Portugal em Ruínas – uma história cripto-artística do património construído.

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Descrição do Produto

Retratos*

* A colecção Retratos da Fundação traz aos leitores um olhar próximo sobre a realidade do país. Portugal contado e vivido, narrado por quem o viu — e vê — de perto.

Portugal em ruínas Gastão de Brito e Silva

Com texto introdutório e legendas de

Vítor Serrão Fotografias seleccionadas e organizadas por

Ângela Camila Castelo-Branco

Portugal em ruínas. Uma história cripto-artística do património construído

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Vítor Serrão Portugal em ruínas

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Gastão de Brito e Silva Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 8.º piso 1099-081 Lisboa Telf: 21 001 58 00 [email protected] Director de publicações: António Araújo Título: Portugal em ruínas Autor: Gastão de Brito e Silva Texto introdutório e legendas: Vítor Serrão Selecção e organização de fotografias: Ângela Camila Castelo-Branco Revisão de texto: Vasco Grácio Design: Inês Sena Paginação: Guidesign Impressão e acabamento: Guide – Artes Gráficas © Fundação Francisco Manuel dos Santos, Gastão de Brito e Silva, 2014 ISBN: 978-989-8662-47-7 Depósito Legal n.º ?/14 As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos. A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e editor.

I. Património Eclesiástico

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II. Património Militar

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III. Património Civil

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IV. Património Industrial

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Legendas 119

Portugal em ruínas Uma história cripto-artística do património construído



Vítor Serrão

Dedicado à memória de Vítor Wladimiro Ferreira (1934-2012), um estudioso do património cultural

«Afigura-se-me que há duas formas de olhar para as rápidas transformações por que o mundo passa. Muitos vêem sobretudo o que muda, outros procuram surpreender o que, a despeito delas, permanece.» Orlando Ribeiro, 1945 «Para nós, património é tanto a obra-de-arte, a ruína, o objecto-construção, a arquitectura de um edifício (o monumento clássico), como o lugar-ambiente, os núcleos urbanos a que (mal) chamamos centros históricos, ou seja, a cidade antiga e a cidade consolidada. É património o território e a paisagem humanizada, enquanto arquitecturas de vasta escala, ou seja, organizações voluntárias do espaço feitas por (e portadoras dos valores dos) homens. É também património (intangível) o saber que permitiu projectar, construir, manter ou alterar.» José Aguiar, 2006

1. Prelúdio em cinzas e em pó Como todas as coisas da vida, as construções da arquitectura – as obras de arte, em suma – também definham, envelhecem e, a menos que existam condições de restauro, vontade política e medidas cautelares de preservação, tendem a desaparecer. É certo que, disse-o a patrimonialista Françoise Choay 1, as ruínas têm direito inalienável à sua própria «inutilidade», esse novo estatuto que foram gradualmente adquirindo à medida que a sua pretérita utilitas se transmudava e desaparecia. Falamos neste livro de várias obras da construção portuguesa – de arquitectura doméstica, religiosa, militar, industrial – em que esse peso de uma “grandiosa efemeridade” é ainda percebível, apesar de jazerem esquecidas e devastadas, num estado de lento fenecimento em muitos casos já irremediável. E falamos conscientemente de “obras” e não de coisas: trata-se, em muitos casos, de estruturas criadas com “ideia”, geradas segundo programas e providas de valência estética mais ou menos significativa. O que aqui se mostra, através das belíssimas fotografias de Gastão de Brito e Silva seriadas por Ângela Camila Castelo-Branco, constitui uma parcela restrita dentro de uma realidade anti-patrimonial que é, infelizmente, muito mais extensa e complexa. Mas o facto de este pretender ser um livro de História da Arte, tanto na reflexão aduzida como na base imagética seleccionada, e porque não se trata (quer pensar o autor) nem 1 

Françoise Choay, L’Allégorie du Patrimoine, Paris, Éditions du Seuil, 1992.

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de um ensaio marcado por saudosismos, nem nostalgicamente conformado com qualquer estado de decretada inevitabilidade, impõe-se um necessário esclarecimento antes de prosseguirmos: os edifícios que aqui se documentam, com memórias acumuladas e distintas valias, são seres viventes que, tal como as pessoas, estão sujeitos a leis inexoráveis de ruína e de devastação física, mas nem por esse facto deixam de ter uma dimensão estética que exige registo inventariante e impõe esforços de salvaguarda no sentido da sua possível recuperação. As situações que tornam inexorável a ruína – vistas muitas vezes como se se tratasse de um destino sem remédio – decorrem de novas circunstâncias ligadas à mudança de uso, à fragilização das condições ambientais, à alteração das utilidades primevas, a abusos iconoclásticos, a agressões da paisagem e do espaço envolvente, a pressões urbanísticas sujeitas a agendas especulativas e a outros factores que agravam o depauperamento e contribuem para que esses imóveis se degradem ou, pura e simplesmente, sejam destruídos. Mas é sempre preciso, caso a caso, documentar as existências físicas do património edificado e lidar com os saberes memoriais e as valias estéticas que aí se encerram. A História da Arte dispõe, aliás, de instrumentos eficazes para essa sábia perscrutação, através do estudo integrado e desse registo inventariante, tão urgentes quanto inadiáveis, mesmo quando as soluções de preservação se tornaram já impossíveis. O nosso país constitui, de há muito, um exemplo tristemente esclarecedor dessa sanha descontrolada de anti-património. As fases subterrâneas da História portuguesa pululam de ondas de descaracterização, de desleixo e de abandono de parte da sua memória arquitectónica, outrora significativa, que pura e simplesmente é deixada em estado de silenciosa agonia, em nome de uma ideia abastardada de progresso. Não só as guerras e as catástrofes 12

naturais, os megassismos e os incêndios, as invasões estrangeiras e as fases de conturbação intestina, os maus restauros e as ondas de iconoclastia, contribuíram para essa perda do património comum, mas também a inconsciência das tutelas, a ambição de especuladores sem escrúpulos, a desmemória de muitas comunidades e a falta de instrumentos legais de preservação e de salvaguarda. Destes pequenos-grandes crimes de lesa-património falam os exemplos aqui reunidos: são ruínas silenciosas mas ainda cheias de vozes que as habitam, migalhas de tempos arcanos que ainda sussurram fios de histórias, que põem perguntas e nos convidam a saber mais. A consciência da defesa do património construído como bem identitário comum, que nasceu em posturas de arrepio contra a sanha destruidora de uma certa noção de progresso, é uma conquista ainda recente. Espíritos luminosos, como foram, por exemplo, Almeida Garrett e Alexandre Herculano no século xix 2, ou Jorge Henrique Pais da Silva no século passado 3, ou Maria João Baptista, Jorge Custódio e outros autores, em anos mais recentes 4, abriram espaço à chamada «historiografia

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Cf., a este respeito, Jorge Custódio, “Salvaguarda do Património - Antecedentes históricos”, in Dar Futuro ao Passado, Lisboa, Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico, 1993; Alexandra Gesta, «Sentimentos Nativos», in Guimarães, Cidade Património Mundial. Um Objectivo Estratégico, Guimarães, 1998, e José Mattoso, A Identidade Nacional, Lisboa, Fundação Mário Soares, Lisboa, Gradiva, 2001. 3  Jorge Henrique Pais da Silva, Pretérito Presente. Para uma teoria da preservação do património histórico-artístico, Lisboa, 1975. 4 

Cf. obras de referência como: Maria João Baptista Neto, Memória, Propaganda e Poder: o restauro dos Monumentos Nacionais (1929-1960), Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2001; Jorge Custódio (coord.), 100 anos de património: memória e identidade – Portugal 1910-2010, Lisboa, Palácio Nacional da Ajuda, 2010, idem, “Renascença Artística” e práticas de conservação e restauro arquitectónico em Portugal durante a 1.ª República, tese de Doutoramento, Universidade de Évora, 2009.

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patrimonialista» e, em consequência, à defesa intransigente de políticas eficazes de salvaguarda, investigação histórica e registo inventariante dos monumentos como tal considerados por parte das estruturas do Estado e do corpo científico das Universidades, alargando a análise a outros bens construídos e pugnando por um insubstituível inventário de existências. Mas a intervenção em prol dos bens pretéritos mostra, também, hesitações estratégicas, páginas contraditórias e respostas desconexas, ao sabor dos muitos condicionalismos da agenda política, só a espaços assumindo janelas de prioridade – tem sido sempre assim! O esforço dos patrimonialistas colide muitas vezes, como escreveu o cineasta Mário Jorge Torres a respeito do belíssimo filme Ruínas, de Manuel Mozos (2009), com «uma impotência atávica em operar uma arqueologia de memórias» 5. É desta parcela de um Portugal arruinado, esquecido, decadente, que silenciosamente (em alguns casos, orgulhosamente) se desfaz em pó e em cinzas, que nos fala este livro, em que a narrativa se estrutura pela sequência de imagens de Gastão de Brito e Silva. Será a ruína uma inevitabilidade, um resultado do atávico estado de decadência nacional, uma contraprova de que a incúria generalizada e o desprendimento consciente face aos laços da memória identitária fazem lei neste país que somos? Tratar-se-á, afinal, de patrimónios menores e, como tal, que podem ser descartáveis sem remissão? Ou de uma razão, mais uma, para processos de auto-flagelação dentro de um nacionalismo serôdio? É por tudo isto que este livro, ciente desta situação silenciosa feita de ruínas espectrais, pretende ser, pela positiva, o contributo

5  Cf. a recensão ao filme Ruínas, de Manuel Mozos, por Mário Jorge Torres, «Por-

tugal revisitado pela noção de perda, substituindo à monumentalidade da História a anonimidade do fragmento irrisório», jornal Público de 1 de Abril de 2010.

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para uma reflexão em três sentidos. Em primeiro lugar porque destaca (a partir de uma selecção de fotografias que atestam a dramática realidade deste património) o papel que cabe aos historiadores de arte e aos técnicos de património cultural num processo dialogal de revalorização cripto-artística que importa cumprir. Em segundo lugar porque documenta (através de casos de abandono generalizado de bens civis, religiosos, militares, industriais, etc.) as dinâmicas de degradação que canceram a paisagem construída e a que urge pôr cobro, por parte das tutelas, através de medidas de salvaguarda. Em terceiro lugar, porque mostra, pela seriação de obras fotografadas, as valências qualificantes de muitas unidades e conjuntos edificados, de várias épocas históricas e de vários estilos artísticos, que inexoravelmente se irão perder, mas cuja memória identitária reclama registo. É necessário que os saberes decorrentes destas três reflexões – a análise de valores histórico-artísticos, o diagnóstico de causas destrutivas e o registo inventariante das memórias – reforcem uma consciência de salvaguarda do nosso património comum. Afinal, os acervos da arquitectura nacional que importa saber preservar não se resumem aos grandes monumentos e aos centros históricos classificados – como se guardaria, desse modo, testemunho da evolução artística de um dado território? – mas abrangem também, necessariamente, imensas construções, por certo menos relevantes de significado e de importância, seja política, militar ou religiosa, mas valiosas pela sua qualidade intrínseca, pela sua integração nos tecidos de paisagem urbana ou rural, e pelo acervo de memórias históricas que inevitavelmente abrigam. É por isso que mesmo os casos fragmentários, ameaçados de delapidação, já despidos de utilidade visível e condenados ao desaparecimento, constituem, per se, casos destacados de estudo, parcelas com histórias dentro da História da Arte nacional. 15

Sempre defendemos que só a partir de um estudo sério das obras desaparecidas e das que jazem em estado fragmentário (estudo esse encarado em termos tão profundos e exaustivos como aquele que é dedicado aos monumentos de indiscutível relevância), se podem abrir possibilidades de alargar consciências patrimoniais que legitimem, em muitos casos, os esforços de salvaguarda e de reabilitação que antes se julgariam impensáveis. É por isso que o conceito operativo de “Cripto-História da Arte”, ao inserir-se num quadro eficiente de pesquisa e de registo, vem alargar o campo metodológico da História da Arte portuguesa, tão carecido de propostas teóricas revitalizadoras, e possibilitar que, ao menos, o inventário das memórias que desaparecem faça parte do seu corpus de referência 6.

2. Fotografia de arte como documento-memória: análise de valores artísticos Muitas das obras de arquitectura que nesta seriação se mostram equivalem a “obras de arte mortas” ou, pelo menos, que se encontram em estado avançado de decrepitude, o que reforça perante os olhares menos distraídos um sentimento de perda irrecuperável. O olhar do fotógrafo é de contemplação misericordiosa, apaixonada, sem qualquer espécie de arrogância acertada com o destino funesto. No fim de contas, são destroços, silenciosos mas dignos, que desafiam o tempo e que, quase sempre, se conformam com um destino traçado, que é o desaparecimento puro e simples. Porém, e como escreveu o geógrafo Orlando Ribeiro, «há duas formas de olhar para as rápidas transformações por que o mundo passa: 6  Vítor Serrão, A Cripto-História de Arte. Análise de Obras de Arte Inexistentes, ­Lisboa, ed. Livros Horizonte, 2001.

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muitos vêem sobretudo o que muda, outros procuram surpreender o que, a despeito delas, permanece» 7. Esta sucessão de espaços fotografados, entre ruínas e texto, entre reflexões históricas e possibilidades de inventar um futuro imaginizado, insere-se por certo numa “cartografia de tristezas”, em que as pedras deixam ouvir o seu protesto silenciosamente conformado com uma triste sorte, sabendo que o país as deixou ficar para trás, que aconteceu o esquecimento de quem as pensou, de quem as ergueu, de quem as habitou, e que nesse silêncio de cinzas aguardam a morte que há-de chegar, com paciência desconsolada. Estes bairros e casas onde viveu gente, estes solares de antanho com sua orgulhosa vitalidade, estes lugares de culto, outrora bafejados de partilha espiritual e com decorações artísticas majestosas, estas fortalezas que deixaram de assumir guerras e de proteger as populações, estes salões burgueses onde ainda perpassam sombras de danças, música e vãs vaidades, estes muros espoliados dos azulejos e cobertos de tags e de lixo, permanecem de pé, mutilados mas ainda vivos numa dignidade feita de silêncios, abandonados pelos homens mas não ainda vencidos. Esperam a morte, por certo, desesperançados de que os homens encontrem razões de sobra para neles investir e recuperar o que ainda for possível. Como escreveu o historiador de arte Paulo Varela Gomes, «estes destroços estão mesmo ao nosso lado, mesmo à nossa vista (tanto que não os vemos), ou estão escondidos por detrás dos nossos separadores de auto-estrada, esquecidos para lá das colinas das nossas eólicas, no meio das nossas matas

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Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, Coimbra, Coimbra Editora, 1945.

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de eucalipto» 8. Muitas destas imagens são arquitecturas que de si próprias tendem a esquecer-se. É sobre este sentimento doloroso pela devastação, «tão calma e distante que arrepia», que aqui se multiplicam imagens eloquentes. São retratos de um veraz lesa-património, impiedoso pela sua quase inevitabilidade, espécie de silencioso desmazelo a que, em não poucos casos, se associam misérias, actos de vandalismo e reapropriações abusivas. Assim encontramos a decomposição de vivendas e de chalés outrora opulentos de vida e de estatuto, aqui encontramos seculares mosteiros alterados nas suas funções primevas e a que foram grosseiramente arrancados os seus acervos artísticos, aqui encontramos velhas fábricas operárias despidas já do fervilhar da sua actividade fabril e das suas memórias de vivência e anseios, aqui encontramos capelas abandonadas e sem culto que foram despojadas dos seus retábulos, azulejos, imagens e demais equipamento litúrgico, aqui encontramos antigas estruturas militares ineficientes que a erva e lixo invadem e corroem lentamente, aqui encontramos casas senhoriais outrora orgulhosas da sua identidade e da sua abastança, aqui encontramos estruturas hospitalares e sanatórios desafectados e à mercê de novos interesses especulativos, aqui encontramos cinemas abandonados e estações de caminho-de-ferro que deixaram de servir – tudo ruínas em vários graus de devastação continuada, tudo destroços de tempos e de memórias que o desuso foi apagando… As imagens fotográficas deste livro – tal como camadas de uma tela apaixonadamente composta em associações de cores e acúmulo de superfícies modeladas – desenham este silencioso 8  Paulo Varela Gomes, «Destroços» (recensão ao filme Ruínas, de Manuel Mozos), jornal Público, 1 de Abril de 2010.

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deserto de misérias e devolvem-lhe, por momentos, uma nova vida possível, um início de diálogo que as circunstâncias do abandono coarctaram 9. São imagens de morosa captação, cheias de força contemplativa, habitadas por memórias fragmentárias de um “sem-tempo de cinzas” assumido por pedras moldadas em passado recente ou menos recente e que parecem prestes a desvanecer-se, mesmo quando a sua qualidade plástica, o seu engenho artístico, a sua original relevância, as tornam necessariamente “únicas”. A qualidade histórico-artística de algumas destas obras intensifica o desconforto com que olhamos a sua gradual decrepitude material e a sua próxima morte, e deixa sempre o espírito para que se faça alguma coisa, um último esforço de salvaguarda, nem que seja o registo o mais exaustivo possível das precárias sobrevivências… É, por tudo isto, um retrato implacável, terrível, este que aqui se sintetiza e que não pode deixar de sensibilizar e de compungir, até por ser uma realidade estendida a toda a paisagem construída do país. Mas existe sempre um patamar de esperança: se este retrato de imagens e de reflexões puder contribuir para uma tomada de consciência sobre a perda, no seio das comunidades, da media e das tutelas portuguesas, locais ou nacionais, públicas ou privadas, com impacto que permita mesmo, em alguns casos, a intervenção patrimonial salvífica, ele acaba por superar a sua função de mero registo inventariante e associa-se a um processo de recuperação que todos gostaríamos que ainda fosse possível. Tal como sucede no extraordinário documentário fílmico do realizador Manuel Mozos sobre as marcas do abandono na paisagem arquitectónica do país (Ruínas, 2009), são chocantes 9  As fotografias seriadas por Ângela Camila Castelo-Branco para ilustrarem este livro e, de certa maneira, estruturarem o discurso narrativo do autor, pertencem a um blogue do fotógrafo Gastão de Brito e Silva, «Ruin’Art», que conta já com largos milhares de registos anti-patrimoniais.

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destroços os exemplos fotografados que este livro mostra e sobre os quais reflecte: trata-se de casas vernaculares de linhas simples ou de solares de estrutura mais complexa, trata-se de conjuntos urbanos invadidos, desrespeitados e agredidos pela desordem de novas construções sem critério, trata-se de edifícios de antigos hospitais, conventos, ermidas, capelas, fábricas, fortalezas, que desafiam os decretos do tempo com a sua memória beliscada e, por vezes, com a beleza das suas formas – todos eles apresentados aos leitores na sua dignidade ferida, num estado de delapidação e de abandono mais ou menos acentuado que põe a nu as dimensões dos “fragmentos” de algo que já se perdeu, sem remissão, e em que nada resta da vida, funções e coerências estruturantes de outrora. As escolhas gravitam entre dimensões parangonais, entre a reconhecível qualidade dos modelos arquitectónicos e a singeleza de meios construtivos, entre a dimensão erudita e a produção ingénua. Mas o abandono é o denominador comum destas fotografias que documentam uma realidade pungente! Aquilo que fora pugnado na Carta de Veneza, ou nas teorias de autores como Camilo Boito e Cesare Brandi, em defesa dos valores do tecido patrimonial, manteve ausência na prática oficial portuguesa, na qual a proposta de alargamento do conceito de “monumento”, integrando nele «não só as grandes criações, mas também a obras modestas que adquiriram com o tempo um significado cultural» 10, nunca fez verdadeira doutrina na prática dos organismos de intervenção. É certo que o vasto movimento cívico das Associações de Defesa do Património, consequência da democratização da sociedade portuguesa a seguir à Revolução 10  José Manuel Fernandes (coord.), Luís Benavente – arquitecto, ANTT, 1997 (cit. «Carta Internacional sobre a Conservação e Restauração de Monumentos» – versão portuguesa sobre o texto original, II Congresso Internacional dos Arquitectos e Técnicos dos Monumentos Históricos).

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de 25 de Abril de 1974, ajudou a sensibilizar as comunidades em relação ao seu património e travou (numa dimensão que ainda não foi verdadeiramente contabilizada e historiada 11) a eminente descaracterização ou mesmo a destruição de numerosos casos exemplares de arquitectura monumental e civil. Mas essas dinâmicas cedo esfriaram e o país retomou, lentamente, a prática de uma cumplicidade distraída face ao crescimento desordenado e a opções urbanísticas em que muita da construção considerada descartável era, e continua a ser, sacrificada ao sabor de intervenções erráticas, sejam camarárias, particulares, estatais, ou ligadas a grandes interesses especulativos 12. Assim, as fotografias seriadas mostram, por vezes com insustentável crueza, os efeitos poderosos dessas políticas de interesses da construção civil face à impotência da conduta eficaz de salvaguarda em nome da “qualidade patrimonial” – porque existe essa qualidade em muitas das obras aqui mostradas, mas é quase certo que, mesmo assim, não sobreviverão… É o que se passa, entre outros exemplos chocantes de casario vernáculo, em bairros habitacionais sacrificados a opções urbanísticas como as que, de uma maneira generalizada, invadem velhos centros históricos, áreas de protecção de edifícios classificados e paisagens qualificadas, anunciando um inexorável desaparecimento, como coisas inúteis em que se foram tornando. Mostram-se imagens de casas derruídas no bairro das Fontainhas, no Porto altaneiro, e de vário casario, já de si anónimo, abandonado ao seu destino nas profundezas do país real.

11  Falta absolutamente escrever-se uma história do que foi o trabalho das ADP, e da Federação das Associações de Defesa do Património (FADEPA), nos anos de 1975 a 1982, e as suas sequências. 12  Vítor Serrão, «O 25 de Abril face à salvaguarda do Património Cultural e Natural:

o balanço necessário», revista Vértice, n.os 458/459, Janeiro/Abril de 1984, pp. 5-19.

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A primeira secção conduz-nos ao património eclesiástico, que pensamos geralmente ser o mais cuidado por razões de uso consequente. E, todavia, abundam os testemunhos de comiseração, o primeiro dos quais nos é dado pelas ruínas da igreja medieval de Santa Maria do Bispo, no perímetro do castelo da vila realenga de Montemor-o-Novo, com sua bela portada manuelina, e prossegue com o esqueleto carcomido do convento de Penafirme, casa quinhentista de frades agostinhos, outrora opulenta, mas que a brisa marinha e as areias da praia de Santa Rita, no Vimeiro, vão sepultando sem remissão possível. O património sacro apresenta-se, noutras imagens, como ainda passível de salvaguarda, pesem embora os desmandos sofridos desde a exclaustração de 1834: vemos a marca ainda erudita do velho mosteiro cisterciense de Santa Maria de Seiça, cujas origens se confundem com as da Nacionalidade, e a do convento franciscano de Santo António da Castanheira do Ribatejo, a par da rústica ermida de São Fraústo, exemplo obviamente não-erudito mas de encantatória expressão comunicativa, com as suas pinturas que se vão desfazendo entre as ruínas. Esta última, que se ergue no meio da campina alentejana, algures entre Portel e Viana do Alentejo, está decorada com frescos datados de 1639 e mostra o trabalho de uma anónima oficina tardo-maneirista que pinta um programa de temário religioso para serviço cultual da pequena comunidade de camponeses pobres que os encomendou; é um dos muitos casos do património nacional em que os efeitos da ruína se acentuaram em poucos anos, como testemunham as imagens, e é quase certo que a salvaguarda se torna aqui inviável. Pelo contrário, já o profanado convento antoniano da Castanheira vai sobreviver, apesar de parcialmente descaracterizado, após a extinção das ordens religiosas, por sucessivas obras de adaptação a residência privada: ainda preserva a sóbria arquitectura da 22

igreja, dentro do vernáculo «estilo chão» comum na paisagem do «mundo português» durante os séculos xvi e xvii 13, com a excepcional capela renascentista dos nobres Ataídes, com a sua fina decoração de grotescos, embora já vazia pelo desaparecimento de um celebrado painel quinhentista de Gaspar Dias, de há muito extraviado e perdido, e o túmulo do conde de Farrobo (por curiosidade, um dos pioneiros da fotografia em Portugal). A segunda secção de imagens conduz-nos ao património militar desafectado, com exemplos desde os tempos da medievalidade (caso do belíssimo Castelo de Montoito, no coração do Alentejo), passando pelo que resta da fortaleza quinhentista de São Sebastião, em Porto Brandão, até ao forte de Nossa Senhora da Graça ou do Conde de Lippe, em Elvas (cujas soluções de salvaguarda e recuperação ainda se discutem no âmbito da classificação dessa cidade como Património Mundial), e às inoperacionais (e por isso abandonadas ao destino de ruínas inúteis) torres da Força Aérea na serra da Estrela, ao que resta da fortaleza de Santa Apolónia e dos fortes do Areeiro em Oeiras e do Abano em Cascais, e às batarias da Parede, hoje cobertas com grafitis e em lenta corrosão dos seus elementos. Sente-se, na contingência de desaparecimento de muitas destas estruturas, a efemeridade das estratégias militares de defesa e o modo como resistem mal ao acelerado crescimento urbano. Passando ao património civil (a terceira secção), anota-se entre casos de arquitectura palaciana de maior ancianidade o que resta da opulência gótico-manuelina no Paço dos Condes, em Tentúgal, a muito arruinada Torre das Águias, em Brotas (Mora),

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O conceito operativo deve-se ao historiador de arte George Kubler, Portuguese Plain Architecture: between spices and diamonds, 1521 to 1706, Wesleyan University Press, 1972.

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o pátio do palacete dos Almadas, no Conde Barão em Lisboa, com seus finos capitéis renascentistas, bem como, mais tardia, a quinta do duque de Lafões em Alpriate, ainda com a severidade da sua fachada neoclássica. Exemplos solarengos esclarecedores da desolação patrimonial são a casa de D. Chica, em Palmeiras (Braga), a quinta da Parreira em Oliveira de Azeméis, a famosa casa do Dr. Aristides de Sousa Mendes em Cabanas de Viriato (Viseu), a casa que foi do olisiponense Júlio de Castilho no Lumiar (Lisboa), e o antigo palacete da Fonte da Pipa, em Loulé, construído em 1875 por um político local, Marçal de Azevedo Pacheco, cujos salões eram outrora opulentos, mas cujas pinturas murais, azulejos e estuques artísticos se despregam lenta e inexoravelmente das paredes que teimam em sobreviver. Destacam-se, também, com a memória digna de tempos revivalistas, os “solares de brasileiro” (seriados entre outras velhas residências de “torna-viagem” abundantes no norte do país), que constituem flagrante testemunho de devastação dessas vivências burguesas de Oitocentos, marcadas pelo exotismo das terras do Amazonas ou do Recôncavo bahiano, com suas decorações de referência novo-riquista, em ambientes romântico-revivalistas que inevitavelmente remetem para as Novelas do Minho de Camilo ou para A Morgadinha dos Canaviais de Júlio Dinis. Outro exemplo de ruína, o da orgulhosa torre altaneira da quinta de Coina, a chamada “torre do inferno”, preserva ainda dignidade de verdadeira landmark regional 14: obra custeada por um polémico comerciante maçónico de nome Manuel Martins Gomes Júnior, “o rei do lixo”, que a fez erguer entre 1897 e 1914, domina um complexo habitacional solarengo que, paulatinamente, foi caindo ao abandono,

processo agravado por um incêndio em 1988 que lhe apagou traços de uma anciana grandiosidade. A  mesma impressão desoladora se aplica ao antigo hotel Serra da Pena, em Sortelha, e nem escapa ao mesmo destino um Prémio Valmor tão interessante como é a ecléctica Villa Souza (1912), obra-prima do arquitecto Norte Júnior situada em plena Alameda das Linhas de Torres, em Lisboa, e que por mais de uma vez escapou já de ser demolida… Passando enfim ao património industrial, campo privilegiado do escopro analítico do fotógrafo, é significativamente chocante olharem-se, por exemplo, as imagens do que resta da antiga Fábrica de Atanados em Póvoa (Vila Franca de Xira), que tem origem setecentista (foi fundada em 1728 por Manuel Caldas Barbosa, um industrial do tempo de D. João V) e mostra ainda o vivo testemunho de dois séculos de ininterrupta laboração operária. A estrutura foi devastada por um incêndio, deixou de servir as funções primevas e foi caindo em desgraçada ruína, de que não parece poder salvar-se. Também a Fábrica de Fiação Cunha Morais, em Crestuma, com os seus escritórios devastados e os arquivos a perderem-se, a Fábrica Efanor (de carrinhos de linha), em Matosinhos, a Sereia (Moinho do Breyner) (fábrica de moagem), no Seixal, e a do Paleão (de tecidos), em Soure, com as suas maquinarias desafectadas, a Central termoeléctrica do Freixo (Porto), ou a Fábrica de Cerâmica das Devezas, em Vila Nova de Gaia, correm o risco de seguir a mesma má sorte. Enfrentam dignamente o seu destino, como verazes landmarks fiéis à sua importância de outrora, os Gasómetros da Matinha, em Lisboa 15 (quase icónicos na sua forte presença como arte pública), as estruturas desafectadas das Minas de São Domingos, em Mértola, o edifício

14  Conceito desenvolvido por Kevin Lynch no célebre livro The Image of the City, The Massachusetts Institute of Technology, 1960 (trad. portuguesa, Edições 70).

15  Deolinda Folgado e Jorge Custódio, «Gás da Matinha-Petroquímica», in Caminho

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do Oriente: Guia do património industrial, Lisboa, Livros Horizonte, 1999, pp. 212-125.

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dos Cabos de Ávila, em Alfragide, a fábrica de sabões de Chelas, ou o que resta da fábrica da Seca do Bacalhau Atlântica, no Seixal. Tal como no citado filme de Mozos, e glosando de novo Paulo Varela Gomes, neste livro «tudo são restos de épocas em que os empreendimentos do Estado alimentavam centenas de famílias e lhes garantiam casa, cuidavam da paisagem e da arquitectura, deixavam uma ideia de eternidade e segurança em cada pedra assente num parapeito, em cada viga de betão lançada sobre o vazio»; ou seja, imperam testemunhos do desmazelo, «a ferrugem que restou dos sonhos de um Portugal autónomo industrialmente», os «melhores sonhos de ontem», numa espécie de «suspensão portuguesa do tempo da História» – como se estes exemplos não fossem do Estado Novo, ou da Modernidade novecentista, ou do Romantismo, ou do Barroco de Setecentos, ou do Maneirismo dos séculos xvi e xvii, ou de épocas históricas mais remotas, mas de uma “dimensão sem-tempo” em que a memória colectiva se perdeu e em que o nosso esforço trans-memorial só com esforço de pesquisa ousa acender ainda um ofuscado brilho. Aliás, estas arquitecturas destroçadas que a imagem regista e sintetiza com resíduos da sua vã glória passada deixam pressentir quase como uma recusa orgulhosa de partirem em paz, entre a indiferença geral, diluindo-se entre silêncios na profundeza da longa noite das des-memórias: porque em Portugal, disse o mesmo autor que citamos, «é preciso deixar que à memória colectiva mais recente caia a tinta, apodreça o tecto, enferrujem as dobradiças e os carris, corroa a erva daninha, se partam com o vento as vidraças; Portugal não quer recordar nem quer ver aquilo que foi ontem, ainda ontem, há bocadinho, e quando aceita fazê-lo, esconde a vergonha e o remorso debaixo de estatísticas (que

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mentem e triunfam porque simplificam tudo)» 16… Foi assim e continua a ser assim: desdobra-se um rosário de misérias, de coisas mal conformadas com a sua triste sorte mas que enfrentam o desaparecimento, sem remédio, de ruínas que abrem uma amarga sensação de desleixo e de impotência – como estas imagens bem o dizem, na sua crueza de cinzas.

3. Iconoclasma e esquecimento: diagnóstico de causas destrutivas O que leva ao abandono do património construído, à consciência de perda irremediável, ao sentimento de que alguma coisa é descartável e finita? As razões são as de sempre: perda das funções de origem, desvalorização da marca estilística, entraves ao crescimento urbanístico e a outras intromissões na paisagem, falta de controlo e de segurança abrindo campo a toda a sorte de vandalismos, e mudança ideológica substantiva nos modos de encarar tal património como documento cultural operativo. Todas estas circunstâncias abrem campo à ruína, como consequência directa da desvalorização abrupta 17. Ora o estudo da arquitectura deveria coabitar por regra com a análise das adições sofridas no decurso da sua existência, 16  Paulo Varela Gomes, «Destroços» (recensão ao filme Ruínas, de Manuel Mozos), jornal Público, 1 de Abril de 2010. 17 

Cf., entre outros estudos sobre razões de “perda e destruição”, Alain Besançon, L’image interdite. Une histoire intellectuelle de l’iconoclasme, Paris, Arthème Fayard, 1994; David Freedberg, The Power of Images, University of Chicago, 1989; Cécile Dupeux, Peter Jezler e Jean Wirth (coord.), Iconoclasme. Vie et mort de l’image mediévale, Berne-Strasbourg, 2001; Rui Serra, Destructio. Os Fenómenos da Agressão, Destruição e Vandalização na Arte Contemporânea, Mestrado em Pintura, Lisboa, Faculdade de Belas-Artes da Univesidade de Lisboa, 2006.

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ao ser alterada por restauros e acrescentos funcionais e, como tal, desmemorizada por falta de registo e desidiologizada por alteração do sentido primevo. Quando a construção é (des)integrada em novos espaços e contextos, ameaçada pelo crescimento e pela brutal desumanização do território habitado, de um modo tão violento que se tende a perder o equilíbrio do espaço com o sentido primeiro e a dimensão que outrora presidia a um certo “espírito de lugar”, as características fundamentais de “autenticidade” não podem deixar de se diluir de maneira inexorável 18. Assim fragilizada, a “obra” entra sem remissão num processo de ruína e de silêncio, sem interlocutor que lhe valha nem poder decisório que a salve, exceptuando o protesto isolado de alguns, com perda das memórias acumuladas e dos seus códigos auráticos 19. É esse o caso de tantas peças de arquitectura e de conjuntos artísticos consistentes e com interesse mais ou menos significativo, que sofrem pelo peso de condicionalismos que arvoram, ou pela ignorância e pela insensibilidade, ou pela especulação e pela desonestidade, ou pelo preconceito redutor contra as coisas velhas que podem ser descartadas, ou pelo peso de um olhar distraído (auto-suicidário) sobre a própria realidade identitária… E se é certo que os responsáveis nacionais pela salvaguarda do património seguiram cedo os princípios que a Carta de Veneza consensualmente assumiu nesse domínio 20, bem como outras linhas de orientação da unesco para preservar a memória comum, a verdade é que a

18 

Maria João Baptista Neto, Memória, Propaganda e Poder…, cit.

19 

Vítor Serrão, A trans-memória das imagens. Estudos iconológicos de pintura portuguesa, Lisboa, ed. Cosmos, 2007. 20  Maria João Baptista Neto, «A propósito da Carta de Veneza (1964-2004). Um olhar sobre o património arquitectónico nos últimos cinquenta anos», in revista Património Estudos, n.º 9, IPPAR, 2006, pp. 91-99.

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prática dos organismos especializados, a dgemn e o ippar, privilegiou o restauro dos castelos, dos grandes monumentos religiosos e civis, ou a adaptação de velhas ruínas conventuais a unidades hoteleiras, dando-lhes novo uso e abrindo campo a uma nova arquitectura de referência, mas a realidade oculta deste património nacional de que aqui se trata, essa, ficou como que condenada a uma asfixia sem solução nem remédio que lhe valesse. A compreensão plena de todas estas razões que conduzem a práticas de abandono e “substituição” obrigaria os historiadores de arte a estudar melhor as complexidades de mudança de gosto, os critérios de valorização, o peso aurático relativo da transcendência dos códigos de representação em tempos distintos e, naturalmente, a maior ou menor consciência que a nossa sociedade tem sobre o seu património como “bem comum”. A dificuldade maior está precisamente no facto de a perda de uma consciência social, subvertida por outros interesses de substituição (quase sempre em nome da modernidade e do progresso) nos tornar impotentes face à ruína inevitável, como se esses valores artísticos tivessem deixado de funcionar, assim como os arquétipos psicológicos (e morais) que veiculavam. Esse é o obstáculo que enfrenta este tipo de estudos, independentemente da época histórica em apreço, pois o que se trata de analisar sempre, através das formas estéticas, é a linguagem visual de símbolos que, muitas vezes, perderam os seus sentidos. Não obstante, a sobrevivência cíclica das dimensões simbólicas de representação, intuída por Aby Warburg com o conceito de Nachleben (memória inconsciente das formas transmigradas) 21, permite apurar, a essa luz, as valências que possam espreitar, ocultas, entre fímbrias de 21  Cf. Kurt W. Forster (coord.), Aby Warburg. The Renewal of Pagan Antiquity, The Getty Institute, 1999.

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estruturas devastadas e ruínas mais ou menos irremediáveis, sob o manto de um espesso mistério e de uma dignidade que se vai desfazendo em cinzas. Este “sentimento de perda” reforça, naturalmente, um esforço de registo de todos os patrimónios, com incidência maior naqueles que sofrem amputação, que foram alterados, ofendidos, abandonados, vandalizados, desmemorizados, vistos sem ternura ou sem uma elementar atenção. Ao defender-se um nível ou uma instância superior do trabalho dos historiadores de arte, dos técnicos de conservação e restauro e dos agentes patrimonialistas, põe-se a tónica no reforço de um estudo em que se explicam as causas da ruína (e do iconoclasma), as razões do divórcio das obras por parte dos olhares contemporâneos e se multiplicam capacidades de “saber ver” em globalidade e sem preconceito. Voltando a Françoise Choay e à consciência de que as obras do património construído têm um «direito inalienável à inutilidade» 22 em primeira instância (que importa analisar caso a caso), há que dizer sem rebuços que uma postura imobilista e intransigente que agendasse a salvaguarda-a-todo-o-custo como programa de intervenção seria não só de impossível cumprimento como de um reducionismo perigoso: a riqueza do património arquitectónico de um país constrói-se todos os dias através de novas existências e, necessariamente, da perda de obras que pereceram por morte natural. O património renova-se e enriquece-se, mas essa renovação da paisagem construída não tem de ser inevitavelmente marcada por ondas de destruição e por abandono sem critério, seguindo algum tonus esconjuratório preconceituoso ou uma agenda de não escondidos interesses especulativos perante 22 

Françoise Choay, L’Allégorie du Patrimoine, cit. (cap. VI: «Le patrimoine historique à l’âge de l’industrialization culturelle»).

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a qual o “património velho” (o que não é considerado “antigo”) se torna um estorvo. Ora não se pode defender o que não se conhece ou o que se pretende que continue a ser desconhecido… Basta ver-se nos dias de hoje, como mero exemplo, o património oitocentista das desafectadas unidades hospitalares da Colina de Sant’Ana em Lisboa (todas coabitando com antigas estruturas conventuais, em Santa Marta, Santo António dos Capuchos, Rilhafoles e São José), que está ameaçado por grandes projectos imobiliários que nasceram e se fortaleceram ao arrepio das valências históricas e construtivas dos “sítios”, precisamente porque, à partida, a valia patrimonial lhes foi negada (mesmo que no acervo das estruturas marcadas como descartáveis possam estar peças de indiscutível valia artística e de dimensão simbólica relevante) 23. A defesa do património construído não pode assumir atitudes compagináveis com obscurantismos de “velhos do Restelo” avessos à inovação e sem capacidade para reconhecer a qualidade acrescida que advém do “património novo” – muito mal andaríamos se o património não se renovasse em todas as épocas! – mas impõe, sim, consciência cívica, histórica, estética, funcional e afectiva, valores quase sempre arredados neste tipo de processos de aviltação das memórias. Quando se trata de reconversões funcionais, exigem-se cuidados de pinça por parte das equipas de arquitectos e dos gabinetes responsáveis envolvidos. Embora no caso concreto da Colina de Sant’Ana a discussão não tenha (até ao momento…) contrariado o afã destrutivo dos promotores, não é possível saber-se ainda se a valia dos patrimónios ameaçados prevalecerá sobre o empenho especulativo. Mas é um testemunho clarificante de 23 

Vítor Serrão, «Os antigos hospitais da Colina de Santana: um caso de irreparável depauperamento do património», Público de 1 de Agosto de 2013, e «O futuro constrói-se defendendo o passado: de São Bento de Cástris à Colina de Santa Ana», Público de 4 de Outubro de 2013.

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como, não só nas periferias da capital (em bairros como a Ameixoeira, ou a Charneca do Lumiar, por exemplo), mas também no seu pulmão histórico, estas questões da morte física de patrimónios relevantes continuam a colocar-se… Destruir pela imposição de outros valores, para afirmar novas estratégias, para impor critérios de substituição, para atestar o primado de uma nova modernidade ao serviço das comunidades – foi sempre assim, e quase sempre em nome de valores de progresso, beleza e modernização qualitativa dos espaços… Muitas vezes, reconheçamo-lo, as novas intromissões construtivas assumem-se como mais-valias; noutros casos, porém, em número infelizmente extenso, abrem feridas irremediáveis na memória histórica. Mas este processo natural de renovação de tecidos não tem de ser apenas (conformadamente) assim: pelo menos, existem dispositivos de intervenção, no contexto dos estudos de arte e arquitectura que devem servir utilmente para salvaguardar o possível e, também, para recensear perdas e preservar memórias, com o peso de um primado estético que tem de prevalecer. É por isso que uma narrativa de misérias como a que aqui nos é contada através das imagens de Gastão de Brito e Silva não deve ser vista apenas como um acto de nostálgica, quase obsessiva, “fixação de cinzas”, mas como um pilar de registo perene de códigos imagéticos perecíveis e de memórias ancestrais que readquirem poder dialogal.

4. Cripto-histórias: registo inventariante de perdas No corpo de instrumentos de trabalho de que dispõem a História da Arte e as Ciências do Património conta-se o conceito operativo de Cripto-História de Arte, que assenta precisamente no estudo das

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“obras de arte fragmentárias e mortas”, ou seja, no papel que cabe aos “indícios” (mesmo de todo desaparecidos) para a caracterização histórica, artística, cultural, e estilística, dos vários “tempos” patrimoniais. Parte-se do princípio de que esta disciplina científica não deve ser restringida ao estudo das “obras vivas”, ou seja, os grandes monumentos, os edifícios classificados e as peças de valia museológica, mas também ao estudo daquelas muitíssimas obras que já desapareceram, por incúria ou por destruição. Acresce a utilidade de se estender esta análise dialéctica assente na noção de “fragmento” à essência de todo o património visto na sua máxima globalidade, ao estudo daquele que persiste truncado e, até, a projectos artísticos que quedaram inacabados ou que não chegaram mesmo a realizar-se. Conceito com útil verificação prática pela comunidade científica, insere-se dentro de um quadro de pesquisa definido em vários níveis de abordagem (cripto-analítico, dedutivo, reconstitutivo, “encreativo”). Trata-se de visão alargada em termos teórico-metodológicos, assente na base de dados inventariante como instrumento maior, integrando as perdas patrimoniais no corpus exaustivo de bens, ainda que fisicamente já não existam 24. Tal como a perscrutação micro-artística integrada (recorre-se aqui a Carlo Ginzburg), à dimensão de existências em contexto periférico 25, o conceito

24  Vítor Serrão, A Cripto-História, cit. A aplicação do conceito surge em teses universitárias: cf. Álvaro Tição, O Antigo Convento do Santo Crucifixo ou das Francesinhas, em Lisboa. História, Arte e Memória, Faculdade de Letras de Lisboa, 2008; Ana Paula Figueiredo, O espólio artístico das capelas da Sé de Lisboa. Abordagem cripto-histórica, Faculdade de Letras de Lisboa, 2000. Cf. também os vários tomos de Lisboa Desaparecida, de Marina Tavares Dias (Lisboa, Quimera, 1985-2007). 25  Carlo Ginzburg e Enrico Castelnuovo, «Centro e periferia», in Storia dell’arte italiana, Turim, Einaudi, 1979 (trad. portuguesa, A Micro-História e outros ensaios, Lisboa, Difel, 1989).

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alarga este esforço de revalorização ao atentar na valência específica das franjas da paisagem construtiva em espaços periféricos, incluindo a esfera dos patrimónios a preservar na dimensão por demais desvalorizada das micro-produções artísticas e evitando muitas das inexoráveis perdas que se sucedem no tempo. Este reforço do testemunho das memórias ausentes, com recurso às “obras mortas”, ajuda a alargar a visão do património remanescente, reforçando o sentimento de fragilidade de que muitas vezes nos esquecemos, aduzindo-lhe memória valorativa pelo testemunho acrescido das coisas que, por cataclismos ou por incúria, já desapareceram – mas que não deixaram de ser parte integrante de um tecido que urge reconstituir como testemunho integral de identidades. É por isso que o “fragmento” da obra parcialmente destruída é fonte essencial de reconstituição das correntes evolutivas do edificado, e assume importância para uma política de gestão integrada (e integral) do Património. Situamo-nos, assim, dentro de novas possibilidades abertas por uma investigação microscópica aplicada às artes, ou seja, o olhar antropológico de uma “História vista de baixo para cima” (utilizando-se aqui o conceito marxista de António Gramsci de «classes subalternas»), para melhor se alcançar o âmbito da «circularidade cultural» que o trabalho de Ginzburg percepciona 26. As novas gerações de historiadores, críticos de arte, conservadores-restauradores e técnicos de património da era da globalização podem lidar melhor com a ruína envolvente porque aprendem nestas lições, que se tornam de evidenciada utilidade para uma cartografia de registo face à extensão brutal das

26  Carlo Ginzburg, Il formaggio e i vermi. Il cosmo di un mugnaio del ‘500, Turim, Einaudi, 1976; idem, Storia notturna. Una decifrazione del sabba, Turim, Einaudi, 1989.

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perdas identitárias e para uma adequada intervenção preventiva 27. As  possibilidades de intervenção de salvaguarda aumentam, também, fidelizadas ao respeito pelo valor máximo da “autenticidade”, tal como prescreve a Carta de Cracóvia 28. Mas se a história-crítica, na sua utilidade perene, fala com as obras de arte como “obras em aberto” (assim as definiu Umberto Eco 29), a verdade é que progrediu com dificuldade no seio de um mundo globalizado. Alargou a sua capacidade de análise crítica, sem dúvida, recentrou atenções regionais, disponibilizou apoios das tutelas, redefiniu o objecto de estudo com enfoque micro-artístico, amadureceu a sua visão patrimonialista sem peias auto-menorizadoras e reforçou esse seu entendimento (que só ela pode ter…) do “discurso da arte” como fenómeno que é, em todas as circunstâncias, inesgotável e “trans-contemporâneo”. Mas o dilema que permanece é que a força dessa consciência de saberes impõe sempre novas respostas dificilmente compagináveis com o fenómeno de descaracterização dos tecidos habitacionais. Se o património artístico só ganha pleno sentido se integrado em visão globalizante em que as suas perdas tenham lugar de referência, a História da Arte pode ajudar a revalorizar as obras e os espaços ditos «menores» e justificar a sua preservação alargando perspectivas, pois só assim se entendem a caracterização dos mercados, as flutuações de gosto de artistas e clientes, o investimento ideológico dos mercados, os “ciclos estilísticos”

27 

Luís Efrem Elias Casanovas, Conservação Preventiva e Preservação das Obras de Arte, Edições Inapa e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 2008. 28  Maria João Baptista Neto, “A propósito da Carta de Veneza (1964-2004). Um olhar sobre o património arquitectónico nos últimos cinquenta anos”, Património Estudos, nº 9, Lisboa, IPPAR, 2006, pp. 91-99. 29 

Umberto Eco, Opera Aperta, Planeta Agostini, 1962.

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– em suma, tudo o que faz património e caracteriza os espaços nas suas especificidades sui generis. Uma política de gestão integrada do património cultural deverá assentar no reforço da História da Arte, esteio fundamental de alargamento de uma consciência democrática de cidadania. Os inimigos deste estado de indiferença em que a ruína campeia são os de sempre: o estado da ignorância, a insensibilidade, a desonestidade, a auto-menorização e o preconceito redutor no olhar para a nossa realidade identitária, a desmemória multiplicada, o vandalismo e a especulação imobiliária…

5. Arquitecturas moribundas, auras perdidas É bem possível que persista uma dimensão aurática nas ruínas destes patrimónios eloquentes que se degradaram a tal ponto que, muitos deles, têm sentença de morte sem recurso. Creio que tal se percebe em muitas das imagem que aqui se registam, nas quais a beleza altiva das linhas construtivas, a particular expressão de estilo, o seu esforço de caracterizar o lugar e a relação estabelecida com a paisagem envolvente assumem, sem dúvida, uma via complexa de elaborações estéticas, que respiram uma aura ainda sobrevivente, ainda orgulhosamente afirmada. É uma evidência que esse conceito oferecido pelo famoso filósofo marxista Walter Benjamin se aplica com propriedade a muitas destas arquitecturas devastadas pelo tempo e pela pressão dos interesses. Para esse autor, os conceitos de “aura” e de “imagem dialéctica” (categorias de História, Tempo, Melancolia e Alegoria), tal como modos de analisar a própria História global enquanto processo transformador (e não como mera evolução linear e positivista), devolvem-nos consciência de que as criações humanas que se desfazem em pó, mesmo quando truncadas da

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sua original complexidade, podem continuar a merecer um olhar estético demorado. O conceito abriu um processo de trabalho com futuro, segundo o qual a produção artística nos solicita, em última instância, uma abordagem mais dinâmica das relações intrínsecas entre produção cultural e estruturas sociais envolvidas 30. Sobre a “aura”, referiu no seu célebre ensaio de 1936 o seguinte: «A “singularidade” é idêntica à sua forma de se instalar no contexto da tradição. Esta tradição, ela própria, é algo de inteiramente vivo, de extraordinariamente mutável. Uma estátua antiga de Vénus, por exemplo, situava-se num contexto tradicional diferente, para os gregos que a consideravam um objecto de culto, e para os clérigos medievais que viam nela um ídolo nefasto. Mas o que ambos enfrentavam da mesma forma era a sua singularidade, por outras palavras, a sua “aura”.» 31 O talento analítico de Benjamin expressou-se no modo como soube entrever relações entre tudo o que parecia disperso e amalgamado, numa grande capacidade de perceber as relações, afinal estreitas e clarificantes, entre a matéria bruta e o imaginário da produção de bens de consumo. São valores fadados para longa sobrevivência, que interessam à prática da História-Crítica da Arte, e que explicam, de certo modo, os mecanismos parangonais de gosto e de repulsa, de marginalidade e de massificação, de deriva repressiva e de ruptura vanguardística. É lugar-comum e verdade indesmentida (por muito incómoda que seja) dizer-se que o “estado do Património Nacional” suscita cuidados e impõe medidas cautelares, além do estudo e 30 

Walter Benjamin, Le livre des passages, col. «Paris capitale du XIXe siècle», tradução de Jean Lacoste, Paris, éd. Cerf, 2000. 31  Idem, «A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica», publicado na revista do Institute for Social Research, de 1936 (trad. port.: Walter Benjamin, Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, introd. de T. W. Adorno, ed. de João Barrento, Lisboa, Relógio de Água, 1992, p. 82).

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divulgação consequentes. São muitos os casos de património histórico-artístico, tanto erudito como vernacular, que vivem situações de ameaça, roubo, descuido, desmemória, delapidação, abandono e ruína pura e simples… basta verem-se as imagens deste livro para se perceber o quanto isso é inquestionável e uma dolorosa verdade. E, todavia, é este mesmo património, tantas vezes subvalorizado, que melhor define – juntamente com a língua portuguesa – as especificidades culturais de um território como o nosso, e justifica, por isso, um programa de salvaguarda em globalidade a partir dos princípios da Gestão Integrada do Património. A destruição consentida do património construído, fruto de políticas descoordenadas, da insensibilidade crescente, de valores de grosseira auto-menorização, de falta de prioridades no esforço de salvaguarda – sacrificado a altos interesses imobiliários e especulativos – avisa-nos para o imperativo de se desenvolver uma “carta de direitos e deveres de cidadania” no campo da fruição de bens que são, antes de tudo, pertença das comunidades. Esse deverá ser um dos imperativos de uma democracia avançada e participada: na nova definição de “património sem fronteiras”, cabe o entendimento valorativo de todas as unidades artísticas criadas pelas comunidades ao longo de séculos (ontem, hoje, amanhã…), em atenção à especificidade de peças (monumentos, objectos, conjuntos e espaços) que só numa perspectiva de globalidade (que a História da Arte assegura) podem ser integralmente preservadas. Nunca é de esquecer que o património construído é testemunho de identidade, valor de inesgotável poder encantatório, mas também, e por isso mesmo, é frágil e perecível e exige esforços congregados das tutelas e das pessoas no sentido da sua cabal preservação. A consciência da salvaguarda do património artístico, cultural e ambiental impõe um esforço pluridisciplinar que visa 38

congregar a comunidade científica no seu conjunto (arquitectos, arqueólogos, técnicos de conservação e restauro, etnógrafos, museólogos, bibliotecários-arquivistas, autarcas, galeristas, historiadores, etc.) e ganha ênfase no trabalho da História da Arte, disciplina que, pela metodologia no estudo de monumentos, espaços e obras se torna “ponto de encontro fundamental” para se reforçar a imperiosidade da defesa desses valores-memória e o imperativo político de estratégias de análise, formação profissional, salvaguarda e fruição adequados às necessidades do nosso tempo. Esta disciplina, cuja emancipação no quadro científico é uma realidade, está apta a intervir neste processo de reabilitação, com a metodologia em que se alicerça e com os seus instrumentos de análise dos conjuntos e das obras de arte. É certo que não se pode defender aquilo que se desconhece; por isso, a História da Arte vocaciona-se para activar projectos integrados de estudo histórico-artístico, inventário, salvaguarda e redignificação dos bens patrimoniais com técnicos de outros saberes e práticas. O  estancamento das perdas decorre desse estudo histórico-artístico aprofundado e de um exaustivo recenseamento de bens. Cada vez mais o investimento nesta área (num país pobre como o nosso) se assume “mais-valia social” e, face à realidade, não pode mais ser adiável. Sendo o património um dos pilares de identidade cultural, a qual, por sua vez, se transforma em testemunho vivo para as gerações vindouras, reforçando laços de memória e encantações auráticas, é fundamental intervir em prol da sua preservação ou, quando esta se torna impossível, assegurar o seu recenseamento cripto-artístico na base do inventário nacional. O  entendimento das obras de arquitectura e de arte numa perspectiva globalizada, dentro de um conceito de “História da Arte Total” sem preconceito que se abra também à dimensão não-erudita e à valência das perdas, à luz de uma articulação 39

de múltiplos saberes, dá-nos maior capacidade de perscrutar a memória oculta das peças artísticas, de desvendar as razões da sua produção, de deslindar os seus programas estéticos, ideológicos e iconológicos, de captar o seu sentido último, o que nos permite, não raras vezes, devolver-lhes vida e justificar a sua existência travando a sanha destruidora. A análise globalizante do tecido patrimonial nas suas múltiplas existências abre-nos um campo do conhecimento (a que chamaríamos “antropologia artística”) e que nos revela as vivências, exaltações e as misérias, a grandeza criadora e as mediocridades epigónicas, em tantos aspectos da produção das artes. Portanto, uma abordagem às obras de arte tem de ser entendida contando com a sua acção/reacção face ao meio envolvente e ao modo, mais ou menos ajustado, da sua interacção enquanto “espaço de passagem”, uma existência que é em si, como diz Paulo Pereira, ética e existencial, além de artística 32. Elas foram acumulando memórias com pluridimensionalidade e constituem-se elemento-chave ao nível da abordagem de determinada realidade, transformando-a e transformando-se, em última essência, numa estrutura significativa que assume essa dupla dimensão de “objecto de arte” (peça integrante de um universo estético) e de “documento histórico” (fonte primeira de conhecimento das vivências de um tempo e de um espaço precisos). Para maior compreensão da realidade patrimonial enquanto transmissora de memórias, esta dimensão precisa do contributo de diversos meios e saberes imprescindíveis ao historiador de arte, ou seja, precisa do desafio de analisar o discurso sempre renovado das obras de arte, das peças grandiloquentes às singelas construções não-eruditas. 32 

Paulo Pereira, «Lugares de passagem e o resgate do tempo», Património Estudos, n.º 1, Lisboa, IPPAR, 2001, pp. 6-16.

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A História da Arte portuguesa, depois de viver longa etapa de letargia, aprendeu a agir com visão e prática interdisciplinares, ancorada em três princípios fundamentais, ao assumir: a) uma “doutrina” com base teórica o mais possível alargada; b) uma “metodologia” com prática de contornos pluridisciplinares; c) uma “ética” com base em princípios morais, em nome da salvaguarda do património. A História da Arte e os técnicos de salvaguarda do património, em conjunto com as tutelas, os proprietários, os gabinetes de arquitectura e os conservadores-restauradores, devem saber unir esforços no sentido de definir um caderno de prioridades neste campo, como sejam: 1 ] identificar sem preconceito o objecto de estudo; 2 ] inventariar todas as existências em registo em globalidade; 3 ] investigar, contextualizar, datar e revalorizar a história das obras em apreço; 4] pesquisar de modo sistemático as fontes documentais e arquivísticas; 5 ] definir, caso a caso, o diagnóstico de conservação, prevenindo desgastes e perdas; 6  ] intervir no processo de restauro das obras, quando tal é imperativo; 7 ] analisar as dinâmicas trans-contextuais e trans-memoriais das obras de arte; 8  ] estudar as realidades artísticas num alargado contexto comparador; 9] divulgar, sensibilizar e revalorizar as obras perante a sociedade e o público em geral; 10 ] promover um turismo cultural qualificado, alargando alternativas de empregabilidade; 11 ] combater os especuladores de espaços históricos e os traficantes de obras de arte; 41

12  ] promover verdadeiras políticas de Estado no sector, a nível local, regional e nacional, reforçando meios técnico-financeiros e poder dialogal entre serviços, no âmbito das tutelas e das comunidades. Impõe-se, em suma, entender os patrimónios construídos como “corpos vivos” com características vivenciais plurais, dialécticas e transformadoras, vendo-os como “testemunhos histórico-artísticos contemporâneos” na medida em que afectam o olhar do presente e podem constituir um garante de legitimação de identidades. Algumas das obras aqui retratadas, apesar da acelerada ruína que as corrói, tornaram-se actuantes elementos “dinamizadores de paisagem e de sítio” e, por isso, recuperaram parte da aura perdida, das suas memórias encerradas nas fímbrias das paredes de musgo, e da sua vivência social de outrora. Do que se precisa é da dinamização de uma “pesquisa de sensibilidades” junto a objectos que ainda não desapareceram e que resistem à destruição. O entendimento globalizante de que aqui falamos é estético, histórico, ideológico, contextual e afectivo, e segue um caminho traçado pela iconologia no estudo das obras de arte particulares, à luz da compreensão dos seus «pontos de vista intrínsecos» (como disse Aby Warburg 33), ou seja, as condições culturais, políticas, socio-económicas, laborais, etc., que permitem visionar a sua aura e tirar dela a fruição ainda possível.

33  Cf. Kurt W. Forster (coord.), Aby Warburg. The Renewal of Pagan Antiquity, The Getty Institute, 1999, e ainda Eveline Pinto (ed.), Essais florentins (de) A. Warburg, Paris, Klincksieck, 1990.

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6. Epílogo, entre pó e cinzas No cruzamento de imagens e de textos em que se constrói este livro de Retratos, perpassam páginas sombrias de um país que parece ser mais de misérias do que de grandezas. Claro que Portugal não é só isto, o seu património remanescente ainda é excepcional, mas impressiona a dimensão dos patrimónios devastados ao longo dos tempos, quase sem se dar por isso, dando lugar a ruínas silenciosas, sem que vozes se ergam consequentemente em sua defesa, sem que estudos perscrutadores (ao menos, esses!) se questionem sobre o que essas obras “eram”, que vida tiveram, que artistas lá trabalharam, que gente andou envolvida nessas paredes, que dramas, glórias e misérias se encerram nesses espaços devastados. São retratos que arrepiam, alguns deles belíssimos como obras de valência estética, mas que sobrevivem cobertos de lixo, de musgo e de silêncio, edifícios varridos pelo vento e maculados pelo desmazelo, aguardando a morte. Se existem “boas práticas”, em Portugal, no campo da salvaguarda do Património (e seguramente existem), elas estão ausentes destas imagens desoladas e tristes. Os retratos captados pela câmara de Gastão de Brito e Silva mostram (glosando o que disse Paulo Varela Gomes) «um país degradado, o país-subúrbio, o país-lixo em que se transformou todo o Portugal (…) por causa do sucessivo falhanço do Estado nas sucessivas modernidades: a do Iluminismo após o marquês de Pombal, a do Liberalismo oitocentista, a da modernização a partir da década de 1960». As sessenta imagens deste livro, em que as formas ruinosas captadas pela câmara se misturam com a agitação de nuvens revoltas e com um espesso chiaroscuro de cinzas, dão testemunho dessa «obsolescência rapidíssima de uma vida que é suburbana e pobre mas também digna e aldeã, certamente melhor do que aquela que decorre nos horríveis arredores

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de Lisboa ou do Porto.» 34 Parece, portanto, que «esse país não tem já remédio, e que o feio, o subúrbio, terão de constituir a base sobre a qual construir uma vida com a civilidade possível». O conceito de “ruína” assume aqui uma linhagem pesada e culposa, já não na sequência melancólica que o Romantismo lhe emprestou, ou na dimensão com que, a partir delas, os filósofos sempre sentiram os inexoráveis “fins de História” (ou melhor, a viragem de ciclos da História), mas na constatação de que pouco ou nada se fez para evitar a desonra e a indignidade. Estes destroços de casas rústicas e solares, igrejas, fábricas, hospitais ou fortalezas, que se multiplicam na paisagem construtiva do país de norte a sul, formatam uma parte da nossa História recente, como se, apesar das boas leis de salvaguarda que existem 35, apesar da competência dos técnicos e dos profissionais do sector, apesar da riqueza das doutrinas e – mais do que tudo – apesar da extraordinária riqueza patrimonial de um país que, a esse nível, parece inesgotável de recursos, andássemos divorciados do que à nossa volta se passa, distraídos perante o abandono escandaloso que grassa nos nossos sítios de memória e cúmplices silenciosos de actos especulativos que são crimes de lesa-majestade. As ruínas, com o acúmulo do tempo de abandono, deixam de ser recuperáveis e passam a ser “não-lugares sem memórias”. Para muitos, tais não-lugares passam a não ter sentido e a ser 34  Paulo Varela Gomes, «Destroços» (recensão ao filme Ruínas, de Manuel Mozos), jornal Público, 1 de Abril de 2010. 35 

A Lei de Bases do Património Cultural (decreto 107/2001 de 8 de Setembro) regulamenta os instrumentos de salvaguarda e de classificação de bens, as zonas especiais de protecção, os critérios de apreciação e outros mecanismos que permitem aos cidadãos intervir a este propósito, designadamente nos procedimentos a seguir, para prevenir a defesa de determinada unidade construtiva com interesse histórico-artístico.

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desnecessários, o que legitima o acto destruidor como condenação inevitável. Algumas das imagens destes Retratos, estamos certos, não sobreviverão ao próximo Inverno… Tornaram-se massa disforme, obsoleta, inóspita, por vezes até agressiva da paisagem envolvente: isto é, retiraram-lhe as valências que lhe justificavam o ser, antes de razões-outras conduzirem ao abandono e à inevitável transformação. É um método infalível para se decretar a morte. Estas memórias fragmentadas de um passado prestes a desvanecer-se sem remissão, permitem seguir uma espécie de narrativa subterrânea de um país condenado pelo abandono da memória. Quanto trabalho existe neste campo para a história da arte portuguesa – está em jogo um trabalho contra o esquecimento identitário e o apagamento dos patrimónios, que abre campo à resistência contra os atentados e a possibilidade de salvaguardar muitas destas ruínas, quando a percepção dos mecanismos de gosto e o primado estético que nelas se fixou as torna documento patrimonial de relevância. O contrário seria colaborar num verdadeiro retrocesso civilizacional. Quando o sociólogo (e fotógrafo) António Barreto avisa sobre a possibilidade de Portugal poder deixar de existir como país, tal como o conhecemos, justamente porque se perdeu este olhar de consciência estética (e ética) através do qual nos relacionamos com o nosso quotidiano de referências, o alerta está dado para os múltiplos perigos que decorrem deste depauperamento auto-suicidário sem sentido – que urge saber enfrentar 36. Será imperioso não esquecermos, portanto, que é no âmbito do “saber ver em globalidade” que tudo se inicia e que a consciência da salvaguarda dos patrimónios se reforça sem preconceitos 36 

Ângela Camila Castelo-Branco, «Ler Fotografia», in António Barreto: Fotografias 1967/2010, Lisboa, Relógio de Água, 2011.

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excludentes – vistos não mais como a “parcela morta” no campo da Cultura (dicotomizada, como erradamente se faz, em relação à “outra parcela”, a chamada “cultura viva dos agentes contemporâneos”) –, mas como algo que importa preservar, nem que seja pelo registo cripto-artístico, quando a recuperação se torna já impossível. Trata-se, em suma, de parcelas de um “corpo único, coerente e vivo”, tão importantes quanto os grandes monumentos do tecido patrimonial reconhecível, e que por isso impõem respeito, desvelo de olhares, estudo integrado, inventariação rigorosa e cuidados preventivos inadiáveis. Lisboa, Janeiro de 2014

Agradecimentos: a Ângela Camila Castelo-Branco, a Gastão de Brito e Silva e a António de Araújo, em primeiro lugar; a meus filhos Diogo e Leonor Serrão, e a Alberto Rodrigues Machado da Rosa, António Pinto Ribeiro, Clara Moura Soares, Deolinda Folgado, Eduardo Pires de Oliveira, Fernando Grilo, Francisco Lameira, Joaquim Inácio Caetano, Joaquim Rodrigues dos Santos, Jorge Custódio, José Aguiar, José-Augusto França, José Artur Pestana, José Eduardo Horta Correia, José Manuel Simões Ferreira, José Manuel Vargas, José Meco, Leonor Sá, Luís Afonso, Margarida Valla, Maria Adelina Amorim, Maria João Baptista Neto, Maria José Craveiro, Maurício Cunha, Paulo Varela Gomes, Sylvie Deswarte, Teresa Desterro, Vítor Freire, e os mais com quem estas matérias de (anti) património foram apaixonadamente discutidas.

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Portugal em ruínas Gastão de Brito e Silva

Fotografias seleccionadas e organizadas por

Ângela Camila Castelo-Branco

01.  Igreja gótico-manuelina de Santa Maria do Bispo, no perímetro do Castelo de Montemor-o-Novo, princípios do século xvi. (Concelho e Distrito de Évora).

I. Património Eclesiástico

02.  Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção em Penafirme, cujas origens remontam aos séculos xv-xvi. (Concelho de Torres Vedras, Distrito de Lisboa).

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03.  Mosteiro cisterciense de Santa Maria de Seiça, cujas origens remontam ao século xii. (Concelho da Figueira da Foz, Distrito de Coimbra).

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04.  Igreja gótico-manuelina de Santa Maria do Bispo, no perímetro do Castelo de Montemor-o-Novo, princípios do século xvi. (Concelho e Distrito de Évora).

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05.  Igreja gótico-manuelina de Santa Maria do Bispo, no perímetro do Castelo de Montemor-o-Novo, princípios do século xvi. (Concelho e Distrito de Évora).

55

06.  Mosteiro de Nossa Senhora do Castelo das Covas de Monfurado, século xviii. (Concelho de Montemor-o-Novo, Distrito de Évora).

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07.  Ermida de S. Fraústo, em Oriola, cujas origens remontam ao século xvi. (Concelho de Portel, Distrito de Évora).

57

08.  Ermida gótico-mudéjar de São Pedro, no termo de Viana do Alentejo, século xvi. (Concelho de Viana do Alentejo, Distrito de Évora).

58

09.  Ermida no chamado Pincarinho, cume da serra de Viana, cujas origens se supõe remontarem ao século xvi. (Concelho de Viana do Alentejo, Distrito de Évora).

59

10.  Convento franciscano de Nossa Senhora do Desterro, Monchique, século xvii. (Concelho de Portimão, Distrito de Faro).

60

11.  Capela dedicada a São Vicente, no lugar de Valongo, no termo de Évora, fundada em 1609 pela Ordem de Malta. (Concelho e Distrito de Évora).

61

12.  Convento franciscano de Santo António da Castanheira, fundado no início do século xv. (Concelho de Vila Franca de Xira, Distrito de Lisboa).

62

13.  Convento franciscano de Santo António da Castanheira, panteão do 1.º conde do Farrobo e de seus familiares, obra neoclássica. (Concelho de Vila Franca de Xira, Distrito de Lisboa).

63

14.  Seminário de Santa Teresinha, século xx, em Pombeiro de Ribavizela. (Concelho de Felgueiras, Distrito do Porto).

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15.  Convento crúzio de Almiara, ou de Verride, século xviii. (Concelho de Montemor-o-Velho, Distrito de Coimbra).

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16.  Real Castelo de Valongo, em Montoito, na freguesia de São Miguel de Machede, cujas origens remontam ao século xiii. (Concelho e Distrito de Évora).

II. Património Militar

17.  Castelo de Barbacena, construção militar de origem pré-romana. (Concelho e Distrito de Elvas).

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18.  Castelo de Montemor-o-Novo, cujas origens remontam ao século xiii. (Concelho de Montemor-o-Novo, Distrito de Évora).

69

19.  Torre de São Sebastião da Caparica, em Porto Brandão, final do século xv. (Concelho de Almada, Distrito de Setúbal).

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20.  Real Castelo de Valongo, em Montoito, na freguesia de São Miguel de Machede, cujas origens remontam ao século xiii. (Concelho e Distrito de Évora).

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21.  Forte de Santa Apolónia, também conhecido como Baluarte de Santa Apolónia ou Bateria de Manique, século xvii. (Concelho e Distrito de Lisboa).

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22.  Forte do Guincho, do Abano ou, ainda, das Velas, erguido em 1642. (Concelho de Cascais, Distrito de Lisboa).

73

23.  Forte de Santo Amaro, ou do Areeiro, em Oeiras, projectado no século xvii. (Concelho de Oeiras, Distrito de Lisboa).

74

24.  Forte da Graça (também designado Forte do Conde de Lippe) em Elvas, século xvii. (Concelho de Elvas, Distrito de Portalegre).

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25.  Torres dos radares da Força Aérea Portuguesa, século xx. (Concelho da Covilhã, Distrito de Castelo Branco).

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26.  2.ª Bataria do Regimento de Artilharia de Costa, na Parede. (Concelho de Cascais, Distrito de Lisboa).

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27.  Ponte no sítio de Oriola, século xviii. (Concelho de Portel, Distrito de Évora).

III. Património Civil

28.  Paço dos duques de Cadaval ou dos viscondes de Maiorca, século xv. (Concelho de Figueira da Foz, Distrito de Coimbra).

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29.  Aqueduto de Pegões, no perímetro do Convento de Cristo em Tomar, séculos xvi-xvii. (Concelho de Tomar, Distrito de Santarém).

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30.  Torre das Águias, em Brotas, século xvi. (Concelho de Mora, Distrito de Évora).

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31.  Claustro renascentista dos Almada Carvalhais, no Conde Barão, Lisboa, século xvi. (Concelho e Distrito de Lisboa).

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32.  Residência da Companhia de Jesus na Quinta da Alagoa, em Carcavelos, século xvii. (Concelho de Cascais, Distrito de Lisboa).

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33.  Solar dos viscondes de Paço Vitorino, em Vilar de Andorinho, século xvii. (Concelho de Vila Nova de Gaia e Distrito do Porto).

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34.  Palácio dos condes da Ribeira Grande, na Junqueira, século xviii. (Concelho e Distrito do Porto).

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35.  Bairro das Fontainhas. (Concelho e Distrito do Porto).

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36.  Casa do escritor Júlio de Castilho, século xix. (Concelho e Distrito de Lisboa).

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37.  Palácio dos duques de Lafões, em Alpriate, Vialonga, obra neoclássica. (Concelho de Vila Franca de Xira, Distrito de Lisboa).

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38.  Palacete chamado da Fonte da Pipa, em Loulé, século xix. (Concelho de Loulé, Distrito de Faro).

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39.  Os pavilhões termais do parque, Caldas da Rainha, século xix. (Concelho de Caldas da Rainha, Distrito de Leiria).

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40.  Palacete chamado Castelo da D. Chica, em Palmeiras, século xix. (Concelho e Distrito de Braga).

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41.  Casa apalaçada, século xx. (Concelho e Distrito do Porto).

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42.  Casa do Relógio de Sol, habitação de veraneio em estilo neo-manuelino situada na Foz do Douro, século xx. (Concelho e Distrito do Porto).

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43.  Palacete conhecido por Casa do Professor, ou Quinta do Parreira, em Oliveira de Azeméis, século xx. (Concelho de Oliveira de Azeméis, Distrito de Aveiro).

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44.  Palácio do Inferno, ou Palácio do Rei do Lixo, em Coina, século xx. (Concelho do Barreiro, Distrito de Setúbal).

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45.  Villa Sousa, na Alameda das Linhas de Torres, século xx. Prémio Valmor em 1912. (Concelho e Distrito de Lisboa).

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46.  Hotel Serra da Pena, ou Águas de Radium, em Sortelha, século xx. (Concelho do Sabugal, Distrito da Guarda).

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47.  Casa do Passal, Cabanas de Viriato, século xix. (Concelho de Tondela, Distrito de Viseu).

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48.  Onda Parque, na Costa da Caparica, século xx. (Concelho de Almada, Distrito de Setúbal).

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49.  Cinema Batalha, Porto, século xx. (Concelho e Distrito do Porto).

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50.  Central de Captação de Água da Foz do Sousa, século xix. (Concelho de Gondomar e Distrito do Porto).

IV. Património Industrial

51.  Real Fábrica de Atanados, Vila Franca de Xira, século xviii. (Concelho de Vila Franca, Distrito de Lisboa).

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52.  Minas de São Domingos, perto de Mértola, estrutura mineira com quase dois mil anos de exploração. (Concelho de Mértola, Distrito de Beja).

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53.  Lagar na Quinta da Arealva, século xviii. (Concelho de Almada, Distrito de Setúbal).

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54.  Fábrica Atlântica da Seca do Bacalhau, na Ponta dos Corvos, século xx. (Concelho do Seixal, Distrito de Setúbal).

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55.  Fábrica de Fiação A. C. da Cunha Morais, em Crestuma, século xix. (Concelho de Vila Nova de Gaia, Distrito do Porto).

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56.  Fábrica do Paleão, em Soure, século xix. (Concelho e Distrito de Coimbra).

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57.  Fábrica de Cerâmica das Devezas, século xix. (Concelho de Vila Nova de Gaia, Distrito do Porto).

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58.  Fábrica de Cerâmica das Devezas, século xix. (Concelho de Vila Nova de Gaia, Distrito do Porto).

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59.  Central de Captação de Água da Foz do Sousa, século xix. (Concelho de Gondomar e Distrito do Porto).

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60.  Fábrica dos Carrinhos, a EFANOR, em Matosinhos, século xix. (Concelho de Matosinhos, Distrito do Porto).

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61.  Central termoeléctrica do Freixo, século xx. (Concelho e Distrito do Porto).

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62.  Fábrica dos Cabos d’Ávila, em Alfragide, século xx. (Concelho e Distrito de Lisboa).

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63.  Gasómetros da Matinha, século xx. (Concelho e Distrito de Lisboa).

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64.  Fábrica Sereia em Paio Pires, século xx. (Concelho do Seixal, Distrito de Setúbal).

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Legendas Portugal em ruínas



Legendas Património Eclesiástico: 01.  Ruínas da fachada da igreja gótico-manuelina de Santa Maria do Bispo, no perímetro do Castelo de Montemor-o-Novo, tal como hoje se encontra, mostrando ainda o belíssimo pórtico de princípios do século xvi, de erudito lavor pétreo. (Concelho e Distrito de Évora). 02.  Ruínas do mosteiro de Nossa Senhora da Assunção em Penafirme, que foi outrora uma opulenta casa de monges agostinhos, erguida em 1547-1638 no lugar de um eremitério medieval da mesma ordem, com estruturas que vão sendo lentamente corroídas por efeito da brisa marinha e pela invasão do espaço pelas areias da praia de Santa Rita. (Concelho de Torres Vedras, Distrito de Lisboa). 03.  Estrutura arruinada do antigo mosteiro cisterciense de Santa Maria de Seiça (cujas origens remontam ao século xii, com sucessivas reconstruções nos séculos xvii e xviii, em “estilo chão”, tendo as instalações monacais servido, após a extinção das ordens religiosas, como fábrica de descasque de arroz), e que aguarda plano de recuperação. (Concelho da Figueira da Foz, Distrito de Coimbra). 04.  Fachada arruinada da igreja de Santa Maria do Bispo, no Castelo de Montemor-o-Novo, obra de estilo manuelino, classificada como Monumento Nacional, e muito danificada por efeitos do terramoto de 1755. (Concelho e Distrito de Évora).

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05.  Ruínas da igreja de Santa Maria do Bispo, no perímetro do castelo

exclaustração das ordens religiosas, um lento e inexorável processo de

da vila realenga de Montemor-o-Novo.

vandalização dos seus recheios artísticos.

(Concelho e Distrito de Évora).

(Concelho de Portimão, Distrito de Faro).

06.  Ruínas do mosteiro de Nossa Senhora do Castelo das Covas de

11.  Estrutura arruinada de capela dedicada a São Vicente, no lugar de

Monfurado, um eremitério setecentista implantado no lugar onde exis-

Valongo, no termo de Évora, fundada em 1609 pela Ordem de Malta e

tiam velhas minas romanas, que foi caindo gradualmente em ruína após

que foi sendo lentamente alvo de abandono e de profanação.

1834, à data da exclaustração das ordens.

(Concelho e Distrito de Évora).

(Concelho de Montemor-o-Novo, Distrito de Évora).

12.  Antigo convento franciscano de Santo António da Castanheira,

07.  Ruínas da ermida de S. Fraústo, em Oriola, templo com origem no

fundado no início do século xv e remodelado em várias fases dos sécu-

século xvi e com o espaço da capela-mor integralmente decorado com

los xvi a xviii, ainda com o seu portal manuelino e a belíssima capela

pinturas a fresco do hagiológio cristão, do ciclo maneirista regional,

renascentista dos Ataídes, condes da Castanheira, que são elementos

datadas de 1639, estando o conjunto em estado de absoluto abandono.

da maior relevância artística. Alvo de sucessivas campanhas e usos, que

(Concelho de Portel, Distrito de Évora).

o foram depauperando, o cenóbio foi também saqueado pelas tropas

08.  Ermida gótico-mudéjar de São Pedro, no termo de Viana do Alentejo, construção quinhentista ainda com vestígios de pinturas murais de oficina maneirista eborense, que mal vai resistindo, num estado de absoluta desolação, à ruína iminente. (Concelho de Viana do Alentejo, Distrito de Évora). 09.  Estruturas desafectadas de uma velha ermida que se supõe quinhentista, dedicada a São Vicente, espaço de arquitectura vernácula implantado no chamado Pincarinho, lugar dominante no cume da serra de Viana, onde se ergueu em 1851 um marco geodésico, e espaço que, com o abandono definitivo, passou a ser usado como curral de porcos. (Concelho de Viana do Alentejo, Distrito de Évora). 10.  Estrutura arruinada do convento franciscano de Nossa Senhora do Desterro, em sítio altaneiro na vila de Monchique, conjunto monás-

napoleónicas e, depois de adquirido pelo conde de Farrobo, adequado a fábrica de seda, perdendo muitas das suas características monacais devido às várias funcionalidades a que foi submetido. (Concelho de Vila Franca de Xira, Distrito de Lisboa). 13.  Aspecto do espaço intestino da igreja do extinto Convento de Santo António da Castanheira, em condições de avançada degradação, mostrando-se o panteão de Joaquim Pedro Quintela, 1.º conde de Farrobo, e de seus familiares, obra neoclássica atribuída a risco do arquitecto Fortunato Lodi. (Concelho de Vila Franca de Xira, Distrito de Lisboa). 14.  Seminário de Santa Teresinha, século xx, onde funcionou a Escola Apostólica dos Padres da Missão Vicentina, em Pombeiro de Ribavizela. (Concelho de Felgueiras, Distrito do Porto).

tico de prospecto imponente, construído a partir de 1631 por inicia-

15.  Ruínas do convento crúzio de Almiara, ou de Verride, erguido no

tiva de Pero da Silva (que foi vice-rei da Índia), mas que sofreu, após a

século xviii a mando dos monges de Santa Clara de Coimbra, mostrando

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solidez construtiva nas suas cantarias de erudito lavor, mas que nunca

19.  Aspecto das ruínas da Torre de São Sebastião da Caparica, em Porto

foi ultimado de obras.

Brandão, chamada também Torre Velha ou, ainda, Lazareto Velho. Esta

(Concelho de Montemor-o-Velho, Distrito de Coimbra)

construção régia data do final do século xv e documenta uma arrojada campanha de obras gótico-manuelinas de grande importância estraté-

Património Militar: 16.  Conjunto do Real Castelo de Valongo, em Montoito, na freguesia de São Miguel de Machede, imponente casa senhorial acastelada, com origens no século xiii, que sofreu ampliações significativas nos séculos xv e xvi. Neste paço, que se ergue no lugar onde se localizaram vestígios romanos do século i d. C., viveu uma figura ilustre de estirpe real, D. Leonor Afonso, filha bastarda de D. Afonso III e fundadora do convento de Santa Clara de Santarém. (Concelho e Distrito de Évora). 17.  Estruturas destruídas do Castelo de Barbacena, construção militar de origem pré-romana ampliada e reconstruída a seguir à conquista de Évora, em 1273, por D. Estêvão Anes, senhor do Alvito; sofreu adições ao longo da Idade Moderna e tem panos fortificados da época das guerras da Restauração. É propriedade particular, aguardando obras consequentes de reabilitação.

gica: situada à entrada da barra do Tejo, defronte da Torre de Belém, era a mais antiga fortaleza de artilharia da costa portuguesa e assegurava, juntamente com aquela, o fogo cruzado à linha de água que protegia a capital. Utilizada mais tarde como lazareto, desactivado no século xix, mantém-se em estado de acelerada ruína. (Concelho de Almada, Distrito de Setúbal). 20.  Real Castelo de Montoito ou de Valongo, notável testemunho da arquitectura casteleja-palacial da Idade Média portuguesa, implantado no coração do Alentejo, em sítio de desafogada beleza na freguesia de São Miguel de Machede, testemunha uma campanha de obras do século xiii, com várias adições ulteriores. (Concelho e Distrito de Évora). 21.  Forte de Santa Apolónia, também conhecido como Baluarte de Santa Apolónia ou Bateria de Manique, século xvii. (Concelho e Distrito de Lisboa).

(Concelho e Distrito de Elvas).

22.  Ruínas do Forte do Guincho, do Abano ou, ainda, das Velas, a norte

18.  Aspecto do Castelo de Montemor-o-Novo, erigido por D. Sancho I

da praia do Guincho, erguido em 1642 como bataria de artilharia de

por volta de 1203, ampliado no reinado de D. Dinis, e que foi centro das Cortes de 1485. Sabe-se que Vasco da Gama aqui visitou D. Manuel antes de partir para a Índia. A robusta fortaleza sofreu obras no tempo de D. João IV, aquando das Guerras da Restauração, a fim de reforçar as suas linhas defensivas. Em 1808, resistiu ao assédio de Junot e, mais

costa, dispondo então de sete bocas-de-fogo, tendo sofrido reformas nas centúrias seguintes que o foram depauperando, até passar a ser tutelado pelo Ministério das Finanças, em 1934, sendo entregue mais tarde, por curto período, ao Clube Nacional de Campismo. (Concelho de Cascais, Distrito de Lisboa).

tarde, esteve aqui instalado o Estado-Maior das tropas liberais do duque

23.  Trecho arruinado do antigo Forte de Santo Amaro, ou do Areeiro,

de Saldanha.

em Oeiras, projectado em 1647 para defesa costeira, e com obras de

(Concelho de Montemor-o-Novo, Distrito de Évora).

remodelação no início do século xx pelo major de engenharia António

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Augusto Nogueira de Campos, mostra similitudes, no tipo de fortificação, ainda que de cronologia mais recente, com a Bateria das Fontainhas. (Concelho de Oeiras, Distrito de Lisboa).

Património Civil: 27.  Prospecto, semi-submerso pela albufeira da Barragem do Alqueva, de uma ponte setecentista no sítio de Oriola, tradicionalmente conhecida

24.  Aspecto muito degradado do notável Forte da Graça (também desig-

como ponte romana, apesar da sua cronologia mais tardia. Só em alturas

nado Forte do Conde de Lippe) em Elvas, obra do tempo da Guerra dos

de seca, em breves períodos, esta ponte pode ficar visível.

Sete Anos (1756-1763), e da responsabilidade do Marechal Wilhelm von

(Concelho de Portel, Distrito de Évora).

Schaumburg-Lippe, comandante do exército português, considerado um dos melhores testemunhos de fortaleza abaluartada da Idade Moderna portuguesa. Apesar da sua importância histórica como estrutura defensiva com fama de inexpugnável (a que acresce o facto de ter servido em períodos mais recentes como prisão política e instrumento repressivo de triste memória), e de se integrar no conjunto monumental recentemente galardoado pela unesco como Património da Humanidade, o

28.  Aspecto das ruínas quatrocentistas do Paço dos duques de Cadaval ou dos viscondes de Maiorca, testemunho de arquitectura aristocrática, com vestígios mais ancianos na sua capela palatina. Trata-se de um magnífico exemplar da arte civil da época barroca, que justifica intervenção e revalorização. (Concelho de Figueira da Foz, Distrito de Coimbra).

seu precário estado de conservação e a indefinição que persiste sobre a

29.  Trecho arruinado do Aqueduto de Pegões, no perímetro do

sua reutilização futura inspiram cuidados acrescidos.

Convento de Cristo em Tomar, imóvel classificado cuja edificação decor-

(Concelho de Elvas, Distrito de Portalegre)

reu entre 1593 e 1619, com responsabilidade dos arquitectos Filipe

25.   Imagem imponente das torres dos radares da Força Aérea Portuguesa, ambas desafectadas e ao abandono, num cômoro da serra da Estrela, que são um testemunho da melhor engenharia militar portuguesa, em avançado estado de ruína. Só uma mereceu já reutilização, por parte da GNR, aguardando-se intervenção de salvaguarda por parte da nova tutela, a Região de Turismo da serra da Estrela. (Concelho da Covilhã, Distrito de Castelo Branco). 26.  Aspecto das ruínas desafectadas da 2.ª Bataria do Regimento de Artilharia de Costa, na Parede, a qual constituía, na sua origem, uma parcela relevante do reduto de defesa costeira marítima portuguesa, cobrindo uma vasta área litorânea de Cascais até Oeiras, e que estava equipada com três peças Vickers de 152mm de médio alcance. (Concelho de Oeiras, Distrito de Lisboa).

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Terzi, Pedro Fernandes de Torres e Pero Vaz Pereira, e que abastecia de água o complexo monacal dos freires de Cristo. Obra imponente, com a sua altura média de 30 metros e um total de 180 arcos assentes em robustas pilastras em toda a sua extensão, carece em absoluto de uma intervenção de salvaguarda. (Concelho de Tomar, Distrito de Santarém). 30.  A arruinada Torre das Águias, em Brotas, fundada em 1520 por D. Nuno Manuel, guarda-mor na corte de D. Manuel I, constitui um belíssimo exemplar de arquitectura paçã-militar, não longe do Santuário de Nossa Senhora da Brotas e do curso do rio Divor. De fina traça gótico-manuelina, conforme foi justamente destacada por Túlio Espanca, a torre situava-se junto à antiga vila das Águias e aliava as funções defensivas às de paço de recreio e de retiro de montaria. (Concelho de Mora, Distrito de Évora).

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31.  Claustro renascentista dos Almada Carvalhais, no Conde Barão,

que albergou o Colégio Arriaga, o Liceu D. João de Castro e a Escola

palacete quinhentista que pertenceu aos barões do Alvito e, de seguida,

Secundária Rainha D. Amélia, foram depauperando os seus espaços.

a Rui Fernandes de Almada, o célebre feitor em Antuérpia no tempo

(Concelho e Distrito do Porto).

de D. Manuel e de D. João III, que foi amigo de Albrecht Dürer. Apesar

35.  Ruínas do casario vernáculo do Bairro das Fontainhas, dominando

das fases de abandono e dos usos indevidos, que o foram descaracterizando e arruinando, o palácio preserva ainda elementos da estrutura original, como é o caso do magnífico claustro com seus finos capitéis clássicos, com forte ressonância italiana, tudo ao gosto do arquitecto João de Castilho. (Concelho e Distrito de Lisboa). 32.  Ruínas da antiga residência seiscentista da Companhia de Jesus da Quinta da Alagoa, em Carcavelos, onde o padre António Vieira estadeou e escreveu, e que, em 1763, após a expulsão dos jesuítas, foi doada por D. José I a José Francisco da Cruz, iniciando o morgadio da Alagoa. Aqui se começou, em 1879, a primeira produção de vinhos de Carcavelos, por Jerónimo José Moreira. Aguarda intervenção de salvaguarda. (Concelho de Cascais, Distrito de Lisboa). 33.  Ruínas do solar setecentista dos viscondes de Paço Vitorino, em Vilar de Andorinho, fruto de várias campanhas construtivas e com estruturas de gosto barroco, cujo abandono de há muito se foi acentuando, depois de perder funções de casa aristocrática rural. O título de conde de Paço de Vitorino foi criado em 1907 em favor de Francisco de Abreu de Lima Pereira Coutinho. (Concelho de Vila Nova de Gaia e Distrito do Porto). 34.  Fachada setecentista do palácio dos condes da Ribeira Grande, na Junqueira, que pertenceu ao 2.° marquês de Niza sendo de seguida alvo de completa remodelação em estilo neoclássico pelo 1.º marquês da Ribeira Grande. O prospecto estilístico mostra afinidades com o Palácio de Queluz. No século passado, sucessivas reutilizações do palacete,

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o curso do rio Douro, erguido em volta da primeira cintura industrial da cidade. É desoladora a imagem destas casas de habitação, verdadeiras vilas operárias, arruinadas em ritmo crescente, que se acentuou, em 2009, com um incêndio e com a derrocada da encosta. (Concelho e Distrito do Porto). 36.  Casa romântico-revivalista que pertenceu ao escritor Júlio de Castilho, um dos fundadores da Olisipografia, em estado avançado de degradação e de perda de valências, apesar de estar classificado como património municipal. (Concelho e Distrito de Lisboa). 37.  Estrutura neoclássica de um palácio que pertenceu aos duques de Lafões, em Alpriate, Vialonga, de elegante prospecto arquitectónico, infelizmente em estado de avançada ruína, com parte da estrutura palatina e o que sobrevive dos seus jardins de buxo, descaracterizados pelo prolongado abandono. (Concelho de Vila Franca de Xira, Distrito de Lisboa). 38.  O palacete romântico-revivalista chamado da Fonte da Pipa, em Loulé, construído em 1875 pelo político Marçal de Azevedo Pacheco (tio de Duarte Pacheco), e decorado então com toda a pompa e circunstância a fim de albergar a família real aquando de uma visita de D. Carlos ao Algarve, foi depois pertença de outros proprietários e tutelas, sendo lentamente corroído pelo abandono e pelo vandalismo. É desoladora a imagem dos antigos salões de festa, outrora opulentos, com as suas pinturas murais e o seu mobiliário revivalista. (Concelho de Loulé, Distrito de Faro).

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39.  Os pavilhões termais do parque, na cidade das Caldas da Rainha,

avançado de abandono, com os espaços interiores, outrora opulentos,

erguidos no início do século passado por iniciativa de Rodrigo Berquó,

completamente devastados.

director do Hospital Termal, para ampliação e melhoria funcional do

(Concelho de Oliveira de Azeméis, Distrito de Aveiro).

complexo hospitalar, nunca foram ultimados, o que, aliado às várias uti-

44.  Aspecto das ruínas do chamado Palácio do Inferno, ou Palácio do

lizações que sofreram, contribuiu para a sua maior degradação. Existem projectos do município tendentes à sua salvaguarda. (Concelho de Caldas da Rainha, Distrito de Leiria).

Rei do Lixo, em Coina, monumental construção revivalista da responsabilidade do industrial Manuel Martins Gomes Júnior, chamado “o rei do lixo”, com a sua torre altaneira.

40.  Palacete romântico-revivalista gizado pelo arquitecto Ernesto

(Concelho do Barreiro, Distrito de Setúbal).

Korrodi no início do século passado, o chamado Castelo da D. Chica,

45.  Projecto modernista do arquitecto Norte Júnior, por encomenda

em Palmeiras, pertenceu à excêntrica brasileira D. Francisca Peixoto de Sousa, que decorou a esmero esta mansão, animada por opulentas festividades de que restam largas memórias e servida por jardim de árvores tropicais. Após o retorno da sua proprietária ao Brasil, a casa acastelada mudou sucessivamente de donos e de usos, o que foi agravando a degradação. Aguarda plano de recuperação. (Concelho e Distrito de Braga). 41.  Testemunho de uma belíssima casa apalaçada, já em estado avançado de ruína, projecto ecléctico do famoso arquitecto portuense José Marques da Silva (1868-1947), discípulo em Paris de Victor Laloux e com vasta produção dentro de um gosto de contida racionalização, com abertura a influências art déco. (Concelho e Distrito do Porto).

do banqueiro Carreira de Sousa, a Villa Sousa, na Alameda das Linhas de Torres, é uma notável construção ecléctica, com suas elegantes cantarias lavradas e o ritmo das arcadas com referenciais historicistas, que mereceu ser galardoada com o Prémio Valmor em 1912. Tendo caído em ruínas, e por mais de uma vez poupada à sentença de demolição, aguarda condições adequadas para uma cabal intervenção de salvaguarda. (Concelho e Distrito de Lisboa). 46.  Imponentes ruínas do antigo hotel Serra da Pena, ou Águas de Radium, em Sortelha, complexo de obscuro e triste historial, que a tradição diz ter sido erguido em 1926 por iniciativa de Henrique Gonçalves, conde espanhol cuja filha fora sarada pelas propriedades das águas termais; a exploração cessou por volta de 1945 e o conjunto hoteleiro foi caindo gradualmente ao abandono.

42.  Ruínas de uma elegante casa de veraneio em estilo neomanuelino

(Concelho do Sabugal, Distrito da Guarda).

situada na Foz do Douro em acelerada degradação, depois de lhe terem

47.  A Casa do Passal, solar arruinado que pertenceu a Aristides de

sido extorquidos os acervos e de ter sido lentamente vandalizada. (Concelho e Distrito do Porto).

Sousa Mendes, o célebre cônsul em Bordéus a quem se deveu o salvamento de milhares de perseguidos pelo nazi-fascismo, sito em Cabanas

43.  Ruínas do palacete romântico-revivalista conhecido por Casa do

de Viriato, aguardando intervenção de salvaguarda.

Professor, ou Quinta do Parreira, em Oliveira de Azeméis, que foi do

(Concelho de Tondela, Distrito de Viseu).

matemático Ferreira da Silva (1926-1984) e que se encontra em estado

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48.  Ruínas do Onda Parque, na Costa da Caparica, encerrado após rigo-

54.  Trecho desolado de estruturas, arruinadíssimas, da antiga Fábrica

rosa fiscalização, estando inviabilizada qualquer proposta de reabilitação.

Atlântica da Seca do Bacalhau, na Ponta dos Corvos, geralmente cha-

(Concelho de Almada, Distrito de Setúbal).

mada Moinho da Seca.

49.  Prospecto do antigo Cinema Batalha, no Porto, projecto com

(Concelho do Seixal, Distrito de Setúbal).

traça modernista do arquitecto Artur Vieira de Andrade, desafectado

55.  Ruínas da Fábrica de Fiação A. C. da Cunha Morais em Crestuma,

e aguardando uma inadiável intervenção de salvaguarda.

que foi uma das maiores do país, com actividade entre 1857 e 2007.

(Concelho e Distrito do Porto).

A maquinaria que usava foi aperfeiçoada pelo proprietário, Augusto César da Cunha Morais, e era considerada de ponta.

Património Industrial: 50.  Pormenor da Central de Captação de Água da Foz do Sousa, cuja origem remonta a 1882, tendo funcionado até 1982, quando se iniciou o lento mas inexorável processo de ruína. (Concelho de Gondomar e Distrito do Porto). 51.  Real Fábrica de Atanados, ou Quinta da Fábrica, Vila Franca de Xira, foi uma das primeiras indústrias do país, estabelecida, por iniciativa de João Mendes de Faria, no início do século xviii, durante o reinado de D. João V. (Concelho de Vila Franca, Distrito de Lisboa). 52.  Aspecto das históricas Minas de São Domingos, perto de Mértola,

(Concelho de Vila Nova de Gaia, Distrito do Porto). 56.  Ruínas da Fábrica do Paleão, em Soure, que foi extensão da efanor (Fábrica dos Carrinhos de Linhas), absorvida pelo Grupo Sonae e fechada definitivamente em 1992. (Concelho e Distrito de Coimbra). 57.  Aspecto geral da desafectada Fábrica de Cerâmica das Devezas, primeira do seu género na Península Ibérica, e a maior do país. Desde 1982 que aguarda classificação como Imóvel de Interesse Público, o que permitiria um início de recuperação. (Concelho de Vila Nova de Gaia, Distrito do Porto). 58.  Fábrica de Cerâmica das Devezas (v. legenda anterior).

estrutura mineira com quase dois mil anos de exploração que foram

59.  Ruínas do complexo industrial de produção centenária, a Central

esgotando os filões, tornando o complexo uma verdadeira vila-fantasma,

de Captação de Água da Foz do Sousa, erguido em 1882 e encerrado

quase um museu a céu aberto.

em 1982, com gradual abandono das suas estruturas e vandalização dos

(Concelho de Mértola, Distrito de Beja).

equipamentos.

53.  Quinta da Arealva, edificada no século xviii, propriedade da antiga

(Concelho de Gondomar e Distrito do Porto).

Sociedade Vinícola Sul de Portugal, foi considerada uma das maiores

60.  Ruínas da Fábrica dos Carrinhos, a EFANOR, em Matosinhos, a

indústrias de tanoaria do país.

primeira a produzir carrinhos de linhas no país e chegando a empregar

(Almada, Distrito de Setúbal).

alguns milhares de trabalhadores. O pormenor mostra o que se pensava

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ser um motor de submarino U-Boat afundado ao largo de Leça, embora se trate de um MB501 de vinte cilindros. (Concelho de Matosinhos, Distrito do Porto). 61.  Obra da autoria de José Bernardo Corte-Real, erguida em 1926, a Central termoeléctrica do Freixo foi uma das mais importantes indústrias do país, servindo durante meio século toda a região Norte, com uma rede de distribuição que se estendia de Lindoso a Coimbra. Deixou de servir em 1975 e a ruína foi inapelável. (Concelho e Distrito do Porto) 62.  Gizada pelo arquitecto Edmundo Tavares, a Fábrica dos Cabos d’Ávila, em Alfragide, constitui uma importante peça da indústria portuguesa de Novecentos, tendo chegado a empregar mil e duzentos trabalhadores na produção de cabos eléctricos, mas cujo declínio acentuado nos últimos anos a conduziu ao encerramento em 2003. (Concelho e Distrito de Lisboa). 63.  Últimos exemplos europeus na sua tipologia, os Gasómetros da Matinha foram construídos em 1943 e mantêm-se em regular estado de conservação, ainda que o seu futuro seja incerto e pesem ameaças de destruição. Constituem, como monumentos industriais de grande porte, verdadeiras landmarks referenciais da zona oriental de Lisboa, cujos perfis se assumem quase como esculturas públicas que valorizam o tecido patrimonial da zona ribeirinha. (Concelho e Distrito de Lisboa). 64.  Ruínas da antiga Fábrica Sereia em Paio Pires, de moagem de adubos orgânicos, instalada no Moinho do Breyner desde os anos 30 do século passado, e que passou depois a produzir conservas de peixe, tendo encerrado em 1989. (Concelho do Seixal, Distrito de Setúbal).

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Retratos da Fundação Director de Publicações: António Araújo

Prematuros João Pedro George

Portugal de perto Nuno Ferreira

Longe do mar Paulo Moura

Terra firme José Navarro de Andrade

Portugal em ruínas Gastão de Brito e Silva

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