida pelo 55 O consórcio MRS foi formado em 1996 na ocasião do leilão de privatização da malha ferroviária brasileira, nessa ocasião venceu o pleite para dois dos trechos leiloados – os referentes as antigas superintendências de Juiz de Fora e de São Paulo – os quais opera até hoje.

75 programa Nova Luz e transferia até mesmo a gestão territorial e o planejamento urbano para a iniciativa privada, através do consórcio urbanístico. O Consórcio Nova Luz foi o principal ator do projeto Nova Luz, sendo o responsável pela confecção da versão final (consolidada) do projeto

- publicada em 2011 56 - e

protogonista dos principais imbróglios referentes a este. As companhias que integravam o consórcio: City, Concremat, AECOM, e FGV-SP tinham interesses distintos na área, mas, ao se conformarem enquanto consórcio, passam a atuar como uma força coesa. Dois atores antagônicos passaram a ocupar papel de destaque na vida urbana de São Paulo ao longo da década de 1990: Os agentes da especulação imobiliária e os movimentos de ocupação. Ambos já existiam desde os primórdios do século XX, mas, na virada do milênio passaram a ter ainda mais notoriedade. O aquecimento do mercado transformou o investimento imobiliário em um dos mais lucrativos do país, estimulando a atuação de especuladores. Os especuladores adquiriam propriedades nas áreas centrais e degradadas da cidade e mantinham-nas vazias, reduzindo dessa forma a oferta para incidir sobre a curva de demanda, buscando elevar o preço médio dos aluguéis no centro, enquanto aguardavam que alguma ação governamental fizesse a região se valorizar e pudessem vender o imóvel por um preço exorbitantemente superior ao que compraram. A especulação imobiliária fez surgir verdadeiros prédios fantasmas. Edifícios e, por vezes, quarteirões inteiros completamente abandonados. Ao produzir esses vazios, a especulação imobiliária produziu também um novo movimento de ocupações. Se até os anos 1990, a principal frente de atuação dos movimentos de moradia eram os bairros periféricos – os quais ocupavam e depois pleiteavam que o poder público o regularizasse e dotasse de serviços básicos, agora existiam prédios prontos, rodeados pelos mais variados tipos de serviços e com toda a infraestrutura da cidade ao seu redor. Não tardou para que os movimentos sociais notassem essa contradição e passassem a ocupar esses prédios. Grande parte dos ocupantes, ingressaram nesses movimentos, devido ao aumento dos alugueis, gerado pela especulação, dessa forma, parafraseando Karl Marx: A especulação imobiliária não produziu apenas os vazios, produziu também os homens que os ocupariam.57 56 Disponível aqui: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/arquivos/nova_luz/2011 08_PUZEIS.pdf 57 “[…] A burguesia não forjou apenas as armas que lhe trazem a morte; ela produziu também os homens que portarão essas armas – os operários modernos, os proletários.[…]” (Engels e Marx, 1948)

76 No início do século XXI, a economia brasileira ia bem e o aumento das relações comerciais do país com a China, produziu certa integração entre os países, estimulando que algumas dezenas de milhares de chineses viessem morar em São Paulo, a maioria deles, próximos às regiões das ruas Vinte e cinco de março e Santa Efigênia, onde trabalhavam comercializando produtos eletrônicos que importavam de sua terra natal – por vezes, de forma ilegal. Além dos chineses, a região também presenciou um forte fluxo migratório de bolivianos e nigerianos em seu entorno. Os bolivianos que, em sua maior parte, estabeleceram residência nos distritos do Brás, Bom Retiro e Pari, também ocupavam postos de trabalho na região da Nova Luz em lojas e, especialmente, em camelôs (AGUIAR, 2013). Nos relatórios produzidos pela prefeitura sobre o projeto, os números de imigrantes ilegais apreendidos comercializando produtos piratas recebem destaque58. Os movimentos sociais de moradia e os imigrantes compunham parte considerável dos cerca de 11 mil moradores do perímetro do projeto Nova Luz (conforme relatado no documentário “Luz” produzido pela organização Museo de los desplazados) e, foram justamente esses setores, que, por essência já se encontram em situação de vulnerabilidade social, que enfrentaram a dura batalha contra os interesses especulativos na região. O crescimento econômico que atraí imigrantes para o país é, paradoxalmente, o mesmo que motiva a expulsão destes das áreas centrais da cidade.

5.5. Com quais objetivos queriam transformar a Luz?

Nesse subcapítulo apresentarei os objetivos de cada projeto na forma como foram descritos pelos seus formuladores e buscarei acrescer alguns comentários sobre esses, baseados nas observações feitas por mim ao longo da pesquisa. Depois disso, sintetizarei tais objetivos em algumas poucas frases no infinitivo verbal e produzirei uma tabela que ilustre a relação entre o que foi proposto e o que foi executado.

58 Segundo Brandt (2005), 70 estrangeiros foram detidos em um único dia da “Operação Limpa” que era considerada a etapa inicial do projeto Nova Luz.

77 5.5.1. Objetivos do projeto Renovação da Luz

O projeto Renovação da Luz apresenta didaticamente dois objetivos gerais e cinco objetivos específicos. Os objetivos gerais são: “[…]Maximizar o desempenho da Área da Luz no contexto urbano e metropolitano, tendo em vista suas condições excepcionais de localização e acesso, e; Otimizar a qualidade da vida urbana na área assegurando condições ambientais do mais alto nível.[…]” (FRANCO et al, 1977)

E os específicos: “[…]



Selecionar as funções, atividades e equipamentos dos setores público e privado, nos âmbitos metropolitano, municipal e local, mais adequados para a Área da Luz;



Selecionar os usos urbanos mais rentáveis para a Área, determinar sua participação percentual e sua distribuição territorial, com vista a uma estruturação orgânica e funcional do espaço;



Minimizar o impacto negativo das correntes de circulação viária, metroviária e ferroviária que atravessam a área, sobre sua qualidade ambiental, sem prejuízo do padrão de desempenho dos sistemas viário e de transportes;



Preservar e valorizar os aspectos histórico-culturais paisagísticos, existentes na área, e;



Definir e caracterizar a futura atuação do poder público sobre a área, especialmente as modalidades de intervenção e seus graus de prioridade. […]” (FRANCO et al, 1977)

Os cinco objetivos específicos visavam explicar como seriam cumpridos os objetivos gerais que poderiam soar como contraditórios – especialmente, na São Paulo dos anos 70. O

78 projeto pretendia ampliar a malha viária nos limites do perímetro da Luz para que o fluxo automobilístico pudesse atravessar a região mais rapidamente, mantendo a qualidade ambiental da região elevada. Além disso, com a construção (ou ampliação) dessas novas vias, - dentre elas, notoriamente a ligação Bresser-Emissário – reduzir-se-ia o número de veículos que transitavam pela Avenida Tiradentes, o eixo central do perímetro da Área da Luz.

5.5.2. Objetivos do projeto Luz Cultural

Os objetivos do projeto Luz Cultural, conforme já citado nesse trabalho, eram quatro:

1.

“[…] Implantação de programas e roteiros turísticos envolvendo todos os equipamentos culturais do estado, localizados na região;

2.

Organização do zoneamento do bairro;

3.

Elaboração de um projeto gráfico de divulgação, e;

4.

Algumas intervenções pontuais de recuperação de edifícios de interesse histórico. (KARA JOSÉ, 2007)59 […]”

No entanto, é necessário recordar algumas declarações dos principais elaboradores do projeto (Jorge Cunha Lima e Regina Prospery Meyer) que defendiam que essas medidas serviriam para induzir parte da população da zona sudoeste a morar no bairro da Luz, criando um “Greenwich Village” paulistano. Além disso, vale lembrar que, ainda que o objetivo número “4” trate sobre a realização de “intervenções pontuais” em edifícios de interesse histórico, em 1986, em pleno auge do projeto, o edifício da Usina da Luz foi derrubado para dar lugar ao alargamento da Rua João Teodoro. 59 Apesar de todos os esforços desprendidos o autor deste trabalho de conclusão não obteve êxito ao buscar documentos oficiais que atestem esses objetivos, no entanto, os quatro itens elencados por Beatriz Kara José são reconhecidos por diversos autores.

79 5.5.3. Objetivos do projeto Pólo Luz

Para conhecer os objetivos do conjunto de políticas públicas que conformam o projeto Pólo Luz é necessário recorrer ao trabalho de Regina Meyer, publicado em 2000 pela Associação Viva o Centro. Na obra “Pólo Luz: Sala São Paulo, cultura e urbanismo” (já citada), Meyer aponta que o objetivo do Pólo Luz “[…] é também potencializar a vocação cultural do bairro, inserindo-o como uma opção de qualidade no circuito de lazer e turismo da cidade. […]” e aponta algumas medidas que haviam sido propostas visando atingir esse objetivo “[…] a restauração de vários edifícios históricos, melhorias em praças, a implantação de um camelódromo, um projeto específico de iluminação, a redefinição do traçado viário local, com inclusão de áreas de estacionamento […]” por fim, aponta ainda que seria feita “[…] uma avaliação socioeconômica da área visando a transferência ou o reassentamento da população moradora de cortiços. […]”. Mais adiante, destaca algumas ações específicas que pretendia-se executar: 1.

“[…] Recuperação arquitetônica e paisagística do Jardim da Luz, além das antigas garagens em frente ao parque, das quais uma parte será transformada em estacionamento;

2.

Melhoria do espaço público entre a praça Júlio Prestes e a praça Coronel Fernando Prestes;

3.

Intervenção em imóveis particulares degradados, principalmente ao lado da Estação da Luz, na rua do Triunfo, rua Mauá e avenida Cásper Líbero;

4.

Término das obras da atual sede do DPH, no edifício Ramos de Azevedo, que o projeto pretende transformar em Casa da Memória Paulistana e reequipar com material do Arquivo Municipal, e;

5.

Restauro das obsoletas instalações da Garagem Municipal e sua transformação em Centro de Atividades, em parceria com a iniciativa privada. […]”

Dentre os cinco pontos destacados por Meyer, excetuando-se o item “2” (cuja valoração é bastante subjetiva) quatro itens foram cumpridos. O Parque da Luz passou por

80 uma longa reforma entre 1999 e 2001, diversos imóveis foram restaurados nos arredores da estação ferroviária (em especial na Avenida Cásper Libero) e o edifício Ramos de Azevedo passou a abrigar, em 2002, o Arquivo Histórico do Município (ampliado em 2015, incorporando também as instalações da antiga Casa do Estudante Politécnico).

5.5.4. Objetivos do projeto Nova Luz

No relatório da EMURB, publicado em 2009 são expostos de maneira confusa e, aparentemente, equivocada quatro objetivos e seis diretrizes. Os quais, reproduzo como consta: “[…] Objetivos: •

Retomada de espaços públicos e privados ocupados por atividades ilícitas;



Renovação de edificações degradadas;



Incremento do uso não-residencial;



Adensamento populacional.

Diretrizes: •

Maior controle da região pela administração pública;



Investimento em melhorias urbanas;



Incentivos fiscais para atividades terciárias com ênfase na área de tecnologia da informação;



Estruturação da Zona Especial de Interesse Social – ZEIS 3;



Incentivos à produção imobiliária para mercado;



Participação de empreendedores privados no processo de renovação da área. […]”

81

Há uma clara confusão entre o que são diretrizes, objetivos, metas e atividades. Algumas das diretrizes apresentadas confundem-se com objetivos ou (até mesmo) com atividades. Por exemplo, a diretriz “maior controle da região pela administração pública” assemelha-se mais com um objetivo e quando propõe “incentivos à produção imobiliária para mercado” (esperamos que seja) uma atividade. Para além dos eventuais erros de forma, no que se refere ao conteúdo também existem informações contraditórias. Um dos objetivos, refere-se ao adensamento populacional, no entanto, os dados referentes a estimativa populacional apontam para uma diminuição da população residente.

5.5.5. A teoria diverge da prática: Análise dos objetivos cumpridos

A tabela abaixo busca compilar as informações contidas neste capítulo e comparar o que foi proposto e o que foi cumprindo em cada projeto, avaliando, dessa forma, a eficácia destes. No entanto, antes de tudo, é necessários explicitar algumas decisões metodológicas: 1. O projeto Renovação da Luz, como não foi implementado, não será incluso na tabela; 2. Em todos os projetos, alguns objetivos foram fundidos, por serem similares ou complementares – como, é o caso da “elaboração de um projeto gráfico de divulgação” que foi considerada parte da criação de um roteiro turístico. 3. No projeto Nova Luz, foram desconsiderados os objetivos, que devido a sua subjetividade, eram de difícil mensuração: “Maior controle da região pela administração pública” e “Investimento em melhorias urbanas”. Após aplicar os métodos acima expostos, a tabela de análise de objetivos foi elaborada na forma como se vê abaixo.

82 Projeto

Objetivo Criar roteiro turístico

Luz Cultural Organizar o zoneamento

Pólo Luz

Nova Luz

Resultado Cumprido Não cumprido

Recuperar edifícios históricos

Não cumprido

Potencializar a vocação cultural do bairro

Cumprido parcialmente

Restaurar edifícios históricos

Cumprido

Melhorar o espaço público (foco em praças)

Cumprido parcialmente

Reassentar população de cortiço

Não cumprido

Coibir atividades ilícitas

Não cumprido

Restaurar edificações degradadas

Não cumprido

Incentivar atividades terciárias

Não cumprido

Adensar comercial e populacionalmente

Não cumprido

Incluir setor privado no processo

Cumprido

Tabela 6: Análise de objetivos.

Como vemos na tabela e no exposto ao longo deste trabalho, o projeto Luz Cultural possui o mérito de ter elencado os equipamentos turísticos e culturais da região e listado os mesmos em forma de roteiro, sendo esta, a primeira vez em que se tratou do “potencial cultural” da Luz. No entanto, devido a escassez de recursos, não obtiveram êxito na revitalização de edifícios históricos, ao contrário, o Luz Cultural ficou marcado pelo já citado caso da demolição da Usina de energia. O zoneamento municipal também não foi cumprido, tampouco “organizado”, durante o período em que vigorou o projeto. Por sua vez, o Pólo Luz amparado pelos dólares do BID e beneficiado pela inclusão do bairro no roteiro cultural da cidade – promovida pelo projeto anterior – pôde dar passos significativos no restauro e na requalificação de prédios históricos (como a estação Júlio Prestes que passaria a abrigar a Sala São Paulo e a antiga escola politécnica, convertida no Arquivo Histórico Municipal) e praças como a Coronel Fernando Prestes também foram requalificadas60. O principal objetivo não cumprido pelo programa Pólo Luz foi a proposta de reassentar a população de cortiços. No entanto, considerando as metodologias 60 No período em questão, revitalizou-se também o Parque da Luz (entregue novamente ao público em 2001), que Regina Meyer, por vezes, classifica enquanto praça pública.

83 tradicionalmente utilizadas para reassentar a população pobre, podemos considerar que o não cumprimento desse objetivo, tenha evitado o aprofundamento do processo de gentrificação da região. Dez anos depois do início das ações do programa Nova Luz, a cracolândia segue sendo o símbolo da incapacidade estatal. Uma legião de usuários de drogas, desassistida de qualquer política social, perambulam ao meio de traficantes e sob a supervisão da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar do Estado, demonstrando que o programa Nova Luz não foi capaz de coibir as atividades ilícitas. Além disso, o programa Nova Luz, que em seus objetivos pretendia promover o adensamento populacional e incrementar o uso comercial, demonstrou-se pelo contrário, uma ferramenta de esvaziamento da região. No relatório apresentado pelo consórcio Nova Luz em 2011 (citado anteriormente), observa-se o desejo de reduzir drasticamente o uso residencial do solo e verifica-se ainda que as edificações degradadas, que o projeto prometia restaurar, já viam sendo demolidas. O uso comercial do solo também foi prejudicado, pois a tentativa de expropriação (para posterior demolição) de tradicionais lojas da Santa Efigênia ocasionou um êxodo de comerciantes, que, não só reduziu o uso comercial como também, desestimulou o desempenho de atividades terciárias no perímetro. Todo esse cenário demonstra uma grande disparidade entre os objetivos propostos e os executados, ou seja, o encontrado nos papéis e o visto nas ruas. Se a finalidade alegada era promover o incremento comercial, aparentemente, Do ponto de vista da eficácia, o programa Pólo Luz foi o mais bem-sucedido. No entanto, os objetivos por ele propostos não eram capazes de reabilitar a área. Como explicitado pelos autores do projeto, a intenção era atrair a elite para o bairro, o que, demonstrou-se não ser possível exclusivamente através de políticas culturais de preservação. Notoriamente, nesses projetos, as estratégias utilizadas para alcançar os objetivos propostos não foram acertadas. Algumas vezes, nem os fins, nem os meios se justificam.

84 6. Considerações finais

Ao longo de todo o trabalho foram apresentadas as principais características de cada um dos projetos urbanísticos que vigoraram na região da Luz nos últimos quarenta anos. Os quatro projetos possuíam virtudes e debilidades distintas, e, apesar de todos os esforços, nenhum deles conseguiu ser integralmente implementado. Essa crônica descontinuidade, acarretou não só o descrédito do poder público no tocante a políticas urbanísticas para a região, como também contribuiu para que os problemas sociais vividos no bairro (ou, nos bairros) da Luz se agravassem ao longo destes quarenta anos. Obras abandonadas converteram-se em abrigo para as mais variadas atividades ilícitas praticadas na região, aumentando a sensação de insegurança. Procurei, enquanto redigia esse trabalho, não cair na sedutora armadilha de tentar classificar os programas em alguma espécie de ranking que apontasse em ordem hierárquica quais foram mais bem-sucedidos. Trata-se de projetos temporalmente e geograficamente distintos, que possuíam atores e objetivos diferentes, que contaram com montantes de recursos variados e que, por esses e outros motivos, tiveram graus diferentes de implementação. O tão criticado projeto Nova Luz conseguiu (apesar de todos os empecilhos) ser amplamente discutido nos espaços deliberativos, onde, apesar dos pesares, contou com a participação popular. Além disso, pautou não só a imprensa de forma geral, como também tornou-se assunto em diversos segmentos da sociedade. O projeto Pólo Luz, ao contrário, cumpriu grande parte dos seus objetivos, mas só se tornou objeto de discussão após o seu abandono. O arrojado projeto de Renovação elaborado nos anos setenta foi pouco criticado, mas, como nunca foi implementado, é bastante desconhecido da opinião pública. Ideias que não saem do papel, não são sentidas (para bem ou para mal) pela população-alvo, e, por isso, é comum que recebam menos críticas – É claro que, por vezes, auto-censurei pensamentos que distraiam-se imaginando como seria o bairro revitalizado conforme as propostas de Luiz R.C. Franco. Diversas teses e dissertações discutiram os projetos aqui apresentados. Em alguns casos, apenas de passagem, citando o caso da Luz para exemplificar uma ideia maior. Outros trabalhos tiveram algum(ns) desses projetos como objeto central. O Nova Luz é

85 inegavelmente o mais discutido na academia, mas, os projetos Luz Cultural e Pólo Luz (em geral, apresentados de maneira conjunta) também foram amplamente estudados. O

projeto

Renovação da Luz recebeu bem menos atenção por parte da comunidade acadêmica e, geralmente é apenas citado em poucos parágrafos para anteceder explanações maiores referentes aos demais projetos. Porém, ao longo de todas as pesquisas e leituras feitas para embasar esse trabalho de conclusão, foi encontrado apenas um trabalho (a tese de mestrado de Tatiana Meza Mosqueira) que abordasse com profundidade os quatro projetos aqui estudados. Esses trabalhos, em maior parte, foram produzidos pela FAU-USP e, abordaram sobretudo o ponto de vista urbanístico. Existem, no entanto, produções científicas centradas na preservação do patrimônio histórico (tratando essencialmente sobre os programas Luz Cultural e Pólo Luz) e outras, voltadas aos aspectos sociais dessas intervenções (produzidas por departamentos de sociologia ou de geografia humana) cuja abordagem, contudo, restringe-se ao Nova Luz. Nesse contexto, busquei contribuir com as discussões já existentes sobre o tema, trazendo ao debate uma visão sob o ótica da gestão de políticas públicas. Preocupei-me, é claro, em incorporar o que fora produzido pelos estudos anteriores em diferentes áreas do conhecimento, possibilitando assim uma visão multiangular dessas políticas públicas urbanas. O debate acerca dos projetos urbanos para a área da Luz, no entanto, não se esgota aqui. Almejo com este trabalho mostrar que o Estado fracassou em todas as suas tentativas de protagonizar uma intervenção que promovesse uma melhoria no ambiente urbano da região e que por isso, existe a urgência de que projetos efetivos sejam elaborados. A Luz, seja aquela de 1972, seja a de 2012, carece de políticas públicas urbanísticas que não visem expulsar sua população, mas que, ao contrário, ajudem o bairro a preservar o que restou de sua memória e a promover a integração entre os diversos usos do solo – contribuindo para a contenção dos danos causados por um crescimento desordenado da cidade que não pôde ser acompanhado pela expansão dos serviços públicos.

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Guias de Ruas

MAPOGRAF. Guia de ruas. Ed. Mapograf. Edição imprensa. São Paulo. 2015. Guia Quatro Rodas. Ed. Abril. São Paulo. 2014. Google Maps. Google, 2015. https:maps.google.com.br

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