Pressão arterial, respostas metabólicas e autonômicas à insulina e infusão de intralipid® em pacientes chagásicos

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Artigo Original Pressão Arterial, Respostas Metabólicas e Autonômicas à Insulina e Infusão de Intralipid® em Pacientes Chagásicos Blood Pressure, Metabolic and Autonomic Responses to Insulin and Intralipid® Infusion in Chagasic Patients Claudia Cristina Soares Silva, Carlos Alberto Martins Santos, Cristiano Mostarda, Eduardo Moacyr Krieger, Heno Ferreira Lopes Instituto do Coração – InCor – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Resumo

Fundamento: Infusão de Intralipid® e heparina resulta em aumento da pressão arterial e também em anormalidades autonômicas em indivíduos normais e hipertensos. Objetivo: Avaliar a sensibilidade a insulina e o impacto da infusão de Intralipid® e de heparina (ILH) sobre a resposta hemodinâmica, metabólica e autonômica em pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas. Métodos: Doze pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas e 12 voluntários saudáveis foram avaliados. Resultados: A pressão arterial basal e a frequência cardíaca foram semelhantes nos dois grupos. Os níveis plasmáticos de noradrenalina encontravam-se ligeiramente aumentados no grupo de pacientes chagásicos. Após o Teste de Tolerância a Insulina (TTI), houve um declínio significativo na glicose dos dois grupos. A Infusão de ILH resultou em aumento da pressão arterial em ambos os grupos, mas não houve nenhuma mudança significativa na noradrenalina plasmática. O componente de Baixa Frequência (BF) mostrou-se semelhante e aumentou de forma semelhante em ambos os grupos. O componente de Alta Frequência (AF) apresentou-se menor no grupo chagásico. Conclusão: Pacientes com forma indeterminada da doença de Chagas apresentaram aumento da atividade simpática no momento basal e uma resposta inadequada à insulina. Eles também tiveram um menor componente de alta frequência e sensibilidade barorreflexa prejudicada no momento basal e durante a infusão de Intralipid® e heparina. (Arq Bras Cardiol 2012;98(3):225-233) Palavras-chave: Doença de Chagas, insulina/efeitos adversos, emulsões gordurosas, intravenosas/farmacologia, pressão arterial.

Abstract

Background: Intralipid® and heparin infusion results in increased blood pressure and autonomic abnormalities in normal and hypertensive individuals. Objective: To evaluate insulin sensitivity and the impact of Intralipid® and heparin (ILH) infusion on hemodynamic, metabolic, and autonomic response in patients with the indeterminate form of Chagas’ disease. Methods: Twelve patients with the indeterminate form of Chagas’ disease and 12 healthy volunteers were evaluated. Results: Baseline blood pressure and heart rate were similar in both groups. Plasma noradrenaline levels were slightly increased in the Chagas’ group. After insulin tolerance testing (ITT), a significant decline was noted in glucose in both groups. ILH infusion resulted in increased blood pressure in both groups, but there was no significant change in plasma noradrenaline. The low-frequency component (LF) was similar and similarly increased in both groups. The high-frequency component (HF) was lower in the Chagas’ group. Conclusion: Patients with the indeterminate form of Chagas’ disease had increased sympathetic activity at baseline and impaired response to insulin. They also had a lower high-frequency component and impaired baroreflex sensitivity at baseline and during Intralipid® and heparin infusion. (Arq Bras Cardiol 2012;98(3):225-233) Keywords: Chagas disease; insulin/adverse effects; fat emulsions, intravenous/pharmacology; blood pressure. Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br

Correspondência: Heno Ferreira Lopes • Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44, Bloco: 2, Sala: 8, Cerqueira César - 05403-000 – São Paulo, SP, Brasil E-mail: [email protected], [email protected] Artigo recebido em 21/06/11, revisado recebido em 01/09/11; aceito em 15/09/11.

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Artigo Original Introdução Hipertensão, obesidade, resistência à insulina e diabetes, um aglomerado de fatores de risco cardiovascular, estão associados com aumento da morbidade e mortalidade. Os mecanismos subjacentes de resistência a insulina, bem como as anormalidades metabólicas e hemodinâmicas associadas com essa condição não estão bem estabelecidos. No entanto, sabe-se que os ácidos graxos guardam uma relação com a resistência a insulina e também com as alterações hemodinâmicas, como aumento da pressão arterial, frequência cardíaca e uma diminuição da distensibilidade de pequenos vasos (função endotelial prejudicada)1. A infusão de ILH é um modelo de hiperlipidemia que permite um aumento agudo de ácido graxos no sangue. Aumento na atividade do sistema nervoso simpático tem sido apontado como possível mecanismo para, pelo menos, parte das alterações hemodinâmicas subsequentes à hiperlipidemia aguda. Não existem informações suficientes sobre o mecanismo para o aumento da atividade simpática resultante do aumento de ácidos graxos na circulação. No Brasil, há uma grande população com doença de Chagas2 que exibe diferentes anormalidades autonômicas relacionadas ao comprometimento simpático. Lesões do sistema nervoso simpático estão presentes nos órgãos periféricos e também no sistema nervoso central. Consequentemente, essas anormalidades foram consideradas como um modelo para se analisar a resposta aos desafios com diferentes estímulos. Guariento e cols.3 mostraram que os pacientes chagásicos submetidos a sobrecarga de glicose apresentam menor aumento da frequência cardíaca, pressão arterial e da insulina, o que sugere um déficit na produção, ação de insulina ou um desequilíbrio do sistema nervoso autonômico. Um estudo de necropsia em mulheres com doença de Chagas apresentou um déficit na população de neurônios intrapancreáticos e a presença de leucócitos perineurais4. Esses resultados sugerem uma possível associação entre um menor número de neurônios intrapancreáticos e anormalidades do metabolismo de carboidratos, incluindo hiperglicemia e diabetes. O teste de tolerância a insulina é um experimento que nos permite avaliar o perfil hemodinâmico e a sensibilidade à insulina em indivíduos saudáveis e​​ em indivíduos com diferentes doenças. A infusão de ILH é usada para avaliar a resposta do pâncreas aos ácidos graxos e também a resposta hemodinâmica aos ácidos graxos. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto da injeção de insulina (bolus) e infusão de ILH sobre a resposta hemodinâmica, metabólica e autonômica em pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas.

Métodos Doze pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas e 12 voluntários saudáveis ​​(C) pareados por idade, sexo, raça, pressão arterial e frequência cardíaca foram avaliados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Todos os indivíduos assinaram um consentimento informado.

Testes de seleção – os testes de seleção incluíram análise bioquímica, eletrocardiograma e ecocardiograma. Após um jejum de 12 horas, foram colhidas amostras de sangue para análise bioquímica (glicose, triglicerídeos, colesterol total, colesterol LDL, colesterol HDL, ácido úrico, potássio, sódio, ureia, creatinina) e a hemografia foi realizada utilizando um analisador automatizado de hematologia XT-2000ii-XT-1800ii (Sysmex Corporation, Kobe, Japão). Sódio, potássio, glicose e triglicerídeos foram medidos pelo método do eletrodo seletivo (IMT-Dade Behring, Newark, EUA). Ácido úrico, ureia e creatinina foram medidos pela técnica de fotometria de absorção (método colorimétrico). Colesterol total e colesterol HDL foram medidos pelo método enzimático colorimétrico, e o colesterol LDL foi calculado de acordo com a equação de Friedewald. Eletrocardiograma – o eletrocardiograma foi realizado com indivíduos em decúbito dorsal, tendo sido utilizado um aparelho de ECG de 12 canais modelo Page Writer 300i, 1770A (Philips, EUA). Ecocardiograma – imagens ecocardiográficas foram adquiridas em um dispositivo Sequoia (Acuson Computed Sonography, Mountain View, CA), com transdutor multifrequencial (3V2C) e recursos para se obter um ecocardiograma em modo-M, bidimensional, Doppler contínuo e pulsado convencional, Doppler colorido e Doppler tecidual. As imagens foram registradas em um disco óptico e analisadas posteriormente. Os indivíduos foram mantidos em posição lateral. O eletrocardiograma efetuou registros contínuos em um monitor durante o teste. Foi realizada ecocardiografia convencional em todos os indivíduos. O posicionamento correto para a aquisição de imagens em ecocardiograma modo M guiado pela imagem bidimensional, Doppler contínuo e pulsado foi de acordo com as diretrizes da Sociedade Americana de Ecocardiografia5. Teste de tolerância a insulina – Os indivíduos foram admitidos no início da manhã após jejum durante a noite para o TTI. Após a internação, a PA e a frequência cardíaca foram medidas com o paciente na posição sentada antes da linha IV (intravenosa) ser iniciada para o TTI. Amostras de sangue para medições bioquímicas foram tiradas antes de injetar a insulina por via intravenosa (0,05 UI/kg). Amostras de sangue foram colhidas a cada 3 minutos do tempo zero a 15 minutos. A glicemia foi medida a cada 3 minutos pelo AccuChek (Advantage, ROCHE), e o teste era interrompido caso a glicemia caísse para 50 mg/dL ou menos, e/ou caso o indivíduo apresentasse qualquer tipo de sintomas. Após a última coleta de sangue, os indivíduos foram alimentados. As refeições eram ad libitum, sem cafeína e ricas em carboidratos para restaurar os níveis séricos de glicemia para um nível seguro. Trinta minutos depois, o controle glicêmico foi repetido e, se normal, o indivíduo era dispensado. Infusão de Intralipid® e heparina – Os ácidos graxos e triglicerídeos plasmáticos foram acentuadamente elevados no laboratório com uma infusão de Intralipid® e heparina. Intralipid® 20% (Baxter Healthcare Corporation, Glendale, CA) foi infundido em 0,8 mL/m2/min. Administrou-se heparina (1000 U em bolus, seguido de 200 U/h) para ativar a lipoproteína lipase endotelial e acelerar a hidrólise de ácidos graxos a partir do glicerol dos triglicerídeos. O tempo de perfusão foi de até

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Artigo Original 3 horas. Amostras de sangue foram colhidas no tempo zero, 90 e após 180 minutos para medições bioquímicas. A pressão arterial foi medida batimento a batimento (Finometer, FMS, Finapres Medical System BV, Holanda) no momento basal e durante a infusão de ILH. Variabilidade do intervalo de pulso - A análise no domínio do tempo consistiu no cálculo da média de Intervalo de Pulso (IP) ou intervalo RR (RR), seguido por sua variabilidade como o desvio padrão de suas respectivas séries temporais. Na análise no domínio da frequência, os métodos de transformação rápida de Fourier foram utilizados para avaliar intervalo pulso e a variabilidade do intervalo RR. As bandas espectrais, comumente usadas para os seres humanos, são de muito baixa frequência (MBF), 0,0-0,04 Hz; BF, 0,04-0,15 Hz; AF, 0,15-0,4 Hz. A potência espectral para as bandas de baixa e alta frequência foi calculada pela integração da densidade de espectro de potência dentro de cada largura de banda de frequência. A densidade de potência de cada componente espectral foi calculada tanto em valores absolutos e em unidades normalizadas. A potência em baixas e altas frequências para o intervalo de pulso foi normalizada por meio do cálculo da variância menos a potência em frequência muito baixa e, em seguida, foi expressa em unidades normalizadas (nu). O equilíbrio simpático-vagal foi definido pela razão BF/AF. O componente de BF da variabilidade do intervalo R-R foi considerado um marcador de modulação eferente simpática cardíaca e vascular, respectivamente, enquanto o componente AF da variabilidade do intervalo R-R ou intervalo de pulso refletiria a modulação vagal impulsionada pelo sistema respiratório para o nódulo sinoatrial. Os valores batimento a batimento do intervalo R-R foram utilizados para estimar a sensibilidade barorreflexa cardíaca (SBR) por análise espectral, utilizando o índice alfa para a baixa freqüência de banda (0,04-0,15 Hz). Sensibilidade barorreflexa - A sensibilidade do reflexo barorreceptor da frequência cardíaca foi avaliada por meio de registros da pressão arterial batimento a batimento por meio da análise da Pressão Arterial Sistólica (PAS) e a variação do Intervalo de Pulso (IP) com um domínio de tempo. Os parâmetros de domínio de tempo consistiram do cálculo de valores médios de IP, PAS, e a variabilidade do intervalo de pulso e da pressão arterial sistólica quantificada pelo desvio padrão de cada um (dp IP e dp PAS, respectivamente). O

método do periodograma de Welch pelo programa Matlab (detecção automática de eventos sistólicos a partir da onda de pressão arterial) foi utilizado para analisar a PAS e o IP no domínio da frequência. A faixa de frequência relevante para análise espectral em seres humanos está entre zero e 0,4 Hz. A potência espectral foi integrada em três bandas de relevância: A AF que varia de 0,4 a 0,15 Hz; a BF que varia de 0,15 a 0,04 Hz; a MBF que é menor do que 0,04 Hz, e o balanço autonômico, foram calculados de acordo com a relação BF/AF. O índice alfa (barorreflexo por análise espectral) foi calculado depois que a ligação entre IP e PAS foi verificada usando a função de coerência na frequência entre 0,15 e 0,4 Hz. Um valor de coerência (K) superior a 0,5 foi considerado significativo. Análise estatística O teste do Qui-quadrado foi usado para analisar dados não numéricos. Variáveis ​​numéricas foram comparadas utilizando-se o teste t de Student. O teste de Pearson foi utilizado para correlacionar ​​diferentes variáveis. As médias obtidas no domínio do tempo (medidas hemodinâmicas) foram comparadas usando o Modelo Linear Geral — medidas repetidas. O software SPSS (Chicago, IL, EUA) foi usado para analisar dados. Um valor de p < 0,05 foi adotado como estatisticamente significativo. Os dados são apresentados como média ± DP. Valores bioquímicos, insulina e noradrenalina, com distribuição não paramétrica, foram avaliados pelo teste do sinal de Wilcoxon. A comparação entre os grupos para essas variáveis​​ bioquímicas, incluindo as variáveis não paramétricas, foi realizada por meio do teste de Mann-Whitney6.

Resultados Os dados demográficos são apresentados na tabela 1. Os dados bioquímicos basais são apresentados na tabela 2. A insulina basal foi maior (p < 0,05) no grupo Ch em comparação com o grupo C (29 ± 60 vs. 6 ± 20 μUI/mL, respectivamente) e aumentou significativamente em ambos os grupos durante o TTI, principalmente no grupo C (de 6 ± 20 para 114 ± 6 μUI/mL).

Tabela 1 – Dados demográficos dos grupos controle e chagásicos Variáveis

Grupo controle n=12

Grupo chagásico n=12

Valor de p

Idade (anos)

32 ± 6

41 ± 8

NS

Sexo (F/M)

8/4

8/4

NS

Raça Peso (kg)

10 brancos

10 brancos

2 não brancos

2 não brancos

67 ± 10

61 ± 12

NS

Altura (m)

1,67 ± 0,09

1,57 ± 0,15

NS

IMC (kg/m2)

23,87 ± 2,49

24,40 ± 2,16

NS

F – Feminino; M – Masculino; IMC – índice de massa corporal; NS - Não significativo.

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NS

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Artigo Original Tabela 2 — Dados da análise bioquímica dos grupos controle e chagásico Variáveis

Grupo controle n=12

Grupo chagásico n=12

Valor de p

Hb (g%)

14,0 ± 1,2

13,3 ± 1,7

0,71

Ht (g%)

41,0 ± 3,0

41,0 ± 5,0

0,99

Glicose (mg/dL)

69,5 ± 10,1

75,4 ± 11,6

0,21

Ureia (mg/dL)

31,1 ± 6,4

32,6 ± 8,7

0,23

Creatinina (mg/dL)

0,9 ± 0,2

0,8 ± 0,2

0,70

131,7 ± 2,7

140,3 ± 1,3

0,22

Potássio (mEq/L)

3,9 ± 0,5

4,2 ± 0,4

0,06

Ácido úrico (mEq/L)

4,1 ± 1,4

4,2 ± 1,2

0,85

Triglicerídeos (mg/dL)

96,6 ± 71,5

107,2 ± 89,9

0,66

Colesterol total (mg/dL)

174,0 ± 39,1

162,6 ± 27,4

0,87

Colesterol LDL (mg/dL)

101,9 ± 30,3

94,9 ± 18,3

0,16

Colesterol HDL (mg/dL)

50,9 ± 26,9

46,8 ± 11,1

0,36

Sódio (mEq/L)

Hb – hemoglobina e Ht – hematócrito.

A glicose plasmática diminuiu significativamente em ambos os grupos após bolus de insulina, que mudou em 40 mg/ dL, em média, em ambos os grupos. A pressão arterial e a freqüência cardíaca foram semelhantes nos grupos C e Ch. A PA sistólica e diastólica aumentou significativamente no grupo C, após bolus de insulina (fig. 1a e 1b). A frequência cardíaca também aumentou significativamente no grupo C, após bolus de insulina (fig. 1c). O grupo Ch apresentou noradrenalina plasmática basal mais elevada no início do estudo em comparação com o grupo C; no entanto, o grupo C teve um aumento significativo na concentração de noradrenalina após bolus de insulina, mas no grupo Ch a noradrenalina não foi diferente (fig. 2).

Discussão Neste estudo caso-controle, 12 indivíduos com a forma indeterminada da doença de Chagas e 12 voluntários saudáveis​​ pareados por idade, sexo, raça, índice de massa corporal, pressão arterial, frequência cardíaca e variáveis bioquímicas foram avaliados. O grupo Ch apresentava níveis basais de insulina e noradrenalina mais elevados do que os do grupo C. Não há consenso na literatura sobre insulina plasmática basal em pacientes chagásicos, e também em relação ao comportamento da insulina após o TTI. Observamos um aumento significativo nos níveis de insulina no grupo C e também um ligeiro aumento em pacientes chagásicos durante o TTI.

Os níveis de triglicerídeos foram semelhantes em ambos os grupos no início do estudo e aumentou 473 mg/dL no grupo C e 475 mg/dL no grupo CH. A PA sistólica e diastólica aumentou significativamente em ambos os grupos durante a infusão de ILH (fig. 3a e 3b). A frequência cardíaca basal não diferiu entre os grupos e aumentou significativamente no grupo Ch em comparação com o grupo C durante a infusão de ILH (fig. 3c).

Esses resultados reforçam as informações anteriores sobre uma resposta pancreática deficiente que resultou de um déficit na população de neurônios intrapancreáticos. A resposta heterogênea da insulina à sobrecarga de glicose em pacientes chagásicos é bem conhecida3. A denervação parassimpática e as alterações nas células beta têm sido discutidas como possíveis explicações para essas alterações no metabolismo da glicose em pacientes chagásicos2. No dia do TTI, o nível de glicose no momento basal foi um pouco menor no grupo Ch.

A concentração de noradrenalina aumentou significativamente no grupo C (102 ± 24 para 137 ± 39 pg/ mL, p < 0,05) em comparação com o grupo Ch (157 ± 91 a 179 ± 131 pg/mL, p > 0,05) durante a infusão de ILH. A razão BF/AF basal, o que indica o equilíbrio dos componentes simpático e parassimpático, foi semelhante em ambos os grupos no início do estudo e aumentou significativamente durante a infusão de ILH nos grupos C e Ch (fig. 4).

Em um estudo anterior, Guariento e cols.7 já observavam a mesma situação em pacientes chagásicos com a forma indeterminada da doença. O metabolismo da glicose, incluindo a liberação de insulina, está relacionado, pelo menos parcialmente, à integridade do sistema nervoso autonômico. A doença de Chagas afeta não apenas o sistema nervoso parassimpático, mas também o componente simpático do sistema nervoso autonômico.

No momento basal e durante a infusão de ILH, o grupo Ch apresentou maior razão BF/AF, embora não tenha sido significativa. A sensibilidade barorreflexa basal foi menor no grupo Ch, e essa diferença foi sustentada durante a infusão de ILH (fig. 5). A sensibilidade barorreflexa no grupo C teve a tendência de declínio após 180 minutos de infusão e não diferiu no grupo Ch.

Em relação à glicose, durante o TTI, o bolus de insulina resultou em uma queda semelhante da glicemia nos grupos Ch e C. Em relação às respostas hemodinâmicas, a semelhante diminuição da glicose em ambos os grupos resultou em um aumento significativo na PA sistólica e diastólica, e também na frequência cardíaca no grupo C, após bolus de insulina, em comparação com o grupo Ch.

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Artigo Original

mmHg

PA Sistólica

Grupo Controle Grupo Chagásico

Antes

Depois

*p < 0,05 – Aumento da PA sistólica no grupo C

mmHg

PA Diastólica

Grupo Controle Grupo Chagásico

Antes

Depois

*p < 0,05 – Aumento da PA diastólica no grupo C

bpm

Frequência Cardíaca

Grupo Controle Grupo Chagásico

Antes

Depois

*p < 0,05 – Aumento da frequência cardíaca no grupo C

Fig. 1 – Pressão arterial sistólica e diastólica e frequência cardíaca (média ± DP) no momento basal e após TTI.

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Artigo Original

Grupo controle Grupo chagásico

Antes

Depois

*p < 0,05 – Grupo C vs. grupo CH no momento basal **p < 0,05 – C antes vs. após bolus de insulina

Fig. 2 – Noradrenalina plasmática (média ± DP) no momento basal e após bolus de insulina durante TTI.

Essa resposta hemodinâmica à insulina durante o TTI sugere um aumento na atividade simpática, e essa resposta provavelmente é enfraquecida em pacientes chagásicos, uma vez que essa população é considerada denervada. Em um estudo envolvendo pacientes chagásicos, Guariento e cols.7 mostraram um resposta deficiente da PA e frequência cardíaca para uma sobrecarga de glicose, um estímulo para a produção de insulina. Embora noradrenalina plasmática basal tenha sido maior no grupo Ch no dia do TTI, a resposta ao bolus de insulina resultou em um aumento significativo de noradrenalina no grupo C e não se alterou no grupo Ch. Também sugere uma resposta simpática enfraquecida em pacientes chagásicos, porque essa população tem o sistema nervoso autonômico afetado em diferentes graus e diferentes locais. De acordo com estudos anteriores8, a ​​parte principal afetada do sistema nervoso autonômico em pacientes chagásicos é o sistema parassimpático. Porém, a doença de Chagas pode afetar o cérebro e o principal mecanismo de liberação de noradrenalina mediada pela insulina depende do mecanismo central (estímulo do hipotálamo)9. No dia da infusão de ILH, os triglicerídeos basais encontravamse semelhantes nos dois grupos. Após 3 horas de infusão de ILH, os triglicerídeos aumentaram significativamente, e esse aumento foi semelhante tanto no grupo C quanto no grupo Ch. O objetivo principal da infusão de ILH foi aumentar a concentração de triglicerídeos no sangue e, consequentemente, os ácidos graxos. Friedberg e cols.10 já mostraram uma boa correlação entre os triglicerídeos e os ácidos graxos na circulação. A pressão arterial e a frequência cardíaca basal antes da infusão de ILH foram semelhantes nos dois grupos. A infusão de ILH resultou em um

aumento significativo na pressão arterial sistólica e diastólica nos grupos C e Ch. O aumento da frequência cardíaca após a infusão de ILH no grupo Ch foi significativa, enquanto a variação no grupo C foi ligeira. Gadegbeku e cols.11 mostraram que ILH prejudica a sensibilidade barorreflexa em pacientes obesos e magros. Pelo fato de que a sensibilidade barorreflexa é afetada em pacientes chagásicos12, o aumento da frequência cardíaca na presença de aumento da pressão arterial pode refletir uma deficiência em um reflexo já enfraquecido. No entanto, a ILH está relacionada a um aumento da frequência cardíaca em indivíduos saudáveis1. Como discutido anteriormente13, a atividade do sistema nervoso simpático parece ser um mecanismo importante na síndrome metabólica, e alteração da insulina pode ser uma anormalidade, entre várias outras, que pode explicar a hiperatividade simpática. Observamos insulina plasmática basal mais elevada no grupo Ch, e a noradrenalina também esteve maior nesse grupo, o que corrobora a ideia de que a alteração da insulina está relacionada com a atividade simpática. Devemos enfatizar que os pacientes chagásicos não são o melhor modelo a se utilizar para essa associação, e estudos adicionais que utilizem esse ou outros modelos podem corroborar ou contestar esse resultado. Por sua vez, a insulina não aumenta após TTI. Em relação à infusão de ILH, um aumento significativo da insulina plasmática ocorreu no grupo C e não diferiu no grupo Ch. De acordo com a literatura, os ácidos graxos livres causaram aumento de insulina em indivíduos saudáveis. Embora haja controvérsias quanto a essa questão, considerando que o pâncreas de pacientes chagásicos é denervado, isso pode

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mgHg

PA Sistólica

Grupo Controle Grupo Chagásico

*p < 0,05 – aumento da PA sistólica no grupo C (180 min. vs. tempo 0) **p < 0,05 – aumento da PA sistólica no grupo CH (180 min. vs. tempo 0)

mgHg

PA Diastólica

Grupo Controle Grupo Chagásico

*p < 0,05 – aumento da PA diastólica no grupo C (180 min. vs. tempo 0) **p < 0,05 – aumento da PA diastólica no grupo CH (180 min. vs. tempo 0)

bpm

Frequência cardíaca

Grupo Controle Grupo Chagásico

*p < 0,05 – aumento da frequência cardíaca no grupo CH (180 min. vs. tempo 0)

Fig. 3 – Variação da pressão arterial sistólica e diastólica e frequência cardíaca (média ± DP) durante infusão de ILH a 0, 90 e 180 minutos.

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Artigo Original

Razão BF/AF

Grupo Controle Grupo Chagásico

*p < 0,05 – razão BF/AF no grupo C (90 min. momento basal) **p < 0,05 – razão BF/AF no grupo CH (90 min. momento basal) ***p < 0,05 – razão BF/AF no grupo C (180 min. vs. 90 min. momento basal) ****p < 0,05 – razão BF/AF no grupo CH (180 min. vs. 90 min.)

Fig. 4 – Componente baixa frequência (BF) (média ± DP) em potência normalizada (n.u.), componente alta frequência (HF) (média ± DP) em potência normalizada (n.u.), e razão BF/AF durante infusão de ILH.

Índice alfa

Grupo Controle Grupo Chagásico

*p < 0,05 – Grupo CH vs. grupo C no momento basal **p < 0,05 – Grupo CH vs. grupo C em 90 min. ***p < 0,05 – Grupo CH vs. grupo C em 180 min.

Fig. 5 – Sensibilidade barorreflexa no momento basal e durante a infusão de ILH.

refletir a ausência de inervação e as anormalidades autonômicas frequentemente observadas em pacientes chagásicos. No entanto, esses dados são novos e precisam de mais estudos, usando o mesmo modelo, para serem confirmados. A noradrenalina plasmática no momento basal foi maior no grupo Ch do que no grupo C, e a infusão ILH resultou em um aumento significativo no grupo C, embora não tenha se alterado no grupo CH, um fato observável que pode ser explicada por anormalidades autonômicas comumente presentes em pacientes

com doença de Chagas. Considerando que os pacientes chagásicos tiveram um aumento na pressão arterial e frequência cardíaca, o mecanismo para essa alteração hemodinâmica deve ser independente do sistema nervoso autônomo. Egan13, em um artigo de revisão, mencionou a importância da ativação do receptor alfa por oleato em camundongos. O artigo sugere que um possível mecanismo de ativação simpática resultou da infusão de ILH. A análise espectral também foi realizada neste estudo para avaliar os componentes simpático e parassimpático no momento basal e durante a infusão de ILH.

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Artigo Original Usando esse método, Paolisso e cols.14 mostraram um aumento no componente BF em indivíduos saudáveis​​ que foram submetidos a infusão de ILH. Nesse estudo, o componente BF no momento basal foi ligeiramente maior no grupo Ch, mas não alcançou significância estatística. Essa pequena diferença observada durante a infusão de ILH e um aumento intragrupo ocorreu no minuto 90 e 180 em comparação com os valores basais. Em relação ao componente AF, no momento basal, era um pouco menor no grupo C em comparação com o grupo Ch, e durante a infusão de ILH este componente diminuiu significativamente em ambos os grupos. Esses dados corroboram os achados anteriores de comprometimento da atividade parassimpática em pacientes chagásicos. O comportamento da razão B/F foi semelhante em ambos os grupos e também reflete o perfil dos componentes BF e AF no momento basal e durante a infusão de ILH. A sensibilidade barorreflexa basal foi significativamente menor no grupo Ch. Essa diferença se manteve durante a infusão de ILH. O grupo C teve uma tendência para uma diminuição na sensibilidade barorreflexa durante a infusão de ILH, um fenômeno já observado por Gadegbeku e cols.11. Embora a hiperlipidemia aguda resultante da infusão ILH tenha sido testada em diferentes modelos experimentais e clínicos, pela primeira vez foi testada em pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas, um modelo de

desequilíbrio do sistema autonômico. Novos estudos são necessários para melhor entender os efeitos da ILH no controle neural da pressão arterial e frequência cardíaca, não só em indivíduos chagásicos, mas também em indivíduos saudáveis. Para concluir, nossos dados mostram maior atividade simpática em pacientes com a forma indeterminada da doença de Chagas, menor resposta da pressão arterial em pacientes chagásicos durante o TTI, aumento significativo na pressão arterial e atividade simpática em pacientes chagásicos e controles durante a infusão de Intralipid ® e heparina, e também uma diminuição da sensibilidade barorreflexa em pacientes chagásicos e controles durante a infusão de Intralipid® e heparina. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo foi parcialmente financiado pela FAPESP. Vinculação Acadêmica Este artigo é parte de tese de Doutorado de Claudia Cristina Soares Silva pela Faculdade de Medicina da USP.

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