Ponta do Mato (Seixal): geoarqueologia e ocupação humana da frente ribeirinha

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Actas 2º Encontro Sobre o Património de Almada e do Seixal

Ponta do Mato (Seixal): geoarqueologia e ocupação humana da frente ribeirinha Jorge Raposo, Cézer Santos José Carlos Henrique [Câmara Municipal do Seixal / Ecomuseu Municipal do Seixal – Serviço de Arqueologia]

Resumo Apresentação de recente achado de cerâmicas romanas na zona intertidal da restinga da Ponta do Mato (Seixal), confirmando fontes orais antigas e levantando uma problemática interessante, nos planos da interpretação geomorfológica do litoral estuarino e da sua ocupação antrópica. Trata-se de um bom exemplo de monitorização territorial, de responsabilidade social perante o achado de bens patrimoniais, e da parceria que há anos une a administração local ao Centro de Arqueologia de Almada. 1. Ponta do Mato: enquadramento geográfico e geomorfológico A Ponta do Mato é um corpo arenoso com cerca de 2600 por 750 metros e a altura média de quatro metros acima do nível do mar (GUERREIRO et al., 2013). Distribui-se sensivelmente no sentido Oeste-Este,com a parte mais estreita ligada à zona do Alfeite, próximo da fronteira entre os municípios de Almada e do Seixal. A extremidade situa-se frente a esta última cidade, na denominada Ponta dos Corvos (Fig. 1). A face mais extensa, virada a Norte e ao “Mar da Palha”, é constituída por uma praia de perfil transversal suavemente

Figura 1 – Localização geográfica da restinga da Ponta do Mato. Base cartográfica: Google Maps.

inclinado (Fig. 2), que dá lugar a um raso de maré bastante extenso e quase horizontal, à cota de cerca de 50 centímetros abaixo do nível médio do mar (GUERREIRO et al., 2013). Esta restinga tem merecido uma atenção particular no contexto dos estudos sobre a evolução geomorfológica da região estuarina do Tejo (FREIRE e ANDRADE, 1998; FREITAS e ANDRADE, 1998; FREIRE, 1999; CRUCES et al., 2002; GUERREIRO et al., 2013). A sua formação conduziu à criação de uma enseada com baixa hidrodinâmica e favoreceu a deposição de elementos finos, organizados em manchas de sapal e rasos de maré (Fig. 3). O regime fluvial local condicionou a formação, a evolução e a morfologia da restinga, que agrupa várias cristas arenosas resultantes de diferentes episódios de crescimento (Fig. 4). 17

Figura .2 – Praia da Ponta do Mato observada no sentido Oeste-Este. Em fundo o casario do Barreiro, junto à foz do rio Coina. © Câmara Municipal do Seixal / António Silva - 2005.

Segundo os estudos geológicos publicados, a formação desta restinga ter-se-á iniciado há pelo menos 500 anos (Fig. 5), num processo dinâmico de sedimentação e erosão onde os factores sedimentares foram predominantes até há cerca de 150 anos. Desde então a tendência tornou-se mais erosiva, em parte porque a ocupação humana do território envolvente reduziu a intensidade das fontes sedimentares. Actualmente parece estar em curso um lento reequilíbrio, ainda que marcado pela redução da zona de praia.

da Passagem e da Torre (o moinho do Galvão foi erigido apenas no século XVIII). Confrontando esta informação com a da cronologia associada ao esquema formativo da restinga, podemos deduzir que o processo se terá iniciado há bem mais de 500 anos, dado que por essa altura o substracto geológico já estava suficientemente consolidado para permitir a construção dos moinhos e dos diques de delimitação das respectivas caldeiras de retenção da água das marés. Existiam ainda outros indicadores que apontavam para uma ocupação humana da restinga bastante anterior ao século XVI. De facto, desde os anos 1980, a equipa técnica do Ecomuseu Municipal do Seixal tinha informações orais com origem num dos muitos apanhadores de bivalves e isco para a pesca nos rasos de maré, segundo as quais em período de marés vivas era possível observar o afloramento



2. Ponta do Mato: ocupação humana A restinga da Ponta do Mato constituiu local de excelência para a instalação de moinhos de maré, principalmente junto à denominada Ponta dos Corvos (Fig. 6). As fontes documentais comprovam que três destes moinhos estavam já em pleno funcionamento por meados do século XVI: os moinhos do Capitão, 18 Centro de Arqueologia de Almada 2014

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de estruturas quadrangulares ou rectangulares. Pela descrição, colocou-se a possibilidade de se tratar de vestígios de tanques (cetárias), evidenciando a presença de uma unidade dedicada à transformação de pescado e à produção de conservas e molhos em Época Romana. A hipótese é consentânea com o que se conhece do povoamento e da economia Fig. 3 – Ponta do Mato (restinga do Alfeite) e baía do Seixal, segundo CRUCES da época na região e, por isso, et al., 2002 (adaptada de FREIRE, 1999). No entanto, o trabalho de campo o sítio foi registado na base na zona do raso de maré mais próximo da Ponta de dados Endovelico,hoje gerida pela Direcção Geral dos Corvos, em frente ao Seixal, não confirmou do Património Cultural, onde tem o Código as informações orais. Uma campanha Nacional de Sítio n.º 8023. Embora com tipologia de prospecção realizada por uma equipa do Ecomuseu indeterminada, foi associado a uma ocupação Municipal do Seixal e do Centro de Arqueologia de cronologia romana na bibliografia de Almada, em Abril de 1989, revelou-se totalmente da especialidade (ALARCÃO, 1988: 127; inconclusiva, quer no que respeita à identificação FERREIRA et al., 1993: 213).

Fig. 4 – Ponta do Mato (restinga do Alfeite) e baía do Seixal, segundo CRUCES et al., 2002 (adaptada de FREIRE, 1999).

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de Arqueologia de Almada que usam a Ponta do Mato como local de lazer e de pesca observaram, no raso de maré fronteiro à praia, grande quantidade de cerâmicas dispersas por uma vasta área. Pela sua formação, tiveram discernimento para reconhecer que boa parte dessa cerâmica correspondia a formas tipicamente romanas (ânforas, tégulas, etc.) e configurava um achado de grande importância regional. Revelaram também a consciência cívica necessária para comunicar essa ocorrência. Fig. 5 – Esquema de formação da restinga, segundo CRUCES et al., Fizeram-no junto do Ecomuseu Municipal 2002 (adaptada de FREIRE, 1999). do Seixal, permitindo uma primeira de estruturas, quer mesmo da observação de deslocação conjunta ao sítio em 30 de Agosto cerâmicas ou outros bens móveis que pudessem de 2012 (Fig. 7), onde se confirmou o achado remeter para a Época Romana. e se procedeu à georreferenciação e recolha de abundante espólio cerâmico, que passou 3. Ponta do Mato: o achado de 2012 a integrar o acervo do Ecomuseu. Esta situação alterou-se drasticamente Naturalmente, o contexto de recolha, no Verão de 2012, quando elementos do Centro na zona intertidal e sobre o raso de maré

Fig. 6 – Pormenor do Plano Hydrographico do Porto de Lisboa (1878), com localização dos moinhos de maré instalados na restinga: 1. Moinho do Galvão; 2. Moinho do Capitão; 3. Moinho da Passagem; 4. Moinho da Torre.

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de Época Romana, com a distribuição ilustrada na Fig. 8 – 125 de ânforas, 18 de cerâmica comum (alguidar, potes/panelas, potinho, bilhas, grandes potes canelados, dolia, tampas e pesos) e 11 de cerâmica de construção (tegulae, imbrex e uma outra provável telha). Constituem uma pequena amostra dos vários milhares visíveis no raso de maré durante o período em que esta baixa. O critério de recolha cingiu-se aos exemplares melhor conservados, com dimensão e informação morfológica suficientes para ilustrar a diversidade artefactual e a diacronia do sítio. Com base na amostragem de que dispomos, verifica-se uma ocupação da restinga em Época Romana desde os alvores do século I d.C., podendo eventualmente recuar um pouco, terminando por volta do século V d.C. Esta cronologia é sustentada pela forte presença de ânforas da forma Dressel 14 e pela identificação de um fundo completo que poderá pertencer a uma ânfora Dressel 1 ou Dressel 2/4 originária da Bética. Importa referir também o número significativo de tegulae que, neste território e a partir dos sítios conhecidos, parecem ser praticamente inexistentes a partir do século III. Quanto ao términus cronológico, é indiciado pela recolha de ânforas tardias,Almagro 50 e 51c.

Fig. 7 – Observação e recolha de cerâmicas romanas no raso de maré da Ponta do Mato (Cézer Santos – Ecomuseu Municipal do Seixal e José Carlos Serra – Centro de Arqueologia de Almada). © Câmara Municipal do Seixal / Jorge Raposo - 2012

da Ponta do Mato, colocou desde logo problemas de conservação associados à salinidade e à colonização biológica dos fragmentos cerâmicos, que tiveram de passar imediatamente por um processo com duas etapas principais: – Dessalinização, com imersão em banhos sucessivos de água desionizada e registo da evolução dos valores da sua condutividade, até que se obtivesse um resultado adequado e confirmado por teste de dessalinização por secagem forçada; – Eliminação da colonização biológica, com identificação de exemplares em que esta ainda se mantinha em actividade e remoção mecânica de algas, líquenes e conchas. Complementarmente, algumas peças necessitaram de consolidação após a secagem. Assegurou-se ainda uma monitorização periódica para detecção de eflorescências ou de situações de reinfestação por esporos. Só depois foi possível avançar para o seu estudo preliminar. 4. Descrição sumária dos materiais recolhidos No momento do achado e nas posteriores campanhas de monitorização do sítio recolheram-se, à superfície, 154 fragmentos de cerâmicas

Fig. 8 – Gráfico de distribuição tipológica das peças cerâmicas recolhidas na Ponta do Mato (154 exemplares).

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incluem-se duas Dressel 20, uma Dressel 28 e um fundo que poderá corresponder a uma de duas formas: Dressel 1 (produzida provavelmente até às primeiras décadas do século I) ou Dressel 2/4 (cuja produção pode ter perdurado até meados do século II). Estas peças apresentam fabricos característicos da região Bética. 4.2. Cerâmica comum Dada a natureza do contexto de recolha, as cerâmicas de estrutura mais frágil encontram-se extremamente fragmentadas e roladas. Por isso, são raros os fragmentos de cerâmica comum com integridade suficiente para serem usados como objecto de estudo. Porém, é possível encontrar-se peças em excelente estado de conservação e completas, nomeadamente um opérculo (tampa) de ânfora (Fig. 13). Todas as peças, excepto uma, são de fabrico local e foram classificadas de acordo com o modelo tipológico usado no estudo das cerâmicas de produção local da Olaria Romana da Quinta do Rouxinol (SANTOS, 2011b). Encontram-se neste conjunto um alguidar da forma 1.6.4.2, duas bilhas que apenas podemos classificar genericamente na forma 2.5 devido à falta de bordo, três fragmentos de grandes potes canelados (forma 2.7), três pesos paralelepipédicos do tipo 8.2.1, dois potes/ panelas (forma 2.2.4.2), quatro tampas (três delas opérculos de ânfora) e dois fundos de dolia (tipo 2.8). Um destes fundos apresenta uma matriz petrográfica característica da região do Baixo Alentejo, semelhante aos fabricos 2-B e 2-J de São Cucufate (PINTO, 2003: 102 e 118).

Fig.9 – Gráfico de distribuição tipológica das formas anfóricas recolhidas na Ponta do Mato (125 exemplares).

4.1. Ânforas No conjunto identificaram-se oito formas de ânfora que abrangem uma vasta diacronia, como já foi referido (Figs. 9 e 14). A morfologia melhor representada é a Dressel 14, produzida de meados do século I a meados do século III - 61 de exemplares de bordo ou fundo, quase todos com pastas características do Baixo Tejo, já que apenas cinco apontam para um fabrico com origem na Bética. Essa representatividade pode ser ainda mais relevante se considerarmos que boa parte dos 41 fragmentos de ânfora com tipologia indeterminada são asas que, muito provavelmente, pertencerão a peças da forma Dressel 14. A expressão quantitativa das restantes formas com fabricos do Baixo Tejo é bastante inferior – da primeira fase de produção contabilizam-se três peças Lusitana 3 (datáveis do início do século II a meados do século III), enquanto da segunda estão presentes dez Almagro 50 (do início do século III a meados do século V), quatro Almagro 51c (de finais do século II a meados do século V) e duas da forma “Rouxinol 35” (DUARTE, 1990: 114, n.º 35, que surge na olaria da Quinta do Rouxinol em contextos do final do século III ao início do século V). Nas ânforas de produção exógena

4.3. Cerâmica de construção Recolheram-se apenas alguns elementos de construção, essencialmente telhas, apesar de existirem também tijoleiras no local. O mais surpreendente foi verificar que 22

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Fig. 10 – Dispersão dos achados de cerâmica romana no raso de maré da Ponta do Mato. Base cartográfica: Google Maps.

cinco das tegulae recolhidas apresentam fabricos exógenos, provavelmente originários da Bética; só as restantes quatro são de produção local. Outra característica interessante observada é a diversidade tipológica dos bordos das tegulae: uma apresenta bordo em cunha ou secção triangular, sete têm bordos em meia-cana (cinco das quais são “béticas”) e uma com bordo subquadrangular (Fig. 13). Esta mistura de tipos de bordo não é habitual nos contextos romanos. Geralmente a morfologia do bordo é relativamente estática dentro de determinado território, variando, isso sim, de região para região. Foi recolhido, também, um fragmento

da Ponta do Mato, numa faixa de raso de maré que corresponde genericamente ao recuo da linha de costa entre os finais do século XIX (de acordo com o registado no Plano Hydrographico do Porto de Lisboa, de 1878) e o início do século XX (a Folha 67 da Carta dos Arredores de Lisboa, de 1904, já apresenta um contorno praticamente coincidente com o actual) (Fig. 10). O achado da Ponta do Mato vem assim confirmar parcialmente as informações anteriores e introduz novos elementos na interpretação do território, da sua geomorfologia e ocupação antrópica em Época Romana, numa região onde eram já conhecidos dois outros sítios de grande relevância: a olaria da Quinta do Rouxinol (Corroios) (DUARTE, 1990; RAPOSO, SABROSA e DUARTE, 1995; DUARTE e RAPOSO, 1996; FILIPE e RAPOSO, 2009; SANTOS, 2011) e a villa da Quinta de S. João / Quinta da Laranjeira (Arrentela) (RAPOSO,2003 e 2007;SANTOS 2011 a e 2014) (Fig. 11). Colocam-se agora novas questões de natureza arqueológica, relacionadas com o tipo

grande de imbrex e um elemento de construção indeterminado, que morfologicamente se assemelha a um imbrex com cerca 5 cm de espessura. 5. Problemática colocada pelo achado A georreferenciação dos pontos de maior concentração de cerâmicas mostra que estes predominam a Oeste, mas têm expressão geográfica ao longo de toda a praia 23

acção

Fig. 11 – Presença romana na região do Seixal. 1. Olaria da Quinta do Rouxinol; 2. Ponta do Mato; 3.Villa da Quinta de S. João / Quinta da Laranjeira. Base cartográfica: Google Maps.

de ocupação da Ponta do Mato e a sua adequada integração no respectivo contexto cronológico e cultural. Altera-se também o paradigma de abordagem da navegação estuarina em períodos antigos e tardo-antigos. A circulação de pessoas e bens nesta via de comunicação essencial para a ligação das duas margens e para o contacto com realidades exógenas mais distantes, seria completamente diferente na presença da restinga ou sem ela (caso a sua formação se tivesse iniciado só pelo século XVI). O gradual esclarecimento dessas questões passará pelo estudo detalhado do espólio e pela monitorização intensiva do sítio, em constante transformação pelos agentes naturais e pela

humana, de modo a caracterizar melhor os vestígios em presença e, eventualmente, identificar as estruturas que comprovem as informações orais dos anos 1980. Mas o achado levanta também interessantes questões de natureza geológica, levando a que deva reequacionar-se a análise dos mecanismos de formação da restinga e do seu enquadramento temporal. Para o efeito, foram já encetados contactos preliminares com o Centro de Geologia da Universidade de Lisboa, no sentido de estimular uma parceria que permita integrar dados de investigação posterior à registada na bibliografia publicada, e desenvolver novas linhas de trabalho numa 24

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uma vasta rede económica marítima e ribeirinha, com forte incidência nesta zona litoral da Lusitânia, mas também com ramificações para o seu interior, de que é exemplo o dolium aqui chegado a partir da actual região alentejana. De forma algo provocatória, arriscaríamos conjecturar que, em Época Romana, a Ponta do Mato poderá ter desempenhado no Tejo um papel similar ao da Tróia sadina. O achado aqui ocorrido ilustra bem a importância de monitorizar as zonas estuarinas e intertidais, considerando o grande potencial arqueológico e patrimonial destas zonas húmidas. Constitui igualmente exemplo de boas práticas, ao demonstrar o papel fundamental dos cidadãos e das associações culturais na identificação de bens arqueológicos, e configurar o exercício responsável do dever de comunicação às autoridades competentes, para que sejam tomadas as medidas mais adequadas à sua investigação e preservação. E, por fim, é ainda revelador dos benefícios da cooperação institucional entre a administração pública e outros agentes locais, desenvolvendo uma cooperação entre a Câmara Municipal do Seixal e o Centro de Arqueologia de Almada que remonta à fundação do Ecomuseu Municipal do Seixal,em 1982, e permitiu concretizar desde então múltiplos e variados projectos de investigação, conservação, comunicação e educação patrimonial. O sítio da Ponta do Mato induz até a exploração de novas parcerias, como aquela que se configura com o Centro de Geologia da Universidade de Lisboa, para um programa de investigação multidisciplinar da restinga.

Fig.12 – Gráfico de distribuição dos fabricos das peças cerâmicas recolhidas na Ponta do Mato (154 exemplares).

perspectiva que integre multidisciplinarmente a Arqueologia e a Geologia. 6. Notas finais Podemos concluir que o achado da Ponta do Mato tem grande relevância científica regional, pelas suas implicações na investigação aplicada à interpretação da geomorfologia do litoral estuarino do Tejo, e pelo impulso que dá ao conhecimento da ocupação humana da região e respectiva organização social e económica, onde o rio e as condições de navegação assumiam um papel fundamental. Pela sua implantação, o sítio romano identificado nesta restinga configura uma ocupação com forte valência náutica, fornecendo materiais que parecem reforçar a hipótese colocada a partir das antigas informações orais, segundo a qual estaremos perante um complexo destinado à preparação de produtos haliêuticos, actividade económica bem atestada tanto noutros pontos do Tejo como no Sado. Essa ocupação terá tido longa duração, desde o século I até à desestruturação do Império, já no século V. Numa primeira fase aqui chegaram as produções cerâmicas oriundas da Bética, para depois o crescimento da produção lusitana do baixo Tejo conduzir ao largo predomínio das peças de origem local (Fig. 12). Reconhece-se assim

Agradecimento Os autores expressam um agradecimento particular a José Carlos Serra e, em geral, aos colaboradores do Centro de Arqueologia de Almada que permitiram identificar e comunicar o achado. 25

Fig. 13 – Peças cerâmicas recolhidas na Ponta do Mato (tipologias desenvolvidas segundo SANTOS 2011b). PMt.1 a 3 – Cerâmica de construção: bordos de tégulas de secção em cunha (tipo 10.2.1.1), de meia-cana (tipo 10.2.1.2) e subquadrangular (tipo 10.2.1.3); PMt.4 – Peso (tipo 8.2.1); PMt.5 – Tampa de ânfora (tipo 4.1.3); PMt.13 e 14 – Cerâmica comum: bordo de pote ou panela (tipo 2.2.4.2) e fundo de talha (tipo 2.8). Desenhos: Câmara Municipal do Seixal / Cézer Santos.

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Fig. 14 – Fragmentos de ânforas recolhidos na Ponta do Mato: bordos de Almagro 51c (PMt.10), Almagro 50 (PMt.11), Dressel 14 (PMt.9), Lusitana 3 (PMt.7) e Dressel 28 (PMt.12); asa de Dressel 20 (PMt.8) e fundo de Dressel 1 ou Dressel 2/4 (PMt.6). Desenhos: Câmara Municipal do Seixal / Cézer Santos.

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