Posfácio (por Armando Marques Guedes) ao livro de Paulo Brardo Duarte, Metamorfoses do Poder. Rumo a hegemonia do Dragão

June 1, 2017 | Autor: A. Marques-Guedes | Categoria: Military History, Cultural History, Sociology, Cultural Studies, Economic Sociology, Political Sociology, Social Movements, Social Theory, Social Psychology, Demography, Asian Studies, Economics, Anthropology, Comparative Politics, International Relations, Policy Analysis/Policy Studies, Political Economy, Philosophy, Political Philosophy, Communication, Education, Social Policy, Social Anthropology, Chinese Philosophy, Organizational Theory, International Relations Theory, Social Networks, Social Sciences, Foreign Policy Analysis, Political Theory, Family studies, International Studies, Chinese Studies, Social Networking, International Law, International Development, Higher Education, Organizational Culture, Geopolitics, Sociology of Knowledge, Political Ecology, International Trade, International organizations, Learning and Teaching, Political Anthropology, Community Development, Social and Cultural Anthropology, International Security, Urban Anthropology, Community Ecology, Security, Political Science, Marriage & Family Therapy, Security Studies, Politics, International Political Economy, Family, Philosophy Of Law, Culture, Political communication, Education Policy, Ecology, International Politics, China, Social History, Chinese Politics, Sociopolitical organization, Middle East Politics, Military and Politics, State Formation And Social Transformation, China studies, Central Asia, Cultural Anthropology, Anthropology of the State, Contemporary China, Hegemony, Chinese history (History), Public Policy Analysis, Party organization, China's foreign policy, Birth, Filosofía Política, Historia, Early State Formation, Economia, Educación, Sociologia, Ciencia Politica, National Security, Políticas Públicas, South China Sea, Sociología, Party Politics, Antropología, Non-Traditional Security, Asian Values, Economia Política, Chinese Communist Party, Public Security and Order ; Social Contrl, Defence and Strategic Studies, Geopolítica, Parties and Party System, Public Administration and Policy, Political Economy and History, Impact of Social Sciences and Humanities, Party System, Civil Society Counterbalance the Dominant Party State, History of Place and History of Lineages, Social Science, Social politics and social order, Public Policy, Political Sociology, Social Movements, Social Theory, Social Psychology, Demography, Asian Studies, Economics, Anthropology, Comparative Politics, International Relations, Policy Analysis/Policy Studies, Political Economy, Philosophy, Political Philosophy, Communication, Education, Social Policy, Social Anthropology, Chinese Philosophy, Organizational Theory, International Relations Theory, Social Networks, Social Sciences, Foreign Policy Analysis, Political Theory, Family studies, International Studies, Chinese Studies, Social Networking, International Law, International Development, Higher Education, Organizational Culture, Geopolitics, Sociology of Knowledge, Political Ecology, International Trade, International organizations, Learning and Teaching, Political Anthropology, Community Development, Social and Cultural Anthropology, International Security, Urban Anthropology, Community Ecology, Security, Political Science, Marriage & Family Therapy, Security Studies, Politics, International Political Economy, Family, Philosophy Of Law, Culture, Political communication, Education Policy, Ecology, International Politics, China, Social History, Chinese Politics, Sociopolitical organization, Middle East Politics, Military and Politics, State Formation And Social Transformation, China studies, Central Asia, Cultural Anthropology, Anthropology of the State, Contemporary China, Hegemony, Chinese history (History), Public Policy Analysis, Party organization, China's foreign policy, Birth, Filosofía Política, Historia, Early State Formation, Economia, Educación, Sociologia, Ciencia Politica, National Security, Políticas Públicas, South China Sea, Sociología, Party Politics, Antropología, Non-Traditional Security, Asian Values, Economia Política, Chinese Communist Party, Public Security and Order ; Social Contrl, Defence and Strategic Studies, Geopolítica, Parties and Party System, Public Administration and Policy, Political Economy and History, Impact of Social Sciences and Humanities, Party System, Civil Society Counterbalance the Dominant Party State, History of Place and History of Lineages, Social Science, Social politics and social order, Public Policy
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Afterword (by Prof Armando Marques Guedes) of my book 'Metamorfoses no Poder: Rumo à Hegemonia do Dragão?' Chapter · December 2014

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1 author: Paulo Afonso Brardo Duarte Instituto do Oriente 51 PUBLICATIONS 0 CITATIONS SEE PROFILE

Available from: Paulo Afonso Brardo Duarte Retrieved on: 20 July 2016

Posfácio Como escreveu o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa no seu Prefácio ao presente estudo monográfico: “o autor desta obra, actualíssima, é muito mais do que um estudioso académico da realidade chinesa. É claro que integra essa dimensão e desenvolve-a, com mestria e de forma apelativa para o leitor. [...] Mas, para além da valia científica, esta pesquisa-explicação sobre a China, como actor determinante na presente e futura cena mundial, (o presente estudo) encerra muitas outras potencialidades. Tantas quantos os seus destinatários: políticos, empresários, gestores económicos e sociais, jornalistas, cidadãos interessados no que os rodeia e condiciona, de modo mais ou menos longínquo. Numa palavra, é uma obra que cumula rigor com criatividade e capacidade de atração para públicos muito diversos e com graus de preparação muito diferentes. O que representa uma qualidade louvável, pela complexidade do tema e pelo desafio do tratamento que merece”.

Começo por escrever que concordo inteiramente com estes comentários de abertura. Como também concordo que “o leitor termina o seu roteiro com mais dúvidas do que aquelas que o assaltavam e desejoso de mais tempo e espaço para aprofundar tópicos (vários)”. E, é claro, também para mim, que o desígnio da obra e do seu Autor é o de nos proporcionar um enquadramento geopolítico da China. Não quereria aqui repetir coisas que tenho asseverado noutros lugares, nem insistir que não me surpreenderia se, afinal, houvesse enormes semelhanças e as variações fossem apenas de ritmo, por detrás das diferenças em processos complexos de transição entre uma União Soviética que implodiu ao tentar (com a perestroika e o glasnost de Mikhail Gorbatchov) empreender mudanças políticas e depois (e apenas depois) económicas, e uma República Popular da China (RPC) que, cautelosamente, ensaiou fazer quase precisamente o inverso. Há poucos meses, num jantar de gala de uma Conferência organizada pelos norte-americanos sobre a Bacia do Atlântico, uma académica chinesa, Diretora de um think-tank oficial bem conhecido de Xangai, interpelou-me, sorridente, sobre uma questão que fora colocada aos conferencistas nessa tarde em Rabat. A questão era sobre o futuro da relação da China com a Bacia do Atlântico dentro de vinte anos, ou seja, em 2044. Na sua opinião, disse-me, a questão era estranha, pois, em 2034 já não haveria, disse-me, uma China, mas sim três; “o Império ter-se-á dividido”, explicou. Seguiu-se uma conversa animada (na qual participaram, entre outros, uma

Subsecretária de Estado norte-americana e um Embaixador britânico, que connosco partilhavam a mesa de jantar) sobre o tema. Deixando-me guiar, disse-lhe ser possível interpretar a afirmação por ela feita como apontando para o que desde há muito me pareciam evidências: a saber que o Estado da RPC era melhor visto como um Império chinês Han; e que aparentes “anomalias” como a coexistência, num Estado unitário, de “zonas económicas especiais”, mais “zonas administrativas especiais”, depois “zonas económicas e administrativas especiais”, bem como autonomias peculiares como (da perspectiva Pequim) Taiwan e o Tibete, deveriam ser encaradas como sintomas de “uma implosão em câmara lenta”. Sem grande surpresa minha, e para grande divertimento dos anglo-saxónicos presentes, a investigadora chinesa concordou e acrescentou mesmo outras dimensões desse systemic breakdown, como a analista chinesa apelidou a visão prospectiva que enunciara. A sua postura estava longe de ser a de uma dissidente, bem pelo contrário. Da sua perspectiva, a “ideia da China sairia mais forte desse processo, que seria pouco mais do que uma parte dos processos em curso de resizing da globalização”. Contei-lhe que, poucos meses antes da sua morte, o grande George Kennan, instado, numa entrevista por um colega em simultâneo académico e diplomata, o Embaixador José Cutileiro, a pronunciar-se sobre a eventual implosão dos Estados Unidos, terá irreverente e deliciadamente respondido, com um sorriso cândido: “are you asking me if I think will Texas one day leave the Union? I don’t know... but I hope so!”. Não quero deixar de aproveitar o ensejo deste convite do Mestre Paulo Duarte, e da minha leitura da obra que o Leitor tem entre mãos, para algumas achegas ao que discuti durante o longo e delicioso jantar com a notável think-tanker de Xangai. Gostaria de o fazer de maneira indireta, É sobre isso que me quero debruçar neste curto Posfácio que o Autor tão simpaticamente me pediu para redigir. O estudo de Paulo Duarte é de facto rico e apelativo, bem com atual, rigoroso, e sentido. Tal como seria decerto de esperar, pois isto é habitual com estudos bem-feitos, este também nos deixa com algumas expectativas frustradas – no melhor sentido do termo. Motiva-nos (como decerto motivou o próprio Autor, Paulo Duarte) a tentar ir mais longe. É difícil exagerar este ponto, visto tratar-se de ir mais longe quanto a um tema que pode, literalmente, vir a mudar as coordenadas da ordem mundial em que nos habituámos a viver desde 1945: a ascensão da China, designadamente da República Popular da China. E fazendo-o em modo crítico, por assim dizer. Não negativamente crítico em relação a um trabalho que, como o Professor M. Rebelo de Sousa, considero

excelente; mas antes tecnicamente crítico. Alguns exemplos, um deles mais sociológico e relativo ao que o Autor intitula de os “efeitos perversos” da política chinesa do “filho único”; outra, mais geopolítica, que diz antes respeito à crescente orientação Mahanista”, de pendor marítimo, seguindo o grande Alfred Thayer Mahan, do que podemos apelidar de a Grande Estratégia da RPC. Afloro-as de forma ligeira, sublinhando outras dimensões menos desenvolvidas e faço-o na ordem em que as enunciei. Como Paulo Duarte o sublinha, citando analistas locais, a política chinesa do filho único, é bem certo, a curto prazo esvazia de conteúdo inteligível termos como o de “irmão” ou “irmã”. A questão não me parece, porém, apenas terminológica. Ela terminológica é-o, sem dúvida, mas creio que podemos ir mais longe. Embora tudo indique que a política vai deixar de vigorar (dado, por exemplo, e como o Autor refere, o envelhecimento acelerado da população chinesa e a criação de uma pirâmide demográfica cada vez mais piramidizada e por isso em termos práticos cada dia menos adequada a sistemas sustentáveis de segurança social), as implicações dela são muitíssimo mais agudas do que a forma em que por via de regra a entrevemos. Outros termos de parentesco – e, mais central, outras relações sociais – deixarão de existir do espaço chinês: na geração seguinte os de “primo e “prima”, os de “tio” e “tia”, e assim por diante. As consequências potenciais do facto não podem ser menosprezadas. Em substituição de um sistema centrado em famílias nucleares que se iam alargando em círculos mais ou menos concêntricos de consanguíneos em segundo, terceiro, e nos graus seguintes, a política oficial gizada em Pequim tem vindo a engendrar a criação – por uma engenharia social pouco atenta – de um sistema linear geracionalmente ordenado de forma unilinear e normativamente segregado de cima para baixo. Em vez de nexos de relacionamentos de consanguinidade que se entrelaçam uns com os outros em alianças matrimoniais mais ou menos estratégicas de agrupamento familiares organizados como que “em cebola”, passa-se assim, rapidamente, a feixes de alianças estratégicas potencialmente mais puras e duras entres “linhagens” de “clãs” afins. Num ápice, longe estamos de uma comunidade política como a entrevista pela “ética Confuciana” (para utilizar, aliterando-a, uma expressão weberiana) aquela que, argumentavelmente, tem vindo a subjazer a “filosofia política” chinesa tradicional, seja na RPC, seja em Taiwan, seja em Singapura, ou na diáspora. O que não é trivial. Num piscar de olhos, mais perto estamos, à mesma velocidade, de uma comunidade política de caraterísticas mais “tribais”, e porventura por isso mesmo em simultâneo mais

compatível com um sistema de “cadeia de comando” com fortes adequações estruturais ao “centralismo democrático” em vigor que irradia do Comité Central do Partido único no poder – mas também em tensão centrífuga paradoxal com a unidade nacional almejada por Pequim. Não será porventura excessivamente tentativo aventar que, dadas várias outras referência culturais presentes no sistema (e.g. as ligadas a uma predominância de linhas masculinas, ou outras ancoradas na desvalorização da progenitura do género feminino – duas tendências que não podem ser confundidas uma com a outra). E assim se criam assimetrias de peso. Em regiões rurais a política governamental do filho único na realidade as mais das vezes potencia, favorecendo-o, uma espécie de “feudalismo tribal patrilinear”. Mais, o que se deduz e constata é que tal terá lugar de maneira variável entre regiões, seguramente respondendo a pressões locais próprias e heterogéneas. O que descola as regiões do centro e umas das outras, ao contrário daquilo que o Governo chinês apregoa desejar como resultado. Como não será, nesta mesma lógica, abusivo, supor que aquilo que é potenciado pela política chinesa do filho único, em zonas urbanas, será bastante diferente; mas também dissolutor de muitas das pressões sistémicas que o “desenvolvimento” e a “modernização” exercem no sentido da criação virtualmente automática, de uma qualquer “sociedade civil”. Em ambos os casos, às dinâmicas políticas não são indiferentes as sociológicas, estas últimas, na prática, assim quasi-directamente desencadeadas, ainda que incautamente, pela engenharia social do Governo central sedeado em Pequim. Voltemo-nos, agora, para a segunda questão suscitada, a de uma evidente reorientação marítima da RPC – sendo a última a da China que no século XIV enviou enormes navios a percorrer o Índico e a costa oriental da África. De novo, sem quaisquer discordâncias com o Autor, tentarei ir mais longe. Certamente que a China tem tentado construir portos comerciais ao nível global, de modo a garantir o escoamento, na sua direção, das matérias primas de que precisa para continuar a crescer. Sem dúvida também, as tentativas de garantir a criação de uma rede global de instalações portuárias de natureza militar (ou híbrida), respondem por sua vez ao desconforto de Pequim em relação a um futuro no qual a segurança das suas rotas críticas se veja apenas garantida pelos seus competidores norte-americanos. Parece-me, no entanto, que a nova orientação marítima que, como camada, a RPC tem vindo a adicionar à sua dimensão continental clássica não é tão-somente económico-securitária e reativa. Como julgo que só podemos plenamente compreender as mudanças

“Mahanistas” (ou, talvez melhor, “Spykemanianas”) em curso se tomarmos em linha de conta o seu redimensionamento pró-ativo mais multidimensional e mais recente em relação às suas rimlands. Afloro três exemplos disso mesmo, rapidamente e apenas a título indicativo. As disputas territoriais chinesas na sua vizinhança próxima, sobretudo as que tem tido como palcos os seus flancos sul e sudeste; o desenvolvimento acelerado de uma Marinha de Guerra capaz de uma projeção regional e ainda global de força militar; os investimentos chineses maciços em projetos capital-intensivos de médio e longo prazo. Fá-lo-ei de novo nesta mesma ordem. Face a uma política externa norte-americana cujo novo “pivot asiático” é amplamente visto em Pequim como um esforço de Washington de contenção da China e dos seus potenciais, e num encirclement político-militar regional de Pequim, a liderança chinesa tem vindo ativamente a tentar assegurar a manutenção do que tem como uma profundidade estratégica que considera indispensável. As disputas com o Japão, com a Rússia, com as Filipinas, ou com a Indonésia prendem-se, em larga medida, com essa percepção chinesa de uma ameaça – seja ela real ou não. Os acordos militares norteamericanos da Administração Bush e agora os mais recentes da Obama – com a Austrália, a Nova Zelândia, a Coreia do Sul, a Indonésia, e com as reabertura de bases nas Filipinas, para só dar alguns exemplos mais óbvios – são encarados por Pequim como desafios que roçam a ingerência. E desafios aos quais as autoridades em Pequim se sentem impelidas a responder, dada a sua leitura das intenções presentes ou futuras, dos desafios que julgam ver alinhar-se. Ao que se vem acrescentar, de maneira mais comezinha, a presença de recursos numa região adjacente que confina com o território da RPC – recursos esses tidos como estratégicos e por isso recursos sobre os quais o Estado chinês quer ter alguma medida de controlo. O que tem incluído a criação de uma esquadra de submarinos e de porta-aviões, bem como reforços gerais da sua blue water Navy, a criação de uma forte green water Navy, costeira e de uma brown water Navy que a complementa no caso de estuários e fozes dos enormes rios que desaguam a sul e a leste do território chinês. Por muito absurda que nos possa parecer esta atitude chinesa (não muito diferente, neste plano de representação e de construção-percepção de ameaças, da de Vladimir Putin, embora de forma mais comedida que a deste último, pelo menos por ora), há que tomá-la em linha de conta como um factor central na atuação militar naval do velho Império do Meio; nem que seja, pelo menos, pela via de uma constatação da tentativa chinesa de criação de anéis estratégicos defensivos levada a cabo com base em asserções históricas que

calam fundo junto às opiniões públicas Han – e quantas vezes tanto em Xangai como em Pequim, e desta feita sem sempre excluir Hong-Kong e Macau, por regra mais avessos a o que vêem como “posturas aventuristas” do centro. Tendo em conta esta atitude securitária de Pequim, porventura excessiva mas compreensível, as ameaças imaginadas tornam-se em problemas materiais muito tangíveis, acordando um inevitável dilema de segurança que o Estado chinês cada vez mais vive e com o qual convive mal. Por último, a China emergente, tal como de resto os outros BRICS e os membros mais numerosos do G-20 tem vindo a ensaiar todo o tipo de investimentos (económicos, políticos, militares, em pessoas e no seu famigerado soft power) em projetos estratégicos de médio e longo prazo. Mais uma vez, três rápidos exemplos servirão por todos: primeiro, a criação de um Canal Seco, composto por autoestradas, caminhos-deferro, e eventuais outras vias de transshipment interoceânico, que visa assegurar uma ligação por terra do Pacífico ao Atlântico (um projeto de dúbia exequibilidade, mas recentemente negociado com a Nicarágua e a Colômbia), para além de uma aposta forte, que a RPC também faz no alargamento do Canal do Panamá – uma duplicação de largura e um melhoramento dos mecanismos das eclusas que se espera venha a ser concluída em meados de 2015. Em segundo lugar, uma enorme e muito visível política chinesa de construção de edifícios e criação de empresas um pouco por todos (ou quase todos) os continentes, com especial relevo para África, a América Latina e o Brasil. Em terceiro lugar, um firme empenhamento chinês em regiões menos óbvias, como o sejam a antiga Rota da Seda (questão que o Autor, Paulo Duarte conhece a fundo e trata muitíssimo bem, como aliás o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa realçou com brilho no seu Prefácio a este livro). A isto vem, como o nota o ilustre Professor, sem falar da “a presença chinesa na Europa, as relações financeiras com a economia norteamericana”, etc… Um alvo em movimento, certamente, como também nota, já que a China parece apostada em não desacelerar o seu ritmo de afirmação. Ao escrever este Posfácio, não consigo esquecer que, neste princípio da segunda semana de Agosto de 2014, navios de guerra chineses estão presentes no Índico, no Mediterrâneo Oriental, e no Mar Negro. Há muitos meses que assim é – em boa verdade há quase três anos, desde o princípio da crise na Síria. Por fim, uma novidade porventura menos esperada por falta de antecedentes históricos, uma aposta chinesa na enorme e riquíssima bacia de um Mar Ártico em degelo acelerado; tal como o fez no caso do Grupo de Xangai, em cuja criação se

empenhou, no que concerne aos mares gelados setentrionais Pequim associou-se ao cada vez mais importante Conselho do Ártico; e juntou factos no chão a intenções institucionais, tendo em 2014 já feito passar um navio chinês pela longa Rota do Norte, a que corre do Estreito de Bering ao Mar de Barents, ao longo das costas russa e norueguesa – e mais decerto virá, caso as sanções à Rússia de Putin depois da sua tão intempestiva quão surpreendente e ilegal anexação da Crimeia ao que tudo indica irão tornar muito menos viável a projeção regional na “sua” bacia, tal como era esperado por Moscovo. O que temos aqui? Não estamos apenas perante o cuidado que a China mostra saber que tem de ter vis à vis uma Rússia re-emergente depois das aventuras georgiana e ucraniana em que se embrenhou. Nem apenas face aos EUA. Trate-se, antes, de uma série de manobras políticas que ganham em ser vistas como parte de uma muito mais acentuada atuação chinesa em palcos globais, sobretudo, naturalmente, naqueles em que a relação custo-benefício lhe seja mais favorável. Uma atuação sistemática de uma RPC que se quer afirmar, uma atuação cuja “racionalidade” e “legitimidade” são sempre almejadas; Pequim sublinha-o alto e bom som, pois os seus líderes políticos, “ao contrário dos Ocidentais”, não impõem “condicionalidades” nem têm “intuitos neocoloniais”, visto evitarem cautelosamente quaisquer “ingerências”. Mais uma vez, quer concordemos quer não com a postura de Pequim, este é um dado que devemos tomar em linha de conta nos cálculos que façamos nas nossas políticas externas: quer queiramos quer não, esta mensagem chinesa. A mensagem de Pequim, sublinhe-se, tem passado bem em diversos dos fora internacionais; embora noutros não. Para voltar ao início do que atrás escrevi: estaremos face a uma ascensão linear da China, como nova potência hegemónica global? Creio bem que a resposta é negativa. Prefiro antes, na linha do Prefácio, na do título desta monografia, e de par com o que penso ser (ou ter sido) a interpretação da think-tanker chinesa de Xangai, acreditar que estamos perante tantas metamorfoses no poder, que navegar rumo à hegemonia do dragão?Julgo que o futuro pode e vai ter feições inesperadas, feições virtualmente impossíveis de prever. Vários sinais o sugerem. Num ‘Verão quente’ internacional tão marcado pelas movimentações e desafios de Moscovo e do ISIS como o foi o de 2014, escreveu no The Telegraph Ambrose Evans-Pritchard que com o seu pointless conflict with Europe (and the U.S.) Putin leaves Russia as a vassal of China. Coisa de um mês antes disso, a 7 de Julho, no New York Times, Frank Jacobs tinha argumentado de maneira assaz convincente que a China poderia em breve querer “reclamar a Sibéria”,

pelo menos os territórios dela que perdeu para os Czares russos do século XIX, com a Convenção de Pequim, assinada em 1860 entre uma Rússia expansionista e uma China enfraquecida como estava pela Segunda Guerra do Ópio. A oportunidade está à vista. Na Sibéria oriental russa estão hoje pouco mais de seis milhões de cidadãos russos a viver – metade dos que lá estavam, enquanto soviéticos uma geração atrás. Nas fronteiras das cinco provínciais chinesas imediatamente adjacentes a esta gigantesca região vivem quase noventa milhões de pessoas. O que se pode antever, dada a diminuição para um quase décimo nas forças russas preventivamente dispostas ao longo dessas fronteiras no final da Guerra Fria ? Uma “conquista” pela China? Uma guerra nuclear? Um condomínio? Ou, com as metamorfoses do poder no quadro de uma interdependência complexa que espartilha os conceitos clássicos de uma “soberania” de que V. Putin (!!) e os chineses têm sido dos principais arautos, iremos antes assistir à emergência (no sentido mais técnico do termo) de uma nova “zona económica e administrativa especial, de natureza transitória”? Para aventar uma eventual pergunta da notável analista de Xangai, caso ela aqui connosco estivesse, o que podem vir a significar expressões como “China” e “Império” num quadro hipotético desses? Para terminar, e respondendo a um desafio amigável, queria dar nota de que, também em minha opinião, os trabalhos ora dado à estampa, de Paulo Duarte, bem como outros dele que li, “demonstram uma capacidade de sentir outras realidades, de transmitir a sensação de criar pontes não meramente racionais”. Com efeito, como tão bem escreveu o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, “este livro tem um pouco - diria até bastante - das duas vertentes. E essa é uma surpresa para o não especialista, que o percorre desprevenidamente”. Também para os especialistas o será, estou certo. Muitos fossem os estudos, entre nós, que aliam a leitura atenta e aturada da bibliografia a entrevistas e visitas ao terreno, como as que o Autor fez a vários Estados da Ásia Central em 2011 e 2012. O futuro dirá se outros autores nacionais deste calibre vão aparecer.

Armando Marques Guedes

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