Por que chegou a hora de questionar as instituições?

Share Embed


Descrição do Produto

Por que chegou a hora de questionar as instituições?
Num artigo anterior, de título "A transparência pública é dever de todos nós" (Jornal Hoje em Notícias, ed. 243), eu afirmei: "vivemos um momento histórico em que, se a sociedade civil não usar os meios que tem à sua disposição para mudar as instituições, estão irão conduzir a Nação a paroxismos que levarão à inviabilidade do país". Vou agora tentar explicar o que eu disse, apelando à minha vivência (teórica e prática) sobre política brasileira.
Noite dessas, estava falando justamente sobre isso a uma amiga de colega de teatro. Ela desconfiou de eu haver afirmado que as coisas relativas a política, nos últimos anos, têm melhorado no Brasil. Pois já aviso: digo em sentido macro, de história longa, como dizia Fernand Braudel, um dos "inventores" da chamada Escola dos Annales, a "nova" historiografia francesa.
Peguemos alguns fatos. Futebol. Trabalhei num portal de futebol no final dos 90. Na época, os cartolas podiam tudo. Sim, na época o ainda presunçoso Eurico Miranda podia evitar a queda do Vasco à segunda divisão. Sim, o Palmeiras podia apelar aos cartolas e evitar o mesmo. As torcidas organizadas praticamente não tinham controle e ir aos estádios era no mínimo uma temeridade.
Hoje, o que existe? As regras são seguidas. Claro, temos claros indícios de irregularidades terríveis ainda nesse meio, mas o fato é que as coisas, se são feitas erradamente, o são às escondidas. Ninguém mais em sã consciência pode achar que vai colar apelar à cartolagem para passar os regulamentos para trás. As torcidas organizadas foram enquadradas. Hoje ainda acontecem escândalos em termos de violência – mas são enquadrados na lei e, com o passar do tempo, acabam sendo resolvidos.
Saibam que naquela época no portal de futebol eu conheci pessoalmente alguns desses cartolas. Visitei o Clube dos 13 – cuja sede ficava num andar de prédio próximo à Avenida Faria Lima – e sei o que é "respirar" o ar mafioso tão logo se entra em determinadas salas. Nem vou comentar o que está acontecendo lá nos Estados Unidos, em que o FBI prendeu diversos cartolas, alguns deles brasileiros. Para mim, o que acontece nesse ambiente é de outra índole. Mas, seja como for, é também um progresso – que levou décadas para acontecer, mas aconteceu.
Ainda na década de 90, discutia-se muito sobre "deixar o bolo crescer para depois repartir", a partir de uma declaração do ex-ministro da Fazenda, no regime militar, Delfim Netto, que eu também consegui entrevistar um dia. O debate era sobre como fazer para diminuir a desigualdade no país. Discutia-se também que era preciso aumentar o poder de compra da população, para aumentar o peso do mercado interno. Não sou economista e, portanto, não entrarei no mérito dessas discussões. Mas o fato é que, com os governos Lula e Dilma, uma penca de gente entrou no mercado formal brasileiro. A discussão sobre deixar o bolo crescer etc. ficou para trás. O que restou? A discussão, sempre presente, sobre como conduzir as políticas do Estado.
Hoje, muitos economistas e políticos de oposição reclamam das políticas macroeconômicas assumidas pelos governos petistas – assim como antes discutia-se sobre como fazer para tocar a economia brasileira. Mas, o que me importa aqui, a discussão sobre propiciar o crescimento do mercado interno por via da inclusão de parte da população que nunca fez parte de nada ficou totalmente para trás. Hoje discute-se se isso foi e é suficiente. Discute-se se tem que continuar sendo assim. Há discussões acirradas sobre uma grande miríade de aspectos macro e microeconômicos. Mas aquela discussão ficou para trás. Não temos mais a ilusão de achar que reduzindo a desigualdade iremos solucionar os males do país.
E quanto ao tema por excelência, a corrupção? Bom, quando minha família (pai, mãe e irmãos) chegou ao Brasil praxe era discutir questões sobre "a lei de levar vantagem", "a incapacidade de o brasileiro seguir regras", a questão sociológica do "você sabe com quem está falando?", todas essas discussões derivadas da matriz autoritária que rege o país desde a chegada dos portugueses e dos costumes de uma sociedade miscigenada. Nessa época, estudar era quase um apanágio dos idiotas: parecia que bastava ser esperto para levar uma boa vida.
Não vou ser ingênuo para necessariamente afirmar o contrário. Mas hoje há uma quantidade razoável de jovens que realmente opta pela via do estudo para sobressair. Na minha época, Fuvest e vestibular de forma geral eram tidos como quase privilégios de uma classe específica, média ou não. Hoje vemos algo diferente. A universalização do acesso à universidade tomou conta de todo o país por métodos que nada têm a ver com o vestibular, mas com o grau de aproveitamento do estudante durante toda sua formação escolar. Isso na minha época era quase um ideal inalcançável ou impossível de ser discutido sem passar de idealista. Hoje é realidade.
Claro, quanto tempo levou para que esse tipo de situação amadurecesse e virasse padrão ou mesmo exemplo? Décadas. Refiro-me a questões que remontam desde 1970 (45 anos atrás, por exemplo) ou no mínimo desde 1990 (25 anos atrás, no caso). Nada que tenha ocorrido dessa forma se deu assim facilmente, sem idas e vindas, retrocessos, avanços e situações que levam a novas discussões e dilemas. Nada é fácil nem nunca será fácil em termos de política num país como o nosso, que era chamado de Terceiro Mundo.
É por isso, e por muitos outros motivos, fatos e esperanças, que noto que a longo prazo o Brasil está, sim, mudando, e não pouco. Ocorre, porém, caso vocês possam reparar com calma, que na maioria dessas mudanças aparentemente a sociedade civil, a população, não fez parte ativa. Não me digam dos "cara-pintadas", da queda do Collor. Nem me digam das manifestações de junho de 2013, as quais em grande parte eu identifico com demonstrações de festa misturadas a reivindicações legítimas que meteram medo nos detentores do poder simplesmente porque nunca antes haviam acontecido. Fato é que a sociedade civil tradicionalmente sempre se sentiu alheia àquilo que realmente acontecia. Pois bem, hoje isso tende a mudar cada vez mais.
Em que medida, sem sua (da sociedade civil) participação, a coisa pode degringolar, fica para outro artigo. O fato – novo fato – é que do jeito que as instituições funcionam não parece ser mais possível sequer fingir que algo pode vir a ser feito. Daí que o papo de fortalecer as instituições (algo que sempre colou na época da ditadura e nas décadas seguintes) hoje parece não me dizer mais quase nada. Na verdade, parece que agora chegamos ao oposto: a necessidade de questionar e dinamitar práticas institucionais inviáveis para finalmente as coisas começarem a funcionar.
Estarei delirando? Quem sabe.
Rodrigo Contrera é jornalista, bacharel em Filosofia, com formação em Ciência Política e conselheiro (reeleito) de um condomínio em Taboão da Serra.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.