PRODUÇÃO, CONSERVAÇÃO, ARMAZENAMENTO E COMPARTILHAMENTO DA MEMÓRIA EM TEMPOS DE CULTURA DIGITAL

May 26, 2017 | Autor: Pedro Nunes | Categoria: Digital Cultura, Memória Digital, Mermória, Compartilharmento da Cultura, Piriah
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Governador Ricardo Vieira Coutinho Vice Governadora Ana Ligia Costa Feliciano Secretário de Estado da Cultura da Paraíba Lau Siqueira Secretária Executiva de Estado da Cultura da Paraíba Fernanda Norat Conselho Editorial Lau Siqueira, Milton Dornellas, Gregório Medeiros e Kennya Queiroz. . Jornalista Responsável Gregório Medeiros DRT 0003669/PB Secretaria de Estado da Cultura CNPJ: 05.830.824/0001-02 Espaço Cultural José Lins do Rêgo Rua Abdias Gomes de Almeida, 800, Rampa 3. Tambauzinho, João Pessoa/PB CEP: 58042-100 Telefones: (83) 3218-4167 Periodicidade: Semestral

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ISSN: 2448-0711

AUTORES&ARTISTAS: THAYRONI ARRUDA, SHIKO, JÚLIO CÉSAR CABRERA MEDINA, RONALDO MONTE, PEDRO ROSSI, MARIA VALÉRIA REZENDE, JAIRO CEZAR, SAULO MENDONÇA, MILENA MEDEIROS, PEDRO NUNES FILHO, LAURITA DIAS E ALEXANDRE SANTOS. PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO DE JOÃO FAISSAL/ IMAGINÁRIA. REVISÃO DE ANDRÉ AGUIAR. CONTATO POR [email protected] ARTE DA CAPA Shiko é ilustrador, grafiteiro, roteirista de cinema e autor de quadrinhos. Já expôs em Portugal, Itália, Holanda e França. Produziu nos quadrinhos - Marginal Zine, Blue Note e O Quinze - adaptação do Romance de Rachel de Queiroz. Com Lavagem (Editora Mino), foi premiado pela HQ Mix com melhor álbum de Terror, Aventura e Ficção, em 2016 .

PEDRO NUNES Texto

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PRODUÇÃO, CONSERVAÇÃO, ARMAZENAMENTO E COMPARTILHAMENTO DA MEMÓRIA EM TEMPOS DE

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ivemos e experienciamos, na atual sociedade do conhecimento, uma lógica marcada pela predominância da dimensão imaterial dos sistemas digitais. Segundo o pensador Zygmunt Bauman, trata-se de uma contemporaneidade entrecortada por tempos líquidos, vida líquida e afetos líquidos, onde as práticas culturais e comunicacionais são tecidas

cos digitais, típicos da sociedade em rede, expandimos a nossa memória cultural graças ao aumento da capacidade de produção de signos, construção de narrativas, registros, documentação dos acontecimentos e, consequentemente, a ampliação da nossa capacidade de armazenamento do conhecimento por meio dos cérebros digitais, arquivos inteligentes, plataformas livres, repositórios com acervos públicos

pela velocidade dos fluxos de textos, imagens, sons, gráficos e documentos diversos compartilhados em tempo real (via rede), armazenamentos públicos ou de natureza privada. Por meio dos dispositivos tecnológi-

integrados, memórias paralelas, com estocagem de analógicos convertidos em digital, dentre outras possibilidades. Há nesse contexto da contemporaneidade líquida um crescimento da inteligência artificial que, de certo modo, favorece o processo de produção, tratamento, conservação e compartilhamento da nossa memória cultural.

Pedro Nunes é professor titular do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, Pós-Doutorado. Trabalha com cinema, vídeo fotografia e pesquisa sobre a memória do audiovisual brasileiro.

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Através dos sistemas digitais, de políticas públicas e programas direcionados à cultura, podemos ampliar a nossa capacidade de produzir cultura, documentar os acontecimentos da realidade, elaborar conhecimento e, por conseguinte, consequentemente, dar complexidade a nossa capacidade de guardar e acessar a nossa memória cultural. Em tempo das tecnologias móveis, convergência das mídias, acesso aos equipamentos miniaturizados, existência dos avatares, realização de imersões interativas, viralizações de memes, adoção de fakes, distribuição excessiva de emojis, cultura dos autoretratos em forma de selfies, autoexposição em ambientes virtuais fechados ou abertos, envios de nudes, construção de mundos assépticos, hiper-realidades, câmeras de vigilância, circuitos internos no campo das artes, banalização da informação, ‘gamificação da vida’, liberação do polo de produção de informações e ubiquidades da rede, conseguimos, então, de forma concreta, transitar de uma era da cultura material de base analógica e eletrônica para um universo com a predominância do digital. Essa marca do digital, que absorve outras temporalidades, aumenta a nossa capacidade de comunicação instantânea e de armazenamento de conhecimentos, por meio das memórias digitais. Paradoxalmente, essa memória digital expandida, que imita a capacidade

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de nosso cérebro, torna-se muito mais volátil com indícios bem visíveis que pode ser apagada, perdida ou simplesmente deletada. Mesmo com os avanços e aproximações intensas entre os campos da Arte, Ciência e Tecnologia e, deslocamentos do próprio conhecimento, constatamos que há múltiplas dimensões de precariedades quanto ao armazenamento da memória no âmbito dos sistemas digitais, frente à própria obsolescência dos artefatos tecnológicos que funcionam enquanto dispositivos de memória. Esses dispositivos, por vezes, possuem uma vida útil programada: envelhecem e se tornam incompatíveis diante das descobertas que se transformam em novos artefatos tecnológicos que, entre si, não mais se comunicam. Nesse contexto de um mundo dinâmico cada vez mais povoado pela complexidade, a memória torna-se frágil, tendo em vista as reconfigurações e avanços do conhecimento que deságuam em mudanças operadas no seio dos próprios dispositivos tecnológicos de captação, armazenamento e disponibilização de diferentes informações e expressões artísticas que compõem a nossa diversidade cultural. Os novos inventos tecnológicos são decorrentes dessa materialização do conhecimento, ou seja, fruto dessa lógica inerente à nossa própria cultura. Produ-

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zimos conhecimento. Produzimos cultura. A cultura é expressão plena de nosso conhecimento. Cultura e conhecimento são capazes de influenciar os produtores de cultura que, por sua vez, são afluentes de nossa cultura. As manifestações de nossa cultura no presente, passado ou futuro são expressões de um determinado tempo, no qual criadores se apropriam (ou se apropriaram) de dispositivos e linguagens (artesanais ou de ordem técnica), para produção de conhecimentos. Essas manifestações culturais podem ser expressões de uma ordem técnica (ou pré-técnica) que envolvem mediações, reprodutibilidades, transmissões, exibições, distribuições em rede e que também encampam lógicas artesanais. A oralidade é um dispositivo proveniente da cultura oral que precede a escrita e encampa a atualidade. Uma narrativa oral verbal pode ser registrada em dispositivos artesanais que envolvem o código da memória escrita. O código da cultura da oralidade associado à fala pode ser convertido ao sistema de codificação da escrita manuscrita, por vezes em cópias únicas, em papiro. Livros inteiros foram reproduzidos de forma manuscrita pelos copistas. Esses livros manuscritos, ou enciclopédias, da época, se transformaram em verdadeiros suportes da memória que implicavam em cuidados quanto ao acesso e métodos de conservação. Determinadas obras lite-

rárias, romances, contos da cultura oral e escrita que sobreviveram, de geração em geração, ganharam forças graças a publicação em forma de livros a partir de meados século XV com a imprensa, que inaugura a cultura do reprodutível. Alguns poucos livros dessa cultura do reprodutível só sobreviveram, até a nossa atualidade, face aos métodos de conservação e mais tarde, o processo de digitalização para o acesso público. Vale salientar que essa dinâmica de produção, editoração e veiculação de livros e jornais, que pertencem a uma lógica da cultura impressa, se transformou (literalmente) ao longo de décadas e séculos. Com o surgimento da imprensa, dos livros, dos jornais, folhetins e revistas, a própria cultura se desenvolveu enquanto mercadoria abstrata com fortes vinculações aos interesses políticos e econômicos explícitos da época, tendo como foco um público letrado. Nessa época distante, o acesso a esse contingente de informações por parte dos não letrados só foi possível mediante as “rodas de leituras” por letrados, que tiveram acesso às escolas e também o domínio da escrita. Percebemos que cultura de diferentes épocas é um bem social que sempre necessita do movimento de interpretação. Enquanto referência de um tempo necessita ser preservada, armazenada e disseminada para que possa ser conhecida por gerações futuras.

A edificação da cultura nesse período do surgimento da imprensa foi então sustentada, dentre outros fatores, pela predominância de uma cultura oral ainda com poucos alfabetizados, e a explosão da imprensa, livros e, mais adiante, folhetins, jornais e revistas. A emergência de produtos culturais que valorizaram o supérfluo, os clichês, as fantasias e a indução ao consumo foi o principal elemento dessa longa fase da cultura impressa que começa em meados do século XV. Muitas obras raras dessa cultura livresca atravessaram outras modalidades de culturas com seus outros dispositivos próprios. A imprensa, os livros, as revistas incorporaram as ilustrações, os desenhos e a própria fotografia – a qual nasceu e se desenvolveu enquanto dispositivo de registro e eternização da memória que prioriza o conhecimento visual. A imprensa encampa a fotografia e a própria fotografia avança enquanto dispositivo de captação de aspectos da realidade ou com a possibilidade de se recriar a própria realidade. Assim, a fotografia inaugura um novo paradigma exclusivamente das imagens técnicas, denominado de paradigma fotográfico que amplia o conceito de cultura visual incluindo as imagens de natureza técnica, obtidas através da fotografia. Os dispositivos de produção de memória visual que sucedem a fotografia, no caso, o cinema e a holografia, também integram o paradigma fotográfico. O cinema, en-

quanto dispositivo de produção, criação e documentação da memória, incorpora a fotografia e acrescenta um novo elemento que é a ilusão do movimento. O cinema, enquanto modalidade de produção de narrativas audiovisuais, provocou encantamento, fascinação e desejo. Avançou em relação aos sistemas de produção de memória predecessores e caminhou através de seus realizadores, principalmente do ponto de vista comercial, para a produção de narrativas ficcionais e, em menor grau, desenvolvimento de produtos culturais que valorizaram o processo de documentação de situações da realidade. Tanto o rádio como cinema, e mais adiante a televisão, mobilizaram um grande público que necessariamente não precisava ser alfabetizado. Trata-se de um contexto, cuja produção de memória está circunscrita a uma cultura das mídias, visto que envolve um grande público com características distintas para o cinema, o rádio e a televisão. Todos esses dispositivos de poder e memória se transformaram ao longo do tempo. Estabeleceram conversações entre si. Cada um deles ganhou autonomia de construção narrativa e especificidades técnicas. Cada um desses dispositivos técnicos de produção de arte, cultura e memória vivenciaram transformações endógenas e exógenas. Ou seja, se tomarmos como exemplo as transformações tecnológicas

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endógenas vivenciadas pelo cinema, observaremos que se tratam das mudanças decorrentes dos avanços do conhecimento e que se materializaram no seio do próprio dispositivo tecnológico, a exemplo da existência do cinerama, cinema em preto e branco, incorporação do som e da cor, bitolas 70mm, 35mm, 16mm e super-8. Trata-se do aperfeiçoamento desses dispositivos de produção de memórias quanto à sua capacidade de registro, documentação, edição, armazenamento e transmissão de mensagens, que mobilizam nossos sentidos e a nossa capacidade de interpretação. Da cultura das mídias onde identificamos a emergência de diferentes dispositivos tecnológicos de produção da memória a exemplo do livro, jornal, fotografia, cinema, rádio, televisão, holografia e vídeo, passamos à cultura digital onde todas essas mídias converteram em sistemas digitais com a possibilidade e se operar no universo das redes. Assim, respiramos um tempo em que identificamos os avanços do conhecimento associados às conquistas tecnológicas, dinâmicas da cultura e, como já afirmamos, interações entre Arte, Ciência e Tecnologia. Trata-se de um tempo em que se configura o derretimento dos sólidos e que metaforicamente possibilita a vazão dos líquidos. Observamos que cada novo paradigma trouxe consigo conflitos, contradições e situações inusitadas que reclamam dimen-

sionamentos. A cultura e os processos comunicacionais perpassam todos esses paradigmas que estão associados às dinâmicas da sociedade com seus dispositivos técnicos de produção de memória. O paradigma pós-fotográfico amplia a nossa de memória pela natureza do processamento das informações disponibilizadas em forma de fluxos interconectados em sistemas de redes. Essa lógica do paradigma digital - das temporalidades líquidas – proeminente nas quase duas primeiras décadas do século XXI é também atravessada pela existência de processos culturais cada vez fluidos, transterritoriais, com dinâmicas móveis e interativas que ainda convivem com ordens de natureza material (fotoquímica, analógica e eletrônica). Dizemos que essa passagem de uma lógica de base material para uma lógica com a predominância do paradigma digital pós-fotográfico revela uma temporalidade em que brota a cultura digital e que se apresenta de forma literalmente descentrada. Ainda nesse contexto complexo de nossa contemporaneidade nitidamente marcada pelos sistemas digitais, a cultura digital é então fruto de entremesclas, hibridismos, conectividades e recombinações de diferentes ordens de signos. Conforme observamos, as práticas sociais nesse cenário da cultura digital são habitualmente fugazes, contraditórias, por natureza supérfluas, guiadas por acontecimentos efêmeros que

evidenciam exposições narcísicas. Esse baú digital movente denominado ciberespaço é também um lugar de memória, de produção de experiências de arte colaborativa e de armazenamento de conteúdos culturais digitais provenientes de lógicas predecessoras vinculadas à cultura da oralidade, cultura da escrita, cultura da imprensa, cultura das mídias e culturas híbridas. Diante dessa cultura digital que reflete a atual sociedade em rede com seus vínculos voláteis, práticas sociais efêmeras, usuários ávidos pelo “novo” que atuam enquanto produtores dos próprios conteúdos e rearranjadores de modos de expressão, como pensar a memória da cultura nesse contexto das diferentes lógicas digitais com os seus paradoxos? Como conservar documentos digitais desatualizados e torná-los compatíveis com as plataformas livres? Como converter e produzir documentos digitais em formatos livres? Todas essas questões e várias outras permeiam todo processo de produção, conservação, armazenamento e compartilhamento da memória em tempos de CULTURA DIGITAL. PASSADO E PRESENTE: MEMÓRIA E DOCUMENTOS CULTURAIS PARA O FUTURO Determinados produtos culturais que tiveram importância em um passado recente não são acessíveis devido à natureza do suporte ou dispositivo tecno-

lógico em que foi produzido. Documentos fotográficos, negativos de filmes, textos, livros, filmes em super-8, vídeos em diferentes formatos, mapas, desenhos, cartas, registros privados, slides, áudios em fitas, vinis, cartas, manuscritos... que integram o nosso patrimônio cultural estão deteriorados e reclamam por processos conservação. Essas obras e produtos abandonados ou entulhados precisam ser recuperados e restaurados para depois serem digitalizados, remasterizados e disponibilizados por meio de política de democratização do conteúdo digitalizado. Esse quadro serve para evidenciar que esforços empreendidos para preservação da memória cultural em meios digitais ainda são extremamente incipientes enquanto política pública. Fazse necessário a materialização de uma política pública nacional de digitalização de documentos culturais e acervos artísticos articulada com todos estados brasileiros como forma de garantir a digitalização, o tratamento e a disseminação de nossa memória cultural. É interessante alertar para que essas iniciativas macro em forma de programas de governo não deságuem na construção de meros repositórios de conteúdos culturais em plataformas digitais. A nossa cultura reclama conservações de documentos e adoção de políticas de di-

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gitalização e remasterização de diferentes acervos audiovisuais: filmes, vídeos, programas de TV, documentações institucionais, registros em diferentes suportes, material fotográfico, entre outros. É imperativo que essas políticas públicas de conversão de documentos atendam critérios internacionais quanto a existência de uma infraestrutura tecnológica, recursos humanos especializados que dominem profissionalmente os procedimentos que norteiam todo processo de digitalização envolvendo estratégias de preservação de longo prazo, catalogação, indexação e metadados. É importante que essas políticas públicas para recuperar memórias passadas priorizem sistemas abertos, arquiteturas livres e adoção de softwares livres. Em escala micro, tem se ampliado o interesse de artistas, pesquisadores, historiadores, profissionais da arquivologia e grupos organizados preocupados em recuperar digitalmente documentos culturais de diferentes ordens. As ferramentas digitais, o ciberespaço com sua dinâmica fluida articulado com as redes sociais, a existência de diferentes aplicativos, espaço armazenamento de dados, armazenamentos em nuvens, existência de repositórios abertos, e a existência de processos colaborativos e de compartilhamento no âmbito

rede tem possibilitado o crescimento não só da memória digital que documenta essa dinâmica do cotidiano das redes como também tem propiciado que cidadãos digitalizem seus próprios acervos de arte, restauração de fotos familiares e documentos privados com co-resultados que apresentam níveis de qualidade. Essa prática de digitalização por iniciativa própria vem se ampliando na rede face às potencialidades inerentes as ferramentas digitais e formas distintas de armazenamento em rede. Essa compreensão deriva da perspectiva de cada cidadão poder delegar ao futuro documentos e registros da cultura de temporalidades passadas. Os documentos digitais que migraram de um sistema para outro através da conversão digital e os documentos construídos no próprio ambiente digital neste tempo presente também serão transmutados em documentos do passado. A nossa memória cultural deve permanecer viva através da existência documentos e acervos abertos do presente e passado como legado ao futuro. Compete principalmente ao Poder Público garantir, aperfeiçoar e executar políticas públicas voltadas para aperfeiçoamento do processo de digitalização e tratamento de documentos culturais nas diferentes regiões brasileiras.

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