Ponto de Vista Interno do Direito e Constituição Ontológica dos Tipos Sociais (Internal Point of View of Law and Ontological Constitution of the Social Kinds)

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Ponto de Vista Interno do Direito e Constituição Ontológica dos Tipos Sociais
(Resumo Aprovado para Apresentação na IV Conference of the Brazilian Society for Analytic Philosophy)
O conceito de "ponto de vista interno" (internal point of view) surge na filosofia analítica do Direito com Hart (1991; edição original de 1961). O "ponto de vista interno do Direito" é a perspectiva dos agentes que aceitam a normatividade do Direito, isto é, o caráter obrigatório de suas normas. Um agente puramente externo, que não pudesse assumir a perspectiva daqueles que aceitam a normatividade jurídica, não teria condições de distinguir entre a norma da ordem jurídica e a determinação coerciva do assaltante, ou seja, a diferença entre "ter uma obrigação (de fazer algo)" e "estar obrigado a (fazer algo)" que permite diferenciar as duas situações supramencionadas. O ponto de vista interno relevante seria aquele dos "oficiais do sistema jurídico", que seriam os juízes, cujas decisões pressupõem a normatividade do Direito.
A questão da constituição ontológica dos tipos e entidades sociais foi posta por John Searle (1997; 2006). Fatos sociais possuem subjetividade ontológica (existem na medida em que sejam experimentados por humanos), mas objetividade epistêmica (afirmações sobre eles podem ser verdadeiras ou falsas independente das atitudes dos observadores). O que torna possíveis essas entidades é a intencionalidade coletiva, que é atributo de estados mentais do tipo "eu estou fazendo algo somente como parte do nosso fazer algo" compartilhados entre diferentes pessoas. Essa dependência dos tipos sociais à presença de atitudes proposicionais é desafiada por outros teóricos. Thomasson (2003a; 2003b) considera que alguns tipos sociais (social kinds) são independentes das atitudes que as pessoas têm em relação a eles, e Ali Khalidi (2015) argumenta em prol de três tipos de constituição ontológica dos tipos sociais. Alguns tipos sociais não dependem de atitudes proposicionais, outros dependem em parte dessas atitudes enquanto suas instâncias particulares não dependam, e, por fim, os demais com suas respectivas instâncias dependem dessas atitudes.
As preocupações que animam a teoria jurídica e a ontologia social são distintas: na primeira, como diferenciar normas jurídicas de comandos coercivos não jurídicos esclarecendo a natureza do jurídico, na segunda, como explicar que fatos sociais podem ser conhecidos objetivamente mesmo que aparentemente só existam porque as pessoas pensam que eles existam. Contudo, a constituição ontológica do Direito conecta esses dois ramos filosóficos.
Se o ponto de vista interno do Direito permite distinguir entre a norma de uma ordem jurídica e a determinação coerciva de um assaltante em face de um agente, ao considerar que em um caso há uma obrigação do agente em fazer algo enquanto no outro o agente está sendo obrigado a fazer algo, isso implica que, sem agentes que pudessem reconhecer a normatividade do Direito, o Direito não poderia existir enquanto fenômeno delimitado e distinto de outras formas de coerção. Trata-se de uma teoria sobre a constituição ontológica do tipo social "Direito": o Direito é constituído como entidade social por meio das atitudes proposicionais que os juízes qua juízes possuem sobre a normatividade do Direito.
Se o Direito é constituído como entidade social por meio das atitudes proposicionais dos juízes, então o ponto de vista interno pressuporia pelo menos a posição de Thomasson e Ali Khalidi em ontologia social. Mesmo que outros tipos sociais não precisem de atitudes humanas para sua constituição ontológica, o Direito precisa. Ali Khalidi (2015) concorda na medida em que cita como exemplo do terceiro tipo de constituição ontológica dos social kinds o status jurídico de "residente permanente", que é estabelecido por lei e cuja atribuição depende das crenças dos funcionários estatais de que alguém satisfaz os requisitos da norma aplicável. Mas o ponto de vista interno pressupõe atitudes proposicionais necessariamente?
Shapiro (2006) considera o ponto de vista interno como "hermenêutico" e atribui a abordagem "comportamentalista" (behavioristic) apenas a um ponto de vista externo. Se concordarmos com ele, o ponto de vista interno pressupõe atitudes proposicionais. Mas argumento que é possível entender o ponto de vista interno de forma comportamentalista, mesmo sem aceitar o behaviorismo lógico ou psicológico. O Direito seria constituído ontologicamente por meio de comportamento judicial coerente com o endosso da normatividade do Direito, mas independente dos reais estados mentais internos de endosso ou não, mesmo que o comportamento judicial possa ser explicado causalmente por essas atitudes proposicionais internas de endosso. Isso pode ser demonstrado recorrendo a cenários hipotéticos onde: 1) os juízes não possuem estados mentais/atitudes proposicionais, mas comportam-se como se o tivessem em relação à normatividade do Direito; 2) os juízes possuem atitudes proposicionais em relação a um sistema jurídico X, enquanto comportam-se como se aceitassem um diferente ou mesmo oposto sistema jurídico Y. O fator crucial para a constituição ontológica é o comportamento como se tivessem as atitudes, não a real presença das atitudes.
Então concluo que a abordagem do ponto de vista interno do Direito na teoria jurídica não precisa pressupor a correção do recurso à intencionalidade na constituição ontológica de social kinds em abordagens de ontologia social.
Bibliografia
Hart, Herbert. 1994. The Concept of Law (second edition). New York, Oxford: Oxford University Press.
Khalidi, Muhammad Ali. 2015. "Three Kinds of Social Kinds", Philosophy and Phenomenological Research 90, 96-112.
Searle. John. 1997. The Construction of Social Reality. New York: Free Press.
Searle, John. 2006. "Social Ontology: Some Basic Principles", Anthropological Theory 6, p. 12-29.
Shapiro, Scott. 2006. "What is The Internal Point of View?", Fordham Law Review 75, p. 1.157-1.170.
Thomasson, Amie. 2003a. "Foundations for a Social Ontology", Protosociology 18, p. 269-290.
Thomasson, Amie. 2003b. "Realism and Human Kinds", Philosophy and Phenomenological Research 67, 580-609.





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