POR UMA ESTÉTICA DA MTV: Mídia e arte, comunicação e estética

November 13, 2017 | Autor: Eduardo Dias | Categoria: Videoclipe, MTV, Arte E Mídia
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POr uma estética da mtv:[1]


Mídia e arte, comunicação e estética


Eduardo Dias


Resumo: O presente artigo pretende fazer uma investigação da MTV
como emissora de televisão e espaço de expressão artística. O
videoclipe é investigado em seus aspectos de produto midiático e de
expressão artística dos músicos. A intenção é identificar as
características presentes na emissora e no seu formato, que revelem
traços estilísticos de uma estética relacionada ao canal de TV.
Fazem parte do âmbito da MTV traços característicos como o
interesse na juventude como público, o pós-modernismo como
dominante cultural e as relações entre arte e tecnologia.


Palavras-Chave: MTV. Juventude. Rock. Pós-Modernismo. Arte.
Tecnologia.



1. Introdução

A emergência do videoclipe como um formato televisivo e da Music
Television (MTV) como uma emissora inteiramente dedicada à música foi uma
resposta do âmbito da televisão às configurações da sociedade norte-
americana na década de 1980. De início, podemos apontar uma geração de
espectadores nascida na primeira fase do período pós-Segunda Guerra
conhecido como baby boom[2], que lidou durante os anos 60 e 70 com uma
programação de TV que não contemplava os interesses da juventude. Também
podemos apontar a grande penetração que o rádio possuía juntos aos jovens
como o principal meio de entretenimento e lazer. Desde o seu surgimento, a
televisão não conseguiu conquistar esse público devido a um caráter mais
"adulto" dos programas de televisão. O rádio, portanto, agregava grande
audiência dos adolescentes por possuir uma programação dedicada ao
rock'n'roll – estilo musical surgido no final da década de 1940 que atingia
um público essencialmente jovem. A alternativa de construir um canal de TV
inteiramente dedicado à música foi uma das estratégias de conquistar o
público adolescente como audiência televisiva.
Soares (2004, p. 17-19) aponta como antecedentes mais notáveis do
videoclipe experiências audiovisuais produzidas por artistas como The
Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd e Queen. Na década de 60, Beatles e
Stones dominavam a cena do rock e fizeram incursões no campo do
audiovisual: em 1964, os Beatles lançam o filme A Hard Day's Night,
antecipando características do videoclipe como "a articulação entre canção
e edição, o 'quadro-dentro-do-quadro', o sistema de foto-montagem, a mescla
de elementos ficcionais e documentais e um certo grau de imprevisibilidade,
fragmentação e dinamismo" lançando em 1966 e 1968 vídeos promocionais de
suas canções; os Stones lançam em 1968 o filme Sympathy for the Devil
(também chamado de One Plus One) com direção de Jean-Luc Godard, que
retrata momentos das gravações da canção homônima ao título do filme. A
década de 70 é o momento em que o Pink Floyd produz um filme a partir do
seu show Live at Pompeii e também é marcada com o lançamento do vídeo
Bohemian Rhapsody para a música do Queen, que atingiu um número bastante
expressivo de vendas após sua intensa exibição na TV.
Na Inglaterra, as emissoras de televisão possuíam, desde os anos 1950,
programas dedicados a apresentações de artistas com base nas paradas de
sucesso do país – 6'5 Special, The Top of The Pops e The Kenny Everett
Video Show são os programas mais famosos da época. O cinema americano, por
sua vez, direcionava grandes investimentos para os musicais e assim
contribuía para a propagação de apresentações musicais no campo do
audiovisual.
A convergência da necessidade de investimento em uma programação de TV
direcionada aos jovens, expansão dos investimentos da indústria fonográfica
e a boa repercussão das primeiras incursões no audiovisual feitas pelos
artistas da música favoreceu o cenário para o surgimento de um canal de TV
a cabo dedicado exclusivamente à exibição de "vídeos promocionais". Em
agosto de 1981, surgia a MTV a partir de investimento do grupo de
comunicação Warner Brothers.
O objetivo deste artigo é investigar de que forma se construiu uma
"estética da MTV" através de relações mantidas com a juventude, o rock, a
tecnologia e a expressão artística.

2. Música e mídia eletrônica na constituição de uma cultura jovem

Para entender o fenômeno da cultura jovem na segunda metade do século
XX é preciso a compreensão de fatores interligados ao seu desenvolvimento,
como a influência recebida e exercida sobre a mídia eletrônica e também do
papel desempenhado pelas subculturas na sociedade contemporânea.
Segundo Freire Filho (2006, p. 37-38), adolescência e juventude são
"conceitos complexos e historicamente instáveis", que refletem a própria
situação de transição e transformação que esta etapa representa para os
indivíduos. A delimitação destes conceitos incorreria em imprecisão, pois
suas definições passam por variações de acordo com a perspectiva e linha de
pensamento adotada. Portanto, eles são usados em referência a uma mesma
época do desenvolvimento humano que compreende o intervalo entre a saída da
infância e a entrada na idade adulta.
O autor aponta que as representações midiáticas dos jovens "tendem a
homogeneizar os gostos, experiências, problemas e expectativas de um grupo
variado e desigual de pessoas de mesma faixa etária" (FREIRE FILHO, 2006,
p. 50). Agindo dessa forma, a mídia acaba por apagar as variadas facetas
que os jovens possuem em favor de uma compreensão fácil, superficial e
baseada em dados estatísticos. Essa perspectiva estatística dos
adolescentes favorece uma percepção econômica desse grupo social em
pequenos nichos de mercado homogeneizante e desinteressado na
multiplicidade dos indivíduos, entrando em choque com a luta diária dos
adolescentes em afirmar seu comportamento múltiplo, transitório e altamente
individualizado.
Os jovens, por sua vez, desenvolvem um sistema de códigos de
significação que refletem, obviamente, a visão sobre si mesmos e sobre o
contexto e a dinâmica social aos quais estão inseridos. Hebdige afirma que
é necessária uma sensibilidade crítica para ler a sociedade. Essa
necessidade foi confirmada pelos primeiros trabalhos de Roland Barthes,
desenvolvendo através da semiologia uma maneira de ler os signos não
somente da alta cultura, mas também do cotidiano e das relações de poder
existentes, mas que não são claramente expressas (2006, p. 146-147).
Hebdige (2006, p. 146-147) utiliza o conceito de mito proposto por
Barthes para examinar como os códigos de um grupo específico se tornam
universais para toda a sociedade. O mito, para Barthes (2003, p. 199-201),
é um tipo de discurso, um sistema de comunicação, um modo de significação,
uma fala que torna a linguagem um mito e possui uma fundamentação
histórica, pois somente a História transforma o real em discurso. Barthes
afirma (2003, p. 199-200) que todos os códigos da sociedade podem se tornar
um mito desde que eles estejam suscetíveis ao julgamento de um discurso e
abertos a uma apropriação da sociedade. Ainda que a língua possa ser
transformada em mitos, não devemos "tratar a fala mítica como a língua: na
verdade, o mito depende de uma ciência geral extensiva à lingüística, que é
a semiologia" (BARTHES, 2003, p. 201), pois o mito pode ser constituído
também por escritas ou representações. Ele se constitui a partir de uma
cadeia semiológica existente antes dele, ou seja, aquilo que é signo no
primeiro sistema semiológico transforma-se em um significante no segundo,
que se constituirá como matéria-prima para um novo signo juntamente com um
novo significado. Dessa maneira, ele instaura, através da mitologia, um
sistema de leitura, compreensão e análise dos códigos sociais e dos
discursos de diversas áreas como o cinema, a moda e a publicidade.
Ainda segundo Hebdige (2006), a análise da cultura é o ato de tornar
claros os significados e os valores implícitos e explícitos de uma
particular forma de vida social através da investigação das relações de
influência entre os indivíduos e os signos. Essa perspectiva se alinha com
a proposição de Williams (apud Hebdige, 2006) sobre o debate de cultura e
sociedade, que revela assim as causas e tendências que fundamentam as
aparências encontradas no cotidiano.
Podemos então compreender os signos da cultura jovem a partir dos
significados que eles adquirem na dinâmica da subcultura. Hebdige (2006)
aponta que o poder hegemônico necessita de uma constante negociação para
manter sua dominação através do consenso. No momento em que ocorrem
fraturas no âmbito deste consenso social, as subculturas surgem como esse
rompimento. Elas se definem por um comportamento desviante, pela reunião de
afinidades estilísticas e pela luta dos significados que expressem uma
forma de resistência à ordem a qual elas se opõem.
As subculturas possuem um discurso que confronta a maioria dominante
através do estilo – gestos, movimentos e comportamentos –, resolvendo as
desigualdades sociais no nível do signo. Dessa forma, podemos identificar
na cultura jovem um inerente desafio ao poder hegemônico, pois os
adolescentes estão sempre articulando significados específicos que fazem
com que eles se identifiquem – e também se diferenciem – com os demais
integrantes de seus grupos.
Desde os anos 50, a juventude tem criado um estilo de vida baseado no
lazer e no consumo, orientado para o tempo livre e dedicado a atividades de
diversão ou entretenimento. Segundo Snow (1987), o rock se configurou como
a música dos jovens por libertá-los da música tradicional americana e por
trazer energia e vitalidade, características que se alinham com os
interesses dos jovens. Além disso, o rock transcendeu a música e se
apresentou como um estilo de vida, conquistando assim a atenção da
juventude. Os artistas do rock e a juventude compartilham muitos códigos
nos seus estilos de vida e, devido a isso, tiveram uma trajetória muito
próxima, quase indissociável. A conseqüência dessa proximidade aconteceu
através de uma grande identificação dos adolescentes com esses artistas,
transformando-os em ídolos.
A cultura jovem e o rock fizeram parte do fenômeno da expansão da
mídia eletrônica na metade do século, constituindo, primeiramente, o rádio
como seu grande veículo e aliado. Foi através dele que esse estilo musical
surgido na metade do século conseguiu alcançar grandes audiências e formar
o principal estilo da cultura pop do final do séc. XX. A disseminação do
rádio nos anos 50, proporcionada pelos avanços tecnológicos, permitiu que
os jovens consumissem essa mídia durante a maior parte do seu tempo livre.
A miniaturização e a portabilidade dos aparelhos receptores também
contribuíram para a popularização do rádio e do rock.
Tinha-se então uma subcultura jovem reunida em torno da mídia e da
música, que difundia seus códigos para os outros jovens e começava a chamar
a atenção dos adultos. Era através das emissoras de rádio dedicadas ao
gênero que os artistas se tornavam conhecidos e alcançavam boas vendagens
de discos. O rádio foi o principal consumo cultural dos jovens até a década
de 70, quando a televisão iniciou os seus primeiros passos na conquista dos
jovens como audiência.
A TV se diferencia por adicionar a dimensão visual à música, que é
potencializada com a chegada da MTV no início da década de 80. A música
passa a ser uma experiência simultaneamente visual e sonora e a televisão,
então, ganha importância para a cultura jovem e para o rock. Acompanhar a
programação de uma emissora como a MTV se tornou tão importante quanto foi
acompanhar a programação de uma emissora de rádio nos anos 50 e 60.
O sucesso da televisão e do videoclipe junto ao público jovem não se
deve somente ao desenvolvimento da sua tecnologia ou à expansão do serviço
de TV a cabo, mas também a uma audiência acostumada à gramática da
televisão (SNOW, 1987, p. 341). Dessa forma, o clipe proporcionava um ponto
de partida para a exploração de possibilidades artísticas ilimitadas,
fugindo da representação visual da música ou da performance dos artistas. O
videoclipe reúne em si as características visuais e sonoras que
interessavam à juventude acostumada com a mídia eletrônica através da
utilização de um ritmo e uma duração das imagens inovadores para a mídia
televisiva.
Robert Snow conclui seu texto Youth, Rock'n'roll and Electronic Media
afirmando que "não importa o que ocorra, o casamento da cultura jovem e a
mídia eletrônica é um vínculo sólido, cada um influenciando o outro em um
processo dinâmico que gera observação atenciosa e participação agradável"
[3] (1987, p. 343) e a história confirmou essa afirmação ao longo de duas
décadas, ainda que a TV tenha perdido espaço para a Internet na segunda
metade da década de 1990.

3. O universo cultural da MTV: juventude, modas culturais e pós-modernismo

Um importante desafio para as emissoras de televisão no final da
década de 70 foi estruturar um perfil de programação de suas redes para
conquistar um público essencialmente jovem. À medida que a TV ganhava
importância na sociedade nos anos seguintes ao seu surgimento, o público
jovem estava distante, pois os programas não contemplavam o entretenimento
de suas horas vagas. Esse público estava concentrado em torno do rádio e
suas emissoras dedicadas ao rock.
Frith (1993) considera que a programação destinada aos jovens foi, em
seu início, essencialmente concentrada na música a fim de conquistar a
fatia de público que dedicava suas horas de lazer ao rádio. A partir da
resposta positiva do público à exibição de vídeos musicais, gravação de
shows e exibições ao vivo em programas inseridos em horários específicos
dentro da grade de programação da TV, a indústria da música passou a
direcionar os investimentos de seus artistas também para a televisão,
construindo um cenário favorável ao surgimento de um canal musical.
O surgimento da MTV não somente contribuiu para a indústria
fonográfica e seus produtos correlatos, mas contribuiu também para a
instauração de um novo perfil de telespectador. A metáfora da TV jovem
serviu amplamente para o projeto de renovação do serviço de televisão a
cabo com o oferecimento de novos serviços e de uma segmentação dos canais
ainda em seu estágio inicial. Dessa forma, a MTV se tornaria um paradigma
do perfil de programação televisiva segmentada.
Ao ter construído sua estrutura sobre a indústria da música, a MTV
passou a pertencer a um ritmo de renovação, de criação e difusão de gostos
mais acelerado do que o próprio meio da televisão está acostumado. Segundo
Lipovetsky, o ritmo de renovação dos discos nas prateleiras das lojas se
aproxima da duração mensal. O curto período de "vida útil" e a renovação
acelerada correspondem à fase da indústria da música nas décadas de 80 e
90, portanto, antes da popularização da Internet e o compartilhamento de
música on-line. Diante disso, duas expressões simbolizam apropriadamente o
consumo de produtos culturais da indústria cultural do final do século XX:
a "forma moda" e a "paixonite cultural" (LIPOVETSKY, 1989).
A "forma moda" define estruturalmente a sociedade de consumo, baseada
na sedução dos produtos e na acelerada obsolescência dos objetos. A regra
do efêmero governa o processo da moda, que através dessa renovação
acelerada propicia a renovação e a manutenção do consumo. Para acompanhar a
"forma moda", as indústrias necessitam de inovações constantes para manter
a penetração no mercado. Assim, elas recorrem a estratégias como inovações
em design e funcionalidades supérfluas aos objetos. Esse princípio da forma
moda rege as relações de lançamento de produtos industriais e culturais
(LIPOVETSKY, 1989, p. 159-169). A "paixonite cultural" é a forma de consumo
cultural na qual a moda dá amplitude e torna os produtos visíveis. A
paixonite não choca nenhum tabu, suas experimentações subversivas se
manifestam na preferência pelas pequenas mudanças sem desordem e sem risco
(LIPOVETSKY, 1989, p. 206). O objetivo da "paixonite cultural" é causar
frenesi pelo consumo do Novo.
Os jovens são o principal alvo do consumo cultural baseado na
novidade, pois eles estão em busca de uma afirmação da individualidade, que
é feita através dos gostos, das preferências estéticas e do consumo
(LIPOVESTKY, 1989, p. 219). A cultura de massa se alinha com os
adolescentes, pois ambos dividem os mesmos interesses de exaltação da vida
de lazer, da busca pelo prazer no cotidiano e do bem-estar individual.
É no âmbito da indústria cultural – que tem aspecto aleatório e
imprevisível em relação aos gostos e ao consumo – que a MTV se insere como
um vetor de propagação de gostos e modas. Por ser organizada pela lógica do
consumo imediato das novidades, a determinação do sucesso de um produto se
torna complexa, pois o que está em jogo é a aquisição do novo compartilhado
pelos membros de um mesmo grupo. Uma característica do Novo é a sua recusa
em fabricar produtos que não confrontem o público nem perturbem seus
hábitos e expectativas, passando a pertencer a uma cultura que se baseia em
fórmulas já experimentadas, repetição de conteúdos e cuja individualidade
apresentada seja enquadrada em esquemas típicos. É dentro da ordem do Novo
que a cultura de massa fundamenta a circulação de seus produtos.
(LIPOVETSKY, 1989)
Em seu surgimento, a MTV se posicionou como uma emissora de TV
diferenciada, recusando a linearidade da narrativa em sua estrutura por uma
organização mais diversa e multifacetada. Connor (1989:2000, p. 129) afirma
que na televisão e no vídeo "a singularidade, a permanência e a
transcendência" parecem ter sido substituídas por "multiplicidade,
transitoriedade e anonimato". Ele ainda considera que ambos abrangem o
mundo da cultura de massa e o da vanguarda. Devido a isso, ele afirma que
não é surpresa a grande dedicação dos teóricos do pós-modernismo em
investigações sobre a TV e as artes do vídeo.
Goodwin (1993, p. 45), por sua vez, considera que a critica pós-
moderna vê na MTV um reflexo do texto pós-moderno ideal, com
características como a fragmentação, a segmentação, a superficialidade, a
mistura estilística desordenada, a indefinição entre mediação e realidade,
o colapso do passado e futuro em direção a um momento presente, a elevação
do hedonismo, a dominação do visual sobre o verbal. O poder da dimensão
visual é tão representativo que o autor aponta uma negligência da música
nas análises que a teoria pós-moderna empreendeu sobre a televisão e o
vídeo, comumente associando a música ao ritmo das imagens e da edição do
vídeo. A partir de trabalhos de autores como Fiske, Teztlaff, Aufderheide,
Wollen e Kaplan, o autor aponta que o emprego do termo pós-modernismo à MTV
e ao videoclipe se deve às seguintes características: fusão da alta arte e
discursos da cultura popular; programação contínua, sem divisões aparentes;
construção não-realista dos videoclipes; pastiche; intertextualidade,
abolição de noções convencionais de passado, presente e futuro; criação de
um universo de representação niilista e amoral (Goodwin, 1993, p. 45-46).
Assim, identificamos através do pós-modernismo características da MTV que
nos permitem partir para uma discussão de seu papel em relação ao campo da
televisão, compreendendo-a a partir do contexto cultural ao qual ela está
inserida.
Coelho (1995, p. 165) afirma que uma intenção da MTV é "propor-se como
um ambiente visual", aproximando a experiência visual da auditiva, na qual
o som envolve o indivíduo, penetra-lhe o corpo sem barreiras. Devido a essa
característica, a emissora musical se distingue das demais por não desejar
ser apenas uma companhia, mas por almejar a criação de um ambiente visual e
ser ela própria este ambiente através da exibição 24h por dia de
videoclipes. Na MTV, a unidade visual que proporciona este ambiente
pretendido corresponde a uma duração fracionada das imagens na tela, já que
a estabilidade da imagem não é uma preocupação desta emissora de televisão
e de seus formatos e as normas que regem seus produtos são a sobreposição,
a transformação e as anamorfoses da imagem.
Coelho (1995, p. 166) chama esta imagem em transformação de "imagem
molecular", cuja característica principal é a turbulência, o deslocamento
contínuo e o fluxo que rompe as fronteiras entre o sólido e o fluido. Essas
imagens estão em constante modificação e encontram no público jovem da MTV
uma audiência especializada em instabilidade, mutação. O autor exemplifica
essa perspectiva através da logomarca da emissora, que a cada vinheta se
apresenta através de uma forma, textura, tamanho, cor e comportamento
distintos, mas preservando traços de sua essência e assim sendo um
representativo do que o canal corresponde para seu público e para as outras
emissoras. Outro autor que compartilha dessa visão mutante da imagem é
Connor ao citar Aufderheid (1989:2000, p. 132) a respeito do videoclipe: "a
força desta 'poderosa, embora folgazã, arte pós-moderna' deriva do processo
que os vídeos musicais personificam, ecoam e encorajam, 'a uma constante
recriação de um eu instável'". É nessa perspectiva que tanto a MTV quanto o
videoclipe pertencem a uma cultura jovem contemporânea consolidada no
contexto cultural do pós-modernismo.

4. Videoclipe, arte e tecnologia: a expansão da expressão artística

O surgimento do videoclipe se insere, como já vimos, em um cenário de
transformação do campo da televisão e da disseminação das tecnologias de
gravação e exibição do vídeo. Da sua criação até o surgimento do
videoteipe, a TV operava sob a norma da transmissão direta sem distinção
entre o tempo da produção das imagens e a sua difusão. Couchot (2003, p.
82) aponta que a imagem televisiva tornava presente o real distante
geograficamente provocando uma aderência entre a realidade da imagem e o
espectador. Ele chamou de sobreapresentação (COUCHOT, 2003, p. 82) a
propriedade da televisão de promover esse contato visual imediato entre
telespectador e imagem, pontuando que assim os indivíduos tendiam a perder
a memória, pois no âmbito da TV não existe o tempo anterior e o posterior à
imagem vista, mas a intensidade do momento imediato é a norma. Somente o
presente se torna perceptível às pessoas, que negligenciam uma reflexão das
conseqüências dos acontecimentos transmitidos.
Baudrillard (1993, p. 147) afirma que as imagens da televisão e do
vídeo são imagens sem negativo, sem referência, sem a indicialidade de sua
existência, tornando-se imagens virtuais, existentes apenas na tela, sendo
este suporte o espaço no qual a percepção delas ocorre. Baudrillard
compartilha a idéia de auto-referencialidade das imagens da televisão e do
vídeo e da ausência de passado e futuro nestas imagens, produzindo uma
simulação originada na busca da representação da realidade, que falha ao
representar as próprias imagens. O autor (1991, p. 107) recorre à famosa
frase de McLuhan – o meio é a mensagem – para afirmar que a era das imagens
eletrônicas é a era da simulação, da circularidade dos pólos, em que o meio
e a mensagem se absorvem um ao outro, desfazendo a idéia de existência de
uma instância mediadora que transmite a instância da informação. Segundo
Baudrillard (1991, p. 7-14), pertencemos à era da simulação total, da
precessão dos simulacros, no qual o real é originado de modelos sem origem
e sem realidade anterior. A televisão, por sua importância e penetração no
cotidiano, desempenha um papel de difusão e de "ensinamento" para a
sociedade de uma gramática específica da simulação e da incerteza da
realidade das imagens.
A tecnologia do videoteipe proporcionou uma modificação no estatuto da
televisão que passou a lidar simultaneamente com a imagem direta e com a
imagem gravada, tendo funções distintas para cada uma. A credibilidade
conquistada pela imagem "ao vivo" permite que a informação visual seja
isentada de dúvida e de questionamento por ter sido registrada no fluxo dos
acontecimentos. As imagens gravadas passaram a funcionar como suporte para
comprovação e exemplificação da informação que se deseja transmitir, mas
devido a empecilhos de diversas ordens para a sua transmissão direta, elas
são gravadas e exibidas com o mínimo de manipulação visível ao público.
Esses dois tipos de imagens se inscrevem, então, em um sistema que favorece
a imagem presente e o alheamento de suas causas e conseqüências, celebrando
uma imagem que existe enquanto atualidade e virtualidade perceptiva na tela
do televisor.
A popularização dos dispositivos de gravação e edição em vídeo
favoreceu o surgimento de uma expressão artística – que simultaneamente
possuía um aspecto midiático. Essa ambivalência da imagem do vídeo foi
discutida, entre outros, por Philippe Dubois (2004) em sua investigação
sobre uma especificidade desse modo de imagem. No vídeo, o referente é
captado por projeção ótica pela câmera e descomposto em sinal eletrônico no
momento do registro para ser recomposto através de um sistema eletrônico em
imagem eletrônica exibida através de um televisor. Outra ambivalência diz
respeito à imagem do vídeo como linguagem e como técnica, pois ao mesmo
tempo em que ela representa um aparato tecnológico, também se configura
como uma expressão imagética desse dispositivo, reunindo comunicação e
arte, processo e obra (DUBOIS, 2004).
Para Dubois (2004), a multiplicidade de seus modos impede que
determinemos uma especificidade da imagem videográfica, mas aponta que é a
partir dessa instabilidade que ela se define como um estado, um movimento,
uma imagem vinculada ao dispositivo, que é breve e de identidade
indeterminada. É circunscrito a esse panorama das artes do vídeo que vemos
a emergência do videoclipe. Ele se instaura como um herdeiro distante da
vídeo-arte, que buscava provocar uma overdose de emoções mais do que
transmitir um significado imediato, dispensando um suporte narrativo. Décio
Pignatari (apud MACHADO, 1990, p. 169) afirma que com o videoclipe a TV
encontra a sua poética. É através dele que a televisão foge de parâmetros
adaptados do rádio e do cinema e promove um encontro de um público de massa
com a transgressão do audiovisual. O videoclipe se define enquanto união
indecomponível de imagem e som, que busca atingir a audiência por um
rendimento gráfico específico e baseado num construto de som e imagem.
Outra característica principal advém da colagem de recortes (clip) de
imagem, fragmentando o sentido e produzindo um efeito de narração.
O formato ultrapassou seus próprios limites e, como atesta MACHADO
(2000), estabeleceu-se como uma forma contemporânea de expressão artística.
Essa derrubada de barreiras foi promovida por tendências que redefiniram o
videoclipe após o seu surgimento. Entre elas, Machado (2000, p. 176-182)
aponta o tratamento mais livre da iconografia relacionada aos artistas e
bandas nos clipes, deixando de destacar a figura das estrelas; a exploração
de exercícios livres do audiovisual, recebendo investimento financeiro e
tecnológico para as experimentações; a libertação do padrão publicitário da
imagem ideal através da exploração da imagem suja, sem definição e sem
amplitude; a busca de uma natureza gráfica e rítmica frente a uma natureza
narrativa; preferência pelo efeito de narração do que a representação de
uma curta história; e a estrutura baseada na velocidade acelerada do efeito
zapping, que compreende a apreensão de informação através de flashs de
imagens.
Frith (1993) considera que a estruturação de um perfil de televisão
jovem nos anos 80 necessitou de uma mudança na forma de assistir televisão,
que compreendesse as novas linguagens e técnicas e abrangendo ainda a
utilização dos serviços da TV a cabo. A constituição de uma audiência jovem
não estava apenas baseada na faixa etária dos telespectadores, mas, segundo
o autor, em três componentes: a obsessão com a modernidade e sua busca de
estar em sintonia com as novidades originadas da tecnologia e da cultura de
popular; o populismo eletrônico e a necessária especialização para a
experiência televisual numa época de surgimento de novos formatos e
transformações dos antigos; e a discriminação dos espectadores através do
controle remoto, que caracterizava não apenas uma atitude de escolha e
constante mudança de emissora, mas também a possibilidade de registro
dessas mudanças e análise de suas preferências.
Na década de 1980, a televisão estreitou laços com a música e a
juventude buscando um novo cenário televisivo, que possuísse uma postura
independente e almejasse a satisfação do prazer individual através de
segmentação da audiência e da identificação do telespectador no ambiente
midiático. O ato de assistir à TV deixou de ser uma tarefa secundária do
cotidiano e passou a ser uma experiência de busca do prazer individual.

5. Considerações finais

A MTV e o videoclipe são os responsáveis por introduzir na experiência
da televisão uma dimensão estética. O veículo de comunicação passava a se
constituir além de uma fonte de informação ao levar ao cotidiano uma práxis
da experiência estética. O caminho de disseminação das novas práticas
propostas foram os adolescentes que possuíam certo interesse pela linguagem
artística – e também pela prática tecnológica – surgida no ambiente da TV.
No entanto, a MTV não deixava de ser um meio de comunicação de massa nem o
videoclipe abandonava sua função de ferramenta de propaganda da indústria
fonográfica. É desse caráter híbrido que identificamos algumas das
características de uma "estética da MTV".
Um aspecto que identifica esse hibridismo é a natureza da emissora de
televisão e de seus produtos se apresentarem simultaneamente como
comunicação e expressão artística no mesmo veículo. Outro aspecto
semelhante é o caráter artístico e tecnológico do vídeo, uma instabilidade
que transita entre o midiático e o estético, convergindo-os e produzindo
uma estética midiática. Como Connor (1998) e Frith (1993) apontaram, a
crítica pós-moderna encontra nestes aspectos e seus desdobramentos a
possibilidade de existência do texto pós-moderno ideal. O regime de consumo
que flutua entre o produto da cultura de massa e do produto artístico é um
exemplo do desdobramento do aspecto híbrido desse regime da TV.
Outra instância de compreensão da "estética MTV" são as relações que a
emissora mantém com os jovens. Ao decidir investir em um público propenso a
novas linguagens, a MTV vê no rock um atrativo de importância para a
conquista da juventude. É nesse grupo que a emissora concentra seus
esforços, buscando reproduzir os códigos e costumes das diversas gerações
pelas quais a emissora atravessou, não permitindo que o alvo de sua
audiência se perdesse em outras atividades e/ou emissoras de TV. Essa
característica de constante mutação permite que a MTV não perca seu foco
por atraso e inadequação ao público, tornando-se também a sua distinção
diante das outras emissoras. Não só ao reproduzir os códigos desta
subcultura que a MTV os conquista, mas também por operar no regime de
consumo que atrai o interesse dos adolescentes: buscar o Novo pelo
interesse em seu aspecto de novidade.
Portanto, podemos recorrer a algumas palavras e conceitos que estarão
bastante relacionados a uma estética da MTV: juventude, rock, cultura de
massa, experiência estética, tecnologia, fragmentação, transformação, etc.
Estas podem ter se tornado lugares-comuns da crítica sobre a emissora e
sobre o videoclipe, mas não se pode negar a importância que elas possuem na
construção e desenvolvimento dessa estética televisiva particular.



Referências
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[1] Trabalho apresentado na disciplina Mídia e Estética, do Programa de Pós-
graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, em janeiro
de 2008.
[2] Aumento significativo da taxa de natalidade nos Estados Unidos do Pós-
Guerra causando um crescimento populacional que gerou um grande impacto
sócio-econômico.
[3] Em inglês, no original, "Whatever occurs, the marriage of youth and
electronic media is a solid bond, each influencing the other in a dynamic
process that makes for exciting observation and enjoyable participation".
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