Portugal 1974/75: uma revolução impossível? Uma nota histórica sobre o PCP e a revolução portuguesa

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Portugal 1974/75: uma revolução impossível?
Uma nota histórica sobre o PCP e a revolução portuguesa

Valerio
Arcary, Professor do IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de São Paulo), e doutor em História Social pela USP
O êxito fácil demais do 25 de novembro, que é sua principal
originalidade, obriga a examinar com mais atenção a política seguida
pelo PCP, pela ala esquerda do MFA e pelos grupos da esquerda
revolucionária. [1]


Francisco
Martins Rodrigues, alias, Chico Martins

É frágil
o pano que veste as velas do desengano


Sérgio Godinho, cantor popular
português
O PCP foi um dos primeiros partidos comunistas a participar em um
governo na Europa Ocidental no pós-guerra.[2] A presença de um partido
comunista em governos europeus foi um tabu dos anos de guerra fria. Foi uma
surpresa mundial quando Cunhal foi apresentado como ministro sem pasta –
ministros sem pasta foram uma das muitas excentricidades da revolução
portuguesa – no primeiro governo provisório liderado por Palma Carlos e
Spínola. A estupefação foi ainda maior quando o PCP não somente permaneceu
nos governos provisórios seguintes, como aumentou significativamente sua
influência até a queda de Vasco Gonçalves em agosto de 1975.
A repercussão do papel do PCP continuou crescendo porque, a
partir do V governo provisório, no verão quente de 1975, Cunhal foi acusado
pelo Partido Socialista, dirigido por Mário Soares, de estar tramando um
"golpe de Praga", ou seja, uma insurreição para tomar o poder. Soares
desafiou a hegemonia da mobilização de ruas que, até então, o PCP detinha,
levando centenas de milhares às ruas contra Vasco Gonçalves e, apoiado pela
hierarquia da Igreja, pela embaixada americana, e pelos governos europeus,
estimulando a divisão do MFA que se expressou através do "grupo dos nove".
Meses depois, quando o movimento militar dirigido por Ramalho Eanes, na
madrugada de 25 de novembro de 1975, de fato, tomou pela força o poder –
fazendo aquilo que denunciava que o PCP estaria preparando - Melo Antunes
defendeu, inusitadamente, a participação do PCP na "estabilização
democrática", sublinhando, dramaticamente, que a democracia portuguesa
seria impensável sem o PCP na legalidade, para deixar claro que o golpe não
seria uma pinochetada, e que foi feito para evitar aquilo que, no calor
daqueles dias, se interpretava como o perigo de uma guerra civil, e não
para provocá-la. Admitiu, portanto, que o VI governo provisório e o
Conselho da revolução estavam fazendo uma intervenção armada nos quartéis
(um clássico auto-golpe), mas alegou que era em legítima defesa, para
manter a legalidade, não para subvertê-la. Mas o que aconteceu no 25 de
novembro foi muito diferente da versão que os vencedores quiseram fazer
acreditar no calor dos acontecimentos, e ainda mais diferente do que a
versão que, décadas depois, foi popularizada pelo Partido Socialista e
Mario Soares, com apoio dos meios de comunicação para justificar o golpe
militar.
As revoluções não são acontecimentos, são processos, são a
dinâmica de um combate que tem fluxos e refluxos, oscilações, porque as
classes em luta se vêem obrigadas a medir forças, mas temem a hora do
embate frontal, porque cada movimento pode ter imediatas ou até
irreparáveis consequências. As classes lutam através das organizações que
reconhecem como sendo a sua representação, mas, também, apesar delas e até,
em algumas circunstâncias excepcionais, contra os sujeitos políticos que
são seus porta-vozes. Existe o súbito, o repentino, o improvisado. Existem
as ações espontâneas, os transbordamentos, as explosões. A intensidade do
que está em disputa, nada menos do que o poder, impõe imensa gravidade a
cada iniciativa. Isso não impede que na explicação histórica do que
aconteceu sejam destacados com lentes de aumento aqueles momentos que foram
cruciais, porque determinantes. A revolução portuguesa teve também os seus
dias decisivos: o próprio 25 de abril de 1974, mas, também, o 28 de
setembro (primeira tentativa de golpe de Spínola, que levou à sua queda da
Presidência); o 11 de março de 1975, a segunda tentativa de golpe contra-
revolucionário de Spínola e dos setores salazaristas; e, finalmente, o 25
de novembro.
Na verdade, durante o 25 de novembro aconteceram dois
movimentos militares simétricos: o primeiro foi, catastroficamente,
improvisado – o levante dos pára-quedistas de Tancos, um setor da esquerda
militar que estava sendo encurralado pelo VI governo provisório dirigido
pelo almirante Pinheiro de Azevedo e reagia, precipitada e defensivamente
(sem qualquer articulação com os movimentos sociais), mas não contava com o
apoio do PCP – e o outro, que pode se presumir, vinha sendo preparado,
possivelmente, desde setembro, organizado pelo grupo dos Nove, que tinha
conquistado, depois da queda do governo do general Vasco Gonçalves, uma
maioria relativa no Conselho da Revolução, encabeçado pelo general Ramalho
Eanes e operacionalizado pelo major Jaime Neves, que tinha como objetivo
restaurar a disciplina da hierarquia de comando dentro das Forças Armadas,
primeiro passo para fechar a situação de crise revolucionária no país, ou
seja, eliminar a possibilidade de uma segunda revolução que, todos os
sujeitos políticos sabiam - porque a desejavam ou temiam - seria
anticapitalista.
Trinta e cinco anos depois, não existem documentos ou testemunhos
que comprometam o PCP com a insurreição militar dos pára-quedistas. Há,
contudo, uma entrevista de Melo Antunes, de 1998, que confirma uma reunião
reservada com Álvaro Cunhal (que Cunhal e o PCP recusaram comentar, para
confirmar ou negar), o que ajuda a explicar a paralisia – se poderia até
descrever como o quietismo - do PCP durante a operação militar que acabou
invertendo a relação de forças entre as classes, ao estabilizar as Forças
Armadas.[3] Não há porque duvidar, se consideradas as iniciativas que o PCP
foi capaz de impulsionar contra o 28 de setembro, o 11 de março e durante o
mês de julho, que se tivesse desejado, a direção encabeçada por Cunhal
poderia colocar em movimento forças militares e populares ainda muito
poderosas e que não se sentiam derrotadas.
O PCP não participou do 25 de novembro. Os militares que
influenciava não saíram dos quartéis nem para defender os pára-quedistas,
nem para apoiar a contra-ofensiva devastadora que os derrotou de maneira
fulminante. Em resumo: o PCP, soubesse previamente ou não, deixou o grupo
dos nove agir. O mistério histórico que permanece sem solução é saber se o
PCP estava informado da preparação do golpe (a ação dos pára-quedistas foi
o gatilho ingênuo que permitiu legitimar como auto-defesa diante dos
"esquerdistas" a quartelada militar) que era realizada por dentro do VI
governo provisório do qual participava, e do qual continuou a participar
depois do 25 de novembro.
Outra questão pertinente, mas que remete à história contra-
factual, é saber se, no marco da relação de forças que existia naquele
momento dentro e fora dos quartéis, uma reação do PCP poderia ter derrotado
a operação militar dirigida por Ramalho Eanes. Não se pode escrever a
história do que não aconteceu. O único que pode ser escrito sem incorrer em
especulações infundadas é que o dispositivo militar mobilizado para retomar
o controle das Forças Armadas foi muito minoritário. Nunca se saberá quem
teria sido o vencedor, se tivesse ocorrido uma reação militar e popular. O
25 de novembro de 1975 foi o dia em que Portugal esteve mais próximo de
iniciar uma guerra civil. Se ela não aconteceu, foi porque o PCP decidiu
não lutar, e a sua autoridade sobre a classe trabalhadora e sobre os
setores da esquerda militar foi suficiente.
Por quê a presença do PCP nos governos provisórios foi
necessária para o MFA, e por quê a colaboração do PCP com a governabilidade
após o 25 de novembro continuou sendo perseguida pelos militares parece ser
uma das questões chaves da história da revolução portuguesa. Existiu
realmente o perigo de uma guerra civil, ou de uma revolução socialista
depois do 25 de Abril? Apresentar uma hipótese de explicação para esta
excepcionalidade é o objetivo destas linhas.
uma revolução tardia
Já se disse que as revoluções adiadas são as mais radicais. Há
trinta anos atrás, a revolução dos cravos foi manchete nos principais
jornais e televisões de todo o mundo, e Portugal permaneceu um dos centros
da atenção internacional por um ano e meio. No 25 de Abril de 1974 ruiu a
ditadura mais antiga do continente europeu. Ruiu, caiu de madura, sem
oferecer resistência. A revolução portuguesa, esteve entre os processos
mais radicalizados da luta de classes da segunda metade do século XX e,
paradoxalmente, entre os mais pacíficos. Pouquíssimos tiros foram
disparados para derrubar o que parecia, pela sua longevidade, um regime
inexpugnável. As ocupações de prédios, fábricas e fazendas, e até as
expropriações sem indenização não exigiram o armamento do povo, nem
enfrentaram a resistência armada dos proprietários. Finalmente, a situação
revolucionária foi, também, um ano e meio depois, interrompida e, na
seqüência, revertida, com a estabilização de uma democracia parlamentar,
quase sem violência. A longa ditadura e a longa guerra colonial, e um
exército derrotado ajudam a compreender porque não houve capacidade de
resistência do regime. Mas, a derrota da revolução quase sem oposição, nos
remete ao peso social e à autoridade política do PCP.
A rebelião militar organizada pelo MFA, uma conspiração dirigida
pela oficialidade média das Forças Armadas que evoluiu, em poucos meses, de
uma articulação corporativa para a insurreição, foi fulminante. A queda da
tirania construída por Salazar foi instantânea. Abatida militarmente por
uma guerra sem fim, exausta politicamente pela estreiteza de base social
interna, esgotada economicamente por uma pobreza que contrastava com o
padrão europeu, e cansada culturalmente pelo atraso obscurantista que impôs
durante décadas, poucas horas foram suficientes para uma rendição
incondicional.
O atual regime democrático-liberal em Portugal não é, no
entanto, o herdeiro direto das liberdades e direitos sociais conquistados
pela revolução nos seus intensos dezoito meses, mas, de certa forma, um
filho bastardo. O regime que mantém Portugal, mais de trinta anos depois,
entre os mais atrasados países europeus é o resultado de um longo processo
de reação das classes proprietárias - e seus aliados nos setores médios -
que chegou a recorrer aos métodos da contra-revolução em novembro de 1975,
mas dispensou a quartelada, como tinha acontecido em Santiago do Chile em
1973. A democracia-liberal portuguesa, assim como as democracias-liberais
na França e Itália ao final da Segunda Guerra Mundial, quando o povo se
levantou contra o nazi-fascismo, nasceu do ventre de um ascenso
revolucionário que colocou em movimento milhões de pessoas, em uma daquelas
esquinas perigosas da história em que tudo parece possível.


A revolução à deriva
A revolução portuguesa foi, portanto, muito mais do que o
fim atrasado de uma ditadura obsoleta. A queda de Marcelo Caetano
precipitou uma situação revolucionária no pequeno país da Península
Ibérica, poucos anos depois da Europa ter se surpreendido, em 1968, com um
levante estudantil em Paris que se uniu, inesperadamente, com uma greve
geral operária por tempo indeterminado que levou De Gaulle a procurar
refúgio em uma base militar na Alemanha. Mesmo se considerarmos o impacto
mundial do maio francês, o 25 de abril inaugurou uma situação inusitada, se
comparada com o quadro de relativa estabilidade das décadas européias de
crescimento do pós-guerra. Uma situação revolucionária que passou pelas
mesmas etapas de evolução da revolução russa entre fevereiro e outubro, mas
como se fosse em câmara lenta, porque levou dezenove meses, ao contrário
dos seis meses de 1917, para se colocar o problema do poder. Podemos
dividir o processo em três conjunturas sempre mais radicalizadas à
esquerda:
(a) de abril de 1974 até o 11 de março de 1975, abre-se uma situação
revolucionária semelhante à do Fevereiro russo[4]: uma ampla frente social
que une as frações dissidentes da burguesia – exasperadas com a inércia da
ditadura - a ampla maioria das classes médias urbanas - cansada com a
obtusidade do regime - e as massas trabalhadoras – desesperadas pela guerra
e pela pobreza. Nesses meses se garantiram as amplíssimas liberdades
democráticas, inclusive nos locais de trabalho, e o cessar-fogo em África,
derrotando duas tentativas de quarteladas e o projeto de consolidação de um
regime presidencialista forte. Predomina um forte sentimento de unidade
entre os trabalhadores e a maioria dos setores médios, um apoio esmagador
ao MFA, um sentimento a favor da unidade do PS e do PCP e contra Spínola. A
sociedade gira vertiginosamente à esquerda. Lisboa foi, então, uma das
cidades mais livres do mundo.
(b) entre o 11 de Março e Julho de 1975, uma situação revolucionária
semelhante à que precedeu o Outubro russo: os de cima já não podem e os
debaixo já não querem mais ser governados como antes. A fuga do país de uma
parte considerável da burguesia, a nacionalização de parte das grandes
empresas, o reconhecimento das independências - menos Angola – e a
generalização de um processo de auto-organização de massas nos locais de
trabalho, estudo e, sobretudo, nas Forças Armadas, mas sem que a dualidade
de poder encontrasse uma via de centralização.
(c) finalmente, a crise revolucionária, quando ficou claro que a revolução
estava à deriva, entre agosto e novembro de 1975, com a cisão do MFA, a
independência de Angola, a radicalização anticapitalista com rupturas de
setores de massas da influência do PS e do PCP, a formação dos SUV (auto-
organização de soldados e marinheiros) e manifestações armadas, ou seja, a
ante-sala ou de um deslocamento revolucionário do Estado, ou de um golpe
contra-revolucionário. Um destes dois desenlaces se tornava inadiável. [5]
Hoje sabemos que o capitalismo lusitano escapou à tempestade
revolucionária, que Portugal logrou construir um regime democrático liberal
razoavelmente equilibrado, que a Lisboa dirigida pelos banqueiros e
industriais sobreviveu à independência de suas colônias e se integrou na
União Européia. Poderia, contudo, ter sido outro o resultado daqueles
combates, com imensas conseqüências para a transição espanhola e
repercussão sobre toda a Europa latina. As revoluções não podem ser
reduzidas aos seus desenlaces. Compreender o passado exige um
esforço de imaginação do campo de possibilidades que estava desafiando os
sujeitos sociais e políticos que atuavam projetando um futuro incerto. Há
trinta anos atrás, uma revolução socialista em Portugal poderia parecer
improvável, difícil, arriscada, ou duvidosa, mas era uma das perspectivas,
entre outras, que estava inserida no horizonte do processo. A chave de
interpretação deste texto será a análise do PCP, e do seu lugar na
revolução portuguesa.

Uma revolução impossível?
Permanecem vivas as controvérsias de critérios para a
apreciação histórica dos partidos políticos. Partidos podem ser julgados
pela história de suas linhas políticas e de suas lutas políticas,
inclusive, as internas; pelo confronto entre suas posições quando estão na
oposição, e quando estão no poder; pelo programa para a transformação da
sociedade, ou até pelos valores e idéias que inspiram sua identidade; pela
composição social de seus membros - militantes ou simpatizantes - ou dos
seus eleitores, ou da sua direção; pelo regime interno do seu
funcionamento; pelas formas de seu financiamento; ou pelas suas relações
internacionais. Todos estes critérios são válidos, e a construção de uma
síntese exige uma apreciação da sua dinâmica de evolução. Só não se pode é
julgar um partido por aquilo que ele pensa sobre si próprio. Para aqueles
que usam o marxismo como método de análise das relações sociais e
políticas, todos estes elementos são significativos, mas uma caracterização
de classe é, finalmente, inescapável, para um juízo dos partidos políticos.
O papel político do PCP na revolução portuguesa pareceu a
alguns historiadores contraditório com o dos PC's italiano e espanhol que,
na segunda metade dos anos setenta, se apresentaram como eurocomunistas, e
chegaram a considerar suas táticas como leninistas.[6] É verdade que a
revolução portuguesa foi, depois da revolução alemã, a revolução
contemporânea que permite mais associações comparativas com a revolução
russa. A decadência nacional provocada por uma ditadura arcaica, a derrota
militar em uma guerra sem fim, a divisão das Forças Armadas, o surgimento
espontâneo de uma auto-organização operária, estudantil e popular, a
transformação dos partidos operários em organizações de massas em poucas
semanas, as tentativas kornilovianas derrotadas de contra-revolução, o
transbordamento dos partidos de esquerda moderados pelas suas próprias
bases sociais, são fatores presentes nos dois processos. Não obstante,
associar a estratégia do PCP à dos bolcheviques russos é inapropriado.
Justiça seja feita, o PCP se comportou muito mais como os mencheviques:
aderiu aos governos provisórios, defendeu a ordem, denunciou as greves como
selvagens, e o respeito à propriedade privada, promoveu campanhas de
trabalho voluntário - a batalha da produção - o respeito às hierarquias,
aos tratados internacionais, etc. O PCP não abraçou um programa de reformas
porque a revolução era impossível. Ao contrário, uma das razões pela qual a
revolução demonstrou-se impossível foi porque o PCP abraçou um programa de
reformas.
A revolução portuguesa coincidiu com o fim da guerra no Vietnam
e foi o início do período que ficou conhecido, no estudo das relações
internacionais, como a segunda etapa da guerra fria. O eurocomunismo
italiano e espanhol pretendia sinalizar para as suas burguesias uma adesão
incondicional aos limites da democracia-eleitoral como regime político e,
ao mesmo tempo, um distanciamento de Moscou. Na Itália, o PCI estava se
transformando no maior partido eleitoral, e Berlinguer estava preocupado em
oferecer garantias à Democracia Cristã de que estava comprometido com a
governabilidade, sugerindo até um governo de coligação. No Estado Espanhol,
Carrrillo articulava o lugar do PCE na transição democrática pós-
franquismo, que culminou com o Pacto de la Moncloa, e apresentava a defesa
da preservação da monarquia como demonstração de sua adesão aos valores
liberais da governabilidade.
Para aqueles que descobriram que Cunhal abraçou táticas
leninistas, presumidamente, para realizar uma revolução socialista, o PCP
seria um anacronismo histórico. Teria permanecido um partido hostil ao
regime democrático, que se apoiava nas reivindicações operárias e populares
para reforçar a sua influência em setores do MFA, e sua presença nas
instituições do Estado e nas novas empresas de gestão estatal, para
acumular forças para tomar o poder. Seria um partido revolucionário, fora
do tempo, fora da história, engajado na busca de condições para fazer uma
segunda revolução. Tendo triunfado a revolução nacional e democrática,
estaria próxima a hora da revolução anti-capitalista.
O argumento deste texto é que esta avaliação é não só errada,
mas, injusta. Portugal viveu depois do 25 de abril uma situação
revolucionária, mas o PCP não foi um partido de incendiários, mas de
bombeiros. É verdade que a oratória do PCP foi ambígua, e existiram,
durante os dezenove meses de situação revolucionária, entre o 25 de abril
de 1974 e o 25 de novembro de 1975, muitos excessos retóricos, mas essa
elevação de tom foi comum em todas as revoluções urbanas contemporâneas.
Também é verdade que o PCP se apoiou, no calor do processo revolucionário,
na sua implantação nos setores chaves da vida econômica e social - nas
fábricas, bancos, e nas ruas - ou seja, nas suas posições de força no
terreno da luta de classes direta, para manobrar nas ondas do processo
revolucionário, entre as pressões de suas bases sociais, que ameaçavam
desbordá-lo pela esquerda, e as necessidades de estabilização do novo
regime. Usou essa pressão social nas relações de influência no MFA,
diminuindo o significado das eleições para a Constituinte – que lhe foram
desfavoráveis – e defendendo o Conselho da Revolução.
Mas, o projeto do PCP não era o socialismo, mas a desconcertante
defesa de um projeto nacional autárquico, garantindo a preservação das
posições de influência da URSS no sistema internacional de Estados, ou
seja, em primeiro lugar, a garantia de que a independência das colônias
africanas, sobretudo Angola e o MPLA, levaria ao poder os Movimentos de
Libertação aliados de Moscou.
O PCP não foi nunca uma ameaça nem ao capitalismo, nem à
democracia-liberal. Ao contrário, a democracia liberal e o capitalismo têm
uma dívida política com o PCP. O mito de um PCP leninista-insurrecional foi
uma fábula político-ideológica reacionária inventada pela burguesia
portuguesa. Ao contrário de Lenin, que levou os bolcheviques à oposição
irreconciliável com os governos provisórios, em especial dos governos
encabeçados por Kerensky, depois da queda do czarismo, o PCP foi um dos
maiores fiadores dos governos provisórios, em especial de Vasco Gonçalves.
A direção do PCP nunca sonhou em fazer uma revolução socialista, embora
seus militantes, em maioria, imaginavam que já tinham chegado ao poder
depois do 11 de março, e que o país estaria fazendo uma transição ao
socialismo. A discrepância entre o que estava realmente em disputa, e
aquilo que as massas operárias e populares que confiavam no PCP imaginavam
estar em disputa, é a chave da explicação para o desenlace incrivelmente
fácil da contra-revolução em 25 de novembro de 1975.
A revolução perdida
Duas caracterizações ajudam a compreender a originalidade
histórica do partido de Álvaro Cunhal entre os partidos comunistas dos anos
setenta. O PCP foi: (a) a única organização que atravessou, senão intacta,
preservando a maioria de suas forças, toda a resistência à ditadura de
Salazar e Marcello Caetano; (b) um dos partidos estalinistas mais rígidos
sob a esfera de influência soviética. Estes dois elementos não são somente
complementares. São contraditórios, porque a resistência exigia disciplina,
mas, também, força de caráter e emulação ideológica forte.
Os partidos estalinizados na Europa Ocidental tinham tido trinta
anos para transformar os partidos de lutadores anti-nazistas, de 1945, em
aparelhos burocráticos de funcionários e de militantes arrivistas,
integrados plenamente nos regimes democrático-eleitorais que se
estabilizaram no pós-guerra, portanto, preocupados em manter seus postos
sindicais e suas posições parlamentares. Os funcionários e quadros do PCP
não eram assim. Transformar, em menos de um ano, esta coluna vertebral, que
garantiu a passagem de uma organização clandestina em um partido de massas,
em um aparelho burocrático politicamente moderado e obediente, não foi uma
tarefa fácil. Erguer um partido operário burocrático-reformista com
influência de massas no calor de uma situação revolucionária não é simples.
Por isso, a maior preocupação de Cunhal foi sempre o perigo de uma ruptura
pela esquerda.
A preservação do PCP foi uma façanha política e organizativa
fantástica, além de uma verdadeira epopéia humana, se considerada a
violência da repressão e a duração do regime. Sua influência na sociedade,
sua capacidade de recrutar e manter organizada uma força militante, oscilou
ao longo do tempo. Nos anos finais da Segunda Guerra Mundial, ou ao final
dos anos cinqüenta, durante a campanha de Humberto Delgado encontrou mais
audiência e cresceu. Em outros períodos sofreu maior isolamento, mas nunca
esteve sequer perto de ser destruído. O aniquilamento da estrutura de
quadros do PCP foi a razão de ser da PIDE. E o balanço é que ela fracassou.
Não foi suficiente a perseguição, a prisão, os espancamentos, as torturas,
as infiltrações. O PCP demonstrou, irrefutavelmente, ser mais capaz, mais
organizado e, moralmente, mais forte que seus inimigos no poder. A façanha
foi ainda mais significativa, se considerarmos que o PCP viveu a maior
parte das longas décadas de clandestinidade em solidão política, quase sem
aliados, em função da fragilidade da oposição burguesa, da quase ausência
da social-democracia no interior do país, e do muito tardio.surgimento de
organizações que se afirmavam à sua esquerda. Em outros países sob
ditadura, como na América Latina – Brasil, Bolívia, Uruguay - os comunistas
encontraram ambientes oposicionistas onde podiam atuar construindo
alianças, ou mesmo se dissimulando da repressão com maior facilidade. Essa
história de resistência inquebrantável forjou uma coluna de quadros e uma
cultura política. O quadro médio do PCP eram homens e mulheres que estavam
dispostos a correr riscos, uma gente corajosa.
O PCP foi um dos partidos comunistas mais organicamente
integrados com Moscou, em função, sobretudo, dos longos exílios dos seus
dirigentes. A relação com Moscou foi decisiva para a preservação do partido
ao longo de décadas de impiedosa perseguição. A maior parte de seus quadros
viveu longas estadias na URSS, ou no Leste. Não existiu em Portugal nunca
uma situação de semi-legalidade do partido comunista, ao contrário de
outros países sob ditadura, como o Brasil após 1978. A URSS era idealizada
pelos militantes como a pátria do socialismo, uma sociedade em um grau
superior de civilização, e a retaguarda estratégica da luta pelo
socialismo. A URSS era uma promessa de futuro, e havia sincera gratidão
pelo apoio à resistência ao salazarismo. A lealdade face à URSS era,
incomparavelmente, maior que nos outros PC's da Europa Ocidental. O
prestígio e a autoridade dos russos era inquestionável.
Ao longo dessa trajetória, o PCP que apareceu no 25 de abril à
luz do dia era um partido que tinha desenvolvido outras quatro
peculiaridades. Primeiro, sua direção era muito mais homogênea e estável
que a dos outros partidos comunistas - como o de Santiago Carrillo no
Estado Espanhol - pelo papel desproporcional de Álvaro Cunhal. Segundo, era
um partido obreirista, na teoria e na prática, com uma prioridade de
implantação entre os trabalhadores manuais, embora tenha atraído, também em
função de sua base proletária, alguns dos mais importantes intelectuais e
artistas da sociedade portuguesa. Terceiro, era um coletivo de quadros
politicamente monolítico, ou seja, um aparelho burocrático, que
desconheciam polêmica interna, e pouco habituados à rivalidade política
externa, com um nível elevado de auto-confiança, porém, também, com muita
soberba, ou seja, instintiva e, às vezes, involuntariamente, sectário. Por
último, mas não menos importante, era um partido de militantes de abnegação
admirável, uma maioria dos lutadores sociais mais honestos, que pelas
circunstâncias políticas do regime ditatorial, foi poupado das pressões
eleitoralistas dos outros partidos europeus, mas educado com mão de ferro
em torno da colaboração de classes e de um programa reformista de
modernização do capitalismo português. Francisco Martins Rodrigues, um
analista que uniu o estatuto de estudioso da revolução, à condição de ex-
membro do Secretariado do PCP nos anos sessenta escreveu:
Uma espessa tradição de reformismo crônico ocultava-lhes o quadro rela
da luta de classes. Convenciam-se que todos esses avanços à sombra do
MFA e do respeito pelo capital estrangeiro e pela NATO, formava um
matreiro plano (...) Era esta ilusão de que estavam a fazer uma
revolução "pela surra" que levava os operários mais combativos do PCP a
alinhar com fervor na "batalha da produção", a aclamar os discursos
lacrimejantes de Vasco Gonçalves, e a minimizar a força de massas do
PS. Não entendiam que ao entregar-se nas mãos dos "militares
revolucionários" e ao instalar-se no aparelho do Estado, em vez de o
desmantelar, o seu partido os conduzia para uma derrota certa.[7]
A homogeneidade da direção foi construída solidamente pelo
papel insubstituível de Álvaro Cunhal, que unia às suas reconhecidas
qualidades intelectuais, uma personalidade com grande força de carácter.
Cunhal não se preparou para ser nem um Tito, nem um Mao. Não iria nunca
além dos limites negociados por Brejnev. Era um homem forjado durante as
décadas de coexistência pacífica e, portanto, um admirador da experiência
do Partido francês, com quem nutria relações especiais. Marchais, ao
contrário dos espanhóis e italianos, nunca criticou publicamente, o partido
português. O PCP tinha resistido, relativamente, intacto, às rupturas pró-
Pequim e às pressões castristas, se comparado com outros Partidos
comunistas, como os da América Latina. Considerando as condições de estrita
clandestinidade, realizou a façanha de chegar ao 25 de abril com uma
estrutura de alguns poucos milhares de quadros, porém, muito disciplinados
e devotados. A autoridade de Cunhal era absoluta, e surgiu um culto ou até
idolatria de sua liderança.
O PCP que saiu dos subterrâneos da ilegalidade era um partido de
profissionais da resistência á ditadura. Os funcionários do partido tinham
a confiança dos líderes operários e populares e, com freqüência, tinham
origem proletária. Não havia nas suas fileiras iniciais arrivistas
preocupados em fazer uma carreira eleitoral e se eleger. Os lidere
sindicais não eram burocratas corruptos, mas lutadores reconhecidos. A
perseguição do partido foi tão cruel que, ela mesma, realizava uma seleção
"natural". Somente os mais corajosos e despojados arriscavam se organizar
no partido. No entanto, os militantes do PCP eram, também, muito sectários.
Tinham pouca instrução e habilidade política. Depois da queda da ditadura,
essas reservas morais iriam se desgastar. Erosionaram e, finalmente, em
poucos anos de dilapidação, se perderam.
Um ano depois do vinte e cinco de abril, o PCP conseguiu
organizar algo em torno de 100.000 militantes, e era uma máquina política
de agitação e propaganda de uma eficiência prodigiosa. Esta transformação
do PCP de partido de vanguarda clandestino, em um partido com influência de
massas foi vertiginosa e merece ser, historicamente, compreendida. O PCP
não conquistou influência de massas pelo prestígio da URSS, como o partido
alemão nos anos vinte. Apoderou-se da confiança dos setores mais combativos
da classe trabalhadora pela autoridade de partido da resistência. O PCP foi
o partido majoritário nas grandes concentrações da classe operária e,
também, entre os trabalhadores rurais do Alentejo. Conquistou a confiança
da população plebéia do sul do País. Chegou a ter uma influência importante
dentro do MFA que se expressava, sobretudo, através da Quinta Divisão.
A revolução derrotada
O PCP participou dos Governos provisórios desde o princípio.
Durante o V Governo Provisório – depois da ruptura do PS, quando já não
havia representantes diretos da burguesia - defendeu Vasco Gonçalves até
quase o último dia. Foi uma ironia da revolução portuguesa que tenha sido
Cunhal quem descobriu, muito mais cedo que Vasco Gonçalves, que era
impossível manter o V Governo, sem uma ruptura revolucionária. Não se
poderia fazer a omelete sem quebrar os ovos. Como não estava disposto a se
apoiar nas massas, porque temia as conseqüências do impulso ao poder
popular, Cunhal se conformava com a idéia da queda do governo. E a política
do PCP não era fazer uma nova revolução, que significaria um desafio às
orientações de Moscou, e provocaria uma nova situação européia, a começar
pelo Estado Espanhol. A historiadora Maria Inácia Rezola descreveu assim a
hora do impasse decisivo:
O cerco ao gonçalvismo se apertava e mesmo o seu mais forte aliado, o
PCP, repensa a sua estratégia. A 10 de agosto o comitê Central do PCP
convoca uma reunião de emergência (...) o secretário geral denuncia o
desencadeamento de uma ampla ofensiva militar e política da direita
contra Vasco Gonçalves(...) Contrariando todas as expectativas, Cunhal
afirma que, embora respondendo a uma necessidade inadiável, a formação
de um novo governo não pode resolver todos os aspectos da crise(...) /
Vasco Gonçalvesjá não oferecia garantias deconseguir levar a cabo o tão
desejado reforço de poder. Seria esse um sinal de que, mesmo os
comunistas, estavam dispostos a deixar cair Vasco Gonçalves? [8]
O PCP sabia qual era o seu objetivo. Não era defender Vasco
Gonçalves e o giro bonapartista via endurecimento do regime que animava o
então primeiro-ministro. Cunhal estava disposto a defender Vasco
Gonçalves, mas na condição deste estar disposto a encontrar um acordo com o
grupo dos nove que salvaguardasse o essencial, naquele momento, a transição
angolana. Um acordo em posição de recuo que diminuísse as perdas. Esse
acordo acabou não sendo possível em agosto. Mas, veio a existir. Só que foi
imposto ao PCP pelo grupo dos nove, nas vésperas do 25 de novembro, em
condições muito mais desfavoráveis, em conversações conduzidas por Melo
Antunes. Embora a URSS estivesse preocupada com uma revolução
anticapitalista em um pequeno país da Europa Ocidental – inaceitável para
os EUA – tinha interesses na África. Sem a perspectiva da relação com
Angola, Guiné e Moçambique seria impossível analisar a estratégia do
partido de Cunhal. A questão africana estava no centro das prioridades
diplomáticas da URSS no Sistema Mundial de Estados:
"O PCP lança-se numa corrida contra-relógio que lhe permita criar as
condições para uma descolonização rápida, que possa pôr de parte
quaisquer veleidades de intervenção por parte de outras potências, e
favorecer a transmissão de poderes nas colônias para as mãos dos
movimentos que á partida estão, de fato, em melhor situação: a Frelimo,
o PAIGC e o MPLA."[9]
A Guiné-Bissau tornou-se independente em 26 de agosto de 1974; a
independência de Moçambique foi reconhecida em 25 de Junho de 1975, e a de
Cabo Verde em 5 de julho do mesmo ano. A independência de Angola, declarada
unilateralmente pelo MPLA, veio no 11 de Novembro, quando já estava no
poder o VI Governo Provisório, tendo à sua frente Pinheiro de Azevedo - que
assumiu em 19 de Setembro – mas, questionado por fortes mobilizações, como
a famosa greve da construção civil que cercará a Assembléia da República.
O PCP teve nesse período um discurso extravagante, quase
barroco. Embora fosse incontornável que os governos provisórios eram
governos de coalizão social com a burguesia, e de coligação política com
partidos da burguesia, procurava convencer as massas em luta que "o poder
político já tinha sido conquistado'. Só faltava, supostamente, o poder
econômico, mas a "democracia nacional" – o regime de tutela do MFA sobre os
governos provisórios, em aliança com as 'forças progressistas" – permitiria
avançar "rumo à vitória".
A situação era, na verdade, bem mais próxima do oposto: grande
parte do capital já tinha sido expropriada, mas a burguesia, politicamente,
ainda estava no poder, porque detinha posições chaves no aparelho de Estado
– Assembléia da República, Tribunais, Polícia, poder local, sem esquecer a
alta oficialidade das Forças Armadas, em grande medida, incólume - e suas
sombras, como o PS e setores do MFA expressavam a defesa de seus
interesses. É verdade que uma parte considerável da burguesia tinha entrado
em pânico e se refugiado em Madri ou no Rio de Janeiro. Mas, a ausência
física dos grandes empresários, uma conseqüência de todas as situações
revolucionárias da história, não é o mesmo que sua derrota. O PCP
argumentava que o socialismo não estava na ordem do dia. Em resumo, uma
fórmula ao mesmo tempo etapista e escapista que eludia o mais importante: a
luta pelo poder. Destacou-se na campanha pela "batalha da produção" contra
o que considerava um "grevismo" aventureiro:
"Numa fase inicial do processo, beneficiando da sua longa existência,
de sua organização, de sua disciplina e da sua experiência – trunfos
que lhe garantem à partida uma capacidade de manobra, de ataque e
resposta, de avanço e recuo, infinitamente superiores às de qualquer
outro partido – é o PCP quem segue á frente. É por seguir à frente, por
se sentir, em certa medida confundido com o Poder – o Poder de fato –
que o PCP se torna o principal adversário do movimento grevista.
(...)[10]
Segundo Cunhal uma revolução social não era possível, e se
tratava de recuperar uma economia capitalista decadente, o que exigia
algumas nacionalizações, e a acomodação das reivindicações populares. O PCP
se lança a uma política de "guerra de posições", mas não entre as classes,
e sim entre os partidos: disputa de influência no MFA, ocupação de cargos e
controle monolítico de espaços por dentro e por fora do Estado. Em seu afã
alimenta uma sistemática política aparelhista que semeia a divisão e,
portanto, a desconfiança entre os trabalhadores.
Apoiava a corrente de opinião majoritária entre os oficiais
que compunham o Conselho da Revolução, o organismo mais alto do MFA que
exercia, de fato, uma tutela sobre o Governo – diminuindo o papel das
relações políticas entre partidos na Constituinte - depois do 11 de Março.
O PCP era conseqüente com a estratégia da "aliança do povo com as Forças
Armadas", e propunha o respeito à hierarquia da cadeia de comando que
passava pela disciplina ao MFA:
"Dentro das Forças Armadas não serão permitidas quaisquer organizações
de caráter político-militar, partidárias ou não, estranhas ao MFA,
devendo progressivamente, todos os militares serem integrados no seu
próprio movimento".[11]
Afirmava a necessidade de um projeto nacionalista autárquico,
a "democracia nacional", porque admitia a permanência do capitalismo, mas
agora regulado por reformas estatistas, e pretendia reconhecer a
independência das colônias, mas salvaguardando os interesses portugueses,
que não eram poucos, e preservando a condição de sub-metrópole
interlocutora entre a África e a Europa. O mito de que poderia acontecer um
"golpe comunista" era bombardeado por Soares, e por toda a imprensa de
direita, e os tambores da extrema-direita, histéricos, rufavam:
"Toda a ficção acerca dos intuitos do PCP de conquistar o poder, a
análise da iminência de "um golpe de Praga", que teve grande
importância neste ano I da revolução portuguesa, não passavam de
elementos de uma ofensiva ideológica com o objetivo de estimular a
divisão do movimento operário. Não têm um átomo de verdade. O que, em
contrapartida, os revolucionários devem denunciar em um balanço
rigoroso, é justamente a adaptação do PCP ao poder constituído que
procurava preservar as relações de produção, num contexto em que o
partido procurava ganhar margens de manobra, postos de controle,
instrumentos de influência(...)Um testemunho conclusivo é o de Costa
Gomes que conta que Brejnev lhe confidenciara as suas preocupações com
a evolução portuguesa e a necessidade de o país se manter no quadro da
NATO"[12]
A influência do PCP sobre os IV e V governos explica o flerte com o
movimento dos não-alinhados, uma via intermediária entre um alinhamento
incondicional com a Europa, que pretendia, pelo menos, adiar, e uma ruptura
revolucionária, que queria impedir.

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[1] RODRIGUES, Francisco Martins. Abril Traído. Lisboa, Edições Dinossauro,
1999, p.12.
[2] A única exceção que confirma a regra da ordem política instituída pós
Yalta e Potsdam foi a esdrúxula participação minoritária do PC da Islândia
em um governo de maioria social-democrata.
[3] PORTAS, Miguel. «Melo Antunes. O Solitário de Novembro». In Vida
Mundial, Dezembro de 1998, pp. 36-50.
[4] A discussão sobre a elaboração marxista a propósito de situações e
crises revolucionárias, ou seja, sobre os tempos da revolução, que remete
aos critérios para aferição das relações sociais de força, pode ser
encontrada no meu livro As Esquinas Perigosas da História, situações
revolucionárias em perspectiva marxista, São Paulo, Xamã, 2004.
[5] Existem muitas controvérsias sobre as datações das etapas da revolução
portuguesa, segundo os diferentes critérios dos investigadores. Fernando
Rosas considera também três fases, mas subdivide o primeiro período em duas
fases antes e depois da derrota do 28 de setembro e, por outro lado,
considera como só uma etapa o intervalo entre o 11 de março e o 25 de
novembro. Nossa avaliação é que a diferença qualitativa na relação de
forças se precipitou somente em julho/agosto. Mais séria, porém, é a
diferença de apreciação sobre os blocos políticos e suas estratégias,
porque Rosas qualifica o PCP como sendo parte do campo que defendia, ainda
que genericamente, a revolução socialista, o que nos parece insustentável.
Conferir em: ROSAS, Fernando. A revolução e a Democracia in LOUÇÃ,
Francisco e ROSAS, Fernando. Ensaio Geral, Passado e futuro do 25 de Abril.
Lisboa, Dom Quixote, 2004, p.41.
[6] Um exemplo significativo é a obra de Kenneth Maxwell: "Contudo, embora
a velocidade dos acontecimentos agora estivesse muito além da desejada pelo
Partido Comunista, o comportamento dos comunistas portugueses sem dúvida
alarmou seus correligionários no resto da Europa ocidental (...)Portanto os
comunistas franceses e italianos tinham muito a perder com as tática
leninistas adotadas pelo PCP(...) os italianos enviaram Ugo Pecchioli do
secretariado do PCI, que se desdobrou para se encontrar com representantes
de outros partidos, particularmente do Partido Socialista, como fez
Santiago Carrillo." MAXWELL, Kenneth. O Império derrotado, revolução e
democracia em Portugal. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 188/9.
[7] RODRIGUES, Francisco Martins. Abril Traído. Lisboa, Edições Dinossauro,
1999, p.26.
[8] REZOLA, Maria Inácia. 25 de Abril, Mitos de uma revolução. Lisboa, A
Esfera dos Livros, 2007.
[9] SARAIVA, José Antonio e SILVA, Vicente Jorge. O 25 de Abril visto da
História, Lisboa, Livraria Bertrand, 1976, p.172.
[10] SARAIVA, José Antonio e SILVA, Vicente Jorge. Ibidem, p.169.
[11] Plano de ação política do MFA, que identifica o MFA como Movimento de
libertação Nacional, in Francisco Louçã, 25 de abril, dez anos de lições,
Ensaio para uma revolução, Lisboa, Cadernos Marxistas, 1984, p.43.
[12] LOUÇÃ, Francisco. Ibidem. Lisboa, Cadernos Marxistas, 1984, p.30.
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