Posfácio de \'Subsídios para o estudo comparado dos artefatos resgatados: referência AF.IR.020 | projeto B.C. BYTE |1995-2015\'

June 7, 2017 | Autor: Ines Raphaelian | Categoria: Artes plásticas, Artes Visuais, Arte Contemporânea
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Subsídios para o estudo comparado dos artefatos resgatados: referência AF.IR.020 projeto B.C. BYTE 1995-2015

Volume I Projeto B.C. Byte. Inês Raphaelian (org.)

Posfácio

A proposta do ‘Projeto B.C. Byte’ é apresentar uma reflexão crítica de forma poética, como um arqueólogo buscando o que está perdido do símbolo. Conjugar ciência e arte. Deixo claro que me aproprio dos saberes de diversos campos especializados e reconheço minha limitação nestas áreas e o risco de abordá-las. Segundo Foucault, em todas as sociedades a produção de discursos é regulada, julgada, selecionada, organizada, classificada e redistribuída conjugando poderes e perigos. Ao que se refere à recorrência do discurso científico às proposições míticas ou metafóricas, em sua aula inaugural no Collège de France em dezembro de 1970, A ordem do Discurso, diz: “No interior de seus limites, cada disciplina reconhece proposições verdadeiras e falsas: mas ela repele, para fora de suas margens, toda a teratologia do saber. O exterior de uma ciência é mais ou menos povoado do que se crê: certamente, há a experiência imediata, os temas imaginários que carregam e reconduzem, sem cessar, crenças sem memória; mas talvez não haja erros em sentido estrito, porque o erro só pode surgir e ser decidido no interior de uma prática definida; em contrapartida, rondam monstros cuja forma muda com a história do saber.” Foucault diz também que existe a possibilidade de não somente poder conhecer o passado, mas também de reconstruí-lo no presente mediante uma análise dos elementos que ficaram nas entrelinhas da narrativa: “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de seu retorno”. Porém, como diz Pierre Frascastel: “o domínio da arte não é o absoluto, mas o possível... e a partir dos meios de produção recuperar aquilo que há de poético no discurso”.

Assim, tomei uso do direito da liberdade poética do artista para falar destas questões complexas de forma generalista e de certo modo estereotipada, para criar a trama ficcional que pode ser vista como relato e resgate do processo criativo da produção plástica realizada ao longo de 20 anos. Minha vida profissional transpassa múltiplas atividades e de certa maneira determinaram os rumos de minha pesquisa poética desde o início deste Projeto. A atuação profissional como artista e professora e principalmente, nos bastidores da produção, dos museus, das coleções e do sistema cultural, paralelamente às pesquisas para a realização de meu trabalho, abalaram minha ingênua percepção de fatos e dados que reconhecia como certos e estáveis e passaram a apontar para questionamentos, mais interessantes que as ditas certezas. Lembrando Julio Plaza nas palavras de Abraham Moles: “A arte é uma relação ativa do homem com as coisas... ‘formatar’ o ambiente ou ser ‘formatado’ por ele... a arte não é o resultado de uma continuidade espontânea do movimento da mão, mas uma vontade de forma” e neste processo em busca de uma forma, me detive nas incertezas e relatividades (do relativismo da interpretação de um modo geral e em particular da história, da antropologia e da arqueologia) para a realização e apresentação dos objetos e da linguagem para o discurso. Ernest Gellner, filósofo e antropólogo social, apresenta o problema do relativismo cultural na pergunta: “Se a nossa sociedade sabe melhor do que outras sociedades, como sabemos que isso é saber melhor?” no livro Relativismo da Ciência Social aponta: “Embora haja uma indústria acadêmica principal, dizendo aos cientistas sociais como eles podem tornar-se verdadeiros cientistas, há uma outra, de produção igualmente vigorosa, a

confirmar que o estudo dos homens e da sociedade não pode ser científico”. Em número cada vez maior, muitos arqueólogos, na esteira dos historiadores e sociólogos, abandonaram a certeza positivista e passaram a ter dúvidas da objetividade de sua pesquisa. Publicado em 1989, o livro de Bruce Trigger, História do Pensamento Arqueológico, aborda as relações entre a Arqueologia e seu meio social em uma perspectiva histórica e demonstra que a arqueologia histórico-cultural e as tendências do pensamento arqueológico no decorrer do séc. XX, surgem de conceitos europeus de etnicidade e nacionalismo e da propagação antropológica do conceito de cultura. As abordagens interpretativas tendem a se sobrepor e interagir umas com as outras, no espaço e no tempo. Conclui que, fatores subjetivos influenciam a interpretação arqueológica em todos os seus níveis: “Os achados da Arqueologia”, diz Trigger, “ainda que subjetivamente interpretados, modificaram a percepção que a humanidade tem de sua história, de sua relação com a natureza, e de sua própria natureza”. A tradicional análise crítica do documento histórico, do final do século XIX e início do século XX, foi desenvolvida dentro de uma perspectiva positivista, bipolarizada com o dualismo do “verdadeiro” e o “falso”, adotando procedimentos, critérios e métodos para a construção do conhecimento factível e histórico. Porém, interpretações históricas são notoriamente subjetivas e muitos historiadores chegaram a considerá-las meras expressões de opiniões pessoais - uma forma de fabricação de mitos. Nesta inquietante ficção, estes mitos, ao longo do tempo com o reforço e repetição do discurso, que constrói unidade e coerência a tal ficção, podem ter sua inserção no real.

Michel de Certeau afirma: “Recusar a ficção de uma metalinguagem que unifica o todo é deixar aparecer a relação entre os procedimentos científicos limitados e aquilo que lhes falta do ‘real’” e acrescenta: “Não existe diferença entre uma narrativa histórica e uma narrativa de ficção - segundo o ponto de vista relativista, a narrativa histórica ‘forja’ o real sobre o discurso, sendo que todo discurso historiográfico se articula no real perdido (o passado), o qual é reintroduzido em um texto fechado, como ‘relíquia’. Assim, a realidade ‘se exila na linguagem’ e dessa forma é impossível alcançar a realidade velada”. Hyden White, conhecido por suas críticas epistemológicas à historiografia, aponta a disparidade entre o discurso, ou seu modo de enunciação, com a união do significado e do significante no próprio símbolo na busca de adequação da mensagem à linguagem. White afirma que todo historiador, consciente ou inconscientemente, utiliza de artifícios literários e retóricos para compor sua “reconstrução do passado”, e às vezes chegam a confundir verdade histórica com elementos literários. Isso significa que um texto histórico não é capaz de fornecer a realidade dos fatos, mas apenas realidades discursivas que se separam do real pelo imenso abismo denominado “linguagem” e seus artifícios. A linguagem não pode dar uma imagem adequada da realidade. O historiador italiano Carlo Ginzburg utilizando-se de documentos falsos para a construção do conhecimento histórico, aponta a trama minuciosa entre evidências, contradições, possibilidades, leituras e versões acerca de um objeto - uma complicada relação entre verdade, ficção e mentira, presente no caráter fabuloso das formas de exposição adotadas pela historiografia e diz: “Um texto histórico não é capaz de fornecer a realidade dos fatos, mas apenas realidades discursivas. Desse modo, ainda que aceitemos a idéia de que “a realidade esteja exilada na

linguagem”, Ginzburg comenta que “Cada obra literária – seja um texto ficcional ou histórico – torna a realidade visível em sua própria maneira, transmite sua visão de realidade - formas lingüísticas específicas são relacionadas a formas específicas de verdade. Ginzburg considera que a construção literária não é incompatível com a prova histórica - Gustave Flaubert em seu livro Educação Sentimental mostra como o discurso literário não elimina a correspondência entre ficção e história. Para Nietzsche a pretensão do homem de conhecer a verdade, além de ser efêmera é também ilusória, ela tem as suas raízes na regularidade da linguagem, nas palavras, segundo Nietzsche, a verdade nunca tem importância e nem mesmo expressão adequada, caso contrário não existiriam tantas línguas.“O que é a verdade?”, pergunta Nietzsche “...Um exército móbil de metáforas, metonímias, antropomorfismos, em resumo: uma suma de relações humanas que foram reforçadas poética e retoricamente, que foram deslocadas e embelezadas e que, após um longo uso, parecem a um dado povo, sólidas, canônicas e vinculatórias [...] o verdadeiro significa servir-se das metáforas usuais.” “As mentiras são mais fascinantes do que a verdade”, diz Eco ”O que torna os signos interessantes não é servirem para dizer a verdade, mas poderem ser usados para mentir ou falar de coisas que nunca vimos. Uma linguagem revela a sua importância quando é usada para referir coisas que não estão lá”. Umberto Eco colecionava livros relacionados a coisas equivocadas e falsas e afirma: “Isso prova que esses livros não são testemunhos indiscutíveis. Entretanto, embora mintam, eles nos ensinam alguma coisa sobre o passado”... “Os livros às vezes se equivocam. Mas às vezes são nossos erros ou delírios interpretativos que estão em jogo”.

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