Preservação da Artemidia Brasileira: Questões Historiográficas e Metodológicas

May 22, 2017 | Autor: Ana Pato | Categoria: New Media, Digital Media Art, Artemídia
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X Congresso Internacional de Estética e História da Arte Escrita da história e (re)construção das memórias : arte e arquivos em debate Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte

Comitê Científico Cristina Freire (MAC USP / PGEHA USP) Lisbeth Rebollo Gonçalves (ECA USP / PGEHA USP) Edson Leite (MAC USP / PGEHA USP) Vera Pallamin (FAU USP / PGEHA USP) Comissão Geral do Congresso Águida Furtado Vieira Mantegna Andrea de Lima Lopes Pacheco Guilherme Weffort Rodolfo Joana D’Arc Ramos Silva Figueiredo Paulo Cesar Lisbôa Marquezini Sara Vieira Valbon

Apoio Universidade de São Paulo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte – PGEHA USP Museu de Arte Contemporânea – MAC USP Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo – PRCEU Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES GEACC - Grupo de Estudos em Arte Conceitual e Conceitualismos no Museu CALT - Cultura e Arte no Lazer e Turismo

Preservação da artemídia brasileira: questões historiográficas e metodológicas

Ana Pato1 Giselle Beiguelman2

Introdução A história da artemídia brasileira vem sendo escrita de forma rigorosa por historiadores da arte e curadores, como Ana Maria Belluzzo, Arlindo Machado, Cristina Freire, Cristine Mello, Fabio Fon e Priscila Arantes, e pesquisadores, como Adriana de Souza e Silva, Lucia Santaella e Simone Osthoff, entre outros não menos importantes. Esses pesquisadores dedicaram-se e dedicam-se a projetos que destacam artistas específicos, histórias institucionais e linguagens particulares: Waldemar Cordeiro e Marcelo Nitsche, temas de investigações de Belluzzo; Paulo Bruscky, analisado em profundidade por Freire; os estudos de Machado e Mello sobre a videoarte brasileira; assim como a revisão crítica, também obra de Freire, da atuação do Professor W. Zanini à frente do MAC USP (instituição que se confunde com a própria história da artemídia no mundo); são alguns dos recortes temáticos que indicam a consistência das pesquisas já realizadas e em processo na área aqui no Brasil. Em linhas gerais, esse artigo pretende contribuir para o debate, destacando o reconhecimento das particularidades dessa produção artística brasileira e problematizando algumas questões metodológicas em torno da escrita da história da artemídia no país. Especial atenção será dada à arte digital dos anos 2000 e os diálogos que identificamos com vertentes do modernismo e tropicalismo brasileiros. Arquivos de artemídia: da deterioração aos procedimentos Esse tipo de reflexão é hoje estratégico, haja vista que é a base para o desenvolvimento de procedimentos específicos de conservação para dar conta da transito1.  Ana Mattos Porto Pato. Doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAUUSP). É bolsista FAPESP. 2.  Giselle Beiguelman. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAUUSP).

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riedade das mídias eletrônicas e digitais. Como se sabe, as obras, especialmente as mais recentes, rapidamente tornam-se inacessíveis, em função da acelerada transformação dos equipamentos e por serem produzidas em mídias e suportes não duráveis. Isso impacta não só a preservação do patrimônio da arte eletrônica dos anos 1960 e 1970, mas particularmente a produção brasileira desenvolvida a partir dos anos 2000, por artistas e coletivos brasileiros fora do circuito artístico institucionalizado pelo mercado de arte e pelos museus, e que vem se destacando no âmbito da produção digital brasileira como Jarbas Jácome (Recife), Dirceu Maués (Belém do Pará) e Gabriel Menotti (Vitória). Trata--se de uma geração de criadores que apresenta características bastante distintas da produção em artemídia dos anos 1980 e 1990. Menos comprometida com projetos instalativos e objetuais, são marcantes em suas obras os tensionamentos entre o hi e low-tech, a reinvenção dos usos das tecnologias disponíveis, experiências coletivas e circuitos de autoria difusa. Tais características impõem que sejam investigadas as particularidades da produção brasileira contemporânea, interrogando suas aproximações e distâncias com movimentos artísticos anteriores, como a releitura da antropofagia modernista dos anos 1920 pelo Tropicalismo dos anos 1960, e procedimentos que marcaram os anos 1970, propondo práticas que hoje seriam chamadas de DIY (Do It Yourself, Faça Você Mesmo), como as que aparecem nas formas de circulação em xerox da poesia marginal, em formas de impressão de baixo custo como a serigrafia, explorada pela arte postal, ou nos formatos de difusão eletrônicas típicas do experimentalismo em vídeo. A incipiente reflexão sobre essas obras, enquanto estão sendo produzidas e em funcionamento, pode implicar o risco de seu apagamento da história. Nas palavras de Walter Zanini (Freire, 2014): O museu nessa concepção deixa de entrar em cena depois da obra, tornando-se concomitante a ela. Assume, assim, uma posição ativa, pois deixa de ser um órgão expectante e exclusivo, armazenador de memórias, para agir no núcleo das proposições criadoras, e a participação direta dos artistas é decisiva.

Além do risco da perda das obras propriamente ditas o que está em jogo é também a compreensão de uma produção marcante nos 2000, como das Coisas Quebradas (2013), de Lucas Bambozzi, Crepúsculo dos Ídolos (2007), de Jarbas Jácome, e a diversificada ação de coletivos, como Gambiologia.net e Metareciclagem, que indicam uma estética emergente no campo da artemídia. Nesse sentido, é preciso considerar que a urgência diante da deterioração imposta por essas práticas artísticas resultou na criação de outros espaços de disseminação e preservação dessa produção que não foram totalmente absorvidos pelo sistema da arte. Segundo Caitlin Jones (2010, p. 52, tradução nossa):

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A história completa da Artemídia existe dentro de arquivos pequenos, de festivais e de arquivos on-line ao redor do mundo. Documentos de performances, instalações, apresentações de palestras, documentação de exposição, vídeo single-channel, projetos de internet e baseados em software experimental contam a história.

Esse é o caso da Associação Cultural Videobrasil, que, juntamente com outros centros de mídia e festivais internacionais, fundados entre os anos 1970 e 80 – tais como, Electronic Arts Intermix (Estados Unidos), Lux (Inglaterra), Video Hiroba (Japão), Netherlands Media Art Institute (Holanda), Western Front Society (Canadá), Ars Electronica (Áustria) –, assumiu o papel de abrigar, num primeiro momento, para, posteriormente, preservar, difundir e distribuir suas coleções. Ao longo de sua trajetória, o Videobrasil formou um dos mais completos acervos de vídeo e performance com obras de artistas do Sul geopolítico do mundo. É importante notar que a proposição inicial para formação do Festival em 1983 está profundamente contaminada pela inexistência de uma política cultural no país e organiza-se a partir dessa ausência. Nessa perspectiva, o arquivo histórico do Festival nasce com a missão premente de qualificar-se como memória. (Farkas, 2003, p. 231)

Agenciamentos metodológicos Profundamente marcada por procedimentos de ressignificação do cotidiano e estratégias micropolíticas de apropriação crítica das mídias e recursos técnicos, essas práticas artísticas têm estabelecido um recorte particular do Brasil, no campo das estéticas tecnológicas atuais. Seu contexto é o da globalização e do processo de digitalização da cultura em todos os níveis. O reconhecimento das particularidades dessa produção artística brasileira mais recente e, mais importante, de sua capacidade de agenciamento, não implica atribuir-lhe adjetivos relacionados a um suposto (e equivocado) ineditismo das estéticas tecnológicas e da artemídia. A problematização da tecnologia e da ciência no campo da arte não é nova. Pode--se dizer que foi uma questão cara à Renascença, como a sistematização da perspectiva por Bruneleschi e o desenvolvimento da câmera escura evidenciam. Porém, no contexto específico das artes digitais, esse processo de problematização da tecnologia ganha contornos políticos e institucionais particulares. Todas as escolhas, dos programas aos equipamentos, é ideológica, ocorrendo dentro de circuitos industriais, acentuando um fenômeno que já se evidenciava com o surgimento da fotografia. É a partir daí, como já aprendemos com Flusser (1985), que o processo de criação passa a se dar dentro de cadeias industriais, e que nos tornamos amalgamados aos aparelhos e a suas regras internas, fazendo com que seja decisivo o enfrentamento das normas pré-definidas no seu programa.

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Tampouco a relação entre arte e mídia é inédita. Desde que as comunicações de massa existem, a arte incorpora recursos midiáticos. O impressionismo já se valia procedimentos psicológicos e fisiológicos caros ao processo fotográfico e o modernismo do início do século 20, da pintura à literatura, foram profundamente marcados pelo uso de recursos midiáticos em suas estratégias e obras, como destacou Daniels (2003).

Considerações finais Não é o propósito de fazer neste artigo uma revisão dessa bibliografia e da importante linhagem de estudos críticos que a acompanha, mas isso constituirá, certamente, uma das etapas fundamentais, do ponto de vista metodológico, das pesquisas que estão por ser realizadas. Importa, por ora, recusar as noções de ineditismo e originalidade como características da artemídia, para reconhecer as particularidades do que conceituamos como vertentes tecnofágicas da arte digital brasileira, buscando sua inserção no campo de estudos da História da Arte. Nessa perspectiva, frisamos que, ao chamar atenção para o quanto as mídias e as artes dialogam desde o modernismo, não queremos de modo algum formular uma hipótese de continuidade que redundaria em uma visão conservadora da história, a partir da qual concluiríamos que as artes são midiáticas desde que as comunicações de massa emergiram. Esse viés de análise é conservador porque aposta numa história progressiva em que o presente e o futuro estariam desde sempre antecipados pelo passado. Além disso, teríamos que aderir a uma concepção determinista em que as práticas seriam produto dos meios. Isso nos permite refletir sobre a artemídia no âmbito da História da Arte de maneira mais instigante, sem procurar seu ato inaugural ou obra fundadora e sem transformá-la em pura repetição, entretanto, sem abrir mão de uma tentativa de análise “panorâmica”, que recubra o período dos anos 1950 aos 2000. É nesse contexto teórico metodológico que podemos pensar as formas da artemídia à luz dos devires da arte contemporânea para interrogar o tecido dos agenciamentos que a artemídia produz, ou seja: seus espaços de reprogramação dos códigos de comunicação. Em suma, esse aspecto deve ser considerado não só do ponto de vista metodológico, mas também do historiográfico. Abordado mais raramente em estudos sobre o assunto, diz respeito às histórias dos equipamentos e às formas como o desenvolvimento de hardwares e softwares modificam a cultura e dialogam com a História da Arte. Acreditamos que essa abordagem permitirá delinear olhares mais amplos para as práticas da arte digital, investigando procedimentos que extrapolam o âmbito individual de produção, na medida em que revelam o entorno tecnológico que constitui determinados fazeres.

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Referências ARANTES, Priscila. Arte e Mídia: Perspectivas Da Estética Digital. São Paulo: SENAC, 2005. BEIGUELMAN, Giselle e MAGALHÃES, Ana Gonçalves. (Orgs.). Futuros Possíveis: arte, museus e arquivos digitais. São Paulo: Peirópolis: Edusp, 2014. DANIELS, Dieter. “Media Art Net | Overview of Media Art | Forerunners.” Media Art Net. 2003. Disponível em: http://www.mediaartnet.org/themes/overview_of_media_art/forerunners/ print/. Acesso em: 05 Junho, 2016. FARKAS, Solange. O Videobrasil e o Vídeo no Brasil: Uma Trajetória Paralela. In: Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. (Org.) Arlindo Machado. São Paulo: Itaú Cultural, 2003. FREIRE, Cristina. Museus em Rede: A dialética impecável de Walter Zanini/A Network of Museums: The Impeccable Dialectic of Walter Zanini. Art Journal. 73, 2, 20-45, 2014. FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta -­‐ Ensaios para uma Futura Filosofia da Fotografia. São Paulo: HUCITEC Editora, 1985. FON, Fabio. Web Arte no Brasil. 1999-2005. Disponível em: http://www.fabiofon.com/webartenobrasil/ Acesso em: 5 Junho, 2016. JONES, Caitlin. Do it yourself: Distributing responsibility for media arts preservation and documentation. In: Archive 2020 – Sustainable Archiving of Born-Digital Cultural Content. Virtueel Platform, maio 2010. Disponível em: . Acesso em: 1 julho, 2016. MACHADO, Arlindo. Arte e Mídia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. MELLO, Christine. Extremidades Do Video. São Paulo: SENAC, 2008. Metareciclagem. Disponível Acesso em: 5 Junho, 2016.

em:

http://rede.metareciclagem.org/wiki/MetaReciclagem

PAUL, Cristhiane. Digital Art (Revised and Expanded Edition). 2a edição. Nova York: Thames & Hudson, 2008. SANTAELLA, Lucia. Por que as Comunicações e as Artes estão Convergindo? São Paulo: Paulus, 2005.

Preservação da artemídia brasileira: questões historiográficas e metodológicas

Ana Pato1 Giselle Beiguelman2

Introdução A história da artemídia brasileira vem sendo escrita de forma rigorosa por historiadores da arte e curadores, como Ana Maria Belluzzo, Arlindo Machado, Cristina Freire, Cristine Mello, Fabio Fon e Priscila Arantes, e pesquisadores, como Adriana de Souza e Silva, Lucia Santaella e Simone Osthoff, entre outros não menos importantes. Esses pesquisadores dedicaram-se e dedicam-se a projetos que destacam artistas específicos, histórias institucionais e linguagens particulares: Waldemar Cordeiro e Marcelo Nitsche, temas de investigações de Belluzzo; Paulo Bruscky, analisado em profundidade por Freire; os estudos de Machado e Mello sobre a videoarte brasileira; assim como a revisão crítica, também obra de Freire, da atuação do Professor W. Zanini à frente do MAC USP (instituição que se confunde com a própria história da artemídia no mundo); são alguns dos recortes temáticos que indicam a consistência das pesquisas já realizadas e em processo na área aqui no Brasil. Em linhas gerais, esse artigo pretende contribuir para o debate, destacando o reconhecimento das particularidades dessa produção artística brasileira e problematizando algumas questões metodológicas em torno da escrita da história da artemídia no país. Especial atenção será dada à arte digital dos anos 2000 e os diálogos que identificamos com vertentes do modernismo e tropicalismo brasileiros. Arquivos de artemídia: da deterioração aos procedimentos Esse tipo de reflexão é hoje estratégico, haja vista que é a base para o desenvolvimento de procedimentos específicos de conservação para dar conta da transito1.  Ana Mattos Porto Pato. Doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAUUSP). É bolsista FAPESP. 2.  Giselle Beiguelman. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAUUSP).

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riedade das mídias eletrônicas e digitais. Como se sabe, as obras, especialmente as mais recentes, rapidamente tornam-se inacessíveis, em função da acelerada transformação dos equipamentos e por serem produzidas em mídias e suportes não duráveis. Isso impacta não só a preservação do patrimônio da arte eletrônica dos anos 1960 e 1970, mas particularmente a produção brasileira desenvolvida a partir dos anos 2000, por artistas e coletivos brasileiros fora do circuito artístico institucionalizado pelo mercado de arte e pelos museus, e que vem se destacando no âmbito da produção digital brasileira como Jarbas Jácome (Recife), Dirceu Maués (Belém do Pará) e Gabriel Menotti (Vitória). Trata--se de uma geração de criadores que apresenta características bastante distintas da produção em artemídia dos anos 1980 e 1990. Menos comprometida com projetos instalativos e objetuais, são marcantes em suas obras os tensionamentos entre o hi e low-tech, a reinvenção dos usos das tecnologias disponíveis, experiências coletivas e circuitos de autoria difusa. Tais características impõem que sejam investigadas as particularidades da produção brasileira contemporânea, interrogando suas aproximações e distâncias com movimentos artísticos anteriores, como a releitura da antropofagia modernista dos anos 1920 pelo Tropicalismo dos anos 1960, e procedimentos que marcaram os anos 1970, propondo práticas que hoje seriam chamadas de DIY (Do It Yourself, Faça Você Mesmo), como as que aparecem nas formas de circulação em xerox da poesia marginal, em formas de impressão de baixo custo como a serigrafia, explorada pela arte postal, ou nos formatos de difusão eletrônicas típicas do experimentalismo em vídeo. A incipiente reflexão sobre essas obras, enquanto estão sendo produzidas e em funcionamento, pode implicar o risco de seu apagamento da história. Nas palavras de Walter Zanini (Freire, 2014): O museu nessa concepção deixa de entrar em cena depois da obra, tornando-se concomitante a ela. Assume, assim, uma posição ativa, pois deixa de ser um órgão expectante e exclusivo, armazenador de memórias, para agir no núcleo das proposições criadoras, e a participação direta dos artistas é decisiva.

Além do risco da perda das obras propriamente ditas o que está em jogo é também a compreensão de uma produção marcante nos 2000, como das Coisas Quebradas (2013), de Lucas Bambozzi, Crepúsculo dos Ídolos (2007), de Jarbas Jácome, e a diversificada ação de coletivos, como Gambiologia.net e Metareciclagem, que indicam uma estética emergente no campo da artemídia. Nesse sentido, é preciso considerar que a urgência diante da deterioração imposta por essas práticas artísticas resultou na criação de outros espaços de disseminação e preservação dessa produção que não foram totalmente absorvidos pelo sistema da arte. Segundo Caitlin Jones (2010, p. 52, tradução nossa):

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A história completa da Artemídia existe dentro de arquivos pequenos, de festivais e de arquivos on-line ao redor do mundo. Documentos de performances, instalações, apresentações de palestras, documentação de exposição, vídeo single-channel, projetos de internet e baseados em software experimental contam a história.

Esse é o caso da Associação Cultural Videobrasil, que, juntamente com outros centros de mídia e festivais internacionais, fundados entre os anos 1970 e 80 – tais como, Electronic Arts Intermix (Estados Unidos), Lux (Inglaterra), Video Hiroba (Japão), Netherlands Media Art Institute (Holanda), Western Front Society (Canadá), Ars Electronica (Áustria) –, assumiu o papel de abrigar, num primeiro momento, para, posteriormente, preservar, difundir e distribuir suas coleções. Ao longo de sua trajetória, o Videobrasil formou um dos mais completos acervos de vídeo e performance com obras de artistas do Sul geopolítico do mundo. É importante notar que a proposição inicial para formação do Festival em 1983 está profundamente contaminada pela inexistência de uma política cultural no país e organiza-se a partir dessa ausência. Nessa perspectiva, o arquivo histórico do Festival nasce com a missão premente de qualificar-se como memória. (Farkas, 2003, p. 231)

Agenciamentos metodológicos Profundamente marcada por procedimentos de ressignificação do cotidiano e estratégias micropolíticas de apropriação crítica das mídias e recursos técnicos, essas práticas artísticas têm estabelecido um recorte particular do Brasil, no campo das estéticas tecnológicas atuais. Seu contexto é o da globalização e do processo de digitalização da cultura em todos os níveis. O reconhecimento das particularidades dessa produção artística brasileira mais recente e, mais importante, de sua capacidade de agenciamento, não implica atribuir-lhe adjetivos relacionados a um suposto (e equivocado) ineditismo das estéticas tecnológicas e da artemídia. A problematização da tecnologia e da ciência no campo da arte não é nova. Pode--se dizer que foi uma questão cara à Renascença, como a sistematização da perspectiva por Bruneleschi e o desenvolvimento da câmera escura evidenciam. Porém, no contexto específico das artes digitais, esse processo de problematização da tecnologia ganha contornos políticos e institucionais particulares. Todas as escolhas, dos programas aos equipamentos, é ideológica, ocorrendo dentro de circuitos industriais, acentuando um fenômeno que já se evidenciava com o surgimento da fotografia. É a partir daí, como já aprendemos com Flusser (1985), que o processo de criação passa a se dar dentro de cadeias industriais, e que nos tornamos amalgamados aos aparelhos e a suas regras internas, fazendo com que seja decisivo o enfrentamento das normas pré-definidas no seu programa.

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Tampouco a relação entre arte e mídia é inédita. Desde que as comunicações de massa existem, a arte incorpora recursos midiáticos. O impressionismo já se valia procedimentos psicológicos e fisiológicos caros ao processo fotográfico e o modernismo do início do século 20, da pintura à literatura, foram profundamente marcados pelo uso de recursos midiáticos em suas estratégias e obras, como destacou Daniels (2003).

Considerações finais Não é o propósito de fazer neste artigo uma revisão dessa bibliografia e da importante linhagem de estudos críticos que a acompanha, mas isso constituirá, certamente, uma das etapas fundamentais, do ponto de vista metodológico, das pesquisas que estão por ser realizadas. Importa, por ora, recusar as noções de ineditismo e originalidade como características da artemídia, para reconhecer as particularidades do que conceituamos como vertentes tecnofágicas da arte digital brasileira, buscando sua inserção no campo de estudos da História da Arte. Nessa perspectiva, frisamos que, ao chamar atenção para o quanto as mídias e as artes dialogam desde o modernismo, não queremos de modo algum formular uma hipótese de continuidade que redundaria em uma visão conservadora da história, a partir da qual concluiríamos que as artes são midiáticas desde que as comunicações de massa emergiram. Esse viés de análise é conservador porque aposta numa história progressiva em que o presente e o futuro estariam desde sempre antecipados pelo passado. Além disso, teríamos que aderir a uma concepção determinista em que as práticas seriam produto dos meios. Isso nos permite refletir sobre a artemídia no âmbito da História da Arte de maneira mais instigante, sem procurar seu ato inaugural ou obra fundadora e sem transformá-la em pura repetição, entretanto, sem abrir mão de uma tentativa de análise “panorâmica”, que recubra o período dos anos 1950 aos 2000. É nesse contexto teórico metodológico que podemos pensar as formas da artemídia à luz dos devires da arte contemporânea para interrogar o tecido dos agenciamentos que a artemídia produz, ou seja: seus espaços de reprogramação dos códigos de comunicação. Em suma, esse aspecto deve ser considerado não só do ponto de vista metodológico, mas também do historiográfico. Abordado mais raramente em estudos sobre o assunto, diz respeito às histórias dos equipamentos e às formas como o desenvolvimento de hardwares e softwares modificam a cultura e dialogam com a História da Arte. Acreditamos que essa abordagem permitirá delinear olhares mais amplos para as práticas da arte digital, investigando procedimentos que extrapolam o âmbito individual de produção, na medida em que revelam o entorno tecnológico que constitui determinados fazeres.

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Referências ARANTES, Priscila. Arte e Mídia: Perspectivas Da Estética Digital. São Paulo: SENAC, 2005. BEIGUELMAN, Giselle e MAGALHÃES, Ana Gonçalves. (Orgs.). Futuros Possíveis: arte, museus e arquivos digitais. São Paulo: Peirópolis: Edusp, 2014. DANIELS, Dieter. “Media Art Net | Overview of Media Art | Forerunners.” Media Art Net. 2003. Disponível em: http://www.mediaartnet.org/themes/overview_of_media_art/forerunners/ print/. Acesso em: 05 Junho, 2016. FARKAS, Solange. O Videobrasil e o Vídeo no Brasil: Uma Trajetória Paralela. In: Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. (Org.) Arlindo Machado. São Paulo: Itaú Cultural, 2003. FREIRE, Cristina. Museus em Rede: A dialética impecável de Walter Zanini/A Network of Museums: The Impeccable Dialectic of Walter Zanini. Art Journal. 73, 2, 20-45, 2014. FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta -­‐ Ensaios para uma Futura Filosofia da Fotografia. São Paulo: HUCITEC Editora, 1985. FON, Fabio. Web Arte no Brasil. 1999-2005. Disponível em: http://www.fabiofon.com/webartenobrasil/ Acesso em: 5 Junho, 2016. JONES, Caitlin. Do it yourself: Distributing responsibility for media arts preservation and documentation. In: Archive 2020 – Sustainable Archiving of Born-Digital Cultural Content. Virtueel Platform, maio 2010. Disponível em: . Acesso em: 1 julho, 2016. MACHADO, Arlindo. Arte e Mídia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. MELLO, Christine. Extremidades Do Video. São Paulo: SENAC, 2008. Metareciclagem. Disponível Acesso em: 5 Junho, 2016.

em:

http://rede.metareciclagem.org/wiki/MetaReciclagem

PAUL, Cristhiane. Digital Art (Revised and Expanded Edition). 2a edição. Nova York: Thames & Hudson, 2008. SANTAELLA, Lucia. Por que as Comunicações e as Artes estão Convergindo? São Paulo: Paulus, 2005.

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