Processos cognitivos de aprendizado no audiovisual: análise de “Escola do Rock” e “Orquestra dos Meninos”

July 18, 2017 | Autor: Pamela de Bortoli | Categoria: Cinema, Aprendizagem
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Processos cognitivos de aprendizado no audiovisual: análise de “Escola do Rock” e “Orquestra dos Meninos” Cognitive processes of learning in audiovisual: analysis of “School of Rock” and “Orquestra dos Meninos” Pâmela de Bortoli Machado Mestranda em Multimeios na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP [email protected]

RESUMO Este artigo apresenta uma fundamentação teórica analítica para a compreensão dos elementos que norteiam os processos cognitivos de aprendizado. Explorando os conceitos desses processos e relacionando-os aos dados encontrados na análise dos filmes “Escola do Rock” (2003) e “Orquestra dos Meninos” (2008), foram gerados alguns princípios que conduzem para a atividade pedagógico-musical. Assim, uma vez estabelecidos os principais constituintes de processos de aprendizado, conclui-se que os elementos fílmicos possibilitaram a contextualização desses processos dentro da prática pedagógico-musical. Palavras-chave: Análise narrativa. Aprendizado. Pedagógico-musical. Filmes.

ABSTRACT This paper presents a theoretical basis for the analytical understanding of the cognitive processes that guide the learning. Exploring the concepts of these processes and relating them to the data found in the analysis of the films “School of Rock” (2003) and “Orquestra dos Meninos” (2008), were generated some principles that are conducive to teaching and musical activity. So, once setting the main constituents of learning processes, it is concluded that the film elements enabled the contextualization of these processes within the pedagogical and musical practice. Keywords: Narrative analysis. Learning. Teaching. Music, Movies.

INTRODUÇÃO O cinema, assim como outras formas de expressão e comunicação, possibilita situar as artes de maneira diferente do sistema convencional escolar. A prática pedagógico-musical aqui explorada pela incorporação do audiovisual como recurso de processo de aprendizagem ilustra de que maneira o cinema possui importância qualitativa na educação. Reforçando tal ideia inicial, Gonçalves (2008, p. 169) vem com a ideia de que “[...] a mídia e seus produtos têm a capacidade de circular conhecimento avaliado ou não pela área de educação musical criando, instituindo e divulgando pensamentos pedagógicos compartilhados ou não pela comunidade acadêmica.”. Perante tal afirmação, nos deteremos nas circunstâncias apresentadas pelos filmes “Escola do Rock” e “Orquestra dos Meninos”, propondo a ideia de que o audiovisual pode apresentar situações que norteiam conceitos de educação. | Educ.&Tecnol. | Belo Horizonte | v. 19 | n. 2 | p. 9-15 | maio/ago. 2014 |

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ESCOLA DO ROCK A partir do momento em que se descreve o filme Escola do Rock (FIG. 1), destacamos os elementos relacionados aos processos de aprendizado. O propósito em tal ação vem em estipulá-los com os conceitos teóricos de processos de aprendizado, esclarecendo suas características pontuais. Figura 1 - Ilustração do filme Escola do Rock

Contextualização a)  comédia americana de 2003, com direção de Richard Linklater, Jack Black e Joan Cusack; b) um legítimo roqueiro é expulso de sua banda e, devido às diversas dívidas de aluguel, decide assumir o cargo de professor substituto de seu amigo Ned; c)  ao descobrir o talento musical de seus alunos decide iniciar um projeto de banda de rock; d) o filme apresenta, em sua essência, uma referência ao filme “Sociedade dos poetas mortos”. Mostra um professor revolucionário, com pensamentos modernos, em uma escola conservadora e rígida.

Objetivos e referencial teórico Com esse contraste delimitado pela personalidade de Dewey (Jack Black) e o sistema escolar, estabelecemos alguns objetivos relacionados aos procedimentos pedagógico-musicais e suas funcionalidades dentro dos processos de aprendizado. A partir de um primeiro contato com um processo de aprendizado, na construção de expectativas, procuramos situar os outros elementos fílmicos que norteiam a análise pedagógico-musical e a inserção 10

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do audiovisual como um complemento de aprendizado. Azevedo (2009, p. 97) ainda acrescenta que “[...] o filme Escola de Rock representa um olhar sobre as concepções de aula de música, de professor e de práticas de ensino e aprendizagem musicais que norteiam as práticas músico-educativas na sociedade contemporânea.”. Passando a relacionar os processos de aprendizado com as questões pedagógico-musicais, podem-se levantar questões que norteiam a prática pedagógica com a utilização do audiovisual. Logo, a interação professor-alunos é destacada por Azevedo (2009, p. 95) por sua contextualização sobre o ensino de música: “A interação professor-alunos nas cenas do filme permite contextualizar as discussões contemporâneas sobre o ensino da música e, ao mesmo tempo, revela uma relação dialética entre ‘mundos musicais’ distintos com atitudes, práticas e aprendizagens divergentes.”. Alguns elementos são frisados como ponto de partida para a compreensão da postura da educação musical no sistema contemporâneo: a)  a prática de ensino da música erudita nas escolas tradicionais; b)  o tradicionalismo na educação musical, sem utilização de novas abordagens; c)  o pré-conceito dos pais em relação ao estudo da música em detrimento das outras matérias; d)  a visão geral do estilo do rock como ausente de embasamento pedagógico.

METODOLOGIA A partir da análise fílmica, procuramos relacionar os elementos apresentados pelo audiovisual com questões metodológicas teóricas, de tal forma que o audiovisual passa a ser elemento representativo. Assim, o filme apresenta tais divergências como estímulo ao questionamento da prática musical tradicional. Tal afirmação é enfatizada por Smith em sua análise sobre os modelos de ensino e aprendizagem retratados em Escola do Rock (2003): O filme apresenta uma forte crítica à cultura jovem americana, especialmente ao papel do sistema educacional na produção de sujeitos sociais. No início do filme Dewey observa um quadro com relações de recompensas e baixas e, horrorizado com tal sistema escolar, vem com o propósito de colocar a colaboração acima da competição. Em um momento no filme, ressalta a questão de avaliar a criatividade musical e realização: ‘Se eu fosse te dar uma nota, eu te daria A. Mas esse é o problema. Rock não é sobre fazer as coisas perfeitas’.

RESULTADOS A liberdade do Rock enfatizada por Dewey passa a influenciar não só a maneira de aprendizagem musical como também a própria libertação dos alunos do sistema escolar. Ao passo que quando há a libertação e descoberta de seus próprios talentos, a postura dos pais é de aceitação e admiração, ao contrário de uma rejeição pela escolha do estilo musical. Webb (2007, p. 3) afirma que uma das grandes lições do filme é sua ênfase no processo da aprendizagem da música e não no produto musical em si, ou seja, o professor não é o centro do conhecimento e, sim, o orientador e parte do processo de aprendizagem: Os alunos aprendem a trabalhar em grupo; compreendem o papel de cada um no sucesso do projeto musical; desenvolvem suas habilidades individuais colocando-as a serviço do grupo; reconhecem sua capacidade criativa, tornando-se autoconfiantes e aumentam sua autoestima, além da experiência musical fora dos muros da escola.

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Orquestra dos Meninos Figura 2 - Ilustração do filme Orquestra de Meninos

Contextualização a)  o filme baseia-se na história real do músico e maestro Mozart Vieira; b)  dirigido por Paulo Thiago, conta como elenco: Murilo Rosa, Priscila Fantin e Othon Bastos; c) resume ficcionalmente os fatos envolvendo criação, fechamento e retomada das atividades da fundação Musica e Vida e do conjunto instrumental criado pelo maestro.

Linguagem cinematográfica aliada à educação musical Como já mencionamos na análise do filme “Escola do Rock”, métodos pedagógicos diversificados em abordagem podem gerar resultados gratificantes. O cinema, a partir da visão de um meio representativo do real, serve como aliado prático na compreensão de artifícios teóricos. “Pode-se buscar no cinema elementos para compreendermos melhor como o imaginário social representa a escola, seus agentes, prática e objetivos.”. (MORAES, 2004, p. 54). Tal ideia é exemplificada no esquema a seguir proposto por Cipolini (2008) (FIG. 3), visando compreender como o cinema pode explorar conceitos educacionais: 12

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Figura 3 - Esquema 1 - Interação entre a linguagem do cinema e sistema de aprendizagem

Fonte: CIPOLINI, 2008.

Ao observarmos que os jovens trocam informações entre si sobre seus instrumentos, o repertório e a aprendizagem musical como um todo, percebemos que mesmo diante de sua classe social, há a busca por um aperfeiçoamento e troca musical. Diferente da vivência paralela com suas famílias, em que o trabalho é colocado prioritário, nesse contexto eles obtém a possibilidade de um convívio cultural e social. De acordo com Barth (2009, p. 51), a música não é apenas uma expressão estética, explicando que: A música possibilita a formação de identidades coletivas e adquire dimensões éticas e políticas, ou seja, através das preferências por diversos gêneros musicais, as pessoas vivenciam processos de identificação emocionais, intelectuais e corpóreos. A multiplicidade de sentidos gerados pela música permite que cada experiência pessoal seja percebida como uma experiência coletiva. Assim, ocorre uma dupla identificação, por um lado com as formas sonoras e por outro com as pessoas que as compartilham.



Música como Forma de Luta e Inserção Social Apesar de ser um filme de ficção, “Orquestra dos Meninos” demonstra a capacidade dos projetos sociais como formas alternativas de haver desprendimento e superação de problemas sociais como o coronelismo, fome e seca, abordados no filme como fatores presentes na região de São Caetano. De acordo com as informações do filme, como a formação profissional de cada integrante e suas conquistas profissionais, há ainda o site da Fundação Música e Vida que aborda dados como seus principais objetivos e didáticas: a)  instituição sem fins lucrativos e sem vínculo com órgãos governamentais ou empresas privadas; b) propõem-se a promover a educação e a profissionalização musical de crianças e jovens de baixa renda da rede pública de ensino de São Caetano e região, atendendo crianças de 7 a 18 anos; c) integração dos participantes na escola junto à família através de prática musical preparatório para o mercado de trabalho; d) visa educação musical, ensino de teoria e percepção musical, prática instrumental individual, música de câmara, canto coral, organização de atividades artísticas e cursos preparatórios para universidades e concursos públicos afins. | Educ.&Tecnol. | Belo Horizonte | v. 19 | n. 2 | p. 9-15 | maio/ago. 2014 |

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Finalizando os fatos que demonstram a música como fator de inserção social, colocam-se abaixo dados verídicos quanto aos integrantes da Orquestra dos Meninos, formados musicalmente pela Fundação Musica e Vida, de Mozart Vieira. Tais dados finalizam o filme “Orquestra dos Meninos”, como ápice da ilustração da vivência transformada dentro de um sertão conhecido apenas pela seca e fome: a)  o maestro fez mestrado de artes e continua a formar novas gerações de músicos; b)  a orquestra realizou nos últimos anos vários concertos na Europa; c) Creusa casou-se com Mozart, é diplomada pela faculdade para professores e ensina música na Prefeitura de São Caetano/PE; d) Laciete formou-se em oboé pela Universidade Federal da Paraíba; e) Íris, por concurso, é tubista da Orquestra Sinfônica do Recife/PE; f)  Eliane fez cursos de canto lírico na Itália, Portugal e na Universidade West Virginia/EUA; g) Edson é professor de música do SESC – Pernambuco; h) Carlos é clarinetista da banda sinfônica do Recife e atual presidente da Fundação Musica e Vida; i)  Erinaldo é professor de música em uma instituição de ensino em Caruaru/PE; j) Ivanilson é bacharel em trompete e regente da banda marcial de São Caetano/PE; k) Edivane leciona música em Caruaru/PE; l)  Cláudia estuda flauta na Universidade Federal da Paraíba e Josenildo, clarinete na Universidade Federal de Pernambuco; m) todos vivem de música nos dias atuais.

CONCLUSÃO Há quem goste de cinema. De ensinar. De cinema educativo. Ou de simplesmente ensinar através de estórias cinematográficas. Os resultados obtidos nas análises dos filmes “Escola do Rock” e “Orquestra dos Meninos” provam como a prática pedagógico-musical é enriquecida com o vínculo do cinema. A partir dos principais processos de aprendizado, podem-se observar performances tanto de professores quanto de alunos que se dedicaram à música. A escolha proposital de filmes diferenciados, tanto em nacionalidade quanto em estilos dos personagens principais, possibilitou resultados como: a) contextualização dos principais pontos que norteiam a análise fílmica e suas possibilidades ao incorporar na prática pedagógico-musical; b)  relação das questões abordadas pelos filmes “Escola do Rock” com a prática musical contemporânea; c) detalhamento dos conflitos existentes na relação Família x Educação Musical, que, mesmo em contextos diferentes dos dois filmes, obteve-se uma noção das dificuldades vivenciadas pelos estudantes de classes sociais distintas; d) revelação dos contrastes entre o estudo do estilo rock dentro da classe média alta e o estudo da música erudita inserida na classe média baixa; e)  provação da música como fator de interação social, confraternização e formadora de identidades; f) ilustração da realidade que assola o sertão nordestino e a forma de luta encontrada por Mozart Vieira como alternativa de crescimento profissional, cultural e de inserção social; 14

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g)  questionamento de possíveis métodos pedagógico-musicais que podem ser incorporados na atividade docente, principalmente nos privilégios revelados quando há quebra de padrões estabelecidos. Portanto, uma vez que o cinema é objeto de conhecimento e potencializador de questionamentos, pode-se incorporá-lo na atuação docente como fonte de estudo. Os contrastes explorados por ambos os filmes ilustram as realidades que se complementam no fator de educação musical. Assim, embora divergentes em estilos, as análises proporcionaram a visão de que o estudo da música, aliado a elementos cinematográficos, torna-se capacitor de melhoras na prática pedagógico-musical, tanto no quesito irreverência quanto em qualidade no resultado final.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Maria Cristina. Educação musical e cultura musical: Diálogo entre o filme Escola de Rock e Bernard Charlot. Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília, Brasília, ano 3, v. 1, dez. 2009, p. 93-118. BARTH, Cássio. Imagens musicais: educação musical e o filme Orquestra dos Meninos. 2008. 73 f. Monografia (Licenciatura em Música) -- Instituto de Artes. Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. CIPOLINI, Arlete. Não é fita, é fato: tensões entre instrumento e objeto - um estudo sobre a utilização do cinema na educação. 2008. 159 f. Dissertação de Mestrado (Educação) - Faculdade de Educação. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. ESCOLA do Rock. Direção: Richard Linklater. Produção: Scott Rudin. Estados Unidos; [s.n.], 2003. 127 min. GOMES, Celson. Aprendizagem musical em família nas imagens de um filme. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 14, mar. 2006, p. 109-114. GONÇALVES, Lilia Neves. A aula de música na escola: reflexões a partir do filme Mudança de Hábito 2. In: SOUZA, Jusamara (Org.). Aprender e ensinar música no cotidiano. Porto Alegre: Sulinas, 2008, p. 167-188. MORAES, Amaury César. A escola vista pelo cinema: uma proposta de pesquisa. In: SETTON, Maria da Graça (Org.). A cultura da mídia na escola: ensaios sobre cinema e educação. São Paulo: Annablume/ USP, 2004. v. 1, p. 53-66. ORQUESTRA dos Meninos. Direção: Paulo Thiago. Direção: Emílio Bellezia. Brasil; [s.n.], 2008. 90 min. SMITH, Jeff. The edge of seventeen: class, age and popular music. In: Richard Linklater’s School of Rock, 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2014. SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. Tradução Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003. WEBB, Michael. Rock goes to school on screen: a model for teaching non-“learned” musics derived from the film School of Rock (2003) and Rock School (2005). In: Action, criticism, and theory of music education. Disponível em: . Acesso em 20 out. 2014.

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