Práticas Urbanas Informais – O monumento e o desenvolvimento de uma ideia participativa

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Práticas Urbanas Informais – O monumento e o desenvolvimento de uma ideia participativa Miguel Costa Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (Portugal)

A construção de um novo viaduto em Crestuma VNG veio interromper uma relação muito antiga entre habitantes, casas, espigueiros e o Rio Douro, descaracterizando profundamente os largos existentes que perderam a sua capacidade de gerar acontecimentos e eliminando o espaço público útil na frente de rio. A instalação de um “monumento” num desses largos – o Canto da Areia - que reinterpreta a imagem de um espigueiro na frente de rio tenta recuperar uma relação perdida com o Rio Douro através da criação de um objecto icónico que nos remete ao passado agrícola ainda muito presente em Crestuma, sublinhando ao mesmo tempo a dimensão de espaço público que este “largo” pretende ter. Este novo elemento pretende assumir-se como um marco na paisagem dando uma nova visibilidade à vila através do rio, e, em simultâneo, deixa em aberto a sua apropriação dando espaço a acções colectivas de moradores e artistas, os quais poderão intervir modificando-o continuamente, propondo-se assim novas autorias, novas dinâmicas sociais e novos sentimentos de pertença – um “Monumento (em) Aberto”. Esta comunicação pretende apresentar o projecto “Monumento Aberto”, uma instalação permanente para espaço público que pretende retomar a ligação dos habitantes da vila com a história da sua paisagem e, simultaneamente, potenciar uma dimensão experimental, pedagógica e participativa que possa vir a desenvolver novos sentimentos de apropriação e de pertença – o “monumento” permite a sua livre apropriação e transformação por artistas e pela população. Trata-se de um projecto aberto e ainda em curso, do qual irão ser apresentadas algumas das fases da sua criação e desenvolvimento. The construction of a new overpass in Crestuma VNG has interrupted the ancient connection between inhabitants, houses, maize cribs and the river Douro, deeply depriving of character the existent squares that lost their ability to generate events and eliminating befitting public space along the river front. The installation of a “monument” in one of that squares – Canto da Areia - that reinterprets the image of a maize crib on the river front attempts to recuperate a lost relation with the river Douro, through the creation of an iconic object that recalls the farming past, still existing in Crestuma, underlying at the same time the dimension of the public space that this “square” aspires to have. This new element intends to become a landmark giving a new visibility to the village from the river, and, simultaneously, leaving its appropriation open by allowing room for collective actions from inhabitants and artists, who may intervene, modifying it continuously, proposing thus new authorships, new social dynamics and new senses of belonging – an “Open Monument”. This paper intends to present the “Open Monument” project, a permanent public space installation that wants to recover the link between the inhabitants of Crestuma and its landscape history. At the same time, wants to boost an experimental, pedagogical and participative realm that could develop new senses of appropriation and belonging – the monument allows its free appropriation by artists and inhabitants. It’s an on-going open project in which it will be presented some of its creation and development stages. Palavras-chave: monumento. Crestuma. Keywords: monument, Crestuma.

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O projecto “Monumento Aberto”, localizado em Crestuma, Vila Nova de Gaia, pretende retomar a ligação dos habitantes desta vila com a história da sua paisagem e, simultaneamente, potenciar uma dimensão pedagógica e participativa que possa vir a desenvolver novos sentimentos de apropriação e de pertença. A partir de uma aproximação participante, através de observações, levantamentos e contactos com os habitantes, o projecto tem sido desenvolvido em diferentes etapas, definidas para um intervalo de tempo compreendido entre os meses de Março de 2010 e Julho de 2011, as quais envolveram os primeiros estudos, definição e elaboração do projecto, respectiva implantação e posterior preparação e acompanhamento de acções colectivas com os habitantes. O projecto “Monumento Aberto” ainda se encontra em curso, sendo que, nesta comunicação,

abordam-se

algumas

considerações

referentes

à

implementação de práticas participativas espontâneas enquanto

tentativa

de

processo de

requalificação e transformação de um espaço (público), um percurso que tem reflectido alguns impasses mas também alguns momentos de êxito.

1. CONTEXTO A existência de muitos espigueiros distribuídos ao longo dos terrenos e ruas constitui uma das particularidades que podemos encontrar em Crestuma. Apesar de ainda existirem algumas zonas de cultivo activas, estes espigueiros apenas fazem hoje parte de um património agrícola afastado da sua função original, constatando-se que, nos últimos anos, a aquisição e recuperação destes espigueiros passou a fazer parte de um hábito de ornamentação de quintais e pátios de novas vivendas unifamiliares na região. Neste contexto, com alguns desses espigueiros voltados para o rio, estabelecia-se uma relação muito particular entre a frente de casas, os largos existentes e o rio Douro. Contudo, a construção de um novo viaduto sobre o rio Uíma veio alterar profundamente a dimensão de espaço público na frente de rio. Os largos existentes – o Largo do Rio, AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Largo da Praia e o Canto da Areia – foram descaracterizados pela sobreposição do viaduto e transformaram-se num conjunto de espaços residuais resultantes da operação, perdendo a sua capacidade de funcionar enquanto agregadores sociais. A relação da frente de casas com o rio Douro foi interrompida e a paisagem passou a ter a presença dominante deste novo elemento urbano. Assim, dos largos existentes, apenas o Canto da Areia mantém a sua relação com o rio Douro, embora seja caracterizado pela falta de qualidade dos espaços que o limitam e pela eliminação do espaço público útil ao utilizar-se este local como estacionamento automóvel. Não obstante, este largo ainda é ponto de encontro de algumas tradições que se têm mantido sob a forma de eventos públicos pontuais. Por outro lado, apesar da localização da vila junto ao rio, da existência de um cais fluvial e das memórias em que o Douro era a principal via de comunicação, Crestuma encontra-se hoje inacessível às novas embarcações de recreio que circulam no rio. Deste modo e na sequência destas primeiras observações, foi definido um conjunto de questões fundamentais que deveriam servir como ponto de partida para o desenvolvimento do projecto: 1. Como é que se (re)funda a dimensão de Identidade e de Lugar e se cultivam novos hábitos de permanência nestes espaços residuais? 2. Como introduzir uma nova visibilidade da vila a partir do rio Douro? 3. De que modo se poderão activar novas dinâmicas sociais em torno destes largos no sentido de se desenvolverem sentimentos de pertença colectivos?

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2. PROJECTO A instalação de um monumento que reinterpreta a imagem de um espigueiro na frente de rio tenta recuperar uma relação perdida com o Rio Douro através da criação de um objecto icónico que nos remete ao passado agrícola ainda muito presente em Crestuma, sublinhando ao mesmo tempo a dimensão de espaço público que o Canto da Areia pretende ter. Este novo elemento pretende assumir-se como um marco na paisagem dando uma nova visibilidade à vila através do rio, e, em simultâneo, deixa em aberto a sua apropriação dando espaço a acções colectivas de moradores e artistas, os quais poderão intervir modificando-o continuamente, propondo-se assim novas autorias, novas dinâmicas sociais e novos sentimentos de pertença – um “Monumento (em) Aberto”. Excerto da Memória Descritiva do Projecto – Março 2010

O projecto “Monumento Aberto” desenvolve-se a partir de uma observação do lugar e pela identificação de pontos onde se pudessem ancorar futuros projectos de regeneração dos espaços públicos desta vila – as primeiras impressões revelaram de imediato uma ausência pouco usual de largos e de praças. Contudo, a posterior identificação de um sistema de antigos largos que tinham sido suprimidos pela construção de um novo viaduto voltou as atenções para o “Canto da Areia”, uma antiga praia fluvial que foi sendo descaracterizada ao longo de várias intervenções urbanas, mas que, dispunha de uma localização privilegiada, voltada para o rio Douro. Deste modo, com a identificação de muitos espigueiros espalhados pela paisagem e, particularmente de alguns destes elementos junto do rio e dos antigos largos, levaram o projecto a ter como ponto de partida esta estrutura agrícola, facilmente identificável e muito presente na memória colectiva da região – a procura de uma nova visibilidade através do rio levou então ao desenvolvimento desta imagem-referência no sentido de a tornar num novo marco na paisagem de Crestuma.

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Assim, se por um lado o âmbito da intervenção não pressupunha um redesenho do lugar mas sim uma intervenção na paisagem de Crestuma, por outro, também não se pretendia que o projecto fosse indiferente à ausência de um espaço público enquanto lugar privilegiado de encontro e de práticas sociais. Tentou-se assim, reconfigurar um novo espaço social, reforçando e acelerando a necessidade de uma futura requalificação urbana no Canto da Areia. A recuperação e reinterpretação da imagem de um espigueiro deveria então ser capaz de se associar facilmente às tradições locais e de provocar um envolvimento mais activo da população com o objecto proposto e, consequentemente, com o lugar. A ocorrência de algumas tradições locais no âmbito das festas populares em honra de Sta. Marinha, já cultivavam o costume de transformar e enfeitar um arco muito elementar com flores, feitas artesanalmente em papel. Pretendia-se assim reforçar a existência e o sentido de uma cultura local que se tem manifestado através dos seus “rituais, símbolos e cerimónias que ligam as pessoas ao lugar a um sentido comum de passado”i. Mike Featherstone refere-se ao conceito de cultura local enquanto um “sentimento de pertença, experiências comuns e formas culturais sedimentadas que estão associadas com um lugar”ii sublinhando-lhe uma dimensão relacional.

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Deste modo, o desejo de que as acções que se propunham realizar sobre o “Monumento Aberto” pudessem ser incorporadas pelos rituais e cerimónias locais, sugeriam não só uma apropriação através dos próprios rituais, como também cultivavam uma nova ideia de colectivo associado ao exercício da criatividade, às artes e à cultura, dissociando 0 “Monumento Aberto” das tão frequentes esculturas em espaço público ou em rotundas, também estas presentes em Crestuma. Pretendia-se assim convocar e explorar uma dimensão imprevisível que remetesse a uma transformação espontânea e mais reivindicativa, muito relacionada com as aproximações alternativas à cidade feitas pelos artistas de graffiti. Jeremy Hunt e Jonathan Vickery no seu texto “A Arte Pública no novo Milénio”, referem-se a estas intervenções classificando-as de operações fora dos protocolos oficiais da cultura mas onde estas formas de activismo cultural de guerrilha podem “animar mais espaço público, gerando novas contra-culturas de intervenção urbana, inversão e subversão, com novas formas de arte (...) a questionar a experiência da cidade.”iii

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O “Monumento Aberto” partiu assim do desejo de se assumir como um novo elemento urbano, possível de ser constantemente revisitado e reinventado, disponível a qualquer intervenção, relacionando regularmente habitantes com artistas, habitantes com habitantes, habitantes com a própria construção de cultura e de memória colectiva – um monumento capaz de “celebrar momentos fora de si próprio”iv, deslocado da sua imagem-referência. A sua apropriação e transformação pressupõem claramente uma afirmação de existência social que se pode manifestar individualmente ou colectivamente, revelando em si a passagem do tempo referente ao processo de identificação e de apropriação ao objecto, que pode conduzir a uma ideia de comunidade participante. Reforça-se assim a ideia do artista alemão Jochen Gerz de que “a arte nos espaços públicos não é necessariamente ou automaticamente pública pelo simples facto de ter sido colocada em espaços públicos”v e que, “sem uma participação activa – sem ser completado e reflectido – o trabalho torna-se num marco sem vida na paisagem.”vi Efectivamente, podemos encontrar esta ideia de activação, participação e decomposição da noção de monumento cívico nas obras de Gerz, a que o presente projecto não ficou alheio, e que não só eliminou o seu posicionamento estático no espaço público mas que também lhe introduziu uma dimensão relacional de activação social e de envolvimento afectivo com o próprio objecto de arte – “A arte como experiência” torna-se agora numa parte da experiência de todos os outros eventos do dia-a-dia. Assim como as actividades artísticas se aproximam da realidade, estas assumem-se com a característica de se apresentarem simultaneamente imperceptíveis e excepcionais, assim como um processo e algo transitório. Arte torna-se mais semelhante às vidas que conduzimos.”vii O projecto “Monumento Aberto” aparece como um suporte gerador de estímulos, formalizado através de uma obra de carácter permanente, disponível a um número indeterminado de intervenções artísticas e populares temporárias. Pretende ser um símbolo da democratização do espaço público que se poderá vir a traduzir num reforço da identidade cultural e num maior envolvimento dos cidadãos nas políticas sociais e urbanas da vila. Malcolm Miles refere que esta ampliação de poderes de decisão dos AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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cidadãos “implica mais do que um conceito teórico democrático, prolongando-se à colaboração entre profissionais e moradores; em alguns casos, as identidades culturais são construídas enquanto princípio de uma ampliação dos poderes decisivos, em outros casos, os processos participativos de planeamento do território permitem aos moradores definir a forma da cidade e a utilização do seu espaço urbano.”viii A implementação dos objectivos definidos implica, consequentemente, um necessário envolvimento das estruturas locais, ou seja, da Autarquia, Associações e Escolas locais. O êxito na concretização do projecto apresentado reside principalmente na capacidade participativa destas estruturas públicas que constituem uma espinha dorsal para a população de Crestuma. Apesar de livre, foi consensual que as primeiras intervenções deveriam ser provocadas através do convite de artistas ou pela promoção de concursos de ideias. Deveria promover-se a ideia da transformabilidade do “Monumento Aberto” reforçando a noção de acto público e livre, cabendo à Autarquia o papel de apoiar e impulsionar esta ideia junto dos habitantes, associações e escolas, actuando como modelo, mas colocando estas entidades no epicentro do diálogo e do desenvolvimento das acções colectivas. Deste modo, a elaboração e execução de um planeamento cultural contínuo que articule o “Monumento Aberto” com as diferentes áreas recreativas da vila e com as suas diferentes gerações pode levar a um crescente envolvimento dos cidadãos, criando novas dinâmicas sociais, propondo novas abordagens criativas e contribuindo para um desenvolvimento mais alargado da ideia de cultura. Através da criação de outras aproximações e linguagens possibilitam-se também novas leituras sobre a prática artística enquanto processo partilhado e enquanto parte do quotidiano dos cidadãos. Contudo, é importante referir que apenas “transformar a cidade numa marca comercial ou dar-lhe uma imagem ou um ícone é geralmente um gesto vazio em termos de ambiente físico: exprime pouco sobre a identidade do lugar. (...) A imagem da cidade sempre foi importante, mas necessita de acompanhamento constante para se manter relevante.”ix

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Deste modo, o papel da arte num compromisso urbano sustentável pode ser definido enquanto processo e prática social, intervindo em interesse público, activando diálogos e narrativas transversais a toda a população. Assim, ao necessário envolvimento das estruturas locais acresce também o necessário envolvimento dos cidadãos, propondo, desafiando e reinventando novas formas de discussão e participação nos actos quotidianos da vida pública. Desenvolver uma actividade criativa implica também, desenvolver uma nova condição de cidadania e uma nova consciência inventiva e crítica que pode ser aplicada a outros sectores da sociedade, do ambiente à economia, da política à cultura. Charles Landry refere-se à ideia de criatividade como uma “capacidade multifacetada”x capaz de aumentar a qualidade de vida dos cidadãos penetrando em todas as esferas da vida pública. O projecto “Monumento Aberto” foi inaugurado em 25 de Setembro de 2010 no âmbito da exposição (Des)locação #1 – Intervenções na Paisagem de Crestumaxi. A instalação, de carácter permanente, marcou o encerramento da referida exposição assumindo-se não só como uma memória deste evento, mas também como o início de um processo participativo capaz de reintegrar o Canto da Areia na vida pública da vila.

3. IMPLANTAÇÃO – DIVULGAÇÃO, INAUGURAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO O dia 10 de Julho de 2010 marcou o início da exposição (Des)locação#1. Para este dia foi preparada uma acção de divulgação do “Monumento Aberto” que teve lugar no Canto da Areia e que consistiu num conjunto de conversas informais cujo tema foi: “Queremos dar uma nova vida ao Canto da Areia. Venha conversar connosco no dia 10 de Julho”. Para o efeito, foram previamente distribuídos alguns posters e postais de divulgação, o quais continham no verso uma simulação do projecto a implementar. Estas conversas informais foram também acompanhadas com uma folha de inquérito de apoio onde constavam 7 questões: 1 - Motivo da visita ou deslocação ao Canto da Areia? 2 - Tem alguma lembrança associada ao Canto da Areia? 3 - Como é que gostaria de ver o Canto da Areia no futuro? AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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4 - Qual a definição de monumento? Para que serve um monumento? 5 - Tem conhecimento de algum monumento na Vila de Crestuma? 6 - Na sua opinião, que importância poderá ter o “Monumento Aberto” para a Vila de Crestuma? 7 - Qual a sua opinião quanto à localização escolhida?

O questionário também apresentou campos para indicação do Local de Residência, idade e outras observações. O carácter informal das conversas teve como objectivo uma maior proximidade com as pessoas inquiridas, cujas questões iam sendo introduzidas pontualmente ao longo de vários temas, diluindo-se assim a impressão de objecto inquiridor – pretendeu-se apresentar o projecto aos habitantes, activar memórias sobre o lugar e recolher opiniões sobre a sua futura implementação e o futuro deste largo. Os inquéritos realizados activaram um conjunto de memórias sob a forma de histórias que foram sendo contadas e que relataram os lugares de antigamente, afastando a ideia de uma rejeição por parte da população. A questão 6, que pretendia recolher as opiniões referentes ao projecto apresentado, dividiu-se maioritariamente entre duas respostas: Por um lado “vai recordar os antepassados”, por outro, “vai chamar a atenção de quem passa de barco”. Estas apontaram no sentido de um projecto com implicações relevantes na memória da paisagem agrícola assim como numa nova visibilidade da vila a partir do rio Douro. Contudo, na véspera da inauguração, a colocação do primeiro corpo do “Monumento Aberto” causou uma grande estranheza e perturbação entre os habitantes. Mais tarde, com a montagem do segundo corpo, foi possível perceber que as pessoas inquiridas sempre tiveram em mente a imagem do espigueiro tradicional, construído em madeira e com uma porta de acesso. Para a população não era admissível que um espigueiro fosse construído em ferro sem a existência de qualquer escada ou porta: “Como é que se entra? Como é que se sobe?” A inauguração decorreu assim entre olhares curiosos e apreensivos, ao som do rancho de Crestuma. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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A iniciativa para se provocar a primeira acção de transformação só veio a ocorrer em Abril de 2011. O aproveitamento de um feriado nacional e dos eventos programados pela Junta de Freguesia para o Canto da Areia revelou-se na primeira janela de oportunidade para testar as possibilidades de transformação do “Monumento Aberto”, reforçando, junto da população, a ideia que se tratava de uma obra aberta e transformável. Contudo, a tentativa de envolver uma associação local neste processo acabou por fracassar devido à uma inesperada falta de interesse dos seus membros directivos. Ainda assim, procedeu-se à execução de um projecto de transformação que consistiu no desenho e produção de cerca de 130 flores em PVC – as flores de cor vermelha, conseguiam por indução, sustentar a carga simbólica relacionada com a data de 25 de Abril, associando-se visualmente aos cravos, mas sem os mimetizar, permitindo assim uma permanência mais dilatada no “Monumento Aberto”. Por outro lado, esta proposta transportava em si uma ideia de reversibilidade e de reciclabilidade podendo estes objectos em PVC, ser rapidamente retirados e utilizados de outras formas e em outros eventos. A acção, concretizada durante a manhã, obteve o apoio da Junta de Freguesia e a colaboração de dois artistas. A nova imagem projectada por um espigueiro metálico cravejado por flores vermelhas conseguiu finalmente captar as atenções da população e reunir mais empatia em torno do objecto.

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4. RESULTADOS Esta primeira aproximação revelou que a ideia inicialmente proposta pode efectivamente obter mais resultados, embora seja necessário dilatar o seu enquadramento temporal de modo a encontrar mais espaço para uma melhor adaptação e assimilação por parte dos habitantes. Por outro lado, também veio reforçar a necessidade de acções mais regulares que promovam a ideia de transformabilidade e que continuem a desenvolver motivações para a sua transformação, quer seja através de ideias auto-propostas quer seja através da promoção de concursos criativos e da organização de grupos interessados em se envolverem neste projecto. Deste modo, intervir numa estrutura urbana está, nos dias de hoje, sujeito a uma profunda análise dos contextos sociais e físicos em que se irão inscrever cada projecto e fazer cidade passa obrigatoriamente por requalificar e consolidar as relações dos cidadãos com os espaços públicos, configurar novos interesses, quer seja através da criação de um novo património simbólico quer seja através de acções temporárias que estimulem a participação dos cidadãos nos processos de construção de uma memória e identidade colectivas, consolidação de laços sociais, afectos, partilha e encontros. Por um lado, o exercício de formas de participação nos processos de requalificação do espaço urbano poderão reconfigurar uma presença mais influente dos cidadãos através de uma activação mais frequente do exercício da cidadania. Por outro lado, algumas destas práticas de envolvimento social também podem ser desenvolvidas enquanto processos de aproximação e suporte a intervenções e requalificações urbanas de menor

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escala e que podem conduzir ao desenvolvimento de uma nova vida social, criação de novos lugares e de novas dinâmicas sociais. De acordo com a arquitecta Katherine Vaughan Williams “a prática artística comunitária tem uma qualidade diferente enquanto processo de envolvimento da comunidade na realização do trabalho em si, uma vez que se inicia imediatamente um processo de regeneração. O aspecto regenerativo da prática artística comunitária dedicase tanto à transformação da própria comunidade através do seu empenho para alterar o seu próprio contexto assim como o produto final. O sucesso da prática artística comunitária diferencia-se de uma intervenção isolada uma vez que não é avaliado apenas pelo seu produto final mas sim pelo próprio processo de criação. Isto é reforçado pelo modo que tal prática pode envolver um evento ou uma peça temporária, assim como um objecto permanente.”xii Neste contexto, o desenvolvimento de práticas artísticas participativas no espaço público, de modo autónomo ou como parte integrante de uma estratégia social de aproximação ao projecto de arquitectura e à requalificação urbana constitui uma variação qualitativa, com recursos limitados, que poderá proporcionar novos sentidos de apropriação. Assim, mais do que sugerir ou introduzir arte pública esta aproximação pretende estimular a relação entre vida social, arte e arquitectura envolvendo-se directamente no processo de formação das comunidades, diluindo o sentido de autoria em multi-autorias e consequentemente contribuir para a criação de novas relações simbólicas com os lugares e para o desenvolvimento de novos sentimentos de pertença. No seu texto “The Art of Empathy”, Matthias Hvass Borello refere que a “arte deseja, em grande parte, realizar contribuições concretas para o debate social, onde o diálogo – nas suas encenações artísticas – abre espaços livres e alternativas para uma discussão com base na participação e reflexão para além das esferas tradicionais da arte: uma relação decididamente dialogante entre arte e o contexto público em que opera.”xiii Deste modo, e reforçando a ideia de continuidade e de êxito deste projecto, pretende-se que a visibilidade desta e de outras acções de transformação e sua consequente divulgação possam contribuir para uma maior disponibilidade das entidades locais no AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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sentido de se criarem sinergias que estimulem a vontade de colaboração e de participação, contribuindo para a “existência de um sentido de identidade individual e de posse incutido não só dentro do trabalho em si, mas na experiência colectiva e memória da sua criação.”xiv

i Featherstone, Mike, Undoing Culture – Globalization, Postmodernism and Identity, Sage Publications, London 1995, p.92. ii idem. iii Hunt, Jeremy; Vickery, Jonathan, A Arte Pública no Novo Milénio, in Pinheiro, Gabriela Vaz (Ed), (Des)locações / (Dis)locations, FBAUP, Tranformations, Porto 2010, p.119. iv Young, James E, The Counter-Monument: Memory against Itself in Germany Today, in Mitchell, W.J.T., Art and the Public Sphere, The University of Chicago Press, USA 1992, p.55. v Hohlfeldt, Marion, Caution Art Corrupts: Reflections on the Meaning of Public Spaces in the Work of Jochen Gerz, in Jochen Gerz – Res publica: the public works 1968 – 1999, Museion – Museum for Modern Art, Bozen/Bolzano, Hatje Cantz, Ostfildern-Ruit 1999, p.13. vi idem. vii Ibidem, p.11. viii Miles, Malcolm, Art, Space and the City: Public Art and Urban Futures, Routledge, New York 2006, p.113. ix Chiles, Prue, What if?.. A narrative process for re-imagining the city, in Jones, Peter Blundell; Petrescu, Doina; Till, Jeremy (Ed), Architecture & Participation, Taylor & Francis, USA and Canada 2005, p.193. x Landry, Charles, The Art of City-Making, Earthscan, London 2006, p.271. xi Exposição realizada no âmbito do Mestrado em Arte e Design para o Espaço Público xii Williams, Katherine Vaughan, We need artists’ ways of doing things: a critical analysis of the role of the artist in regeneration practice, in Jones, Peter Blundell; Petrescu, Doina; Till, Jeremy (Ed), Architecture & Participation, Taylor & Francis, USA and Canada 2005, p.221. xiii Borello, Matthias Hvass, The Art of Empathy, in Yde, Marie Bruun; Juul, Gitte; Nyborg, Kaj; Meyer-Bretton, Henriette; Hoff, Carsten; Kjaer, Line; Platen, Cai Ulrich von (Ed), SOUP – A Temporary Art and Architecture Project in Urbanplanen, Forlaget Vandkunsten, Kobenhavn 2009, p.51. xiv Williams, Katherine Vaughan, Op. Cit., p.223.

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