Profissionais da saúde, que assistem pacientes com Acidente Vascular Cerebral, necessitam de informação especializada

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Descrição do Produto

volume 12 — nº 4 — 2004

ISSN - 0104-3579

Artigos • Profissionais da saúde, que assistem pacientes com Acidente Vascular Cerebral, necessitam de informação especializada • O estresse como possível fator desencadeante de surtos de Esclerose Múltipla de acordo com 48 pacientes • Respiração de Cheyene-Stokes é pouco reconhecida no paciente internado • Agonistas Dopaminérgicos no tratamento da Doença de Parkinson • Hipnóticos • Forame Oval Patente e Acidente Vascular Cerebral – Tendências atuais • O organismo como referência fundamental para a compreensão do desenvolvimento cognitivo • Tratamento Hidroterápico na Distrofia Muscular de Duchenne

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Editorial

revista

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Neurociências

ABRASPI: Associação Brasileira da Síndrome das Pernas Inquietas – (Brazilian Restless Legs Syndrome Association) Restless legs syndrome (RLS) is a highly prevalent disease and almost in the entire world such syndrome is on focus. Treatments available at the present time are quite efficient and there is no reason for a further torment to a great deal of patients. In USA a national foundation (Restless Legs Syndrome Foundation) covers almost all issues regarding patients needs, providing them a lot of information that they can even handle to their Doctors at the office visits. This spirit of open and frank disposition to carry data by patients, families, and volunteers was remarkable to broad all over the US those red flags that feature the essence of RLS clinical picture. Besides, Brazilian Doctors already have under their skins a kind of “European culture” resembling aphorisms like “L’État c’est Moi”, what seems to be an obstacle to spread free information by lay people, we believe that such civil organization like the recently created ABRASPI will bring another way to shed lights, concerns, and knowledge to health professionals on this issue. Probably we will have a tremendous improvement on diagnosis and treatment of RLS patients in the years to come, and we also hope that some health services all around this big country make an effort to keep some patient-based organization helping them to rich those health professionals, mainly Orthopedists, Rheumatologists, Vascular Surgeons, General Practitioners, and also Neurologists and Neurosurgeons with alerts related to RLS diagnosis and treatment. The ABRASPI goals at this time are: 1) to gather patients in a common cause; 2) to rise in their minds a sense of responsibility to others; 3) to promote meetings and to invite speakers to help attendees understand the scope of the new discoveries and the implications of ongoing research; 4) to hear suggestions on a large range of complaints that are bothering the patients; 5) to produce all sort of handles to patients and health professionals 6) to keep a close relationship with medical ongoing researches in another countries; 7) and among others, to encourage research of our own interest regarding those important themes associated to RLS. For this accomplishment I would like to register my gratitude to Dr Christopher Earley and Dr Richard Allen at The Johns Hopkins Hospital for the opportunity and time spent in training and teaching me in the field of RLS. Without it the ABRASPI would take a little bit more time to show out in our country. Their initiative, support, dynamism, and enthusiasm with RLS patients and research are contagious and have given me strength to face peculiar difficulties to achieve basic goals here in Brazil. Gilmar Fernandes do Prado Editor

Índice ARTIGOS ORIGINAIS Profissionais da saúde, que assistem pacientes com Acidente Vascular Cerebral, necessitam de informação especializada Priscila Parochi Neves, Sissy Veloso Fontes, Márcia Maiumi Fukujima, Sandro Luis de Andrade Matas, Gilmar Fernandes do Prado. ............................................................................................................................................................................ 173 O estresse como possível fator desencadeante de surtos de Esclerose Múltipla de acordo com 48 pacientes Ana Cláudia Pimenta Barbosa, Luciane Oliveira Amaral, Verônica dos Santos Coelho, Yára Dadalti Fragoso. .................................... 182 Respiração de Cheyne-Stokes é pouco reconhecida no paciente internado Sara Regina Delgado de A. Franco, Esther A. Kubo, Lucila B. F. Prado, Gilmar F. Prado.. ............................................................................................. 186 ARTIGOS DE REVISÃO/ATUALIZAÇÃO Agonistas Dopaminérgicos no tratamento da Doença de Parkinson Henrique Ballalai Ferraz. ................................................................................................................................................................................. 192 Hipnóticos Alexandre Pinto de Azevedo, Flávio Alóe, Rosa Hasan. ......................................................................................................................................... 198 Forame oval patente e acidente vascular cerebral – Tendências atuais Marcia Maiumi Fukujima, Solange Bernardes Tatani, Gilmar Fernandes do Prado. ............................................................................... 209 O organismo como referência fundamental para a compreensão do desenvolvimento cognitivo Barros, Carlos Eduardo, Carvalho, Maria Imaculada Merlin, Gonçalves, Vanda Maria Gimenes, Ciasca, Sylvia Maria, Mantovani de Assis, Orly Zucatto. ............................................................................................................................................................ 212 Tratamento hidroterápico na Distrofia Muscular de Duchenne: Relato de um caso Gilmara Alvarenga Fachardo; Sayonara Cristina Pinto de Carvalho; Débora Fernandes de Melo Vitorino. .......................................... 217

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João Pereira Leite, MD, PhD, Ribeirão Preto, SP Luiz Eugênio A. M. Mello, MD, PhD, São Paulo, SP Líquidos Cerebroespinhal / Cerebrospinal Fluid Chefe / Head João Baptista dos Reis Filho, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Leopoldo Antonio Pires, MD, PhD, Juiz de Fora, MG Sandro Luiz de Andrade Matas, MD, PhD, São Paulo, SP José Edson Paz da Silva, PhD, Santa Maria, RS Ana Maria de Souza, PhD, Ribeirão Preto, SP Neurologia do Comportamento / Behavioral Neurology Chefe / Head Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Ivan Okamoto, MD, PhD, São Paulo, SP Thais Minetti, MD, PhD, São Paulo, SP Rodrigo Schultz, MD, PhD, São Paulo, SP Sônia Dozzi Brucki, MD, PhD, São Paulo, SP Neurocirurgia / Neurosurgery Chefe / Head Fernando Antonio P. Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Mirto Nelso Prandini, MD, PhD, São Paulo, SP Antonio de Pádua F. Bonatelli, MD, PhD, São Paulo, SP Sérgio Cavalheiro, MD, PhD, São Paulo, SP Oswaldo Inácio de Tella Júnior, MD, PhD, São Paulo, SP Orestes Paulo Lanzoni, MD, São Paulo, SP Ítalo Capraro Suriano, MD, São Paulo, SP Samuel Tau Zymberg, MD, São Paulo, SP Neuroimunologia / Neuroimmunology Chefe / Head Enedina Maria Lobato, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Nilton Amorin de Souza, MD, São Paulo, SP Dor, Cefaléia e Funções Autonômicas / Pain, Headache and Autonomic Function Chefe / Head Deusvenir de Souza Carvalho, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Angelo de Paola, MD, PhD, São Paulo, SP Fátima Dumas Cintra, MD, São Paulo, SP Paulo Hélio Monzillo, MD, São Paulo, SP José Cláudio Marino, MD, São Paulo, SP Marcelo Ken-It Hisatugo, MD, São Paulo, SP Interdisciplinaridade e história da Neurociência / Interdisciplinarity and History of Neuroscience Chefe / Head Afonso Carlos Neves, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members João Eduardo Coin de Carvalho, PhD, São Paulo, SP Flávio Rocha Brito Marques, MD, São Paulo, SP Vinícius Fontanesi Blum, MD, São Paulo, SP Rubens Baptista Júnior, MD, São Paulo, SP Márcia Regina Barros da Silva, PhD, São Paulo, SP Eleida Pereira de Camargo, São Paulo, SP Dante Marcello Claramonte Gallian, PhD, São Paulo, SP Neuropediatria / Neuropediatrics Chefe / Head Luiz Celso Pereira Vilanova, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Marcelo Gomes, São Paulo, SP

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Os pontos de vista, as visões e as opiniões políticas aqui emitidas, tanto pelos autores, quanto pelos anunciantes, são de responsabilidade única e exclusiva de seus proponentes. Tiragem: 3.000 exemplares REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004

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Artigo Original

Profissionais da saúde, que assistem pacientes com Acidente Vascular Cerebral, necessitam de informação especializada Health Professionals who treat stroke patients need specialized information. Priscila Parochi Neves1, Sissy Veloso Fontes2, Márcia Maiumi Fukujima3, Sandro Luis de Andrade Matas3, Gilmar Fernandes do Prado4.

RESUMO

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma doença que pode ocasionar incapacidade funcional e levar ao óbito. Sendo assim, é necessária a intervenção de uma equipe multidisciplinar, com formação especializada, para o manuseio desses pacientes. O objetivo desse estudo foi realizar pesquisa de campo, com profissionais da área da saúde, (enfermeiro, fisioterapeuta, assistente social, médico, fonoaudiólogo, terapeuta-ocupacional, nutricionista e psicólogo), sobre as dificuldades, dúvidas e importância de orientações sobre os cuidados de pacientes com AVC. Foi aplicado questionário a 146 profissionais da saúde, que possuem experiência no atendimento desses pacientes, nas cidades de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul. Observou-se, nesse estudo, que a maioria dos profissionais da área da saúde apresentam dificuldades (85%), dúvidas (58%), e consideram importante receber orientações (91%), em relação aos cuidados de pacientes com AVC, através de materiais didáticos eletrônicos ou impressos, e cursos de extensão. A análise da pesquisa de campo realizada mostrou a importância e necessidade de informação/formação especializada para a maioria dos profissionais da saúde, da amostra estudada, que atendem pacientes com AVC. Unitermos: Acidente vascular cerebral, Educação continuada, Profissionais da saúde, Cuidados especializados.

SUMMARY

Stroke can generate functional disability and death. It is necessary an intervention of a multidisciplinary team with specialized formation to handle those patients. The objective of this study was to accomplish field research with professionals of health area (nursing, physiotherapy, social work, physician, speech therapy, occupational therapy, nutritionist and psychologist) on the difficulties, doubts, and importance of orientations on caring of patients with stroke. 146 questionnaires were applied to health professionals,

Trabalho realizado:Universidade Metodista de São Paulo -UMESP

1- Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Neurológica pela UMESP 2- Fisioterapeuta, Professora de Educação Física, Mestre em Neurociências e Doutora em Ciências pela UNIFESP, Docente da UMESP e UNISANTA 3- Neurologista da UNIFESP 4- Neurologista e Docente da UNIFESP Endereço para correspondência: Sissy Veloso Fontes R: Francisco Tapajós, 513 apto. 122 - Jd. Santo Estéfano São Paulo - SP - CEP: 04153001 Tel. (11) 50585105 - email: [email protected] Trabalho recebido em 20/10/04. Aprovado em 23/11/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004

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with experience on treatment of those patients, in Sao Paulo, Santo André, Sao Bernardo do Campo and Sao Caetano do Sul. It was observed, in this study, that most health professionals has difficulties (85%), doubts (58%), and they consider important to receive orientations (91%) regarding care of patients with stroke, through electronic or printed didactic materials, and extension courses. This research showed the importance and need of specialized information / formation for most of the health professionals on our sample that assist patients with stroke. Keywords: Stroke, Continued education, Health professionals, Specialized care.

INTRODUÇÃO

MÉTODO

O acidente vascular cerebral (AVC) é a doença que mais ocasiona mortes em nosso país1,2 e que mais incapacita no mundo3. Esta doença pode ocasionar alterações cognitivas e neuromusculares, levando a problemas psicoemocionais e sócio-econômicos4. Sendo assim, a atuação de diversos profissionais da área da saúde é imprescindível para assistência adequada e integral nestes casos5. A busca das melhores evidências disponíveis, integrada à experiência clínica, tem sido sugerida como a estratégia ideal e mais segura para a tomada de decisão em saúde. Esta conduta é considerada prática baseada em evidências6. Para uma assistência favorável, por parte dos profissionais que atendem pacientes com AVC, esta prática possibilita um manejo especializado com base em conhecimentos científicos específicos, propiciando melhores resultados terapêuticos7,8. No entanto, há indícios de que esta prática não tem sido utilizada na rotina clínica de muitos profissionais da saúde que prestam cuidados às vítimas de AVC, apesar de haverem várias diretrizes (guidelines) publicadas na literatura nacional e internacional. Além da utilização de informações científicas para guiar a prática clínica, tem-se inferido que cursos de educação continuada nas áreas da saúde fornecem vias promissoras de ensino para a prática clínica especializada9. Investigar se existe rotina quanto à utilização de diretrizes para guiar a prática clínica, identificar as dificuldades e dúvidas no manejo de pacientes com AVC pelos profissionais da área da saúde que atuam em instituições na cidade de São Paulo e região do ABC e colher opiniões quanto ao interesse em receber informações e formação especializada para atuação profissional, nestes casos, são os objetivos deste trabalho.

Foi aplicado questionário aos profissionais: enfermeiro, médico, nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo e assistente por um mesmo entrevistador nos meses de julho a outubro de 2002. Todos os profissionais entrevistados, deveriam ter alguma experiência quanto aos cuidados de pacientes com AVC e pertencer a uma das seguintes instituições da cidade de São Paulo e região do ABC: Centro de Reabilitação Lar Escola São Francisco (LESF), Divisão de Medicina de Reabilitação (DMR) – Universidade de São Paulo, Clínica de Fisioterapia da Universidade Bandeirante de São Paulo – Campus ABC, Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade Metodista de São Paulo, Hospital São Caetano, Hospital Santa Cruz, Hospital Santa Casa de Santo André, Hospital Santa Marta, Hospital Municipal de Itapecerica da Serra e Hospital São Paulo – Universidade Federal de São Paulo. O questionário aplicado consta de 3 domínios: 1 - Dados Pessoais (nome, idade, sexo, escolaridade, profissão, local e perfil econômico do serviço que trabalha); 2 - Acidente Vascular Cerebral (principais dificuldades e dúvidas em relação aos cuidados de pacientes com AVC); 3 – Orientações (Já recebeu alguma orientação profissional sobre a sua conduta específica no manejo do AVC? Que profissionais? Utiliza ou já utilizou alguma diretriz, guia ou manual sistematizado de orientações profissionais? Considera importante receber orientações profissionais para a sua prática? Gostaria de receber orientações profissionais quanto às múltiplas áreas de atuação? Em quais aspectos? Como gostaria de receber orientação, em cursos de educação continuada, por material didático (eletrônico ou impresso) ou ambos? Você pode sugerir algumas orientações específicas de sua

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Neur ociências Neurociências área de atuação a serem ministradas aos profissionais que assistem pacientes com AVC? Se, sim quais?). Este foi aplicado por meio de entrevista aos diversos profissionais nos próprios locais de trabalho, que concordaram em participar do estudo e aprovaram a utilização dos resultados para fins de pesquisa, desde que houvesse sigilo quanto à identificação dos entrevistados. Os resultados quantitativos são apresentados em percentual e os qualitativos descritivamente. RESULTADOS

Foram entrevistados 146 profissionais da área da saúde, sendo 34 (26%) enfermeiros (enf), 33 (22%) fisioterapeutas (ft), 27 (18%) assistentes sociais (ass), 25 (17%) médicos neurologistas e fisiatras (md), 10 (7%) fonoaudiólogos (fo), 8 (5%) terapeutas ocupacionais (to), 5 (3%) nutricionistas (nu) e 4 (2%) psicólogos (psc). Características Demográficas A média das idades dos entrevistados foi de 35 anos, sendo 29% do sexo masculino. Em relação ao tempo de formação profissional 32% possuem mais de 10 anos, 38% estão entre 5 a 10 anos e, 30% a menos de 5 anos. Mais da metade dos profissionais, 53% eram pósgraduados (37% especialistas, 13% mestres, 3% doutores). Quanto à via de recebimento de honorários dos serviços em que trabalham, 43% recebem do sistema único de saúde (SUS), 7% de convênios, 10% de particulares e 40% por via mista (SUS + convênios + particulares). Dados Quantitativos Estão apresentados nas tabelas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8.

175 Dados Qualitativos A) Dificuldades Quanto às dificuldades encontradas, os enfermeiros citaram aspectos como posicionamentos e transferências adequadas, aspectos relacionados à imobilidade, dependência funcional e diminuição do nível de consciência, prevenção e tratamento de úlceras por pressão, cuidados na incontinência vesical, além de conhecimentos sobre processo e tempo de recuperação funcional, sinais preditores prévios ao episódio de AVC, cuidados com alimentação e tipo de dieta adequada, e como orientar familiares e cuidadores para prestarem assistência ao paciente. Tanto os fisioterapeutas como os terapeutas ocupacionais relataram dificuldades em lidar com sintomas clínicos inerentes a algumas síndromes neurológicas específicas como, por exemplo, nas alterações de linguagem (afasias), psicológicas (depressão e ansiedade), situação sócioeconômica baixa e falta de colaboração por parte do familiar e ou cuidador no programa terapêutico. Outro aspecto, também mencionado, foi à falta de interação entre os profissionais, como já descrito por alguns autores19. De acordo com os assistentes sociais entrevistados, mais da metade relataram dificuldades em prestar assistência a pacientes com alterações emocionais e de comunicação, como também em reconhecer os preditores prognósticos do AVC e, como poderiam orientar melhor a família e o paciente em relação aos aspectos específicos de sua área de atuação. Os médicos apresentaram dificuldades em caracterizar a história da moléstia atual do paciente, quando contada por familiares e ou

Tabela 1. Profissionais da saúde segundo dificuldades ao prestar assistência para paciente com AVC.

Tabela 2. Profissionais da saúde segundo dúvidas quanto à sua conduta na assistência ao paciente com AVC.

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Tabela 3. Profissionais da saúde segundo as orientações recebidas por profissionais da saúde em relação à assistência ao paciente com AVC.

Tabela 4. Profissionais da saúde segundo a utilização de diretrizes, guia ou manual de orientações profissionais para a assistência ao paciente com AVC.

Tabela 5. Profissionais da saúde segundo a importância em receber orientações profissionais parapara a assistência ao paciente Tabela 5. Profissionais da saúde segundo a importância em receber orientações profissionais a assistência ao comcom AVC.AVC. paciente

Tabela 6. Profissionais da saúde que gostariam de receber orientações profissionais para a assistência ao paciente com AVC nas diversas áreas de atuação.

Tabela 7. Profissionais da saúde segundo a preferência quanto à estratégia a ser orientada (em cursos de extensão, material didático - eletrônico ou impresso, ou ambos) quanto à assistência ao paciente com AVC pelos diversos profissionais.

Tabela 8. Profissionais da saúde que sugeriram orientações, quanto à sua atuação profissional para os diversos profissionais que assistem o paciente com AVC.

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Neur ociências Neurociências cuidadores, interpretar os sintomas, eleger as melhores estratégias de tratamento e, atender com qualidade em um curto período de tempo em serviços da saúde que apresenta grande demanda e número insuficiente de profissionais médicos. Além disso, citaram dificuldades quanto a sua intervenção, quando o paciente apresenta alterações psicológicas, de linguagem, dificuldades financeiras, e seqüelas sensório-motoras. Avaliar as disfunções deglutitórias, tratar complicações clínicas, principalmente as infecções, abordar a relação paciente-familiar e, obter aderência ao tratamento prescrito, também foram dificuldades citadas. Já os fonoaudiólogos apresentaram dificuldades quanto ao posicionamento correto do paciente, para uma melhor emissão da linguagem e para a alimentação, como abordar pacientes com alteração psicológica, como orientar a família para colaborar com o programa proposto, quais as melhores estratégias a serem utilizadas no tratamento das disfagias. Além disso, também relataram dificuldade na relação interdisciplinar. Os nutricionistas apresentaram dificuldades relacionadas às outras áreas da saúde, por exemplo: como abordar pacientes com alteração de linguagem, como alimentar e orientar os cuidadores, como orientar a família na mobilização adequada desses pacientes. Os psicólogos relataram dificuldades quanto à intervenção em pacientes com déficit de linguagem, memória, nível sócio-econômico precário e a falta de colaboração da família no processo terapêutico. B) Dúvidas Em relação às dúvidas dos profissionais da saúde sobre os cuidados dos pacientes com AVC, observamos que apenas os psicólogos não as apresentaram, os demais, mais da metade apresentaram. As dúvidas citadas pelos enfermeiros foram, principalmente em relação à medicação, alimentação, mudança de decúbito, órteses, cuidados com a bexiga neurogênica, orientações quanto à sexualidade e, como poderiam intervir, favoravelmente na melhora da auto-estima de muitos pacientes psicologicamente abalados. Como orientar a família quanto aos cuidados domiciliares e como identificar precocemente os sinais e sintomas do início de um novo icto, também foram citadas.

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177 Os fisioterapeutas apresentaram dúvidas, sobre: os efeitos no sistema neuromuscular das medicações prescritas nos casos de AVC, indicação de adaptações (órteses) ideais em determinados casos, como poderiam colaborar, enquanto fisioterapeutas na melhora das disfunções de linguagem e de deglutição, cuidados com a traqueostomia, como melhor orientar sobre a realização das atividades de vida diária (AVD´s) e de vida prática (AVP´s) no ambiente real dos pacientes, e sobre o tempo estimado para a recuperação sensório-motora. As terapeutas-ocupacionais citaram dúvidas semelhantes aos dos fisioterapeutas, como as relacionadas às adaptações, orientações quanto à realização correta de AVD’s e AVP´s utilizando o hemicorpo acometido, além de condutas nas alterações cognitivas e, quanto à atuação dos demais profissionais que assistem o paciente com AVC. As respostas dos assistentes sociais, em relação as suas dúvidas foram: sobre o tratamento do AVC em geral, como se relacionar com o paciente e o familiar, como transferir pacientes gravemente acometidos, as limitações físicas advindas desta doença, quanto às possíveis intercorrências clínicas, quando devem começar a fisioterapia e para que serviços encaminhar, aspectos sobre a epidemiologia da doença e questões previdenciárias. As dúvidas indicadas pelos médicos foram sobre: qual seria a melhor conduta clínica a ser tomada, quando utilizar fibrinolíticos, como poderiam intervir nas alterações de linguagem e o prognóstico destas, a eficácia do tratamento fonoaudiológico, e fisioterapêutico, o que deveriam indicar de exercícios físicos, prognóstico sensóriomotor, questões sobre o transporte público gratuito e, se os pacientes seguem devidamente as orientações por eles ministradas. Já as fonoaudiólogas apresentaram dúvidas sobre o prognóstico funcional, tratamento médico, prevenção de úlceras por pressão, sondas para alimentação e cuidados com a traqueostomia, principalmente. As nutricionistas, também relataram possuir dúvidas em relação ao prognóstico funcional. As dúvidas quanto à identificação do nível de compreensão do paciente e do tipo de disfagia, de acordo com a área da lesão, foram citadas.

Neur ociências Neurociências C) Orientações Recebidas Quanto às orientações recebidas, os enfermeiros foram orientados por médicos sobre os medicamentos e sobre aspectos inerentes ao AVC, por fisioterapeutas sobre como mobilizar os pacientes, por terapeutas ocupacionais sobre as AVD’S, por fonoaudiólogos sobre os cuidados com a deglutição e, por outros enfermeiros sobre cuidados de higiene. Os fisioterapeutas receberam orientações de médicos e dos próprios colegas de profissão, seguido de fonoaudiólogos, terapeutasocupacionais, assistente-social, enfermagem, nutricionista e psicólogo. Estas foram, respectivamente sobre medicamentos prescritos, evolução clínica, posicionamento, transferências e AVD’S adequados, cuidados com a deglutição, prescrição de órteses, quanto aos responsáveis em auxiliar nos tramites da aposentadoria e do transporte gratuito, prevenção e cuidados com úlceras por pressão, sobre o uso de sondas nasoenteral e vesical e, incontinência urinária, alimentos com contra indicação relativas ou absolutas em casos clínicos especiais, quanto à identificação e encaminhamento de pacientes deprimidos e ou ansiosos aos psicólogos. De acordo com os dados obtidos, todos os terapeutas-ocupacionais já receberam orientações dos próprios terapeutas-ocupacionais sobre as AVD’S, de fisioterapeutas sobre posicionamentos, exercícios de alongamento e manuseios em geral, dos fonoaudiólogos sobre a comunicação e a deglutição, dos médicos sobre o tratamento medicamentoso e ou cirúrgico e de psicólogos sobre as alterações emocionais dos pacientes com AVC. As orientações recebidas pelos assistentes sociais foram dadas por médicos no que se referia a diagnóstico, prognóstico e tratamento clínico, enfermagem quanto ao uso de sondas, terapeutaocupacional e fisioterapeuta quanto aos posicionamentos. Mais da metade dos médicos receberam orientações, principalmente de outros médicos (sobre hipóteses do diagnóstico clínico, análise dos exames complementares como a tomografia computadorizada de crânio, tratamento clínico e ou cirúrgico e sobre os processos de recuperação física), seguido de fisioterapeutas sobre os efeitos dos exercícios físicos nesta população e, de fonoaudiólogos sobre a avaliação e tratamento de distúrbios da deglutição e de linguagem. Em relação aos fonoaudiólogos todos, já receberam orientações dos demais profissionais REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004

178 sobre posicionamentos e posturas mais adequadas para alimentar os pacientes ou orientálos para tal, a melhor dieta alimentar, o estado emocional, bem como sobre a evolução clínica destes. Os nutricionistas (mais da metade) já receberam, de toda a equipe, principalmente fisioterapeuta, fonoaudiólogo e enfermeiro, orientações sobre posicionamentos e mobilização do paciente, dieta e cuidados gerais. Já os psicólogos foram unânimes em relatar terem sido orientados por médicos e fisioterapeutas especialmente, e depois por terapeuta-ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo sobre diagnósticos, intervenções terapêuticas e manejo destes pacientes. D) Interesse em Receber Orientações Na questão sobre o interesse em receber orientações, os enfermeiros citaram aspectos sobre o diagnóstico clínico, aspectos preventivos e curativos da doença, do exame físico, do quadro clínico, de mecanismos relacionados à deglutição, à comunicação, à sexualidade e à recuperação funcional dos pacientes, quanto aos cuidados com a pele, sondas, posicionamentos e manuseios, e outros procedimentos gerais da enfermagem. Mais da metade dos fisioterapeutas gostaria de ser orientado por todos os demais profissionais, principalmente das áreas de psicologia e de fonoaudiologia, corroborando os resultados deste estudo no concernente às maiores dificuldades citadas por estes profissionais. Os terapeutasocupacionais relataram a importância de receber orientações de outras áreas correlatas quanto aos manuseios, exercícios físicos terapêuticos, quanto a outras adaptações das AVD’S, e quanto a estratégias de estimulação da linguagem. As orientações preferidas pelos assistentes sociais constam aspectos sobre diagnóstico, etiologia, prevenção, quadro clínico, recuperação e seqüelas do AVC, função do serviço social, relação terapeuta-paciente e familiar, enquanto que os médicos preferem orientações quanto às estratégias que propiciam a recuperação motora, e sobre as intervenções psicológicas, sociais e clínicas atuais. Fonoaudiólogos gostariam de ser orientados sobre a mobilização dos indivíduos e como prognosticar a evolução motora, e os nutricionistas gostariam de receber informações sobre o processo geral de recuperação, em especial estratégias de como se deve alimentar estes pacientes, em especial os disfágicos, enquanto que os psicólogos sobre os diversos diagnósticos e manejos do paciente.

Neur ociências Neurociências E) Orientações que os vários profissionais ministraram, sugeriram e aspectos que esclareceram - Enfermagem: o enfermeiro sugere e ministra informações sobre alimentação, hidratação, higiene, mudança de decúbitos, prevenção de escaras, massagem, orientações quanto à autoajuda para executar as AVD´s. Relatam serem estes, os principais aspectos dos cuidados de enfermagem. Defendem que educar e esclarecer os pacientes, bem como seus familiares quanto aos cuidados gerais de saúde são quesitos básicos da atuação desta área. - Fisioterapia: o fisioterapeuta sugere e ministra informações sobre prevenção e intervenção nas complicações clínicas, recuperação motora funcional (por meio de posicionamentos, exercícios físicos terapêuticos facilitadores da execução voluntária das AVD´s e AVP´s ministrados e orientados), mediar processos de inclusão social, orientar, incentivar e encaminhar para prática esportiva, de lazer e profissional. O principal objetivo desta área é estimular funções neuromotoras, procurando integrar aspectos físicos com os psicológicos e sociais, aspectos estes inerentes e indissociáveis a todos os indivíduos. - Terapia ocupacional: o terapeuta ocupacional ministra e sugere informações sobre AVD’s, AVP´s, orientações aos familiares e ou cuidadores. - Ação da assistente social: o assistente social ministra e sugere informações sobre orientações sobre a relevância do encaminhamento do paciente com AVC para o serviço social, atenção especial para a interação entre os profissionais técnicos que prestam assistência a estes indivíduos, com o paciente e seus familiares visando à integração social (relações interpessoais) do grupo em questão. - Intervenção médica: o médico sugere e ministra informações sobre prevenção primária e secundária (orientação e tratamento), diagnóstico clínico, terapêutica medicamentosa e, quando necessária cirúrgica. Afirmam que a eficácia do tratamento está diretamente relacionada ao reconhecimento dos sinais e sintomas da doença e à intervenção adequada. Enfatizam a importância dos cuidados com a pressão arterial sistêmica e reconhecem a relevância de intervenção terapêutica dos demais profissionais da saúde. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004

179 - Fonoaudiologia: os fonoaudiólogos ministram e sugerem informações sobre deglutição, comunicação (tratamento e técnicas alternativas). - Nutrição: o nutricionista sugere e ministra informações sobre análise e composição de dietas alimentares. Relatam ser, a orientação, primordial para uma melhor qualidade de atendimento aos pacientes e familiares. - Psicologia: o psicólogo sugere e ministra informações sobre funções neuropsicológicas e afetivo-emocionais e realização de dinâmicas familiar. DISCUSSÃO

Mais da metade dos profissionais são formados a mais de cinco anos e são pós-graduados. No entanto, o fato de serem pós-graduados e terem conhecimentos em áreas específicas da ciência, não mostrou ter sido suficiente para suprirem as dúvidas e dificuldades encontradas na assistência aos pacientes com AVC, pois quase a totalidade dos profissionais apresentou as mais diversas dificuldades, o que pode sugerir a necessidade de formação, por exemplo, ministrada em cursos de educação continuada, e de informação especializada para atuação profissional nesta área, como descrita em diversas diretrizes (guidelines) disponíveis na literatura5,7,8,10-19. Muitos destes profissionais relataram apresentar, várias vezes ansiosa expectativa quanto à recuperação funcional dos seus pacientes, talvez porque estes, tenham percebido a forte relação existente entre o nível de incapacidade funcional e as alterações psicológicas (depressão e ansiedade), ou seja, quanto maior a incapacidade funcional mais deprimido o paciente pode estar. Este fato foi descrito por Carson e cols. em 2000, que relatam significante relação entre esses dois aspectos20. Observou-se que muitos dos profissionais entrevistados relataram apresentar dificuldades e dúvidas relacionadas às atividades de suas próprias áreas de atuação, o que vem a corroborar com a afirmativa quanto à necessidade de formação e informação especializada para os diferentes profissionais nesta área de atuação neurológica específica. Um dos fatores que chamou a atenção são as dúvidas, que alguns profissionais possuem, em relação à orientação

Neur ociências Neurociências sobre aspectos não relacionados as suas áreas específicas de atuação, mostrando a dificuldade que estes possuem em identificar ou respeitar o papel específico de cada um dos profissionais da saúde que trabalham em uma equipe multidisciplinar. Alguns autores descrevem esta dificuldade como inerente das equipes multiprofissionais 21. Os resultados descritivos deste estudo confirmam esta afirmativa, já que muitos dos profissionais parecem ignorar ou não aceitar as particularidades de atuação dos demais colegas profissionais. Os assistentes sociais foram os únicos a terem sido, em minoria, orientados por seus colegas de profissão ou, das demais profissões. Em relação aos profissionais médicos, apenas a metade teve a oportunidade de ser orientado pelos diversos profissionais. Os demais profissionais foram, ou em sua totalidade ou na grande maioria orientados, o que provavelmente os favorece a compreender as diversas interfaces que esta doença pode acarretar, além de poder facilitá-los a compreender a relevância em trabalhar em equipes inter e não multidisciplinares. Um dos dados mais relevante deste estudo foi a comprovação de que a utilização de diretrizes sobre atuação profissional nos cuidados de pacientes com AVC e a busca das melhores evidências científicas quanto à tomada de decisões clínicas não é rotina para a maioria dos profissionais entrevistados. A ausência desta rotina talvez advenha da falta de conhecimento, por parte de muitos destes profissionais, sobre a existência de várias diretrizes publicadas e disponíveis gratuitamente em bases de dados da literatura nacional e internacional ou, por não considerarem importante esta prática para suas atuações profissionais, podendo gerar condutas ineficientes e ou inapropriadas. A minoria cita a utilização de alguns manuais, apostilas ou guias não sistematizados para orientar suas condutas, podendo, muitas vezes confrontar e divergir das informações científicas de maior validade disponíveis na literatura. A visão, quase unânime dos diferentes profissionais sobre a importância em receber orientações, quanto à assistência ao paciente com AVC mostrou a preocupação destes, com o aperfeiçoamento do atendimento nesta área. De acordo com a maioria dos profissionais é importante receber novas orientações, trocar experiências profissionais, esclarecer dúvidas quanto aos conhecimentos pré-existentes

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180 utilizados na prática e estar atualizado quanto às condutas atuais mais eficientes. A maioria dos profissionais gostaria de receber orientações quanto aos cuidados de pacientes com AVC, mostrando elevado grau de interesse, independente dos locais ou condições em que exercem sua profissão atualmente. Em relação à preferência dos profissionais quanto à estratégia a ser utilizada para receberem orientações foi significativa à preferência por cursos, associado a materiais didáticos eletrônicos ou impressos, o que pode sugerir a necessidade de elaboração e aplicação de cursos de educação continuada com material previamente preparado para profissionais que atuam nos cuidados de pacientes com AVC nestas regiões do estado de São Paulo. Todos os diferentes tipos de profissionais sugeriram orientações quanto a sua atuação profissional mas, menos da metade dos entrevistados responderam o que deveria ser orientado. Talvez estes não sabem como ou o que orientar, não se consideram aptos para orientar, ou simplesmente não tiveram interesse em colaborar com este quesito do questionário. Podemos inferir que a medida que o profissional obtém esclarecimentos sobre outras áreas de atuação nos cuidados de pacientes com AVC, há ampliação do seu conhecimento em relação às diversas necessidades deste tipo de paciente, o que propicia aprimoramento para sua atuação profissional específica. Deve-se enaltecer a necessidade de encaminhamento aos pacientes acometidos pelas doenças neurovasculares aos cuidados dos diferentes profissionais da saúde que compõe a equipe de assistência (médico neurologista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, enfermeiro, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, assistente social e outros)5. As unidades de recuperação de AVC devem promover reuniões formais entre a equipe interdisciplinar e os pacientes, com o objetivo de identificar e apresentar os problemas para definir, juntamente com os doentes e familiares os objetivos a serem alcançados a curto e em longo prazo. O número total de camas deve ser calculado pela idade, sexo, tipo de incidente e população atendida no hospital. Ainda discute-se questões sobre o atendimento domiciliar, que deve envolver orientações aos profissionais, pacientes e familiares sobre a doença, prevenção e serviços de suporte. Um programa de treinamento para equipe em unidades de AVC é extremamente

Neur ociências Neurociências importante, sendo necessário abordar temas como: atuação coordenada de uma equipe interdisciplinar, integração do paciente e familiares com todos os membros da equipe, inclusive em atendimentos domiciliares5. A realização de novos cursos de educação continuada, incluindo apostilas contendo resumos das principais diretrizes (guidelines) para o manejo de pacientes com AVC parece ser emergente e, que será bem aceito pelos diferentes profissionais da saúde nas cidades de São Paulo e Grande ABC. CONCLUSÃO

Esta pesquisa de campo nos permite concluir que a utilização de diretrizes (guidelines) para conduzir as condutas assistenciais específicas não

181 é prática usual para maioria dos profissionais da saúde (enfermeiro, fisioterapeuta, assistente social, médico, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, nutricionista e psicólogo) entrevistados, atuantes nos municípios de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, e que estes possuem muitas e variadas dificuldades e dúvidas quanto as suas atuações profissionais nos cuidados dos pacientes com AVC. A maioria concorda com a importância e a necessidade e, mostrou interesse em receber orientações por meio de informação (materiais didáticos eletrônicos ou impressos) e formação (cursos de educação continuada) profissional especializada para poderem prestar melhor assistência a esta determinada população, mesmo já as tendo recebido ou as tendo ministrado.

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Artigo Original

O estresse como possível fator desencadeante de surtos de Esclerose Múltipla de acordo com 48 pacientes Stress as a possible triggering factor for relapses in Multiple Sclerosis according to 48 patients Ana Cláudia Pimenta Barbosa1, Luciane Oliveira Amaral1, Verônica dos Santos Coelho1, Yára Dadalti Fragoso2. RESUMO

Vários relatos da literatura sugerem que situações estressantes poderiam estar relacionadas a surtos de esclerose múltipla (EM). Os autores tiveram a impressão que muitos dos pacientes com EM relacionavam seus surtos a situações de estresse. Para avaliação desta impressão, entrevistamos individual e retrospectivamente um grupo de pacientes portadores de EM do tipo remitente-receorrente (EMRR). Os pacientes podiam fornecer livremente as informações, sem serem induzidos. Este grupo de 48 pacientes portadores de EMRR se constituía de 37 mulheres e 11 homens, com idades variando entre 14 e 64 anos. O diagnóstico definitivo de EMRR havia sido feito entre um e 24 anos (média = 7 anos). Durante este período, o número de surtos variou entre dois e 12 (média = 4). Estresse foi mencionado como principal causa de exacerbações por 27 pacientes, e como causa exclusiva por 18 pacientes. Infecções virais foram mencionadas como causa de surto por sete pacientes, calor excessivo por dois, enxaqueca particularmente forte por dois, gravidez por uma, depressão por uma e poluição ambiental por um paciente. A identificação de fatores desencadeantes não se relacionou à duração da doença, número de surtos, nível educacional, sexo ou idade dos pacientes. 56% de nossos pacientes espontaneamente mencionaram que situações de estresse eram o principal fator desencadeante de surtos de EM. Estudos prospectivos desta natureza, preferencialmente envolvendo diversos centros de atendimento de EM, necessitam ser realizados com um grande número de pacientes. Unitermos: Esclerose múltipla, Estresse, Infecção.

SUMMARY

Various reports in the literature suggest that stressful life events may be related to relapses of Multiple Sclerosis (MS). We gained the impression that many of our patients related their bouts of MS to particularly stressful life situations. We have therefore performed a retrospective evaluation by means of individual interviews with patients suffering from relapsing-remitting MS (RRMS). The patients were free to volunteer

Trabalho realizado:CEREM Litoral Paulista & Departamento de Neurologia, Faculdade de Medicina UNIMES, Santos, SP, Brasil.

1 - Acadêmica do 6o ano de Medicina 2 - Professora Titular de Neurologia, MD, MSc, PhD 2 Endereço para correspondência: Universidade Metropolitana de Santos Rua da Constituição 374, CEP 11015-470, Santos, SP, Brasil. Fone/fax: +55-13-32731464 e-mail: [email protected]) Trabalho recebido em 13/09/04. Aprovado em 18/11/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004

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information about triggering factors, without being induced. This group of 48 patients suffering from RRMS consisted of 37 women and 11 men, aged 14 to 64 years. The definite diagnosis of RRMS had first been made one to 24 years ago (average = 7 years). Since then, the number of bouts had varied from two to 12 (average = 4). Stress was mentioned as the main cause of exacerbations by 27 patients, being the only cause for 18 patients. Viral infections were mentioned as possible cause by seven patients, hot weather by two, severe migraine by two, pregnancy by one, depression by one and environmental pollution by one. The identification of triggering factors did not relate to duration of disease, number of bouts, educational level, gender or age. 56% of our RRMS patients spontaneously mentioned stressful life events as important triggering factors for bouts of MS. Prospective studies of this nature, preferably involving several MS centers, should be carried out with a much larger number of patients. Keywords: Multiple sclerosis, Stress, Infection.

INTRODUÇÃO

Esclerose Múltipla (EM) é uma doença autoimune, desmielinizante do sistema nervoso central. Em seu início, é comum o aparecimento de surtos isolados de desmielinização, que se manifestam por sinais e sintomas relacionados às vias afetadas, seguidos de recuperação funcional total ou parcial. Frente a um novo surto de exacerbação da doença, muitos pacientes tentam relacioná-los a situações que os precederam, criando assim uma relação causa-efeito. Charcot já relatava, há mais de um século, que situações pessoais de súbita tristeza e de mudanças sociais poderiam ser desencadeantes de surtos1. É comum observarmos na prática clínica diária que os pacientes portadores de EM relatam situações de estresse como desencadeantes de piora clínica. No entanto, é necessário considerar que, apesar de uma possível relação entre o sistema imunológico e o estresse2,3, não é fácil classificar o tipo ou o efeito do estresse sobre um determinado indivíduo. Alguns estudos mais antigos não mostraram relação entre o estresse e os surtos de EM4,5. Estudos mais atuais, relativamente bem conduzidos, mostraram uma possível relação entre os fatos6-12. É interessante inclusive notar que um estudo mostrou que o estresse excessivo e contínuo de uma situação de guerra, não mostrou relação com exacerbação de surtos13. Embora este último estudo seja de duração relativamente curta, os achados foram interessantes, uma vez que parecia haver mesmo uma relação inversa entre o estresse intenso e crônico com a presença de REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004

novos surtos da doença. A possibilidade da liberação de cortisol endógeno mediante tais situações foi aventada como fator protetor de surtos durante o estresse14. No entanto, outro estudo recente mostrou uma nítida relação entre o estresse da perda de um filho menores de 18 anos e surtos de EM 15 . Continua portanto aberta à questão da relação entre estresse e surtos de EM. Avaliamos um grupo de pacientes brasileiros com a finalidade de observar uma possível relação entre fatores desencadeantes e surtos de EM em nossa população.

MÉTODOS

Pacientes cadastrados no Centro de Referência para Diagnóstico e Tratamento de Esclerose Múltipla do Litoral Paulista (Universidade Metropolitana de Santos e DIR XIX da Secretaria do Estado da Saúde de SP) foram individualmente entrevistados como parte da anamnese. Todos os pacientes entrevistados apresentavam a forma remitente-recorrente de EM (EMRR). Os pacientes podiam fornecer livremente as informações, sem serem induzidos. A entrevista não oferecia alternativas ou opções, sendo os dados obtidos durante a história clínica. Este grupo consistia de 48 pacientes portadores de EMRR, sendo 37 mulheres e 11 homens, com idades variando entre 14 e 64 anos (média = 42 anos). O tempo de educação formal destes pacientes era, em média, de 12 anos (variação = 3 a 16 anos). O diagnóstico definitivo de EMRR havia sido feito entre um e 24

Neur ociências Neurociências anos (média = 7 anos). Durante este período, o número de surtos variou entre dois e 12 (média = 4). A cada paciente foi perguntado se os surtos foram precedidos por algum nítido fator que poderia ser considerado como causal, com intervalo máximo de um mês entre tal acontecimento e as manifestações clínicas.

RESULTADOS

Vinte e sete pacientes (56%) mencionaram que, quando algum fator podia ser identificado como possível desencadeante de surto, este fator parecia ser o estresse. Dezoito pacientes referiam que seus surtos haviam sido desencadeados por situações de estresse moderado a intenso, como perda do próprio emprego ou do emprego do cônjuge, dívidas acumuladas, divórcio, gravidez de filha menor, uso de drogas por filhos adolescentes, e doença grave, cirurgia ou morte de familiares ou amigos próximos. Estes 18 pacientes não se lembravam de outros fatores que pudessem estar relacionados a surtos da doença. Outros nove pacientes relatavam que além do estresse, outros fatores pareciam ter sido desencadeantes de seus surtos, tais como infecções virais, gravidez, e fortes crises de migrânea que duraram vários dias. Oito pacientes referiam que seus surtos tinham se relacionado exclusivamente a infecções virais (cinco pacientes), calor excessivo (dois pacientes), poluentes ambientais (um paciente) e longo período de depressão (uma paciente). Treze pacientes não relacionavam seus surtos a qualquer fator desencadeante. A identificação de possíveis fatores desencadeantes de surtos não se relacionou a idade, sexo, nível cultural do paciente, tempo de doença ou número de surtos.

DISCUSSÃO

Estudos da relação entre estresse e surtos de EM podem, no máximo, apresentar evidência classe II. A falta de um modelo biológico de EM pura em situação de estresse, e a ausência da definição clara de “estesse” nas publicações sobre o tema, apresentam-se como falhas metodo-

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184 lógicas que dificultam a análise dos achados16-19. Além disso, o viés criado por entrevistas retrospectivas diminui a credibilidade dos achados de uma possível relação entre os fatos. O presente trabalho apresenta as mesmas dificuldades metodológicas e se propõe apenas a discutir a impressão de um grupo de pacientes brasileiros. Apesar de todas as críticas aos métodos utilizados por trabalhos nesta linha, não se pode descartar uma observação clínica comum a diversos investigadores. Em estudos publicados por diversos autores e revisados por Goodin16, 56,8% a 79% dos pacientes portadores de EM relacionavam estresse aos surtos. A meta-análise de 20 trabalhos no tema, publicada em 2004 por Mohr17, também sugere associação, embora de fraca evidência, entre os eventos estressantes e os surtos de EM. No presente estudo, observamos que 56% de nossos pacientes espontaneamente relacionavam estresse a surtos de EM, dado semelhante aos dos autores estrangeiros. A exemplo dos casos relatados por outros investigadores, nossos pacientes também relacionaram outros fatores aos surtos, porém nenhum deles foi mencionado tão freqüentemente como o estresse. A proposta de avaliação de mudanças de imagem na ressonância magnética (RNM) dos pacientes portadores de EM em situações de estresse foi aventada por Mohr em 2000 20. Nos casos estudados, foram observadas novas lesões captantes de gadolíneo à RNM até 8 semanas após situações estressantes, mas não houve relação com surtos da doença. Infelizmente, tal método de investigação é excessivamente caro e não poderia ser executado de forma prática em nossa rotina de atendimento. Os autores acreditam que pacientes brasileiros portadores de EM deveriam ser estudados prospectivamente em diversos centros universitários de diagnóstico e tratamento de EM. Um modelo adequado de avaliação seria aquele utilizado por Buljevac et al em 2003 10, avaliando porém uma população muito maior de pacientes, evitando assim parte das dificuldades naquele estudo, causadas pelo alto índice de pacientes perdidos ao seguimento. Apesar das críticas ao trabalho de Buljevac e colaboradores 18,19,21, o modelo de uma avaliação prospectiva cuidadosa

Neur ociências Neurociências é o único que permite concluir o que Charcot já mencionava há mais de 100 anos1 e que nos parece ser a opinião de diversos profissionais que trabalham com EM. Uma avaliação clínica desta

185 natureza pode ser feita de forma prospectiva, incluindo vários centros universitários, e seguindo um grande número de pacientes por um longo período.

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11- Ackerman KD, Stover A, Heyman R, Anderson BP, Houck PR, Frank E, et al. Relationship between cardiovascular reactivity, stressful life events, and multiple sclerosis disease activity. Brain Behavior Immun 2003; 17: 141-151.

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Artigo Original

Respiração de Cheyne-Stokes é pouco reconhecida no paciente internado Cheyne-Stokes breathing is not recognized in a sample of in-hospital patients Sara Regina Delgado de A. Franco1, Esther A. Kubo1, Lucila B. F. Prado2, Gilmar F. Prado3. RESUMO

Contexto. Respiração periódica inclui uma grande variedade de padrões respiratórios. O padrão mais conhecido de respiração periódica é denominado respiração de Cheyne-Stokes (RCS), que é definido como uma respiração em “crescendo e decrescendo” associada a dessaturação da oxihemoglobina. Objetivo. Analisar a prevalência da RCS nas unidades de internação do Hospital São Paulo, as principais doenças a que se associa, comparar a saturação de O2 durante o repouso em pacientes com RCS e pacientes sem RCS, verificar se a equipe médica reconhece o padrão de RCS e se os pacientes com RCS apresentam maior proporção de reinternações e mortalidade após 30 dias. Método. Foram incluídos 10 pacientes com RCS e 10 sem RCS pareados segundo a idade, sexo e doenças de base, observados nas enfermarias Clínicas, de Ortopedia, UTI e Pronto Socorro. Após o reconhecimento do padrão RCS, realizava-se exaustiva busca nos prontuários dos pacientes com a finalidade de se detectar a descrição do padrão respiratório. Obteve-se a saturação de O2 do paciente em vigília e sono. Resultados. Nenhum prontuário mostrou qualquer descrição que sugerisse o reconhecimento da RCS pela equipe clínica onde o paciente era cuidado. A mortalidade e número de reinternações não deferiram entre os grupos com RCS e sem RCS. A saturação de O2 do grupo de pacientes com RCS foi menor que a do grupo de pacientes sem RCS, tanto durante a vigília quanto durante o sono. UNITERMOS: Respiração periódica, Respiração de Cheyne-Stokes, Apnéia central, Sono, Apnéia do sono.

SUMMARY

Background. Periodic breathing refers to a variety of respiratory patterns where the most recognized one is called Cheyne-Stokes breathing (CSB), that is defined as a “crescendo and decrescendo” breathing associated to oxyhemoglobin disaturation. Objective. To analyze the prevalence of CSB at Hospital Sao Paulo wards, diseases associated with CSB, and mostly to verify if medical staff recognized the CSB during in-hospital stay, and also if CSB patients are more allowed to die or be readmitted in the hospital compared to non-CSB patients during 30 days follow-up. Methods. We included 10 CSB and 10 non-CSB patients matched for age, gender and diseases from general, orthopedic, intensive care unit, and emergency room wards. After recognizing CSB pattern we search for any description of CSB pattern on medical records. Oxyhemoglobin saturation was recorded during sleep and wake states. Results. No medical record demonstrates CSB recognition by the clinical staff caring for those patients. Mortality and hospital readmission were not different between CSB and non-CSB. Oxygen saturation for CSB patients was lower than for non-CSB patients, either during the wakefulness and sleep. Keywords: Periodic breathing, Cheyne-Stokes breathing, Central apnea, Sleep, Sleep apnea.

Trabalho realizado no Hospital São Paulo, Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina – UNIFESP-EPM.

1- Fisioterapêuta – Ambulatório de distúrbios do Sono – Disciplina de Neurologia–UNIFESP-EPM. 2- Médica - Ambulatório de distúrbios do Sono - Disciplina Neurologia – UNIFESP-EPM. 3- Professor Adjunto- Disciplinas de Medicina de Urgência e Neurologia - UNIFESP-EPM. Correspondência: Lucila BF Prado Rua Claudio Rossi, 394, Jd da Gloria, São Paulo, SP, Brasil, 01547000 email: [email protected] Trabalho recebido em 28/09/04. Aprovado em 25/10/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004

Neur ociências Neurociências INTRODUÇÃO

Respiração periódica inclui uma grande variedade de padrões de respiração, a qual é modulada de uma maneira regular e cíclica. Um dos padrões mais conhecidos de respiração periódica é denominado Respiração de CheyneStokes (RCS) 1 , identificada pelos médicos “Cheyne” (1818) e “Stokes” (1854) em pacientes com problemas cardíacos e neurológicos respectivamente2. A Respiração de Cheyne-Stokes é definida como uma respiração em “crescente e decrescente” associada à dessaturação de O23. Na Respiração de Cheyne-Stokes, a ventilação pulmonar torna-se mais rápida e mais profunda que a habitual, fazendo com que a pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2) sangüínea diminua, inibindo a ventilação e promovendo apnéia, a qual por sua vez promove elevação da pCO2 e nova resposta hiperventilatória, reiniciando-se o ciclo4. As seqüelas determinadas pelas anormalidades respiratórias durante o sono incluem distúrbios cardiovasculares, como na insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e lesões cérebrovasculares, freqüentemente encontradas no ambiente hospitalar, sendo causa de agravamento da doença primária com conseqüente aumento da mortalidade5,6.

Fisiologia do controle da respiração A freqüência, a profundidade e o padrão da respiração são determinados pela contração coordenada do músculo diafragma e de músculos da caixa torácica, do abdome e das estruturas circundantes, refletindo a integração de informação com origem em múltiplas regiões superiores do sistema nervoso central, em receptores quimiossensíveis localizados dentro do sistema nervoso central e também na croça da aorta e nas artérias carótidas, em receptores neurais localizados no próprio pulmão, em mecanorreceptores neurais localizados na pele, faringe, laringe e vias aéreas e em outros receptores localizados dentro da cavidade torácica7. O termo controle da ventilação refere-se à geração e regulação cíclica da respiração pelo centro respiratório no tronco cerebral e sua modificação pelo influxo de informações provenientes dos centros cerebrais superiores e dos receptores sistêmicos. O componente central

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187 desse sistema reside no bulbo e recebe a designação de centro de controle respiratório, que é um conglomerado de vários grupos anatomicamente distintos de células nervosas que agem gerando e modificando o padrão ventilatório rítmico básico. A atividade do córtex cerebral, hipotálamo, sistema límbico e cerebelo podem modificar o padrão ventilatório em resposta a estímulos visuais, emocionais, dolorosos ou motores voluntários7. Células quimiorreceptoras especializadas, localizadas nos corpúsculos aórticos e na bifurcação das artérias carótidas, captam a pressão parcial de oxigênio (pO 2), a pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2) e o potencial hidrogeniônico (pH) do sangue arterial, sendo transmitida de volta aos núcleos de integração bulbares através dos nervos cranianos. A informação vinda dos corpúsculos carotídeos trafega pelo nervo do seio carotídeo, que é um ramo do nervo glossofaríngeo. Os quimiorreceptores localizados abaixo da superfície ventrolateral do bulbo (quimiorreceptores centrais) identificam as mudanças na relação da pressão arterial de oxigênio e pH (PaCO2/pH) do líquido intersticial do tronco cerebral, determinando o impulso (drive) ventilatório8. O sistema de controle respiratório regula a ventilação minuto na tentativa de controlar a PaCO2 arterial e conseqüentemente o pH dentro da variação normal. Mudanças na pCO2 arterial são identificadas pelos quimiorreceptores tanto centrais quanto periféricos, que transmitem estas informações aos centros respiratórios bulbares, onde são integradas pelo Sistema Nervoso Central (SNC) em uma síntese que resulta no comando ventilatório. A presença tanto de hipercapnia quanto de hipoxemia pode exercer um efeito aditivo sobre a ação dos quimiorreceptores e a resultante estimulação ventilatória8. Fisiopatologia A respiração de Cheyne-Stokes é uma forma de apnéia central e é freqüentemente associada à interrupção do sono e hipoxemia 9. Na RCS, numerosas condições diferentes podem se sobrepor à diminuição do mecanismo de feedback, promovendo oscilação de um padrão ventilatório anormal. A demora do tempo do fluxo sangüíneo dos pulmões para o cérebro não pode atuar de modo satisfatório para bloquear o

Neur ociências Neurociências feedback, pois os gases do sangue podem mudar drasticamente antes que o centro respiratório identifique esse aumento. Em conseqüência, o ganho eficaz do circuito de feedback está muito aumentado e o sistema oscila espontaneamente4. Lesão do tronco cerebral pode gerar aumento do ganho de feedback dos mecanismos do centro respiratório para controle da respiração por alterar a PaCO2 e o pH sangüíneo. Isso significa que uma alteração mínima de concentração em um ou dois fatores humorais produz uma drástica alteração da ventilação. O centro respiratório, muitas vezes, encontra-se intensamente deprimido, embora o ganho seja muito alto. Conseqüentemente, o sistema de controle respiratório pode oscilar para frente e para trás, entre apnéia e respiração, padrão típico da RCS. Esse efeito provavelmente explica porque muitos pacientes com lesão cerebral desenvolvem um tipo de RCS4. As alterações diretas no sistema de controle respiratório ou no sistema neuromuscular respiratório geralmente resultam numa Síndrome de Hipoventilação Alveolar Crônica, manifestada por algum grau de hipercapnia durante o dia. Entretanto essas alterações tornam-se evidentes somente durante o sono, onde a influência de estímulos comportamentais, corticais e reticulares para células nervosas do tronco cerebral é minimizado e a respiração torna-se criticamente dependente da alteração metabólica no sistema de controle respiratório10. O desenvolvimento da Respiração de CheyneStokes em pacientes com ICC pode acelerar a deterioração na função cardíaca e elevar a mortalidade, possivelmente também com o aumento da atividade do Sistema Nervoso Simpático9. Alguns fatores influenciam a produção de RCS na ICC. A circulação lenta na ICC já aumenta o retardo de tempo para transmissão de sangue dos pulmões para o cérebro, diminuindo a eficácia do sistema. O volume do coração esquerdo, uma vez aumentado, aumenta o tempo de circulação dos pulmões para o cérebro. Combinando esse fator com a velocidade lenta do fluxo sangüíneo, o tempo retardado dos pulmões para o cérebro pode aumentar até seis vezes e o intervalo total aumenta de 30 a 60 segundos, contrastando nitidamente com o normal que é de 5 a 10 segundos11. A variação na flutuação da ventilação, que sofre alterações no Sistema Nervoso Central, depende

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188 da diferença entre os valores de PaCO2 na vigília ou no sono. Qualquer fator que aumente essas variáveis, aumenta a tendência para a Respiração Periódica e Apnéia Central do Sono9,12. A perda da estimulação comportamental da respiração na transição da vigília para o sono tem um papel importante na patogênese da Respiração de Cheyne-Stokes. É possível que o próprio sono seja um estado vulnerável para estes pacientes que desmascara diferenças mais sutis na função cardíaca que não estão aparentes durante a vigília9. Considerando os eventos fisiopatológicos implicados na respiração de Cheyne-Stokes, salientamos a necessidade de que a mesma seja reconhecida em todos os pacientes, pois intervenções terapêuticas podem ser necessárias para minimizar seus efeitos adversos e reduzir riscos de complicações nos pacientes. Nossa hipótese é de que o corpo clínico (médicos residentes, enfermagem, fisioterapêutas, e demais profissionais envolvidos no cuidado dos pacientes) apresenta uma baixa percepção deste fenômeno, expressa por ausência de condutas e considerações específicas para tal quadro clínico ou mesmo o registro do fenômeno no prontuário do paciente. Este estudo tem como objetivos: 1Analisar a prevalência da Respiração de CheyneStokes nas unidades de internação e nos diferentes diagnósticos, 2-Comparar a saturação de O2 durante o repouso em pacientes com RCS e pacientes sem RCS, 3-Verificar se a equipe médica reconhece o padrão de RCS, 4-Verificar se pacientes com Respiração de Cheyne-Stokes apresentam maior proporção de reinternações e mortalidade após 30 dias. MATERIAL E MÉTODO

Foram incluídos 20 pacientes, sendo 10 do grupo de estudo com RCS (nove do sexo masculino e 1 do sexo feminino), com idades entre 47 e 87 anos e 10 pacientes do grupo controle (oito do sexo masculino e 2 do sexo feminino), entre 47 e 88 anos de idade, pareados segundo a idade, sexo e doenças de base. Os pacientes dos grupos estavam conscientes e em respiração espontânea durante o repouso no leito. Pacientes dependentes de Ventilação Assistida, crianças e pacientes comatosos foram excluídos. A avaliação e os dados foram colhidos nas Enfermarias Clínicas, Enfermaria de Ortopedia e UTI do Pronto

Neur ociências Neurociências Socorro do Hospital São Paulo. Os pacientes do grupo estudo e controle foram selecionados durante o período noturno, na fase de sonolência e sono espontâneo. A avaliação foi feita através de observação à beira do leito, onde, após o reconhecimento do padrão respiratório (RCS), verificava-se a saturação do paciente sem apnéia, o tempo em segundos da permanência em apnéia, a saturação de O2 mínima, a queda da saturação de O2 mínima durante a apnéia e o número de ciclos respiratórios em um período de cinco minutos. Para avaliação da saturação de O 2, utilizamos oxímetro Nonin Medical Inc-Model 9500. Este processo foi igual nos pacientes sem a Respiração Cheyne-Stokes (Grupo controle). Para avaliação posicionou-se o oxímetro de pulso em uma de suas extremidades (uma falange distal de um dos membros superiores), verificou-se a saturação inicial, a contagem do ciclo de apnéia, duração em tempo das apnéias e a oximetria mínima durante a apnéia, num período total de 5 (cinco) minutos. A avaliação era interrompida quando os pacientes entrassem na fase de vigília, por causa do desaparecimento do padrão respiratório. No grupo estudo, cinco pacientes eram dependentes de oxigenioterapia (entre quatro a sete litros de O2 por minuto) e, durante a contagem dos ciclos respiratórios e apnéia, não foi retirada a oxigenioterapia. Para levantamento dos dados foi elaborada uma ficha de avaliação que constava de dados pessoais, diagnósticos, exames laboratoriais, número de ciclos de apnéia (em cinco minutos), duração das apnéias, oximetria inicial e final e se havia o reconhecimento do padrão respiratório pela equipe multidisciplinar. Após um período de trinta dias, os dados de cada paciente foram novamente colhidos para a verificação dos desfechos reinternação e mortalidade, tanto do grupo estudo quanto do grupo controle através de contato telefônico com os pacientes e familiares (Tabelas 1 e 2). Os dados foram analisados através de estatística descritiva e as médias dos valores de saturação durante o sono e vigília foram comparadas através do teste T de Student. O nível de significância adotado foi p≤0,05. RESULTAD0S

A saturação de O 2 (Tabela 1) durante a avaliação inicial do paciente em vigília com RCS foi em média 95,8% e durante a sonolência e sono (fase apnéica) 89,4% (p
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