Programa Fútbol Para Todos: uma análise das relações entre o jornal Clarín, o governo Kirchner e a Asociación del Fútbol Argentino no contexto da midiatização
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO
PROGRAMA FÚTBOL PARA TODOS: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE O JORNAL CLARÍN, O GOVERNO KIRCHNER E A ASOCIACIÓN DEL FÚTBOL ARGENTINO NO CONTEXTO DA MIDIATIZAÇÃO
MONOGRAFIA DE GRADUAÇÃO
Eduardo Covalesky Dias
Santa Maria, RS, Brasil 2011
PROGRAMA FÚTBOL PARA TODOS: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE O JORNAL CLARÍN, O GOVERNO KIRCHNER E A ASOCIACIÓN DEL FÚTBOL ARGENTINO NO CONTEXTO DA MIDIATIZAÇÃO
por
Eduardo Covalesky Dias
Monografia de Conclusão de Curso apresentada no Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo.
Orientadora: Profª. Drª. Viviane Borelli
Santa Maria, RS, Brasil 2011
Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Ciências da Comunicação Curso de Comunicação Social – Jornalismo
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia de Graduação
PROGRAMA FÚTBOL PARA TODOS: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE O JORNAL CLARÍN, O GOVERNO KIRCHNER E A ASOCIACIÓN DEL FÚTBOL ARGENTINO NO CONTEXTO DA MIDIATIZAÇÃO elaborada por Eduardo Covalesky Dias
como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo.
COMISSÃO EXAMINADORA:
Profª. Drª. Viviane Borelli (UFSM) (Presidenta/Orientadora)
Prof. Dr. Antônio Fausto Neto (Unisinos)
Profª. Drª. Rejane de Oliveira Pozobon (UFSM)
Santa Maria, 02 de dezembro de 2011.
Gol e marxismo Era sábado. Deus se entregou manso a uma boa siesta. Mas logo se encontrou sonhando algo incompreensível e nada tranqüilizador – seu Avô dizia: - Eu estive antes que seu Pai, que esteve antes que Tu. Não és a origem de tudo. Que a onipotência não te cegue... Justamente aqui Deus foi despertado por um solavanco daqueles. Desassossegado, perguntou a seu anjo de turno: - Que porra foi essa? - Gol do Nueva Chicago. - Mas hoje é sábado! - Meu Deus, nos sábados tem a Primera B. - O que é isso de Primera B? - É o campeonato dos clubes pequenos que aspiram a ser grandes para jogar aos domingos e logo se fundirem. - E é possível que os alaridos sejam tão intensos a ponto de me despertarem? - É possível, meu Deus. Quando se grita gol se grita sem ver a quem. O gol do milionário é tão intenso quanto o gol do paupérrimo. Igualdade, igualdade e igualdade, meu Deus. - Me parece que estás te tornando marxista... Diga-me, ultimamente, com quem estás te juntando? - Com “el flaco”. - De quem está falando? - De Jesus. - Ah, era o que temia. Esse marxista. (Rodolfo Braceli)
AGRADECIMENTOS
Se o diploma fosse um título, ele seria a Libertadores. É o mais suado, precisa ser grande, ter camisa e raça. Depois que se conquista, se torna um gigante. Então essa é a hora para agradecer ao professor, à diretoria e aos colegas que confiaram no meu trabalho. O melhor de tudo isso: só esse título habilita para que se conquiste o mundo. Agradeço a meus pais: sustentaram os problemas, formaram o plantel e equilibraram as contas, mesmo que agissem sempre com amor na administração. Agradeço a minhas irmãs: auxiliaram, discutiram, aconselharam e mantiveram a união e a boa gestão da família, base que sustenta qualquer imprevisto. Agradeço à UFSM: onde me sinto em casa, ambiente de diversidade e de formação humanística que fará toda diferença na minha carreira. Agradeço à Rádio Universidade: aos técnicos e jornalistas, devo toda visibilidade e toda experiência que adquiri por quase três anos de convívio. Agradeço ao Radar Esportivo: aos colegas que terão muito sucesso no jornalismo esportivo, aos que já estão conquistando, à disciplina, às noites maldormidas de sexta-feira e aos inúmeros momentos de risada e seriedade, nem sempre alternados com moderação. Agradeço às diretorias do DACOM 2008 e 2009: parte importante da vida acadêmica, convívio ideal para o crescimento político que o ambiente universitário ainda proporciona, embora se crie tanta resistência a quem luta por direitos estudantis. Agradeço a minha orientadora Viviane, que desde 2007 acompanha meus passos, e através dela agradeço aos meus professores da UFSM e da Unifra. Aos meus amigos: Marcelo, Saul, Laura, Larissa, Daniel, Sagita, Luísa, Anderson, Iuri, Porto, Yuri, Valério, Michelle, Santiago, Paulo e Bernardo, porque cada um fez a diferença na risada, no sentimento, na indiada, no estudo e no convívio. Aos coiós, aos bixos, aos veteranos, à velha guarda de 2006, aos amigos da Unifra, aos amigos do futebol, aos parentes. A tantos que foram e seguem sendo importantes, e talvez não tenham noção do que representaram. Fico feliz com a vitória e também por agradecer a todos que ajudaram para isso, pois a conquista é do grupo e para a torcida. Agora é hora de comemorar, mas amanhã já vamos focar e trabalhar com humildade para garantir uma boa atuação na sequência da temporada. Vamos fazer o possível para conquistar o Mundial.
RESUMO Monografia Departamento de Ciências da Comunicação Universidade Federal de Santa Maria
PROGRAMA FÚTBOL PARA TODOS: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE O JORNAL CLARÍN, O GOVERNO KIRCHNER E A ASOCIACIÓN DEL FÚTBOL ARGENTINO NO CONTEXTO DA MIDIATIZAÇÃO Autor: Eduardo Covalesky Dias Orientadora: Viviane Borelli Santa Maria, 02 de dezembro de 2011.
O trabalho tem por objetivo analisar as relações entre os campos esportivo, político e midiático na Argentina durante o processo de implantação do programa governamental Fútbol para Todos, em 2009. As relações estão inseridas no contexto da sociedade em processo de midiatização, e a partir da análise semiológica, estudam-se as ações, as negociações e os conflitos ocorridos desde o início da crise até a repercussão da oficialização do convênio. Foram analisados dispositivos de enunciação de matérias publicadas no jornal Clarín e notícias e discursos publicados nos websites da Asociación del Fútbol Argentino e da Casa Rosada de 23 de julho a 22 de agosto de 2009. As investigações de Luis Majul (2009) e Graciela Mochkofsky (2011) auxiliam no entendimento da conjuntura política e econômica que envolve os três campos paralelamente à cobertura midiática.
Palavras-chave: midiatização; campos sociais; campo midiático; futebol; Argentina; Kirchner.
ABSTRACT Monography Communication Sciences Department Universidade Federal de Santa Maria
FOOTBALL FOR EVERYONE PROGRAM: AN ANALYSIS OF THE RELATIONS BETWEEN DAILY CLARÍN, KIRCHNER GOVERNMENT AND ARGENTINE FOOTBALL ASSOCIATION IN A MEDIATIZATION CONTEXT Author: Eduardo Covalesky Dias Advisor: Viviane Borelli Santa Maria, december 02 2011.
The aim of this work is to analyze the relations between the sports, political and media fields in Argentina during the process of implementing the Football for Everyone government program, in 2009. The relations are inserted in the context of society in mediatization process, and from the semiotic analysis, we study the actions, negotiations and conflicts that have occurred since the start of the crisis until the impact after the formalization of the deal. We have analyzed enunciation devices of articles published in the daily Clarín and speeches and news published on the websites of Asociación del Fútbol Argentino and Casa Rosada, from July 23 to August 22 2009. The researches of Luis Majul (2009) and Graciela Mochkofsky (2011) help to understand the political and economic conditions surrounding the three fields parallel to media.
Keywords: mediatization, social fields, media field, football, Argentina, Kirchner.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9 1
FUTEBOL E POLÍTICA: RELAÇÕES COMPLEXAS .................... 14 1.1
O futebol na Argentina ............................................................................ 16
1.2
Início da cobertura esportiva .................................................................. 17
1.3
Peronismo e Kirchnerismo ...................................................................... 21
1.3.1
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O PROCESSO DE MIDIATIZAÇÃO DA SOCIEDADE .................. 28 2.1
Conceitos e gênese dos campos sociais ................................................... 28
2.1.1 2.2
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A apropriação política .......................................................................... 25
Função e características do campo midiático ..................................... 32
Midiatização: abordagens teóricas ......................................................... 36
ANÁLISE DA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA FÚTBOL PARA TODOS ....................................................................................................... 44 3.1
Estratégias metodológicas........................................................................ 44
3.2
Definição do corpus .................................................................................. 47
3.3
As relações em cinco episódios ................................................................ 49
3.3.1
Episódio 1 – A exigência da FAA: salários em dia ........................... 49
3.3.2
Episódio 2 – AFA busca solução: negociar com TV e Estado.......... 54
3.3.3
Episódio 3 – Quebra de contrato com a TV ....................................... 57
3.3.4
Episódio 4 – A negociação do Governo com a AFA ......................... 62
3.3.5
Episódio 5 – A oficialização do acordo AFA/Estado ........................ 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 76 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 82
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INTRODUÇÃO A apropriação do esporte como ferramenta de promoção política, ganho de imagem e plataforma publicitária de governos é antiga. Na Copa de 1978, realizada na Argentina, a ditadura militar, no comando do General Videla, é suspeita de ter negociado resultados de partidas em favorecimento à vitória dos donos da casa. Inúmeras fraudes e escândalos de corrupção foram denunciados no decorrer da história da FIFA e das Federações de futebol, como recentemente o esquema de compra de votos denunciado por jornalistas ingleses, que envolveria a eleição dos países-sede das Copas do Mundo de 2018 e 2022. As implicações do futebol em outros campos sociais são significativas, mas pouco estudadas. O círculo de influências do futebol envolve muitos deles: economia (a FIFA estima que o esporte movimenta 1% do PIB mundial, tornando-o um dos setores mais importantes da economia mundial); midiático (o futebol na televisão alcança as maiores pontuações de audiência em vários países); político (favorecimentos em prol de clubes, incentivos fiscais, lobistas nos Congressos Nacionais); sociológico (estudos sobre o futebol como estratégia de ascensão e inclusão social, análises sobre o esporte como metáfora da sociedade); esportivo (o futebol e suas regras, suas táticas, suas exigências de competitividade e alto rendimento). Além desses campos, que serão analisados nesse trabalho de forma direta ou indireta, há ainda o campo médico, o pedagógico, o da biomecânica, também envolvidos na complexidade das relações entre campos numa sociedade em processo de midiatização. Este trabalho se propõe a fazer um estudo das relações entre os campos político, midiático e esportivo a partir da mudança implementada pelo Estado nos direitos de transmissão do futebol argentino. Nota-se que o campo político assume a mediação de uma prática social específica, o esporte, a partir de uma visão estratégica e econômica. Há uma carência de estudos nessa área no Brasil, e até mesmo na Argentina por se tratar de um caso que não necessariamente faz parte de uma área específica. Há jornalistas argentinos como Majul (2009) e Mochkofsky (2011) que publicaram recentemente livros em que abordam a relação do governo Kirchner com o Grupo Clarín, mostrando especialmente entrevistas com atores que fizeram parte desse contexto e também alguns episódios que ocorreram nos bastidores. Suas obras vão ser utilizadas para o estudo com o intuito de traçar uma análise paralela, de contexto, que
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seja possível entender como caminharam as duas histórias: a cobertura jornalística do Clarín e as negociações que aconteciam fora do domínio público. O estudo propõe abordar questões sociológicas – o populismo argentino na figura de Néstor Kirchner, as especificidades do futebol para o país, as relações do governo com o presidente da Asociación del Fútbol Argentino (AFA) –; midiáticas – o monopólio do Grupo Clarín na Argentina, a relação do grupo com o governo, os interesses da empresa em se aproximar da Casa Rosada e as razões para o conflito começar – e esportivas – a reivindicação de salários feita pela Futbolistas Argentinos Agremiados (FAA), sindicato dos jogadores de futebol, a aproximação de Julio Grondona com o governo, a mediação com os clubes e o rompimento de contrato com a Tele Red Imagen S/A (TRISA), empresa controlada igualitariamente entre o Grupo Clarín e a TyC Sports. Desde 2003, o Clarín, através de seus meios, manteve-se como apoiador de Néstor Kirchner, em função de interesses comerciais e em consonância com o crescimento econômico proporcionado pela gestão “K”. Em 2007, Cristina foi eleita presidenta no primeiro turno, com 45% dos votos, e com a intenção de garantir uma gestão sem percalços por parte da imprensa, Néstor Kirchner permitiu uma fusão entre a Cablevisión e a Multicanal, empresas de TV a cabo que juntas representariam na época 47% do mercado argentino do setor (LINS, 2009). A assinatura que admitia a fusão foi dada no último dia de mandato de Kirchner, dia 7 de dezembro de 2007, e foi formalizada pelo ministro do Comércio, Guillermo Moreno. Um acordo que, segundo Majul (2009), fazia parte de uma crença de Néstor de que a empresa deveria proporcionar anos de trégua à gestão. Conforme o autor, Kirchner diz: “Eu dou parte do que Clarín busca e Magnetto me deixa governar tranquilo” (MAJUL, 2009, p. 381). Héctor Magnetto é o proprietário majoritário do Grupo Clarín, dono de 82% das ações da empresa. A dissonância entre o Grupo Clarín e o governo Kirchner se tornou mais evidente a partir de 2008, quando no primeiro ano de mandato a presidenta Cristina determinou um aumento nos impostos sobre exportação de grãos da Argentina. Majul (2009), no entanto, relata que o conflito teria começado antes, quando se descobriu que o Governo tinha informações privilegiadas da capa do jornal do dia seguinte, repassadas por um jornalista infiltrado na redação do Clarín. O país vivia um crescimento econômico desde 2003, ano de posse do presidente Néstor Kirchner, impulsionado pelo setor agrícola e pela demanda industrial brasileira. O aumento nos impostos foi uma
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forma que o governo criou para se utilizar dos lucros de um setor em franca expansão e aumentar o superávit fiscal. A maior crise na gestão de Cristina foi agravada por três fatores: a queda da popularidade da presidenta, o apoio concedido pelo seu vice à bancada ruralista que criticava a medida governamental e o favorecimento do Clarín às manifestações agrárias. Dos fatores, destaca-se o embate entre o Clarín e o governo, que até então conviviam no âmbito público de forma pacífica. O confronto motivou os primeiros discursos de ataque por parte de porta-vozes oficiais, ministros e também do casal Kirchner (MOCHKOFSKY, 2011). O que decorre a partir daí são duas histórias distintas: a que é contada a partir de investigações, representadas nos livros de Majul (2009) e Mochkofsky (2011), dentre outros autores que tiveram acesso a fontes ligadas ao casal presidencial; e a história que é divulgada pelas mídias, na cobertura diária. Na primeira, os interesses comerciais que envolvem o Grupo Clarín e os bastidores das negociações e dos conflitos são aprofundados. A segunda é a que vem a se tornar de conhecimento público, sem os interesses manifestos do Clarín como conglomerado comunicacional e dentro de critérios inerentes ao campo midiático. A versão descrita pelos jornais e pelas assessorias de imprensa das instituições envolvidas é a que analisaremos, sem deixar de lado as relações políticas relatadas por Majul (2009) e Mochkofsky (2011) para que possamos compreender como o processo de midiatização afetou as relações entre esses campos no contexto específico da implantação do programa Fútbol para Todos (FPT). Além do interesse em realizar uma pesquisa que tenha uma intersecção com campos sociais distintos, procura-se expandir os estudos em comunicação para além dos meios em si. A pesquisa problematiza as intersecções entre campos midiático, político e esportivo representados por Grupo Clarín, governo Kirchner e Asociación del Fútbol Argentino a partir das relações decorrentes do referido programa. O governo argentino usou a compra dos direitos de transmissão do futebol como pretexto para coibir o crescimento do que considera ser um monopólio midiático no país. O argumento centrado na importância de proporcionar o acesso ao futebol para todos os argentinos é uma justificativa com o intuito de dar uma representação ética para a ação. Cristina Kirchner e seu marido Néstor Kirchner negociaram os direitos de transmissão com o objetivo de melhorar a imagem do governo após a derrota nas
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eleições legislativas, e para isso usaram uma medida tipicamente populista para angariar apoio junto à população. Em 10 de outubro de 2009, foi implementada a Nova Lei de Meios Audiovisuais da Argentina. O documento substituía a antiga lei, do tempo da ditadura, e instituía medidas aparentemente mais democráticas para a distribuição midiática no país, incluindo a garantia de acesso universal a encontros futebolísticos ao vivo e de maneira gratuita em todo o território nacional. O projeto foi aprovado na íntegra, sem alterações do texto original, às pressas, já que ao fim de 2009, a situação não teria mais a maioria no Congreso Nacional. Conforme a investigação de Majul (2009), o governo agiu, incitou a greve da FAA pelos salários atrasados por intermédio da AFA, entrou em negociação com Julio Grondona e tirou o Grupo Clarín de um negócio que envolvia mais de um bilhão de pesos. Essa série de ações foi planejada para melhorar a imagem do governo. Diante desse contexto e do objeto de pesquisa aqui delimitado, tem-se a seguinte questão: como se dá as relações entre governo Kirchner, AFA e Grupo Clarín no contexto da instituição do programa Fútbol para Todos numa sociedade em processo de midiatização? A partir de pré-observações, nota-se que durante a negociação para a instituição do programa governamental Fútbol para Todos as relações do campo midiático com o político e o esportivo mudam. A Presidência da República cria um programa de televisão com o mesmo nome do decreto governamental, o que denota a intenção de aproximar o futebol dos argentinos através de processos de midiatização. Já o campo esportivo, que naquele momento enfrentava crise financeira e lutava por uma renegociação nos valores dos direitos de transmissão através da AFA, aproxima-se do Governo e entra em consonância com o discurso presidencial. O Grupo Clarín é atingido pela medida, o que implica em mudanças nos seus modos de enunciação sobre o governo argentino e também sobre o futebol. O estudo é singular e compreende-se que para além das questões estritamente políticas e econômicas há um “caso midiático” para ser estudado, ou seja, o programa Fútbol para Todos (FPT) é transformado num amplo acontecimento, ganhando distintos desdobramentos por parte do jornal Clarín, pertencente ao Grupo que detinha os direitos de transmissão televisiva. Trata-se de uma problemática de campos que a partir de ações específicas passam a estabelecer diálogos uns com os outros, por vezes negociando, mas também passando por momentos de tensionamentos e conflitos.
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O objetivo central é analisar as relações entre Grupo Clarín, governo Kirchner e AFA e que decorrem da instituição do programa Fútbol para Todos. Serão analisadas matérias publicadas nos websites da AFA e da Presidência da República e reportagens veiculadas no jornal Clarín (disponíveis na íntegra na internet) a respeito das negociações entre a AFA (e seus representados), o Grupo Clarín (e seus holdings, detentores dos direitos de transmissão do futebol) e o governo Kirchner, no contexto da implantação do programa governamental. O período compreende o intervalo de 23 de julho a 22 de agosto de 2009. Para analisar esse material, recorre-se a algumas estratégias descritas pela Análise Semiológica proposta por Eliseo Verón (2005), com as devidas adaptações ao objeto e ao contexto da problemática explicitada. No primeiro capítulo, trata-se do futebol como fenômeno complexo e aprofundase algumas vertentes teóricas que falam sobre o esporte, desde a crítica por parte da indústria cultural até a influência dos estudos culturais aplicando-o à realidade argentina. Para isso, resgata-se a história da criação da AFA. Ao aliar o futebol ao campo político, relata-se alguns casos de apropriação política por parte de governos, fazendo-se um perfil de dois governos argentinos que usam o esporte como plataforma de promoção: o Peronismo, de Juan Domingo e Eva Perón, e o Kirchnerismo, de Néstor e Cristina Kirchner, ambas correntes do Partido Justicialista (PJ). No segundo capítulo discute-se os conceitos teóricos centrais para a pesquisa, como o de campos sociais, proposta por Pierre Bourdieu, suas aplicações ao campo midiático, teorizadas por Adriano Duarte Rodrigues, e os estudos sobre o processo de midiatização da sociedade, principiados através de Maria Cristina Mata, Pedro Gomes, Eliseo Verón e Antônio Fausto Neto. Analisa-se as relações entre os campos e, para isso, divide-se em cinco episódios. O material de análise contém 34 matérias publicadas no jornal Clarín, das quais se analisou os dispositivos de enunciação antetítulo, título e subtítulo. Outras oito matérias são retiradas do website da AFA e da Casa Rosada, nas quais são analisados os discursos e a construção da notícia por parte das assessorias de imprensa.
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1 FUTEBOL E POLÍTICA: RELAÇÕES COMPLEXAS O primeiro capítulo aborda o futebol a partir de sua análise sociológica, bem como contextualiza o cenário político argentino e a popularização do esporte no país. Busca-se também direcionar a análise da apropriação política desse esporte pelo atual governo na Argentina. Para isso, resgatam-se ações realizadas no governo de Juan Domingo Perón, precursor do Partido Justicialista do qual hoje faz parte a presidenta Cristina Kirchner, bem como fez parte Néstor Kirchner, para traçar uma relação entre as apropriações do futebol como plataforma de popularização na história dos governos populistas da Argentina. Ao pesquisar o futebol argentino sob a perspectiva dos estudos culturais, consequentemente distanciado da influência da indústria cultural, conforme Giulianotti (2002) e Franco Júnior (2007), Pablo Alabarces aborda as peculiaridades que o futebol trouxe na constituição da identidade e da subjetividade do povo do país. Conforme o autor, “o esporte se sobrepõe a situações identitárias chaves: a socialização infantil, a definição de gênero – a masculinidade – a conversação cotidiana, a constituição de coletivos” (ALABARCES, 1998, p. 75). A intenção do autor é introduzir o pensamento sobre o futebol não só como entretenimento, mas também insistir na validade da busca pelo espaço de escape, das possibilidades de fuga do econômico-produtivo. O campo esportivo no qual faz parte o futebol tem uma autonomia relativa. Como disserta Bourdieu (1983):
A autonomia relativa do campo das práticas esportivas se afirma mais claramente quando se reconhece aos grupos esportivos as faculdades de autoadministração e regulamentação, fundadas numa tradição histórica ou garantidas pelo Estado: estes organismos são investidos do direito de fixar as normas de participação nas provas por eles organizadas, de exercer, sob o controle dos tribunais, um poder disciplinar (exclusões, sanções, etc.), destinado a impor o respeito às regras específicas por eles editadas. (BOURDIEU, 1983, p. 5)
Franco Júnior (2007) mostra o antagonismo em relação a duas correntes de pensamento. Uma delas é a interpretação sociológica do esporte como o “ópio do povo”, mas o oposto caracteriza a segunda corrente, que prega que se o futebol “afasta o homem da reflexão e da contestação, dificultando as transformações políticas e sociais,
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a atividade mais alienante é o trabalho, como tem sugerido a sociologia do lazer” (2007, p. 167). O futebol tem a capacidade de canalizar esperanças e frustrações da sociedade para certos espaços e certos momentos. Pelo caráter coletivo, o futebol se assemelha mais a festas populares, festivais musicais, passeatas. No entanto, ressalta Franco Júnior (2007), ele possui uma intensidade de adesão e um envolvimento emocional que o destacam. Esse envolvimento que o futebol proporciona fica mais evidente quando se toma como exemplo o uso que a política faz do esporte. Tomando por base o caso argentino, acontecimentos que foram propagandeados pelo governo de Perón, ou o projeto mundialista de Jorge Videla, expressam a ideologia que o governo quer desenvolver perante a sociedade. Porém, essa ideologia é atribuída de maneira simbólica ao futebol, conforme Rinaldi (2000):
O futebol, uma das formas simbólicas, não é ideológico em si mesmo, mas se torna, na medida em que é utilizado em um determinado contexto social no sentido de transparecer valores e verdades de uma determinada concepção que se pretende tornar hegemônica. (RINALDI, 2000, p. 169)
À medida que o futebol caía no gosto popular, foi se acelerando no mesmo ritmo sua utilização como instrumento político. Segundo Franco Júnior (2007), de início a política informal, e cada vez mais a política institucional penetrou no mundo do futebol. “Políticos de todos os matizes perceberam a imensa capacidade que ele tem de mobilizar sentimentos coletivos, sejam eles grupais, regionais ou nacionais” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 168) Na base de todos esses usos do futebol, autoritários ou democráticos, há sempre um mesmo elemento – o nacionalismo. O futebol nasceu em ambientes restritos, como escolas e universidades inglesas, mas à medida que ultrapassava esses limites, começava a encontrar um ambiente global, e era contaminado pelo forte nacionalismo. De acordo com Franco Júnior (2007, p. 173), “no mundo posterior, em que a padronização cultural foi diminuindo as diferenças entre os povos, parte do sentimento de identidade nacional deslocou-se para o futebol. No caso de Estados constituídos, a seleção nacional reafirma aquela identidade”.
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Diante do objetivo central da pesquisa que visa analisar as relações entre Clarín, governo Kirchner e AFA a partir da instituição por parte do governo argentino do programa Fútbol para Todos apresenta-se na sequência alguns conceitos sobre a origem do futebol e o seu desenvolvimento na Argentina.
1.1 O futebol na Argentina O futebol foi criado na Inglaterra, como uma dissidência do rúgbi, mas praticado predominantemente com os pés. Ele chegou à Argentina em 1840, nas mãos de ingleses que buscavam na América do Sul uma vida melhor. De acordo com a Asociación del Fútbol Argentino (2011), em 20 de junho de 1867 houve a primeira partida de futebol na Argentina. Em maio do ano seguinte, um grupo de sócios do Buenos Aires Cricket Club, encabeçados pelos irmãos Thomas e James Hogg resolveram convocar por intermédio de um aviso no diário The Standard pessoas a uma reunião para propulsar a prática do futebol. O jogo aconteceu no dia 9 do mesmo mês, num confronto entre “colorados” e “blancos” do recém-criado Buenos Aires Football Club. Segundo a AFA, na ocasião, Thomas Hogg, eufórico, disse: “é o melhor passatempo, o mais fácil e o mais barato para a juventude da classe média e para o povo” (AFA, 2011) 1, mas até então só os ingleses em seus clubes exclusivos o jogavam. Entre 1880 e 1882 chegaram à Argentina cerca de 500 mil imigrantes e um deles, Alejandro Watson Hutton, levava bolas de futebol. Hutton era um britânico nascido em Glasgow, Escócia, graduado em humanidades pela Universidade de Edimburgo. Em 1882, desembarcou no país para trabalhar no colégio Saint Andrew. Ali, implantou a prática esportiva e a cultura física. O interesse pelo futebol cresceu entre os alunos, mas sua relação com as autoridades do colégio se deteriorou. Esse feito o levou a sair da escola e fundar a English High School, base do Alumni, o time mais vitorioso do futebol argentino na época do amadorismo. Em 1891, a Argentine Association Football League foi encarregada de organizar o primeiro campeonato de futebol que se disputou em Buenos Aires. O presidente da associação era F. L. Wooley. Conforme a AFA (2011), o torneio foi conquistado pelo Saint Andrew, sobre outras cinco equipes participantes. A Liga teve pouca duração, pois não contava com o apoio do Quilmes Rowers, clube fundado por Alejandro Hutton. 1
Disponível em: http://www.afa.org.ar/index.php?option=com_content&view=article&id=7793&Item id=128. Acesso em 01/09/2011.
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Principal impulsor do futebol no país, Hutton é considerado “o pai do futebol argentino”. Em 21 de fevereiro de 1893, Hutton fundou (ou re-criou) a Argentine Association Football League, dessa vez com o apoio do Quilmes e de outros clubes. Foram acordadas as bases do campeonato que se disputou no mesmo ano e teve o Lomas como campeão. Esse feito no futebol organizado da Argentina não foi suficiente, mas fundamental. De acordo com a AFA, a situação se complicou a partir do crescimento explosivo de clubes futebolísticos e a criação de outra entidade chamada Asociación Amateurs. A existência de duas entidades facilitou a participação de um mesmo futebolista em duas equipes ao mesmo tempo, originando uma série de controvérsias entre clubes e associações (AFA, 2011). Entre 1912 e 1914 e entre 1919 e 1926, por razão disso, foram disputados torneios paralelos. A associação criada por Hutton, que em 1912 mudou sua denominação para Asociación Argentina de Football, fundiu-se com a Asociación Amateurs em 1926, e foi criada a Asociación Amateurs Argentina de Football. Os problemas não se resolveram, e em 10 de maio de 1931, numa reunião onde participaram representantes de 18 equipes, fundou-se a Liga Argentina de Football. Começava então a era do futebol profissional no país. Três anos depois, em 1934, a organização do futebol argentino sofreu uma reestruturação administrativa. A Asociación Amateurs fundiu-se com a Liga Argentina de Football e a partir de então a Asociación del Fútbol Argentino (AFA) estava criada e persiste até hoje.
1.2 Início da cobertura esportiva
As aparições do esporte como notícia surgiram com as primeiras edições dos diários. De acordo com López e López (2011, p. 2), a publicação coincidia com a época em que o futebol começava a consolidar sua existência no país. Foi a partir do aviso publicado no diário The Standard, que o jornalismo esportivo começou a aparecer. Após a partida, convocada através do aviso, o jornal trazia a síntese do jogo realizado. O futebol dava seus primeiros passos e o jornalismo estava presente para dar conta do que ocorria ao seu redor. Enquanto o futebol não era instituído como uma prática mais comum que outros esportes, foi criada a primeira revista esportiva da qual se tem registro no país. Em
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1876, sócios do clube Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires (GEBA) criaram a revista chamada La Fuerza. Conforme López e López (2011, p. 2), os esportes predominantemente tratados eram o tiro, a natação e a esgrima. O futebol só reaparece no noticiário em 1884, quando se noticia a fundação do English High School e do Alumni. Segundo López e López, em 1891, o primeiro torneio realizado e a criação da Argentine Association Football League propiciaram a criação de um espaço fixo nos jornais para as informações sobre as partidas de futebol. Em 1900, o diário Buenos Aires Herald organizou uma votação para que os leitores votassem na equipe de sua preferência. Foi a primeira forma de medir a popularidade dos clubes que se tem registro na Argentina, e o resultado mais importante foi notar que o futebol já aparecia com força entre a população. Em 1903, o jornal La Nación foi o pioneiro em enviar um correspondente ao exterior para cobrir um acontecimento esportivo. Angel Bohígas foi o jornalista que cobriu o amistoso entre Argentina x Uruguai, em Montevidéu. Dez anos depois, o mesmo jornal criou uma seção especializada em automobilismo, que com o tempo acrescentou apoio às competições do ramo. Antes da popularização do rádio, uma revista que fez história no início do futebol profissional foi Alumni. López e López (2011, p. 7) contam que ela era vendida nos estádios da primeira divisão e era o instrumento que os torcedores tinham para conhecer os resultados de outros jogos. A revista continha uma legenda para decifrar os códigos que representavam os jogos e os clubes e eram divulgadas em placas no estádio. No seu auge, a revista alcançou uma tiragem semanal de 40 mil exemplares (OLÉ, 1997). Em 1919, criava-se a revista El Gráfico. No início, um semanário de interesse geral, mas na terceira semana já trazia o tênis como assunto de capa. El Gráfico alcançou 100 mil exemplares na década de 30. Nos anos 40 e 50, a tiragem alcançou 200 mil edições semanais (ARCHETTI, 1995, p. 2). O rádio começa a aparecer no esporte em 1923. O primeiro evento esportivo transmitido foi a luta de boxe que valia o título mundial da categoria pesado, pela Radio Cultura. No futebol, o primeiro registro de transmissão foi uma partida entre Argentina x Uruguai, em 1924, embora a narração não fosse como conhecemos hoje, e sim como um relato do que acontecia no campo de jogo. A primeira partida narrada tem fontes não tão coincidentes. Iwanczuk (1992) credita a uma transmissão pela LS 2 Radio Prieto de Buenos Aires, já Tito Martínez
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Delbox, em uma nota publicada no diário Crónica em 1978, conta que ele mesmo foi o primeiro narrador esportivo, em uma partida disputada em 1927. De qualquer forma, López e López (2011) estimam que a Argentina seja a pioneira no mundo em transmitir futebol. Na sequência, foi Inglaterra (1928), e depois Áustria e França (1929), Brasil, Itália e Uruguai (1930) e Tchecoslováquia (1931). No ínterim do desenvolvimento da radiodifusão, é importante destacar para o decorrer da pesquisa que as transmissões futebolísticas enfrentaram dificuldades. Como cita López e López (2011, p. 11), a crença de que os jogos ao vivo pelo rádio diminuíam a quantidade de espectadores nos estádios se fortaleceu, a ponto da revista Radiolandia publicar um editorial, em 1936, que dizia, entre outras coisas: “(...) Vamos nos colocar decididamente contra tal possibilidade [de supressão total das transmissões], porque não temos outra orientação além de defender a aspiração popular, em ampla maioria, de que as transmissões de futebol sejam mantidas.” A proibição nunca chegou a acontecer e o rádio seguiu construindo seu caminho junto ao esporte. A primeira vez em que se televisionou uma partida de futebol foi em 18 de novembro de 1951. San Lorenzo x River Plate foi ao ar com atraso através do Canal 7, a TV Pública. A TV havia chegado oficialmente ao país apenas um mês antes. Em artigo publicado no diário Olé 2, Gotta e Roldan (2006) contam que “o peronismo trouxe a TV à Argentina. Foram importados 5 mil aparelhos, mas se venderam 200 no começo... e boa quantidade foi entregue a escolas, universidades e unidades básicas” (GOTTA e ROLDAN, 2006). Menos de um mês depois já se podiam observar as primeiras partidas ao vivo. Do mesmo Velho Gasômetro, estádio do San Lorenzo, transmitia-se Racing x Banfield pela decisão do título argentino. As primeiras transmissões não tiveram continuidade, devido ao fato de que as pessoas assistiam mais TV nas ruas, através das lojas que deixavam seus televisores à venda, do que na sua própria casa (ULANOVSKY, ITKIN e SIRVEN, 1999). O negócio potencial que significava o futebol tardou bastante a ser explorado pela televisão, e os primeiros tempos foram difíceis. O primeiro a compreender a real dimensão do negócio foi Alfredo Rutschi. Em 1960, a AFA proibiu a transmissão das partidas de futebol para a TV, por acreditar que isso diminuía o público nos estádio e fazia os clubes perder dinheiro. Rutschi sustentava que 2
Disponível em: http://www.servicios.clarin.com/notas/jsp/ole/v4/notas/imprimir.jsp?pagid=1311743. Acesso em 02/09/2011.
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significaria uma promoção e até uma salvação econômica. Sua posição se transformou em uma realidade irrebatível alguns anos mais tarde. Foi assim que em 1965, sob sua direção jornalística, o Canal 9 transmitiu ao vivo as partidas oficiais da Tercera División, e no ano seguinte, pelo Canal 13 (ele de comentarista e Julio Ricardo de narrador). Nessa temporada, também, era chefe de esportes do Canal 7, que começou a transmitir ao vivo uma partida da Primera B aos sábados e reproduzia um vídeo do clássico da Primera nos domingos à noite (OLÉ apud LÓPEZ E LÓPEZ, 2011, p. 19).
Em 1966, o Canal 2 de La Plata comprou a exclusividade dos direitos de transmissão da Copa do Mundo da Inglaterra. O sinal do novo canal, porém, não chegava à Capital Federal, o que obrigava uma reorientação de antenas. Por isso, poucas famílias optaram pelo gasto necessário. Em 1970, foi possível assistir a primeira Copa do Mundo ao vivo. Para o resto do mundo foi a primeira Copa a cores. A transmissão esteve a cargo do Canal 13. Em 1974, o Canal 7 enviou sua equipe ao Mundial. Segundo López e López (2011, p. 20), em 1º de julho, durante a transmissão de Suécia x Iugoslávia, o sinal foi interrompido para informar sobre o falecimento do presidente Juan Domingo Perón. Dias depois, durante o último jogo da Argentina na Copa, a TV e o rádio transmitiram em cadeia nacional os funerais de Perón. Em 1978, então, a Argentina sediou a Copa do Mundo, e para a transmissão televisiva foi criada a empresa Argentina 78 Televisora S/A (que no ano seguinte viria a se fundir com o Canal 7, formando a Argentina Televisora Color – ATC), responsável pela geração de imagens a cores para o mundo. Os argentinos, no entanto, precisaram esperar um pouco mais. Em 1982, pela primeira vez pôde se ver a Copa em cores na Argentina. Carlos Avila foi o responsável pela mudança do jornalismo esportivo no país. Em 1984, nasceu a empresa Torneos y Competencias S/A (TyC), sociedade formada entre Avila e José Carlos “Pepe” Santoro, ex-diretor do Banco Provincia. No ano seguinte, a empresa comprou os direitos televisivos do torneio de futebol oficial e das partidas da seleção argentina. O contrato inicial durou três meses e deu nascimento ao programa Fútbol de Primera. Da ATC, o programa migrou para o Canal 9 (1989) e logo para o Canal 13 (1992), já privatizado e nas mãos do Clarín.
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O interesse pelo futebol só aumentava, e a audiência era cada vez maior. As TVs a cabo, criadas nos anos 60 para suprir áreas isoladas começaram a ser exploradas em centros urbanos. A Argentina rapidamente se transformou no terceiro país do mundo em quantidade de assinantes desse tipo de sistema, atrás dos Estados Unidos e do Canadá. O futebol foi uma das chaves nesse crescimento (LÓPEZ, 2000). Foi a partir do nascimento da Televisión Satelital Codificada (TSC) que chegou para ficar o sistema conhecido por pay-per-view. A TSC foi uma sociedade criada entre a TyC e o Canal 13, sócios que já trabalhavam juntos no Fútbol de Primera. O contrato se firmou em 1991, e a partir daí as partidas começaram a ser televisionadas nesse sistema. Para analisar a forma como o futebol foi utilizado para promover a gestão governamental de Néstor e Cristina Kirchner, é importante analisar as ações de outro presidente argentino, precursor do Partido Justicialista do qual os “K” integram. A partir dessa explanação, é possível entender a personalização de certas atitudes que marcam suas gestões, bem como seu rol de influências e estilos.
1.3 Peronismo e Kirchnerismo
A política argentina no século 20 sempre se viu imbricada em golpes militares e governos populistas. Os governos que obtiveram maior apoio popular, de maneira geral, seguiram uma linhagem definida como populismo que, segundo Laclau (1978), “surge historicamente ligado a uma crise do discurso ideológico dominante que é, por sua vez, parte de uma crise social mais geral” (LACLAU, 1978, p. 182). Realidade inerente aos países do chamado terceiro mundo, as diferenças sociais e o passado de exploração colaboram para a dependência do Estado nas ações cotidianas das classes mais pobres. Ou seja, o Estado se fortalece à custa de sua popularidade, mas também de características intrínsecas ao populismo, por meio das quais a legitimidade e o apoio popular são atingidos. Ianni (1989) aponta que as principais características são “a utilização de linguagem demagógica, nacionalismo econômico, desenvolvimentismo, reformismo, sindicatos tutelados pelo poder público e liderança carismática” (IANNI, 1989, p. 105). O grande símbolo desse sistema foi Juan Domingo Perón, principalmente entre 1946 e 1955. Para diferenciar o seu movimento de um partido político, Perón destacava o caráter heterogêneo do Peronismo, também chamado de Justicialismo. Algumas
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máximas de governo eram aplicadas como palavras de ordem: justiça social (baseada não na luta de classes, mas na melhoria do nível de vida dos trabalhadores), independência econômica (em relação a monopólios estrangeiros) e terceira posição (no contexto internacional, entendida como uma atitude neutralista em relação à bipolaridade mundial durante a Guerra Fria) (BARBE, 1998). As ações de Perón, na época, eram medidas de unidade nacional, e o Partido Justicialista (PJ) respondia de forma a apoiar e a considerar o presidente como o líder máximo do partido, ao redor de quem o partido se fortalecia com o apoio popular. Em meados do século 20, entre 1930 e 1983, a Argentina sofreu seis golpes de estado e foi governada por militares durante 25 anos. Nesse período, todas as experiências de governo eleitas democraticamente foram interrompidas mediante golpe militar. Em 1976, o golpe derrubou a presidenta María Estela Perón, instalando pela segunda vez uma ditadura de tipo permanente, autodenominada “Processo de Reorganização Nacional”. O último golpe militar vivido na Argentina foi o mais sangrento, violou os direitos humanos e causou o desaparecimento de milhares de opositores. Em 1983, houve a redemocratização do país, com a posse do presidente Raúl Alfonsín. As ações de destaque do governo foram o refortalecimento e o cumprimento constitucional das instituições governamentais. No entanto, conforme os anos passaram e os governos neoliberais se sucederam, na figura principal de Carlos Menem, a confiança da população nos partidos e nos políticos despencou. Segundo Sidicaro (2011), em uma pesquisa realizada em 1984,
73% dos entrevistados disseram ter confiança no Poder Legislativo, enquanto que em 2002, apenas 7%. A medição sobre os partidos políticos começou a ser realizada em 1987, momento em que 38% dos entrevistados disseram ter confiança, mas esse índice baixou a 4% em 2002” (SIDICARO, 2011, p. 77).
A menos de duas décadas depois de a democracia ser reinstalada, a Argentina vivia sua maior crise no campo político, com um clima de crescente ilegitimidade dos poderes públicos (SIDICARO, 2011, p. 77), o que culminou com a renúncia do presidente Fernando de la Rúa no fim de 2001. O PJ, que em meados de 1940 detinha a unidade política e amplo apoio popular em projetos nacionalistas, “havia se convertido no fim dos anos 90 em uma sociedade
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de partidos provinciais peronistas sem horizontes ideológicos nacionais” (SIDICARO, 2011, p. 75). Essa situação levou o partido a seguir três vertentes distintas em 2003, com seus determinados apoios e personalismos. Néstor Kirchner, ex-governador da província de Santa Cruz; Adolfo Rodríguez Saá, ex-governador da província de San Luis; e Carlos Menem, ex-presidente da Argentina. Nas eleições primárias, com o argumento de que os três pré-candidatos apresentavam programas de governo opostos, o partido tomou a inédita decisão de permitir a candidatura de todos eles, já que a Constituição Argentina permite que um mesmo partido apresente mais de um candidato. A decisão inflou a eleição de primeiro turno com 19 candidatos, sendo cinco os que tiveram apoio significativo. Com o apoio do então presidente Eduardo Duhalde, Kirchner ascendeu ao segundo turno com 22% dos votos, atrás de Carlos Menem, com 24,3%3. Kirchner alcançou entre 60 e 70% das intenções de voto nas pesquisas realizadas durante o segundo turno, devido à rejeição da população a Menem. Antes das eleições, Menem renunciou à candidatura, para evitar uma derrota esmagadora. Dessa forma, Néstor Kirchner foi eleito presidente da Argentina pela primeira vez, mas com a menor votação da história do país. Começava a entrar em vigor o “kirchnerismo”, termo usado para designar a gestão governamental e também o conjunto de setores e ideologias identificadas com o presidente Néstor Kirchner e, depois, quem o sucederia: sua esposa Cristina. Como explica Sidicaro (2011),
Na Argentina esse tipo de neologismo formado a partir de um sobrenome tem sido usual para designar grupos ou correntes políticas que, sem ofertar princípios programáticos bem definidos, fazem do pedido de adesão a um indivíduo e aos que lhe destacam seu emblema principal. (SIDICARO, 2011, p. 83)
O governo atingiu níveis altos de popularidade, beneficiando-se da fragmentação social reinante e também do carisma que Kirchner tinha perante seus eleitores. Conforme Sidicaro (2011), ao liderar um governo apartidário, o presidente pôde reunir as adesões de pessoas e grupos alheios ou hostis ao peronismo, além de outros diversos atores coletivos: defensores dos direitos humanos, organizações sociais de protesto
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Disponível em: http://www.electoral.gov.ar/#. Acesso em 09/09/2011.
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contra a desocupação e a exclusão social, sindicatos, empresários, dirigentes de partidos em crise e partidos peronistas provinciais – com exceção de San Luis, colégio eleitoral de Rodríguez Saá, também do PJ, mas opositor desde 2003. O programa de governo foi composto durante seu mandato. “Sem maiores discussões programáticas, o que terminou sendo a vertente transversal do kirchnerismo foi uma soma de pessoas sem maiores contatos entre si, que coincidiam em suas simpatias pelo governo e em suas críticas ao peronismo tradicional” (SIDICARO, 2011, p. 88). Como plataforma de campanha, havia a decisão de recuperar o controle de certas atividades privatizadas na década de 1990 e também o congelamento de tarifas de serviços ou bens prestados por grandes empresas. Essa disposição gerou tensões, mas demarcaram a característica governamental de se distanciar do neoliberalismo. Outra área na qual Kirchner investiu foram as relações exteriores, beneficiando-se da conjuntura favorável na América do Sul, que englobava Venezuela, Bolívia, Equador, Chile e Brasil. A afinidade com os vizinhos possibilitou a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), da qual Kirchner foi eleito Secretário-Geral em 2010, após seu mandato como presidente argentino. Ao fim de sua administração, em 2007, o governo de Néstor Kirchner atingiu um índice de aprovação na ordem de 60%, medição feita a partir de uma modalidade de pesquisa em que os indivíduos ponderavam positiva ou negativamente a respeito de temas relacionados a ações oficiais (SIDICARO, 2011). Essa aprovação catapultou a candidatura de sua esposa à Casa Rosada. Cristina Fernández de Kirchner, ao lado de Julio Cobos, foi eleita no primeiro turno eleitoral de 2007, com 45% dos votos. Iniciado o governo de Cristina Kirchner em 2008, os protestos de empresários rurais abriram uma nova etapa das relações políticas com setores do peronismo. O embate resultou na deterioração da relação com líderes políticos do partido em províncias de economia agrária, onde os Kirchners tinham apoio (SIDICARO, 2011). O posicionamento esquerdista do governo e o aumento das taxas de commodities agrícolas para exportação criaram o conflito entre as lideranças. Como consequência dessas ações, Cristina presenciou em 2009 a maior derrota do kirchnerismo desde o início da gestão: as eleições legislativas. Sem maioria no Congresso, o governo não estava mais respaldado a ter suas propostas aprovadas. Muitas delas foram antecipadas, a fim de serem aprovadas ainda antes da posse dos deputados eleitos, sem a discussão necessária com a população. Um exemplo disso foi a Lei de Meios Audiovisuais, notável pela sua coragem em criar possibilidades
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democráticas para TV e radiodifusão, bem como pela sua capacidade de cercear a liberdade de expressão prevista na Constituição, com dispositivos que permitem o monitoramento das emissões e dos conteúdos e a atribuição de atos penais que podem levar à cassação da outorga e induzir a situações de autocensura ou de conluio entre emissoras e o Estado (LINS, 2009). A seguir, busca-se elucidar as ações que as correntes governistas acima relatadas encontraram para utilizar o esporte, principalmente o futebol, como forma de promoção da imagem oficial. Realiza-se uma analogia entre as práticas realizadas nos dois primeiros mandatos de Perón e nos três mandatos do casal Kirchner, com a finalidade de encontrar pontos em comum e também as diferenças entre a forma como o esporte é abordado.
1.3.1 A apropriação política
A começar pelas biografias, já se nota uma semelhança entre as figuras presidenciais que se beneficiaram do esporte para sua própria imagem pessoal. Segundo Melo e Drumond (2009), Juan Domingo Perón era chamado de el primer deportista, considerado na época como o ideal do sportsman argentino. Segundo ele mesmo, dizia ter praticado tiro, pólo, natação, futebol, esqui, basquete, esgrima e boxe durante sua juventude. Sua identificação com o futebol é vista com força pelo Racing Club. Em 1950, através de um amplo crédito cedido pelo governo para grandes clubes esportivos, Perón financiou a construção do estádio conhecido por Cilindro de Avellaneda, que oficialmente leva o nome completo do líder Justicialista. Néstor Kirchner ambicionou alguns lances no basquete e até integrou o elenco do Nacional de Río Gallegos, enquanto jovem na província de Santa Cruz 4. Após se tornar político em Buenos Aires, estreitou o seu vínculo com o Racing Club, de Avellaneda, clube de futebol que Néstor também era aficionado. Até mesmo Cristina Kirchner nunca deixou de exteriorizar sua predileção pelo Gimnasia y Esgrima de La Plata, clube do qual sua mãe é uma das sócias mais antigas. Por trás de Perón, também havia uma mulher, responsável por lhe dar apoio na investida governamental sobre o esporte. Eva Perón, conhecida por Evita, criou a Fundação Eva Perón, em 1948. A ONG, por motivos óbvios, estava intimamente ligada 4
Disponível em: http://web.ole.com.ar/fuera-de-juego/jugador-distinto_0_361163992.html. Acesso em 09/09/2011
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ao Movimento Justicialista. Com as ações de La Fundación, como simplesmente ficou conhecida, Evita organizava, em nome do governo, competições esportivas para crianças. Conforme Drumond (2009), o Campeonato Infantil Evita começou em 1948, e o primeiro casal do país estava sempre presente. A primeira edição alcançou 15 mil participantes. A segunda, 150 mil. Em 1953, foram instituídos os Jogos Esportivos Juvenis Juan Perón, e o número de envolvidos excedeu os 200 mil. Embora os atos de Perón visassem à inclusão social de crianças a partir do esporte, a doutrinação política também estava presente. Entre as equipes, era comum que algumas possuíssem nomes que faziam referência ao Peronismo. Outra característica eram as marchas peronistas cantadas durante os torneios, além da canção oficial (MELO e DRUMOND, 2009). Em 1948, a televisão ainda não havia chegado à Argentina. Na época, a principal indústria audiovisual era o cinema. “Havia uma compreensão de que através dos filmes se poderia educar o cidadão argentino dentro dos ideais justicialistas” (MELO e DRUMOND, 2009, p. 65). Durante os dez anos dos dois primeiros mandatos de Perón, foram produzidos 19 longas-metragens com temática esportiva. Desses, oito tratavam sobre futebol, com o roteiro tradicional da temática na cinematografia mundial: a superação. Kirchner nunca trabalhou para criar trabalhos sociais notáveis de inclusão por meio do esporte, e sim para se utilizar do futebol de uma maneira mais rigorosa. Uma das ações que suscitou discussões foram os inúmeros indícios de que os kirchneristas estavam por trás da criação da ONG Hinchadas Unidas Argentinas, que surgia com o propósito de diminuir a violência entre torcidas no país. O propósito escondia o financiamento com verbas públicas fornecido pelo governo Kirchner, em troca de apoio ao governo em manifestações políticas (DIAS e ROSEGUINI, 2010). A medida de maior impacto no uso do espetáculo futebolístico nas telas viria a ser, sem dúvidas, a compra dos direitos de transmissão do futebol argentino, pensada por Néstor e executada por Cristina Kirchner, em 2009. No discurso oficial, o governo argumentou que todo cidadão deve ter o direito de assistir o jogo do seu clube (KIRCHNER, 2009). A possibilidade foi posta em vigor de acordo com o que estava previsto no projeto original da Lei de Meios Audiovisuais, no Capítulo VII, artigo 77 5,
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“Direito de acesso. Garante-se o direito ao acesso universal – através dos serviços de comunicação audiovisual – aos conteúdos informativos de interesse relevante e de acontecimentos esportivos, de
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que trata do direito de acesso. A lei só foi sancionada dois meses após o acordo entre a AFA e o governo, mas o projeto original da lei, enviado ao Congresso no início de 2009, antes das negociações, foi aprovado sem alterações. A transmissão dos jogos do Campeonato Argentino em TV aberta escancarou o conflito já existente desde 2008 com o Grupo Clarín. Da mesma forma, possibilitou a propaganda oficial no intervalo dos jogos. No entanto, muitas das promessas que sustentavam o investimento público no torneio, até hoje, dois anos depois da implementação do programa Fútbol para Todos, ainda não tiveram o retorno financeiro que o governo esperava. A atividade lucrativa dos meios de comunicação é uma crítica frequente que entra também no campo político, como será tratado adiante. Os meios de comunicação audiovisuais são concessões públicas, autorizados com base na disponibilidade do espectro eletromagnético regulamentado pelo Estado. Por lei, cabe ao governo regular o uso desse bem público para conferir a correta utilização prestada à população. A tensão é desencadeada por essa via de mão dupla, que é vista pelos meios de comunicação, principalmente os hegemônicos, como um cerceamento da liberdade de expressão. Considera-se importante, portanto, analisar esse contexto a partir de aspectos inerentes à formação dos campos sociais e do midiático, conceitos a serem discutidos no capítulo a seguir, assim como o de midiatização. Os campos: político, do qual faz parte o governo Kirchner e sua ideia de tornar a elite do futebol argentino em produto acessível a toda a população; esportivo, o qual integra a Asociación del Fútbol Argentino, entidade responsável por organizar o Campeonato Argentino e também por negociar os direitos de transmissão do futebol no país; e midiático, do qual pertence o Grupo Clarín – com seu interesse em garantir a liberdade econômica empresarial de produtos midiáticos – como a TV Pública – plataforma usada pelo governo para levar ao ar todos os jogos da Primera Nacional.
encontros futebolísticos ou outro gênero ou especialidade. Acontecimentos de interesse geral. O Poder Executivo nacional adotará as medidas regulamentárias para que o exercício dos direitos exclusivos para a retransmissão ou emissão televisiva de determinados acontecimentos de interesse geral de qualquer natureza, como os esportivos, não prejudique o direito dos cidadãos a assistir tais acontecimentos ao vivo de maneira gratuita em todo o território nacional” (Capítulo VII, artigo 77 da Lei Nº 26.522).
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O PROCESSO DE MIDIATIZAÇÃO DA SOCIEDADE A análise terá sua fundamentação teórica baseada no processo de midiatização
dos campos sociais. O capítulo discute o conceito de campos sociais, como eles são formados e como agem, as diferenciações entre os campos sociais e o das mídias, que integra também o primeiro, mas que tem uma atuação distinta em função de suas características. Após, discute-se conceitos relativos ao processo de midiatização da sociedade e de que forma afeta as relações entre os campos sociais – no caso da pesquisa, entre os campos político, esportivo e midiático.
2.1 Conceitos e gênese dos campos sociais
A noção de campo social é problematizada por Pierre Bourdieu, especialmente ao discutir o conceito de poder simbólico. O autor dá ao campo social o sentido de espaço de disputa e domínio de experiência por um viés sociológico. Já Adriano Duarte Rodrigues pensa o conceito de campo social numa perspectiva comunicacional. Os estudos de Rodrigues (1999) caminham no sentido de estabelecer bases teóricas para a utilização do conceito aplicado aos processos midiáticos, entendendo a mídia como um campo social com processualidades, normas, estratégias e visibilidades específicas. Nos últimos anos, outros pesquisadores também vêm contribuindo para a compreensão do conceito de campo aplicado aos processos midiáticos, dentre eles podemos destacar os estudos de João Pissarra Esteves e Antônio Fausto Neto. Como cita Araújo, Alves e Cruz (2009, p. 35), “o conceito de campo é definido por Pierre Bourdieu como um espaço estruturado de posições onde dominantes e dominados lutam pela manutenção e pela obtenção de determinados postos”. Essa perspectiva foi notada por Bourdieu a partir da influência de Max Weber, que aplicou em outros domínios conceitos retirados da esfera econômica. A observação ao trabalho de Max Weber possibilitou a Bourdieu (1989) a criação da teoria dos campos, que é construída a partir de generalizações que vão sendo pouco a pouco efetuadas. Segundo Araújo, Alves e Cruz, “Bourdieu coloca, entretanto, que a esfera econômica não é um modelo fundador da teoria dos campos, mas sim apenas um exemplo de um campo” (2009, p. 36). Isso possibilita entender, portanto, que existe um conjunto de pré-disposições e ações que são inerentes, de forma geral, a vários campos, sendo eles, por exemplo, o científico, o esportivo, o político, o literário.
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Os campos são resultados de processos de diferenciação social, da forma de ser e do conhecimento do mundo. São espaços estruturados e hierarquizados, onde ocorrem lutas pela conquista de posições e de capital. Cada campo tem o seu capital específico, em torno do qual ocorrem as lutas e as tensões. O suporte é dado pelas relações de força entre os agentes individuais ou coletivos e as instituições que lutam pelo monopólio da autoridade, que concede “o poder de ditar as regras e de repartir o capital específico de cada campo” (BOURDIEU apud ARAÚJO, ALVES e CRUZ, 2009, p. 36). Tomando como base os estudos de Pierre Bourdieu, Araújo, Alves e Cruz (2009) consideram que todas as lutas inseridas em um campo social envolvem a distribuição e a posse de um capital específico, pois os que ocupam a posição de comando tentam administrar o status quo, enquanto os novatos ou aqueles que aspiram ao poder criam estratégias de luta e de acumulação do capital específico. Pierre Bourdieu apropria-se do conceito de Louis Althusser para explicar que um campo só se torna um aparelho quando cessam as lutas, ou seja, a resistência dos dominados reduz a zero e a luta pela constituição do espaço não mais existe. Em “Sobre a Televisão”, Pierre Bourdieu conceitua o campo social como um espaço social estruturado, um campo de forças – há dominantes e dominados, há relações constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior desse espaço – que é também um campo de lutas para transformar ou conservar esse campo de forças (BOURDIEU, 1997, p. 57)
Para o sociólogo, nas relações entre campos, há dissonâncias, tensões, já que considera campo um espaço de lutas, marcado por interesses em manter ou mudar as forças ali presentes. Como precursor dos estudos de campos sociais aplicados aos processos midiáticos, a pesquisa busca também fundamentação teórica nos estudos e nas definições de campos sociais e campo midiático de Rodrigues (1999). O autor define um campo social como:
(...) o resultado ou o efeito de uma gênese, de um processo de autonomização secularizante bem sucedido, graças à aquisição da capacidade de impor, com legitimidade, regras que devem ser respeitadas num determinado domínio da experiência, baseadas numa indagação racional metodicamente conduzida. (RODRIGUES, 1999, p. 18)
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Para criar essa definição, Rodrigues (1999) ressalta que o significado da expressão campo social deve ser entendida com um sentido energético, e não espacial. Com essa metáfora, o autor pretende sublinhar o efeito de tensão que existe no confronto entre campos autônomos, considerando que cada um deles tem a ambição de regular o domínio da experiência de sua área. A natureza dos campos sociais é entendida por Adriano Duarte Rodrigues como: uma
instituição
dotada
de
legitimidade
indiscutível,
publicamente
reconhecida e respeitada pelo conjunto da sociedade, para criar, impor, manter, sancionar e restabelecer uma hierarquia de valores, assim como um conjunto de regras adequadas a respeito desses valores, num determinado domínio específico da experiência. (RODRIGUES, 1999, p. 19)
Portanto, um campo possui regras próprias, autonomia e poder para criar, manter e estabelecer hierarquias para o seu funcionamento. Rodrigues (1999) aponta as funções dos campos sociais, e explica que ele desempenha dois tipos: funções expressivas ou discursivas e funções pragmáticas ou técnicas. As funções expressivas ou discursivas consistem no exercício da competência legítima por parte de um campo social para intervir ou agir de qualquer modo sobre a ordem de valores pertencentes ao seu domínio de experiência. As funções pragmáticas ou técnicas são de natureza pedagógica e terapêutica, ou seja, a primeira tem a ver com a inculcação da sua legitimidade ao conjunto da sociedade, enquanto a segunda tem a ver com a intervenção destinada ao restabelecimento da sua ordem de valores. Os campos sociais dotam de duas modalidades de legitimidade, conforme Rodrigues (1999): a própria e a vicária. Por legitimidade própria entende-se a que um campo social possui dentro do seu domínio próprio de experiência, ao passo que a legitimidade vicária é aquela que um campo social possui num domínio da experiência que não lhe é próprio, por delegação de um campo social (RODRIGUES, 1999, p. 28).
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Esta distinção é importante, segundo Rodrigues, para as relações que dão origem à “dimensão dos campos sociais”. Esta delegação de competências, como aponta o autor, nem sempre é isenta de tensões e conflitos. As formas de legitimidade permitem que os campos sociais imponham suas próprias formas de sanções caso a ordem de valores seja violada. Rodrigues afirma que “as sanções morais (...) podem ir da simples repreensão e da ironia até a interdição de utilização dos recursos que o campo social põe à disposição da sociedade e à frequentação dos seus espaços próprios” (1999, p. 29). Já as sanções físicas remetem a penalidades materiais. A análise de Adriano Duarte Rodrigues, que introduz o diagnóstico do campo dos media 6, classifica o campo social como possuidor de regimes diferenciados de funcionamento. Um regime acelerado funciona quando um campo social consegue mobilizar o conjunto dos domínios de experiência ao redor das suas regras próprias. Podemos citar como exemplo o caso de revoluções, ou de catástrofes, que mobilizam outros corpos sociais em torno dos domínios de um campo específico. O regime lento vigora em período normal, durante o qual se estabelece um relativo equilíbrio. O equilíbrio é sempre relativo e instável, pois, como explica Rodrigues, “devido à natureza autônoma de cada um dos campos, cada um tende a sobrepor a sua lógica e os valores que entende regular acima das lógicas e valores dos restantes campos” (RODRIGUES, 1999, p. 29). Esse regime pode ser alterado por fenômenos exógenos ou endógenos, o que caracteriza a posição de onde partem as ocorrências. Cada campo é dotado de simbólicas que podem ser formais ou informais. Conforme Rodrigues (1999), a simbólica formal é constituída por fardas, insígnias, rituais, qualquer item regulado por regras e pela exclusividade de uso do corpo social pertencente ao campo. A simbólica informal, por sua vez, “consiste no apagamento sistemático de marcas distintivas” (RODRIGUES, 1999, p. 30). Ou seja, essa simbólica tem o objetivo de garantir que o campo social seja absorvido pela sociedade de forma natural. Os campos sociais, dotados de uma autonomia própria e constituídos pelos fatores dissertados, iniciam o processo de tornar público o resultado compatível na relação entre as legitimidades de um campo com outros campos sociais através da publicização.
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O autor utiliza a expressão media, mas opta-se pela utilização do termo em português, mídia.
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Por se tratar de um campo central que gerencia as ações entre os campos político e esportivo no contexto específico da pesquisa, a seguir discute-se a gênese, a natureza, as funções e as características do campo midiático. De acordo com conceitos dos autores já citados, é um espaço determinante para a apropriação da forma e do conteúdo legitimado na intersecção dos campos sociais.
2.1.1 Função e características do campo midiático
O campo midiático é também um campo social. Da mesma forma que cada campo tem sua estrutura e seus processos de legitimação, este possui sua estrutura própria, suas lutas e suas tensões dentro do espaço do qual os grupos e sujeitos fazem parte. As instituições que formam o campo midiático têm empresários, jornalistas, assessores de imprensa, dentre outros agentes que o compõem. A noção de campo midiático, no entanto, transpõe a visão etnocêntrica descrita acima. Como cita Esteves (1998, p. 150), o campo das mídias é “constituído como uma instância de mediação social, o que significa que a sua legitimidade corresponde em larga medida a uma delegação conferida pelos restantes campos sociais”. Por ser uma instância em que a mediação é o principal fator a se considerar para formação da legitimidade do campo, o que caracteriza essa mediação é o discurso. As funções discursivas, conforme Rodrigues (1999) predominam sobre as funções pragmáticas. “O discurso não se limita, no entanto, a expressar os valores e as regras de comportamento que cria e impõe; assume uma função eminentemente pragmática, na medida em que a sua prática dominante consiste num conjunto de atos de linguagem” (1999, p. 36). Sobre a natureza e a função do campo midiático, Rodrigues define que elas estão associadas ao desempenho das funções de regulação necessárias para gerir as relações de campos sociais distintos: (...) os campos sociais contam com os mecanismos retóricos da linguagem para o convencimento e a mobilização em torno dos valores e das regras que o campo dos media se encarrega de criar, promover e impor ao conjunto da sociedade. Mas por outro lado, o campo dos media gere os dispositivos de percepção da realidade e constitui, deste modo, a própria experiência do mundo moderno, assegurando a sua percepção para além das fronteiras que
33 delimitam o mundo vivido das comunidades tradicionais. (RODRIGUES, 1999, p. 25)
O campo midiático só é percebido através da linguagem, com a qual garante que a realidade vai ser lida e conhecida. Por isso, sua natureza retórica está associada a valores e regras que giram em torno do poder de convencimento e de mobilização do campo. No momento que as mídias gerem esse conteúdo, criam também a percepção da realidade e da própria experiência das instituições e dos atores individuais. Enquanto os demais campos sociais caracterizam-se por possuírem legitimidade própria, Rodrigues (1999) caracteriza o campo das mídias com uma legitimidade de natureza vicária ou delegada. Ou seja, todo campo social com legitimidade própria delega ao campo midiático parte do conhecimento e do domínio de experiência, por este se tratar de uma parte da sua função discursiva ou expressiva. “Os campos sociais selecionam, dentre as diferentes formas de expressão da sua legitimidade, aquela que é destinada ao público, reservando, no entanto, para si a expressão especializada” (RODRIGUES, 1999, p. 37). A legitimidade atribuída ao campo midiático parte dos corpos dos campos sociais, que imputam a ele o conhecimento exotérico que deve ser repassado aos demais. Rodrigues (1999) afirma que há um paradoxo nessa atribuição, e isso faz parte das tensões que permeiam as relações entre os campos sociais. O corpo social do midiático acredita ao diploma universitário um instrumento de competência. Ao mediar o conhecimento para uma instância exotérica, o corpo social do campo midiático tende a ser considerado com desconfiança por parte dos corpos dos campos sociais especializados, que o acusam de atraiçoar a especificidade do seu saber sempre que os publicitam. Mas, por outro lado, (...) precisam cada vez mais da publicitação do seu saber, para assegurarem a visibilidade da sua própria legitimidade (RODRIGUES, 1999, p. 39).
Em razão dessa ambivalência e da relação tensional do campo midiático com os campos sociais, Esteves (1998) afirma que o midiático se vê numa condição em que o conflito com os outros campos sociais é permanente, por contrariar as várias estratégias de aproximação com que é assediado. Esteves afirma também que, em relação à legitimidade, o campo das mídias se torna “uma espécie de depositário: cabe-lhe gerir
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os conflitos de legitimidade que os interesses divergentes desencadeiam entre os diferentes campos sociais e no interior de cada um deles” (ESTEVES, 1998, p. 151). Na modernidade tardia, que compreende conforme Rodrigues (1999) à segunda metade do século XX, em que o espaço para as penalizações está reduzido, sendo cada vez mais condenável a prática de sanções físicas e morais aos corpos sociais, o campo das mídias tem à disposição a possibilidade de privar a publicidade dos campos sociais que não se deixam ser dominados pela ordem de valores, lógicas e regras de comportamento próprias do discurso midiático. O campo midiático se diferencia dos demais campos sociais ao funcionar de maneira contínua, a ponto de se confundir com o próprio ritmo da vida social. Essa continuidade assegura ao campo o respeito dos seus valores e regras de funcionamento por parte do conjunto da sociedade. O regime de funcionamento, no entanto, sofre variações, da mesma forma que se caracterizam as alterações dos campos sociais citadas anteriormente. Porém, o campo midiático acelera seu regime “quando a sua ordem de valores corre o risco de ser posta em causa, quando as suas regras de funcionamento são violadas ou quando se assiste ao exacerbamento da tensão nas suas relações com outros campos sociais” (RODRIGUES, 1999, p. 38). A natureza informal da simbólica do campo midiático, resultante da função de mediação social, assegura ao corpo social uma tendência a apagar sistematicamente qualquer simbólica formal ou até informal de pertencimento a outros campos sociais. Segundo Rodrigues (1999), há também a disposição de olhar com desconfiança as manifestações que signifiquem publicamente posições distintas na hierarquia do campo. Sobre as relações tensionais, Esteves (1998) exemplifica a relação do campo das mídias com dois campos específicos: o econômico e o político. No primeiro caso, o autor afirma que uma das condições para que o campo midiático alcance a autonomia é a existência de uma estrutura econômica forte o suficiente para resistir a influências exteriores. Porém, “muito facilmente ela pode transformar-se na mais perigosa das ameaças: a subordinação da normal dinâmica de funcionamento do campo aos imperativos econômicos” (ESTEVES, 1998, p. 153). Desta primeira relação, provém o questionamento da atuação das mídias em serem orientados pelo lucro ou pelo serviço público inerente à sua atividade. A segunda relação de tensão exemplificada por Esteves (1998), campo político e mídia, traz como atrativo a ostentação atingida pelo último. Esse status “tornou-o desde muito cedo um objeto especial de cobiça por parte das diferentes instituições políticas.
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A forma mais clássica de apropriação consiste no controle político direto, isto é, através da propriedade (do Estado) e com perfeita cobertura jurídica” (ESTEVES, 1998, p. 154). O contexto dessa assertiva de Esteves remete a uma conjuntura de transformação, pois em 1998 os meios de telefonia e comunicação se encontravam em amplo crescimento graças ao desenvolvimento de novas tecnologias e à propriedade cada vez menor do Estado sobre os meios de comunicação, em especial à privatização das companhias telefônicas. Esteves (1998, p. 154) ressalta que “o controle político direto é apenas uma das formas ou estratégias da manipulação do campo dos media”, e em função desse contexto, o campo político começa a buscar outros meios de intervenção bastante sutis, que tornam-se mais sofisticados. Por tornar-se o centro das relações tensionais entre vários campos sociais, o campo midiático se caracteriza pela gestão de conflitos. “Esta centralidade faz do campo um espaço social de negociação permanente: dos diferentes campos sociais com o campo dos media e dos diferentes campos sociais entre si” (ESTEVES, 1998, p. 170). No entanto, a relação entre os canais oficiais é produzida em termos formais e explícitos, enquanto a relação com as mídias acontece de uma maneira latente e implícita, baseado num sistema de compensações mútuas. Esse sistema de compensações se evidencia quando há ações políticas ou econômicas que se tornam aproveitadas por ambos, como uma ação política realizada em benefício da relação governamental com a mídia. A ação política usa dispositivos midiáticos para dar forma ao discurso que pretende proferir com intenção de influenciar. Para explicar o conceito de dispositivos midiáticos, Ferreira (2007) busca a formação do conceito nos estudos produzidos em ciências sociais de Michel Foucault e, ao mesmo tempo, a partir de reflexões características do campo da comunicação, com a análise da imagem, do cinema e da televisão. Segundo Ferreira, “o conceito (...) é válido para todos e quaisquer dispositivos, (...) válido para análise de outras experiências sociais, que não a midiática e a comunicacional” (2007, p. 7). Para exemplificarmos, o processo de criação do programa Fútbol para Todos, efetivado por meio de um decreto presidencial, é um mecanismo legal através do qual o governo pode tomar decisões dessa natureza. Klein (2007, p. 216) elucida o conceito de dispositivo a partir da sua origem, dos estudos de Foucault, que diz que o dispositivo consiste numa rede que pode ser instituída na relação de vários elementos, como: “o poder em relação a qualquer
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formação social; a relação entre fenômeno social e o sujeito; e a relação entre discurso e prática, as ideias e as ações, atitudes e comportamentos”. A abordagem de Ferreira (2007) versa sobre a relação das três esferas apontadas por Peirce no seu sistema tríade. Para Jairo Ferreira, as três dimensões do dispositivo midiático são três grandes grupos constantemente usados nas análises das ciências sociais e da comunicação: operações tecno-tecnológicas, semio-linguístico-discursivas e sócio-antropológicas. Os dispositivos midiáticos são, portanto, espaços que vão além da materialidade técnica, do suporte físico, pois pré-dispõem sentidos semio-discursivos dentro de um contexto sócio-antropológico, através de processos tecno-tecnológicos. Os fenômenos midiáticos não podem ser bem compreendidos se forem abordados aspectos somente de uma perspectiva unidimensional. Klein (2007) afirma que os processos midiáticos “só podem ser bem compreendidos em sua complexidade se estudados na perspectiva das diferentes relações que se estabelecem entre as diversas dimensões em jogo” (2007, p. 218). No caso específico da pesquisa, serão estudadas ações relativas aos campos político, esportivo e midiático a partir dos conceitos de campo de Pierre Bourdieu, Adriano Duarte Rodrigues e João Pissarra Esteves, e do processo de midiatização da sociedade problematizados por Antônio Fausto Neto, Eliseo Verón, Pedro Gomes e Maria Cristina Mata, como será tratado no capítulo a seguir.
2.2 Midiatização: abordagens teóricas
Para entender o conceito de midiatização, é preciso primeiro traçar um paralelo das alterações que a cultura pós-moderna causou no que Maria Cristina Mata chama de cultura massiva para a cultura midiática. A cultura massiva está ligada a uma perspectiva de estudos em que a mídia era vista como uma instância que atuava diretamente sobre a população. O conceito utilizava esse campo genérico para caracterizar os intercâmbios de produtos culturais elaborados de maneira industrial, direcionados a alcançar as grandes massas da população. No entanto, como cita Mata (1999, p. 82), a insuficiência do termo “não só se devia a transformações materiais nos modos de produção cultural, senão a uma transformação dos pontos de vista adotados para a análise da comunicação e da cultura”.
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Nesse sentido, segundo a autora, o massivo impunha-se como um formato cultural dominante, sustentado basicamente em dados quantitativos sobre a esfera do consumo (tempo em frente à televisão) ou a esfera da produção. A vontade de encontrar outra via para explicar e analisar essas ações de maneira a superar a visão dualista desse conceito, baseado nas teorias frankfurtianas de indústria cultural e também na pesquisa norte-americana da influência dos meios, foi o que fez com que se desenvolvessem noções que enriqueceram o campo. É o caso dos estudos dos anos 80 sobre as mediações de Jesús Martín-Barbero, que dizia que “os meios adquiriram materialidade institucional e espessura cultural” (MARTÍN-BARBERO apud MATA, 1999, p. 84). A importância atingida pelos meios na sociedade cria vertentes de análise que vão além da ideia de meios como simples mediadores da mensagem entre o emissor e o público. Ou seja, da cultura massiva abrem-se possibilidades para o entendimento de uma cultura midiática. Essa cultura midiática constitui “um novo modo no projeto das interações, uma nova forma de estruturação das práticas sociais, marcada pela existência dos meios” (MATA, 1999, p. 85). No sentido proposto pela autora, a cultura midiática nos levanta a necessidade de reconhecer que é o processo coletivo de produção de sentidos que faz com que um grupo social se compreenda e se comunique. A existência das tecnologias e meios de produção e transmissão de informação mostra que a transformação não é uniforme. Conforme Mata (1999, p. 85), esse processo “remete a uma maneira de pensar que mostra a necessidade (...) de repor a centralidade dos meios na análise cultural”, fora de seu caráter de transportador de sentidos ou de interação entre produtores e receptores, mas como matriz, produtora e organizadora de sentidos. A transformação da “sociedade dos meios” na “sociedade midiatizada” é explicada pela intensificação da presença dos meios em outros campos, através do deslocamento ou da expansão midiática. Fausto Neto (2006) ressalta a mudança existente na função dos meios: de suportes, passam então a agir como atores. Segundo Fausto Neto (2007), se trata de entender a mídia não mais como uma instância central com objetivo de fazer com que os campos sociais se interajam, mas sim constatar que “a constituição e o funcionamento da sociedade – de suas práticas, lógicas e esquemas de codificação – estão atravessados e permeados por pressupostos e lógicas do que se denominaria ‘cultura da mídia’” (FAUSTO NETO, 2007, p. 92). A sociedade dos meios se prontifica a intermediar a relação entre os campos sociais, enquanto a sociedade midiatizada tem como predomínio a cultura midiática, ou seja, ela se torna a própria referência para a dinâmica da sociedade.
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O que se percebe na dinâmica da sociedade em função da cultura midiática é que a reprodução de suportes tecnológicos de comunicação torna a sociedade ainda mais complexa em relação ao que era antes desses suportes existirem. Fausto Neto (2006, p. 3) conclui, a partir dos estudos de Eliseo Verón, que quanto mais midiatizada uma sociedade, tanto mais ela se complexifica. O ambiente que a cultura midiática cria, mediante tecnologias, dispositivos e linguagens, produz um novo conceito de comunicação. Este novo ambiente, segundo Fausto Neto (2006), transforma a sociedade do “ato social” nas “operações de contato”. Essa nova organização e produção social perpassam a ideia de Karl Marx, de que o capital estaria apenas a serviço das estruturas. Agora, o capital também serve aos fluxos e à informação, e assim a lógica produtiva do capitalismo “desloca-se do território das estruturas para aqueles dos dispositivos de circulação” (FAUSTO NETO, 2006, p. 4). A cultura midiática causa mudanças também na forma como o capitalismo organiza a vida social. “Do ato social, passamos à rede. Do vínculo, ao fluxo. Do contrato social, à terceirização generalizada” (2006, p. 4). A partir das alterações na forma como as mídias atuam hoje, como uma instituição dotada de autonomia, Fausto Neto (2006, p. 9) define a sociedade midiatizada como “aquela na qual as tecnologias de comunicação se implantam vertical e horizontalmente nas instituições, inserindo-se de maneiras específicas e seguindo ainda múltiplas dinâmicas do funcionamento social”. A midiatização, segundo Fausto Neto (2006) se constitui por meio de formas e operações sócio-técnicas, e se organizam e funcionam através de dispositivos e operações compostas por materialidades e imaterialidades. As materialidades acontecem em cenas organizacionais/produtivas e em cenas discursivas. São nesses aspectos que a midiatização pode afetar características e funcionamentos de outras práticas sócioinstitucionais. Convém lembrar, no entanto, que isso não significa uma ação de natureza linear, porque a midiatização se realiza de modo transversal e relacional. De acordo com Fausto Neto (2006, p. 9), a transversalidade tem a ver com o fato de que suas operações, além de afetar ao seu próprio campo, afetam também o campo das instituições bem como aqueles dos seus usuários. Tais afetações são relacionais e geram, consequentemente, retornos de processos de sentido das construções feitas pelos outros campos, e que se instauram nos modos de funcionamento da midiatização. (...) a midiatização produz mais do que homogeneidades, (...) gera complexidades. (FAUSTO NETO, 2006, p. 9).
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O autor conceitua que as mídias se confundem com aspectos do funcionamento social, organizando relações que por natureza são complexas. O desenvolvimento do processo de midiatização entre as mídias e as instituições remete ao conceito de “afetação” (FAUSTO NETO, 2006, p. 10). Para o autor, consiste na inserção da influência da mídia no interior das processualidades, para além dos meios e das mediações. A midiatização é trabalhada como um processo social complexo causado por mecanismos de produção de sentido social nos estudos de Pedro Gilberto Gomes. Através desse processo se entende o funcionamento da mídia e da sociedade e as razões pelas quais a sociedade se percebe dentro do fenômeno midiático. O autor trabalha esses aspectos principalmente através da televisão. De acordo com Gomes (2006, p. 112), “a televisão está imbricada no amplo processo de midiatização da sociedade e configura um modo de posicionar-se frente ao mundo e as coisas”. A televisão faz parte do conjunto de meios que possibilitam a criação do imaginário perante a sociedade, e muitas ações sociais são divulgadas através dela, assim como legitimadas para que o acontecimento se torne “real”. Segundo Gomes (2006), como um canal de socialização, a televisão acolhe e unifica as pessoas em uma comunidade nacional e universal. Essa tendência que a televisão tem em ditar ou não a realidade social cria um novo ambiente e um novo modo de ser caracterizados pela presença da mídia. Conforme o autor, “assumindo-se a midiatização como um novo modo de ser no mundo, supera-se, no nosso entendimento, a mediação como categoria para se pensar a televisão hoje” (GOMES, 2006, p. 113). A diferenciação no tratamento da TV como um meio não mais de simples mediação no sentido de transmitir informação acontece em função da nova ambiência em que este dispositivo está situado. Gomes (2006) passa a ideia de mediação da televisão para a midiatização porque o primeiro significa a forma como o receptor se relaciona com a mídia e o modo como ele explica essa relação, já o segundo impõe novas regras, novo modo de ser. “O processo de midiatização social se organiza em torno do consumo relacionado com as produções de sentido social” (2006, p. 133). As pessoas consomem os sentidos construídos por outros, que desenvolvem com cuidado os processos estruturadores do imaginário social. Para entender a midiatização, é preciso abordar a perspectiva de Eliseo Verón (1997). Para ele, o fenômeno transcende os meios enquanto instrumentos, pois surge
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como processo originado pela evolução da tecnologia, mas também pelas demandas sociais. Conforme o autor, “um meio de comunicação social é um dispositivo tecnológico de produção-reprodução de mensagens associado a determinadas condições de produção e a determinadas modalidades (ou práticas) de recepção de ditas mensagens” (VERÓN, 1997, p. 13). Com essa definição, Verón delimita quais meios se encaixam nesse conceito e que tipo de relação define o que o torna meio de comunicação ou não. Daí se origina a dimensão coletiva que Verón (1997) se refere, pois ela deve satisfazer o critério de acesso plural às mensagens das quais o meio é suporte. O interessante é precisar a natureza dessas condições. A maneira que os meios de comunicação tem se instalado nas sociedades industriais faz com que essas condições sejam estritamente econômicas: o acesso aos meios é pago, direta ou indiretamente. Isto permite definir o setor dos meios de comunicação como um mercado e caracterizar o conjunto como oferta discursiva (VERÓN, 1997, p. 13-14)
Eliseo Verón esquematiza como as mídias agem no processo de midiatização da sociedade. Conforme o diagrama, as mídias ocupam um lugar central na sociedade, e agem sobre todos os processos de troca entre instituições e atores sociais, bem como sofre influência deles.
Instituições
C1
C3
Mídias
C2
Atores individuais
C4
As mídias também são instituições, mas devem ser distinguidas em razão da sua centralidade necessária para entender a midiatização. As instituições designam as organizações da sociedade que não são entendidas como meios, e os atores são individuais para excluir dessa classificação os atores sociais coletivos, pois é justamente à formação desses coletivos que se referem as letras C postas sobre as setas duplas. Verón (1997) explica o porquê disso ao elucidar que “cidadãos”, por exemplo, “designa
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um coletivo que articula os atores individuais às instituições do sistema político democrático” (1997, p. 15). As relações de seta dupla são as mais importantes para o entendimento do processo de midiatização. Eliseo Verón exemplifica cada uma dessas relações, e para esse trabalho cada um terá sua importância na análise. Em C1, Verón (1997) relata a questão da relação entre meios e sistema político, afinidade que tem provocado transformações nas modalidades de administração governamental nos países democráticos, não somente na sociedade civil, mas também nos mecanismos internos de governo. “As transformações nos modos de funcionamento do sistema político afetam por sua vez aos meios; modificam, por exemplo, as modalidades de construção dos programas jornalísticos na televisão” (1997, p. 16). Em C2, incluem-se todos os processos que afetam o indivíduo, e aí se podem elencar os setores da vida cotidiana que os meios têm influenciado nos últimos trinta anos: relações familiares, saúde, vida amorosa, alimentação, utilização do tempo livre. Em C3, o autor discorre sobre a transformação da cultura interna das organizações por obra da midiatização. O item C4, por fim, “evoca as questões que tocam aos processos pelos quais os meios afetam a relação dos atores individuais com as instituições” (1997, p. 16). O processo de midiatização, baseado no esquema proposto por Eliseo Verón para a semiose da midiatização, e também nos estudos de Antônio Fausto Neto, vão reger a análise das relações entre os campos sociais e como a mídia conduziu esse processo de mudança – do futebol argentino transmitido por TV fechada até a instituição do programa que transmite por TV aberta todos os jogos do campeonato principal. Tomando como base o esquema de Verón (1997, p. 15), o processo de mudança que ocorreu na Argentina está inscrito entre as Instituições (Governo e AFA), Mídias (Grupo Clarín e TV Pública) e Atores Individuais (composto por indivíduos que, integrados posteriormente a coletivos, agregam a categoria dos telespectadores, torcedores de futebol e também eleitores). A TV Pública opera como mídia sob uma lógica institucional, seguindo os preceitos e ideologias do governo Kirchner, tendo uma lógica de atuação ambígua. No esquema, os processos de midiatização estão indicados pelos coletivos, representados pelas letras “C”, e são elas que guiam a análise das relações e as processualidades e operações midiáticas. A partir de “C1”, busca-se compreender de que forma o Grupo Clarín se relacionava com o Governo antes da implantação do programa Fútbol para Todos e como essa relação foi afetada. Em “C4”, tem-se o
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aspecto central da análise: entender como as mídias afetam a relação do governo com os atores, e aí será interessante compreender como o Clarín tratou a intervenção do governo num contrato comercial de direitos de transmissão, de propriedade da empresa, e construiu seus discursos sobre o argumento oficial do governo de que todos deveriam ter acesso ao futebol. Em decorrências das relações construídas em “C2”, poderia ser investigado em outro estudo como os atores individuais reagiram à mudança cultural que, após o fato, o permitia assistir todos os jogos do seu time pela TV aberta – e como consequência, consumir a propaganda governamental disponibilizada na TV Pública. Em “C3”, o foco seria como a implantação do programa influiu na relação dos atores individuais com a popularidade e/ou a imagem do governo Kirchner. Diante do problema de pesquisa, sugere-se um diagrama para visualizar as ações, relações e interações entre os campos sociais envolvidos – esportivo, político, midiático:
Ações, relações e interações entre campos durante a implantação do Fútbol para Todos
Governo Kirchner
Campo político AFA
Campo esportivo
TV Pública
Clarín
Campo midiático
Como o objetivo da análise é compreender as relações entre campos midiático, político e esportivo durante a implantação do Fútbol para Todos, foca-se a análise em como o Grupo Clarín repercutiu o fato, as estratégias realizadas pelo Governo para instituir o programa e como a AFA muda seu modo de agir a partir desse momento. Considera-se que dentro do campo esportivo estejam os profissionais do esporte, equipe técnica, dirigentes e gestores. O campo político é constituído por governantes (governo Kirchner), legisladores, ministros de Estado que integram as instâncias de poder. Já o
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campo midiático é formado pelos profissionais da informação e pelas empresas jornalísticas (Grupo Clarín). Essa delimitação é importante para o processo de análise, mas antes é preciso descrever as estratégias metodológicas.
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3 ANÁLISE DA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA FÚTBOL PARA TODOS O capítulo aborda as negociações e os conflitos ocorridos no processo de implementação do programa Fútbol para Todos. As relações entre os campos sociais no contexto do processo de midiatização serão analisadas em cinco episódios, definidos a partir de pré-leituras dos materiais e organização dos conteúdos dos enunciados publicados no jornal Clarín e nos websites da AFA e da Casa Rosada. A seguir, delimita-se as estratégias metodológicas que serão utilizadas para o estudo, e a definição do corpus de pesquisa.
3.1 Estratégias metodológicas
A pesquisa qualitativa percorre caminhos que são baseados em percepções e interpretações. Conforme Bauer, Gaskell e Allum (2000), normalmente ela é considerada apenas um estágio exploratório para que depois haja uma sistematização de dados para análise. No entanto, as pesquisas qualitativa e quantitativa estão sempre associadas, pois os números também precisam ser interpretados, e a interpretação precisa ser sistematizada. Há uma restrição maior nas pesquisas qualitativas em relação a sua clareza e sua orientação literária. Bauer, Gaskell e Allum (2000, p. 27) afirmam que ela é um “pesadelo didático”, pela dificuldade em demarcar elementos e critérios de seleção dos materiais. Para isso, “a pesquisa qualitativa necessita desenvolver equivalentes funcionais” (2000, p. 27), o que faz necessário reforçar a autonomia e a credibilidade da pesquisa com padrões claros, seja por meio de exemplos ou critérios abstratos. O primeiro movimento de pesquisa foi a observação. Foi assim que ocorreram as primeiras impressões sobre as mudanças no futebol argentino, em 2009, quando em viagem à Argentina. Naquele momento, pode-se vivenciar um ambiente em que o futebol, além de ser assunto cotidiano, era assistido do início da tarde até o fim da noite, com a transmissão ao vivo de todos os jogos da Primera Nacional em TV aberta. A observação foi determinante para que se criasse o interesse em estudar um caso que, à primeira vista, já tornava perceptível que, além de uma simples troca de detentores dos
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direitos de transmissão, havia um interesse político naquela medida, haja vista por exemplo a própria propaganda do Governo nos intervalos das partidas. O fato de um governo instituir um programa nacional que vise o acesso às transmissões do futebol através da televisão pública parecia singular na medida em que com esse ato o governo quebrava uma lógica de contrato de grupos comerciais com a associação que gere o futebol na Argentina, a AFA. No Brasil, no primeiro semestre de 2011, houve a renegociação dos contratos de direitos televisivos no futebol. O Clube dos 13 era quem intermediava a distribuição dos valores pagos pela TV, no caso a Rede Globo. O processo era feito por licitação, com preferência para a contratante em vigor. A Rede TV! foi a vencedora da licitação, mas efetivamente ela só aconteceria se todos os clubes assinassem o contrato. Algumas agremiações encabeçaram um processo de dissolução com o Clube dos 13, insatisfeitos com a divisão dos valores feita pela entidade, e foram negociar individualmente com as emissoras 7. Vários clubes seguiram os mesmos passos, e assinaram contratos lucrativos com a Rede Globo, agora sem a intermediação da entidade. A medida resultou no enfraquecimento do Clube dos 13 8 e numa disparidade maior entre o dinheiro recebido pelo maior e pelo menor contrato, o que em longo prazo pode significar uma desigualdade econômica entre os clubes. O caso brasileiro, no entanto, não teve intervenção governamental, e a interferência do campo político se limitou às dissonâncias entre os mandatários da Confederação Brasileira de Futebol, do Clube dos 13 e da Rede Globo. Esse caso, porém, não cabe a esse trabalho e só foi citado para contextualização. Para o estudo, além dos conceitos já discutidos no primeiro e segundo capítulos, serão utilizadas fontes como Mochkofsky (2011) e Majul (2009) que, baseadas em investigações, mostram os bastidores das relações entre governo e Clarín no contexto da implantação do programa Fútbol para Todos. Utiliza-se as investigações relatadas em livros e artigos para entender o contexto e as relações hierárquicas entre setores do governo. Para compreender o processo de midiatização desse fato e delinear as relações entre os campos sociais envolvidos na instituição do programa FPT, analisa-se matérias veiculadas no Clarín e os websites oficiais da AFA e da Casa Rosada. Para analisar a
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http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2011/03/c-13-anuncia-vencedor-da-licitacao-dos-direitosde-transmissao-do-brasileiro.html. Acesso em 02/11/2011. 8 http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5352486-EI6598,00.html. Acesso em 02/11/2011.
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forma como o Grupo Clarín tratou a implantação do programa Fútbol para Todos e legitimou a ação governamental, recorre-se às reportagens veiculadas no jornal Clarín no contexto do acontecimento. O discurso presidencial publicado no website oficial do governo e que trata sobre o programa também será analisado, assim como notícias veiculadas pelo website oficial da AFA. A estratégia metodológica para investigar as relações entre os campos sociais decorrentes da instituição do Fútbol para Todos, será a análise semiológica dos três dispositivos de enunciação eleitos para tal: jornal e seus dispositivos de organização interna (antetítulo, título e subtítulo), e notícias publicadas nos websites da AFA e da Casa Rosada. Sabe-se que a analise semiológica versa sobre o contexto e sua totalidade de construção midiática, o que não vai ser possível de ser feita nesse caso em função da delimitação do problema e a indisponibilidade de todos os materiais. Busca-se aplicar alguns preceitos da análise semiológica para entender as relações entre os campos no contexto de uma sociedade em vias de midiatização. Eliseo Verón aponta um aspecto analítico importante para que se compreendam as relações discursivas entre os campos sociais envolvidos. A análise semiológica de terceira geração versa sobre os “efeitos de sentido”. “A análise semiológica tem por objetivo destacar e descrever todas as operações que, no discurso do suporte, determinam a posição do enunciador e, como consequência, a do destinatário” (VERÓN, 2005, p. 233). Na busca dessa análise, pode-se estudar a posição didática, a transparência ou a opacidade, a distância ou o diálogo, a objetividade ou a cumplicidade. Uma mensagem, segundo o autor, nunca produz um sentido espontâneo, pois todo discurso “desenha um campo de efeitos de sentido” (2005, p. 216). O sentido é produzido no plano da enunciação, descrito e diferenciado por Verón (2005), quando explica que o enunciado é o que é dito, o que é conteúdo, e a enunciação contém os seus modos de dizer. A distinção entre enunciado e enunciação é evidente no discurso da imprensa escrita. Em um discurso, as modalidades do dizer, conforme Verón (2005, p. 217), constroem o dispositivo de enunciação, que comporta: 1) o enunciador, contendo a relação daquele que fala com o que ele diz; 2) o destinatário, construído pelo produtor de discurso para definir a quem o discurso é endereçado; e 3) a relação entre o enunciador e o destinatário, proposta no e pelo discurso. O autor faz três observações sobre a análise: 1) ela nunca trabalha sobre um único suporte, e sim num universo de concorrência, definindo-a sempre como comparativa; 2) as operações devem ser regulares a fim de dar estabilidade à relação
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suporte/leitor; e 3) compreende as relações entre a identificação e a descrição da operação, numa lógica de conjunto com eventuais incoerências e contradições. A partir dessas observações, busca-se analisar a relacionalidade entre os discursos de Clarín, Governo e AFA, e as operações mais recorrentes. A partir de pré-leituras anteriores, elegeu-se para a análise enunciados que explicitam as relações entre os campos e também aqueles que denotam negociações e conflitos em datas marcantes.
3.2 Definição do corpus
Como dito na introdução, o objetivo do trabalho é analisar as relações entre campos via processos midiáticos durante a implantação do programa Fútbol para Todos. Para tal, selecionou-se reportagens do jornal Clarín, veículo impresso diário de maior circulação da Argentina (circulação média de 583.625 exemplares aos domingos e 290.915 exemplares diários) 9, notícias e discursos publicados no site oficial da Presidência da República do Governo Argentino e notícias publicadas no site oficial da Asociación del Fútbol Argentino. O intervalo de coleta de materiais compreende de 23 de julho a 22 de agosto de 2009. Os acontecimentos que marcam essas datas são, respectivamente, o dia em que o Clarín publica matéria em que a Futbolistas Argentinos Agremiados (FAA) manifesta seu descontentamento com os salários atrasados dos jogadores e diz que o campeonato não deve começar até que se resolva isso, e dois dias após o anúncio oficial realizado pela presidenta Cristina junto à AFA, quando o Clarín repercute os discursos daquela noite. Durante os 30 dias, foram publicados 65 textos no jornal Clarín com referências a negociações e conflitos, sendo reportagens com a cobertura do caso, repercussões em instâncias não envolvidas diretamente– como políticos de oposição, organizações comerciais e vítimas da ditadura –, entrevistas e colunas opinativas. No site da Casa Rosada, nesse mesmo período, foram publicados quatro textos sobre o assunto, sendo duas notícias elaboradas pela assessoria de imprensa e duas transcrições: uma coletiva de imprensa, com Aníbal Fernández, chefe do gabinete de ministros, e José Luis Meiszner, secretário executivo da AFA, e um discurso de Cristina Kirchner. No site da AFA, quatro notícias produzidas pela assessoria de imprensa relatam o acontecimento e
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Dados do Instituto Verificador de Circulación (IVC) referentes ao 3º trimestre de 2011.
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disponibilizam o discurso do presidente da AFA, Julio Grondona, trechos das falas oficiais de Cristina Kirchner, Aníbal Fernández e José Luis Meiszner. O conteúdo desses trechos a serem analisados está na íntegra nos respectivos websites. Como o estudo não versa sobre a cobertura do Clarín, e sim sobre o processo de midiatização desse acontecimento na relação entre os campos sociais, faz-se a análise a partir de episódios que se baseiam nas reportagens veiculadas no diário Clarín e nos textos oficiais publicados no site da Casa Rosada. Informações coletadas em investigações de Mochkofsky (2011) e Majul (2009), também serão utilizados por tratar do contexto do acontecimento. É necessário, para isso, diferenciar acontecimento de notícia. Alsina (1989) conceitua o acontecimento como “um fenômeno de percepção do sistema, enquanto que a notícia é um fenômeno de geração do sistema” (1989, p. 92). Ou seja, o primeiro é a informação na origem do acontecido, sem influências editoriais e/ou investigações de terceiros, enquanto o segundo é o evento já tratado em linhas de construção da notícia. O autor ressalta que deve se tomar sempre um ponto de referência, pois sistemas distintos podem tratar ou não certos acontecimentos como notícia. De acordo com o conceito de Alsina (1989), deduz-se que cada fato social é sempre um potencial acontecimento para as mídias, e cada notícia é sempre um potencial acontecimento para a sociedade. O controle do acontecimento transformado em notícia pelos meios de comunicação “é produto da mediação da instituição comunicativa” (1989, p. 94), ou seja, as empresas ou associações comunicacionais, através de suas linhas editoriais, delimitam o acontecimento que pode se tornar de conhecimento geral e se transformar em acontecimento que pode ser amplificado de acordo com a avaliação de cada mídia. O acontecimento é compreendido enquanto uma construção, pois depende de inúmeros fatores, como o contexto de sua publicização, a linha editorial, o interesse ideológico, político e econômico em outros desdobramentos. É o dispositivo midiático que dá forma a esses acontecimentos por meio do trabalho da linguagem, em que não há jornalismo sem processos de enunciação. Para fins de análise, considera-se títulos (T), antetítulos (AT) e subtítulos (ST) de textos de gêneros jornalísticos informativos publicados no Clarín, conforme definição de Erbolato (1998), que são nota, notícia, reportagem e entrevista. Em relação a AFA analisam-se notícias publicadas no website oficial e o discurso do presidente Julio Grondona, transcrito em um dos materiais. Já no caso da presidência, além de
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analisar notícias veiculadas no website, também se analisa uma coletiva de imprensa e o discurso presidencial de Cristina Kirchner.
3.3 As relações em cinco episódios
A partir de pré-leituras dos materiais, definiu-se para análise cinco episódios do processo de instituição do programa FPT: 1) A exigência da FAA: salário em dia para o campeonato começar 2) AFA busca solução: TV e Estado 3) Quebra de contrato com a TV 4) A negociação do Governo com a AFA 5) A oficialização do acordo AFA/Estado
Cronologicamente, os episódios não seguem uma sequência rígida, pois aspectos centrais de cada evento entram em contato com características dos anteriores ou posteriores. Ou seja, um episódio não se termina para que o seguinte comece. Para dar uniformidade ao material de análise, de todos os materiais produzidos pelo Clarín, excluem-se as colunas opinativas publicadas no jornal, já que cada uma trata da opinião pessoal de seus colunistas e que, embora façam parte da empresa, não necessariamente expressam a opinião do jornal. Para selecionar o material que trata sobre as relações de campos, descarta-se também todos os textos que tratam apenas sobre um campo social, como os que detalham as dívidas de cada clube com os jogadores, ou aprofundamentos sobre questões que ficam em segundo plano, como o funcionamento do Prode bancado, espécie de loteria esportiva que funciona na clandestinidade na Argentina e que possibilitaria a participação dos clubes nos valores movimentados que envolvessem suas marcas, ou repercussões onde o caso é tratado com superficialidade e não é o assunto principal da notícia.
3.3.1 Episódio 1 – A exigência da FAA: salários em dia
Para análise desse episódio selecionou-se antetítulo (AT), título (T) e subtítulo (ST) de sete matérias (M) publicadas no jornal Clarín, de 21 a 29 de julho de 2009. Ressalta-se que a análise busca centrar-se no contexto em que esses episódios
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ocorreram, como sugere Verón (2005), e não se foca em analisar cada um dos enunciados. O episódio se refere ao momento em que os clubes argentinos enfrentam sucessivas crises financeiras que comprometem os balanços econômicos da folha de pagamento dos jogadores. Em 2009, o problema foi agravado pela crise financeira mundial do ano anterior, e as receitas provenientes de transferências de jogadores para a Europa, fonte de equilíbrio para as contas dos clubes, foram drasticamente reduzidas.
Formato Texto M1 AT
Sergio Marchi, Secretario General de Agremiados
T
“Así, el torneo Apertura no debería empezar”
ST
Casi la mitad de los clubes de Primera deben dinero a sus
Data 21/07
planteles. Marchi ataca al sistema. M2 AT
El fútbol en crisis
T
Alerta máxima
ST
Los clubes les deben $ 40 millones a los jugadores, muchos
22/07
de los cuales intiman para quedar libres. M3 AT
Equipos en crisis: Julio Grondona quiere retomar con Aníbal 23/07 Fernández el diálogo que mantenía con el anterior Jefe de Gabinete, Sergio Massa
T
La AFA busca apoyo político y le exige control a los clubes
ST
“Van a tener que poner a los pibes”, advirtió Grondona por el dinero que deben las instituciones.
M4 AT
La crisis en el fútbol: se postergó la Primera B y pasará lo 28/07 mismo con el resto de las categorías
T
Por la deuda de los clubes no comienza el ascenso
ST
También peligra el comienzo del Apertura si no se encuentra un alivio económico.
M5 AT T M6 AT T
La crisis en el fútbol
28/07
¿A qué juega cada uno? La crisis en el fútbol: la reunión de los dirigentes de la B En una mesa chica con enojos y coincidencias
28/07
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Formato Texto M7 AT
Data
La crisis en el fútbol: los clubes tienen plazo hasta el 11 de 29/07 agosto para cancelar las deudas
T
El fútbol no empieza si no les pagan a los jugadores
ST
El comienzo del Apertura está previsto para el 14 de agosto. Los dirigentes buscan más recursos.
Tabela de enunciados referente ao episódio 1.
A manifestação de Sergio Marchi, secretário geral da FAA, em M1, dá início a uma série de greves e negociações no campo esportivo. A entidade, representativa dos jogadores de futebol dos clubes profissionais, reivindica o pagamento de uma dívida de 40 milhões de pesos em salários atrasados aos jogadores. O jornal Clarín, ao publicar a primeira reportagem sobre o acontecimento, já coloca como título da reportagem um trecho que naquele momento impactaria o campo esportivo. Nesse caso, o Clarín toma o discurso como seu, e mostra o risco que há de o Campeonato Argentino não começar na data marcada. Com essa apropriação, o jornal se posiciona ao lado de Marchi, que por sua vez está colocado numa posição de aparente confrontação com os dirigentes e com a AFA. Além disso, quando cita que “Marchi ataca o sistema” (M1/ST), o Clarín também mostra sua crítica a um sistema que prejudica a economia dos clubes, por acreditar também que há descuido por parte dos dirigentes. Nota-se que no campo esportivo há relações de desigualdade, pois em M1/ST afirma-se que “metade dos clubes da Primera devem dinheiro a seus plantéis”. Isso denota que existam clubes alheios aos problemas econômicos ao qual Marchi critica, da mesma forma que há relações constantes (BOURDIEU, 1997), como a dependência política dos clubes ao presidente Julio Grondona, que tem o poder de intervir e negociar soluções com outros campos. Essa confrontação toma como contextualização a investigação de Majul (2009), que afirma que as reclamações da FAA foram premeditadas pela AFA, por esta já estar ciente de um interesse do Estado em investir no futebol. Essa posição se torna possível, mas não evidente, quando o Clarín informa que Grondona costumava dialogar com o governo através do ex-chefe de gabinete Sergio Massa. Assim, por meio de um discurso feito a jornalistas de veículos de grande circulação, entre eles o Clarín, foi colocado em público o problema econômico que, embora tratado como urgente por Marchi, já se arrastava a pelo menos um ano.
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No dia seguinte, o Clarín cria um antetítulo para caracterizar as notícias que dali em diante se tornariam recorrentes: “el fútbol en crisis” (M1/AT), ou termos variantes. O jornal produz um sinal de alerta para que os clubes resolvam suas dívidas, pois o começo do campeonato está em xeque, e as informações sobre a dívida reivindicada pela FAA ganha um valor exato: 40 milhões de pesos. Há uma evidente preocupação com a questão financeira, e ela é aprofundada ainda em função da declaração de Marchi no dia anterior, fato que levou os jornalistas do Clarín a apurarem quais eram os problemas e como as reclamações judiciais transcorriam. O campo midiático começa a tratar o caso como um problema econômico, desvinculado já da culpa atribuída ao campo esportivo, ao citar que “muitos dos quais (jogadores) intimam para ficar livres” (M2/ST). Na matéria 3, nota-se o destaque às ações do presidente da AFA, Julio Grondona, movimentando-se em busca de soluções para os clubes, embora os ameace caso não saldem suas dívidas, quando diz que as agremiações vão ter que por os garotos da base para jogar (M3/ST). No dia 27 de agosto, aparece a primeira referência à possibilidade de integrar o Estado em uma negociação para auxiliar os clubes. Nesse episódio do conflito, as estratégias discursivas do Clarín tendem a se manter ao lado da FAA, defendendo o pagamento da dívida aos jogadores, e trata-se com cautela a aproximação da AFA com o governo. O Clarín destaca que uma aproximação com o governo já existia anteriormente (M3/AT), com Sergio Massa, ex-chefe de gabinete, mas não expõe aos leitores a noção do contexto que se instaurava e que o governo já tendia a encaminhar. O contexto trata, conforme Majul (2009), de uma série de medidas intencionadas pelo governo Kirchner para enfraquecer o Grupo Clarín, dentre as quais era ponto chave a retirada da empresa do negócio do futebol. De 23 a 27 de julho, o Clarín silencia, e não publica nenhuma notícia sobre a crise do futebol. Salienta-se a ausência da fala de Sergio Marchi, da FAA, que não viria a se manifestar novamente até que a negociação do governo com a AFA avançasse. Em 28 de julho, o Clarín antecipa pela manhã o que viria a ser decidido na noite do mesmo dia em reunião do Comitê Executivo da AFA 10: o adiamento do começo do Campeonato Argentino (M4/AT), a começar pelas divisões inferiores, que de acordo com o calendário, teriam início no dia 1º de agosto. Determina-se também o adiamento da Primera B para dia 14 de agosto, data prevista para o início da Primera Nacional. Até 10
Relatório da reunião do Comitê Executivo da AFA do dia 28/07/2009: http://www.afa.org.ar/images/stories/boletines/4303_29-07-2009.pdf. Acesso em 07/11/2011.
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então, o que se destaca são as fortes cobranças sobre a dívida dos clubes, tratadas em algumas reportagens como incompetências administrativas. A AFA, porém, segue um caminho inverso de negociação, de acordo com as enunciações do jornal, o que mostra a dissonância entre a opinião do Clarín sobre a crise e a opinião da entidade gestora do futebol. Nesse ínterim, a AFA pressiona os clubes para que coloquem fim à dívida, mas trabalha buscando negociações que incrementem as receitas da instituição, eximindo de culpa os erros administrativos dos clubes. O Clarín interpreta também que o atraso no início dos campeonatos é uma tentativa da AFA em buscar mais recursos através da renegociação dos direitos de transmissão com a TV e em regulamentar o Prode bancado. O acontecimento nasceu no campo esportivo. Conforme Bourdieu (1983), as relações do campo levaram a uma crítica entre os membros pertencentes ao grupo que assegura o domínio da experiência no que tange ao futebol e todas as suas vertentes. Para esse campo, a instituição que detém o domínio na Argentina, que dita as regras e que pode intervir com sanções é a AFA. Porém, o momento em que o campo esportivo se valeu do campo midiático para legitimar o conhecimento exotérico, nos termos de Rodrigues (1999) – as dívidas que fariam atrasar o início do campeonato – partiu das palavras de Sergio Marchi, quando após reunião no sindicato dos jogadores, conversou com jornalistas e publicizou o caso. Em situações do passado, quando houve reivindicação de salários atrasados, a instituição não investiu a fundo na resolução do problema, como relata o Clarín sobre o Pacto de Ezeiza, acordado em 1999 como um compromisso dos clubes divulgarem anualmente seus balanços financeiros. Tal acordo foi posto em prática por poucos clubes, e os que o honraram, durante esse caso não enfrentavam dívidas com salários. A AFA, através do mandatário Julio Grondona, legitimou a crítica da FAA e relacionou-se com outros campos sociais em busca de uma solução. Seus membros, os clubes de futebol, aceitaram a crítica e buscaram soluções mediante essas ameaças. No entanto, as advertências de Grondona não intimidaram dirigentes de clubes endividados, que sob a tutela do chefe não corriam riscos de sofrer sanções. A relação do Clarín com o seu leitor é estável e contínua, conforme análise semiológica de Verón (2005). Os enunciados desse episódio mostram que a postura editorial foi dada: apoio ao pagamento das dívidas; crítica à má administração financeira dos clubes; e apreensão pelo adiamento do começo do torneio e uma desconfiança sobre Grondona quanto aos motivos para isso. As negociações caminhariam na tentativa de
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pressionar a TV (por um aumento no contrato) e o governo (pela regulamentação de um sistema de loterias) e, assim, buscar recursos para salvar os problemas financeiros causados pelos próprios clubes. O Clarín não se opõe à participação do Estado na mesa de debates, mas tende a entender que sua intervenção se limita a questões legais pela implantação do Prode bancado. Os dispositivos de enunciação do Clarín começam a mudar no momento em que as primeiras negociações sem sucesso da AFA com a TV acontecem, como se verá no episódio seguinte.
3.3.2 Episódio 2 – AFA busca solução: negociar com TV e Estado Nos enunciados do Clarín, sempre ficou claro que a reivindicação da AFA junto ao governo era a regulamentação do Prode bancado. Para aprofundar o tema, o jornal elaborou uma série de reportagens explicando como funcionaria, lembrou de escândalos envolvendo apostas na Europa e como funcionava o jogo na Argentina. Influenciados pelos discursos de integrantes do Comitê Executivo da AFA, o Clarín em nenhum momento citou a possibilidade dos direitos de transmissão do futebol serem envolvidos na negociação com o governo. Pode-se conjeturar que há uma lógica de mercado, em vigor há décadas, de que o futebol é um negócio, os direitos de transmissão são um produto comercial e que há um preço de mercado a se pagar por isso. Inseridos nessa relação, o Clarín não supõe em nenhum momento que o campo político, representado pelo governo Kirchner e por seu braço midiático, a TV Pública, pudessem interferir em um contrato firmado desde 1991 e que vigoraria até 2014.
M8
Formato Texto
Data
AT
29/07
Héctor Domínguez, la voz de la AFA en el tema del Prode bancado
M9
T
“No hay que modificar la ley”
AT
Pelota parada: el jefe de Gabinete, Aníbal Fernández, aclaró que manejan tiempos distintos a los de la AFA
T
“El fútbol no debe resolver sus problemas con el Estado”
ST
Fernández recibirá a Grondona y a Marchi, pero todavía no se sabe cuándo será el encuentro.
30/07
55
Formato Texto M10 AT
La crisis del fútbol: aunque seguirán negociando, el Comité
Data 05/08
Ejecutivo jugó a fondo en una votación unánime T
La AFA presiona y dice que no empezarán los torneos
ST
Pretende más dinero por la televisación. Y que el Estado pague la seguridad y apruebe el Prode bancado
M11 AT T M12 AT
La crisis del fútbol
05/08
Compromiso ante la AFIP para cancelar las deudas La crisis del fútbol: todavía no hay avances en las
06/08
negociaciones por el conflicto que frena la actividad T
Por ahora, la pelota sigue parada
ST
Grondona mantiene la decisión de no largar el Apertura el viernes 14 en reclamo de más dinero.
M13 AT
La semana pasada, la empresa dueña de los derechos de
07/08
televisación le entregó tres cheques a Julio Grondona T
La AFA ya cobró un adelanto de 45 millones de pesos
ST
Lo había pedido cuando comenzó el conflicto. Y ahora no acepta otro adelanto de 40 millones.
Tabela de enunciados referente ao episódio 2.
No decorrer do episódio, o jornal se apropria de duas citações para intitular suas reportagens. Em M8/T, nota-se uma fala referente, em um âmbito primeiramente geral, à manutenção do status quo. Esse é o primeiro recurso textual que o leitor tem contato. Imediatamente, porém, a contextualização posta em AT explica que já há pressupostos para a implantação do Prode bancado, sem que as leis precisem ser alteradas. Já em M9/T, há uma declaração forte de Aníbal Fernández, cargo de confiança de Cristina Kirchner: “el fútbol no debe resolver sus problemas con el Estado”. Fernández virá a se tornar, conforme mostram Majul (2009) e Mochkofsky (2011), um dos principais mediadores da negociação entre a AFA e o Governo. A peculiaridade é que o Clarín usa o discurso de alguém do campo político, do governo, para manifestar um pensamento que viria a ser bastante difundido criticamente pelo jornal com o desenrolar do acontecimento. O destaque que o veículo deu à fala também significa a vontade por parte do Grupo Clarín, como instituição dotada de hierarquias e estruturas de
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funcionamento baseados nos interesses empresariais, e não só como mídia, de que o governo não interfira em um negócio privado. Em M9/ST, ainda, o jornal declara que Fernández deve se encontrar com Grondona e Marchi, só não se sabe quando. A indefinição reflete em um novo intervalo de silenciamento de 30 de julho até 4 de agosto. O silenciamento, assim como ocorreu no episódio anterior, evidencia um momento de negociações a serem feitas pelo campo midiático. Houve, nesse instante, uma participação da empresa detentora dos direitos de transmissão nas negociações, o que até então era apenas cogitado. A situação demarca uma reserva do que era expressão especializada, e que naquele momento não apresentava legitimidade para se tornar público, como cita Rodrigues (1999), pois a negociação em curso envolvia o campo esportivo e o campo midiático. O que o campo esportivo reservava para si naquela ocasião era justamente a negociação que ocorria com o governo Kirchner. Quando o assunto da crise no futebol é retomado, há um posicionamento enfático do Clarín em mostrar que a AFA pressiona, tanto por um dinheiro da TV quanto por medidas do Governo. Além disso, cita uma negociação com a Administración Federal de Ingresos Públicos (AFIP) para saldar as dívidas. O intuito é mostrar a intensificação da aproximação entre Governo e AFA. Conforme Majul (2009), Julio Grondona recusou em público, no dia 4 de agosto, um adiantamento de 40 milhões de pesos proposto pela TV, suficientes para saldar a dívida, embora o valor estivesse incluso já no contrato em vigor. Na mesma noite Grondona se encontrou com Néstor Kirchner no retiro presidencial em Olivos, a fim de garantirem a viabilidade do acordo. As duas propostas de adiantamento não foram noticiadas pelo Clarín logo após o ocorrido, demarcando a posição do jornal em não veicular as negociações da empresa até que isso pudesse se tornar uma espécie de defesa da credibilidade do campo midiático. O momento de crise segue sem definição após novas tentativas de negociação da AFA com a TV, como é tratado em M12 (“no hay avances en las negociaciones por el conflicto que frena la actividad”). Após isso, no entanto, o Clarín divulga um fato novo, que até então não havia sido publicado, e que põe a empresa Clarín na posição de atingido. Em M13, no contexto de negociações com a TV que não avançam (M13/AT), e em meio a rumores confirmados por Majul (2009) de que Grondona já teria se encontrado com Kirchner para tratar sobre os direitos de transmissão do futebol, o jornal publica que já houve um adiantamento de 45 milhões, acertado com a entidade no início
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do conflito, e que o valor reivindicado pela AFA para que o campeonato começasse também já tinha sido oferecido, embora negado. A partir da matéria 12, portanto, há uma aceleração no regime de funcionamento do campo midiático (RODRIGUES, 1999). Isso porque o Clarín nota que há uma ameaça ao seu conjunto de valores, instituídos pelas práticas empresariais do negócio do futebol. Decorre disso a sequência de matérias denunciativas com o uso de fontes que naturalmente estão ao acesso da empresa, por se tratarem de acionistas e executivos que administram e fazem parte da estrutura empresarial do meio, mas que até então não eram publicizadas. A nova postura da empresa frente ao acontecimento será tratada no episódio seguinte.
3.3.3 Episódio 3 – Quebra de contrato com a TV
A posição desfavorável na negociação com a AFA colocou o Clarín em um estado de alerta. A empresa começava a medir fatos que tendiam a um desacerto com o campo esportivo. As evidências de aproximação do Governo com a AFA acarretaram na recorrência do Clarín àquelas fontes que estão inseridas no corpo social do campo midiático. O regime de funcionamento acelerado do campo midiático proporcionou uma reação imediata por parte do campo esportivo, como pode se ver na sequência de enunciados publicados pelo jornal.
Formato Texto M14 AT
El conflicto del fútbol: Marcelo Bombau, presidente de TyC,
Data 09/08
denuncía la maniobra para romper el contrato de televisación de los partidos T
“Los dirigentes no saben del pacto Grondona-Kirchner”
ST
Dice que el Estado pondría entre 500 y 600 millones de pesos para llevarse todo el fútbol al Canal 7.
M15 AT T M16 AT T
Dicen que el Kirchnerismo confunde las prioridades
09/08
La oposición salió a criticar la injerencia del Estado La crisis del fútbol El conflicto está en tiempo de reuniones y de dudas
10/08
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Formato Texto ST
Data
Julio Grondona habría convocado a los dirigentes para una charla hoy. Quiere adelantarse a la TV.
M17 AT
El conflicto del fútbol: reunión de los dirigentes con Julio
11/08
Grondona en Ezeiza T
La AFA planea que el fútbol vuelva, con o sin televisación
ST
El Apertura empezaría con una semana de atraso. Hoy, reunión clave del Comité Ejecutivo.
M18 AT
Reacciones de oficialistas y opositores
T
Un conflicto que ya tiene fuerte impacto político
ST
El jefe de Gabinete, Aníbal Fernández, niega la existencia
11/08
de un encuentro entre Kirchner y Grondona. M19 AT T M20 AT T M21 AT
El reclamo por la deuda con los jugadores
11/08
El puntapié inicial lo dio Agremiados Polémica por la determinación de la AFA
12/08
Lo que desató la rescisión La crisis del fútbol: el titular de TyC evaluó que los clubes
13/08
“pueden resultar responsables” T
Bombau fue muy duro con Grondona: dijo que traicionó a la empresa
M22 AT
La crisis del fútbol: rechazaron una medida cautelar para
15/08
que la situación se retrotrajera a la previa a la rescisión T
Se inició la batalla judicial por la televisación del fútbol
ST
Crecen las posibilidades de que el Apertura comience el viernes de la semana próxima.
Tabela de enunciados referente ao episódio 3.
Percebe-se uma mudança nos enunciados do jornal Clarín, que começa a tratar o caso como um “conflito”, e não só como “crise” (M14/AT, M17/AT, M18/T). A variação acontece no momento em que o Clarín se torna um ator social, pois começa a ter sua participação como envolvido no negócio. Por crise, entendia-se a dificuldade financeira à qual enfrentavam os clubes, e dessa forma o jornal limitava o problema ao campo esportivo. Quando houve a denúncia de intervenção de um campo sobre outro, o
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antetítulo começou a utilizar a palavra “conflito”, o que mostra o jogo de forças presente nas negociações. A aceleração do regime de funcionamento é visível no dia 9 de agosto, um ponto-chave no conflito. Desde o início do acontecimento, em 23 de julho, executivos ligados à TV não haviam protagonizado matérias publicadas no Clarín. Tal aceleração resulta numa participação mais efetiva do campo midiático como um ator, e não mais como suporte (FAUSTO NETO, 2006). As evidências de aproximação com o governo levaram o jornal a buscar uma fonte que tende a manter alguns valores do meio de comunicação, além de denunciar um “pacto” que haveria entre Grondona e Kirchner (e não necessariamente entre a AFA e o Governo) (M14/T). A entrevista com Marcelo Bombau, presidente da Torneos y Competencias, foi a maneira que o Clarín criou para publicizar uma denúncia que já se tornava suspeita, mas carente de provas. A denúncia explicitada em M14/T (“los dirigentes no saben del pacto Grondona-Kirchner”) alerta aos dirigentes que Bombau supõe que não saibam da negociação. A informação destacada em M14/ST inclui valores cogitados do que o Estado pagaria para levar o futebol ao Canal 7. A entrevista com Bombau é a própria voz da “cultura da mídia”, nos termos de Fausto Neto (2007). O jornal mostra valores que defende serem convenientes e se coloca numa posição não apenas de mediação, mas de referência à dinâmica natural dos negócios que envolvem o futebol como produto comercial. Há a predisposição da sociedade midiatizada em considerar que o televisionamento do futebol é algo que compete ao campo midiático, e que isso esteja inserido nessa lógica. A matéria criou uma reação no campo esportivo. No momento que o Clarín publicizou o pacto e mostrou que nem todos os dirigentes tinham conhecimento, a consequência foi uma mobilização por parte de Grondona para evitar qualquer reação de conflito dentro do campo que pudesse se tornar um empecilho na negociação. O chefe da AFA tratou de convocar uma reunião às pressas com o Comitê Executivo para o dia 10, antecipando-se à reunião da TV com os clubes e também da Sessão Ordinária que ocorreria dia 11. Isso porque, conforme Majul (2009), Bombau convocou uma reunião para o dia 10 com todos os dirigentes para explicar os riscos e as sanções que os clubes sofreriam caso rompessem o contrato unilateralmente. O Clarín publica que Grondona se antecipou e convocou todos os dirigentes para uma reunião às pressas, antes da reunião com a TV (M16/ST).
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O Clarín, nesse instante, publica várias matérias criticando uma possível intervenção do Estado no negócio do futebol (“dicen que el Kirchnerismo confunde las prioridades”, “la oposición salió a criticar la injerencia del Estado”, “un conflicto que ya tiene fuerte impacto político”). Em M15, a oposição governamental ganhou um espaço para criticar a interferência do governo e dizer que o kirchnerismo confunde as prioridades. O conflito começava a aumentar, na medida em que também crescia a mobilização para um acordo entre o campo esportivo e o político. Fica claro que até então o jornal não tratava com imparcialidade o caso, pois sempre esteve posicionado sobre o seu interesse, embora não tenha se utilizado com veemência do recurso midiático para confrontar os envolvidos no conflito. A falta de uma ação mais agressiva por parte do Clarín acontece devido a características do campo midiático em apagar qualquer tipo de simbólica informal (RODRIGUES, 1999). O objetivo é que o campo seja absorvido pela sociedade e que não haja elementos de distinção sobre aqueles que possam se sentir inseridos ou não no corpo social daquele campo. Esse fato também vai ao encontro do que Esteves (1998) explica, sobre como a tensão entre o campo midiático e o econômico pode ameaçar a dinâmica normal de funcionamento das mídias. Foi o que aconteceu, pois se alertava para a possibilidade de a empresa ser excluída de um negócio que envolvia milhões de pesos. Nesse caso, compreende-se que se não bastasse a influência dos imperativos econômicos na dinâmica de funcionamento, havia ainda o risco de uma intervenção política do Estado no controle direto da transmissão do futebol, através da propriedade estatal e com cobertura jurídica. Como conceitua Esteves (1998), o controle político é uma das formas de manipulação do campo midiático, mas há outras mais sutis, que desviam o foco de atenção da mídia. Há de se destacar os indícios de influência política na manifestação de Marchi, secretário geral da FAA, que no início exigiu o pagamento das dívidas, desencadeando uma série de reações e relações entre campos distintos. Desde então, porém, a FAA desaparece da cena pública e não protagoniza nenhum episódio, estando apenas na origem dele. O efeito de tensão existente entre o campo esportivo e o midiático no enunciado M17/T (“La AFA planea que el fútbol vuelva, con o sin televisación”) demonstra a ambição dos campos em regular o domínio de experiência de sua área (RODRIGUES, 1999). Compete à AFA a organização dos torneios de futebol, mas à TV compete o televisionamento, que por isso tem poder de negociação para definir o calendário de jogos. Sem um acordo, a AFA toma para si a organização do calendário, e afirma que os
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jogos podem começar mesmo sem serem transmitidos. Havia, portanto, uma delegação de competência do campo esportivo ao midiático antes do conflito, que foi retomada impositivamente com a quebra do contrato. Na iminência de uma anulação unilateral do acordo, consequentemente a quebra de uma lógica de mercado, houve avidez por parte dos executivos da TV – principalmente a participação de Marcelo Bombau nas negociações – em alardear os riscos que os clubes corriam ao aceitar a rescisão. As declarações públicas de Bombau afetaram o campo esportivo, que sentiam a possibilidade de sofrer ações judiciais, e conforme Majul (2009) essa era a intenção da reunião proposta por Bombau: preocupar os dirigentes e os clubes. Antecipando-se a isso, a reunião de Grondona com os dirigentes tranquilizou novamente o campo esportivo, primeiro com os argumentos judiciais propostos por advogados presentes, e depois com a segurança de que o Estado estando ao lado dos clubes na situação, os protegeria com ampla cobertura jurídica. Oficialistas e oposicionistas ganharam espaço para manifestarem suas opiniões em M18, e mais uma vez foi negado por Aníbal Fernández a existência de um encontro de Kirchner com Grondona (“Aníbal Fernández, niega la existencia de un encuentro entre Kirchner y Grondona”). A negação é um recurso usado para que haja o choque de opiniões, isentando o midiático de responsabilidades, pois a mídia funciona por um sistema de atribuição de competência. Rodrigues (1999) cita a acreditação pelo diploma universitário como um exemplo, mas nesse caso específico a competência à fonte é atribuída ao seu cargo como autoridade oficial representante do Governo Federal. O Clarín, além de mediar o conflito posicionado no centro das tensões e de estar posicionado como campo atingido pela negociação, não deixa de legitimar as fontes oficiais, mas explicita sua opinião ao preencher seus conteúdos com discursos de oposição. Com base em Esteves (1998), podemos afirmar que a relação entre os campos esportivo e político são produzidas em termos formais e explícitos, mas quando essa relação é atravessada pelo campo midiático, ela acontece de maneira implícita, baseada num sistema de compensações mútuas. Em 11 de agosto, 20 dias após a primeira reivindicação da FAA ter sido publicada, o Clarín dá relevância novamente à instituição que deu o “pontapé inicial” para o conflito (“el puntapié inicial lo dio Agremiados”). O destaque é importante porque retoma a opinião que inicialmente pôs o Clarín numa posição de concordância com as reclamações. Há legitimidade para a reclamação, pois não se tratava de uma dívida criada. Sua existência já era sabida e havia reflexos na economia dos clubes
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profissionais, e uma resolução do problema fortaleceria os clubes e incrementaria a administração do futebol. Após a reunião ordinária do Comitê Executivo da AFA, dia 11, houve a decisão conjunta pela quebra unilateral do contrato com a TV. O próximo episódio tratará sobre o assunto e as decorrências dessa reunião. Antes de se analisar o início das tratativas, destaca-se ainda no conflito entre a TV e a AFA uma radicalidade no discurso que o Clarín determina como título em M21 (“Bombau fue muy duro con Grondona: dijo que traicionó a la empresa”). Das palavras de Bombau, o jornal destaca a traição de Grondona para com a empresa, e o início de uma batalha judicial (M22) encaminhada por trâmites legais com acompanhamento jornalístico do meio, ao qual o Estado e a AFA não deram relevância, nem por meio de suas assessorias, nem por discursos de autoridades, e que já no dia 15 de agosto se tornava a primeira derrota da empresa para o aparato judicial que dava segurança ao processo de implementação do programa FPT. O episódio seguinte cronologicamente tem início em meio aos conflitos retratados no episódio 4, pois o Clarín segue investindo em enunciações tensionais com o campo político e esportivo. Os fatos estão permeados em um contexto de aproximação entre esses dois campos, enquanto o midiático trata de acelerar os tensionamentos para defender seus valores próprios que estão em risco nesse momento do acontecimento.
3.3.4 Episódio 4 – A negociação do Governo com a AFA
Após várias negações de conversas e acordos próximos entre os campos político e esportivo por parte do corpo social desses campos, o midiático começa a ter as primeiras evidências concretas e legitimadas pelas instituições de que um acordo entre o governo Kirchner e a AFA caminhavam no mesmo sentido. A partir do conceito de Alsina (1989), nota-se que o acontecimento é transformado em notícia através de processos midiáticos. Cada instituição envolvida nesse trabalho tem seus dispositivos (cita-se os websites da AFA e da Casa Rosada), através das quais o acontecimento é transformado em notícia e no mesmo instante é tomado como um anúncio oficial. Até esse momento, as informações sobre a crise no futebol argentino eram veiculadas pelo ponto de referência da mídia empresarial. Ou seja, todo o conteúdo foi gerado a partir de uma lógica de mercado, pois há a defesa dos direitos privados do Grupo Clarín inseridos nos vários discursos já analisados. Esse ponto de referência segue na produção dos enunciados destacados na tabela abaixo, mas agora há os
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conteúdos produzidos pela AFA e pela Casa Rosada, e esse é o ponto em que o Clarín trata como oficial o acordo e retoma críticas que permeavam os conteúdos desde a origem do conflito. Formato Texto M23 AT
El conflicto del fútbol: lo resolvió el Comité
Veículo
Data
Clarín
12/08
Clarín
13/08
Ejecutivo, que reúne a los representantes de todas las categorías y que preside Julio Grondona T
AFA rompió el contrato con la TV y se asocia al Estado
ST
El gobierno de Cristina adelantará dinero, tomará el contrato y luego pasará a privados.
M24 AT T
La crisis del fútbol El Gobierno y la AFA cierran el acuerdo del fútbol por TV
ST
Hubo dos visitas de dirigentes a la Rosada. Mañana, el anuncio oficial. Ajustan cómo se transmitirá.
M25 Notícia
La Presidenta recibió a dirigentes de la
Presidência 13/08
Asociación de Fútbol Argentino M26 Coletiva Conferencia de Anibal Fernández y José Luis
Presidência 13/08
Meiszner M27 Notícia
La Presidenta recibió en su despacho a Julio
AFA
13/08
Clarín
14/08
Clarín
14/08
Grondona M28 AT
Ya es oficial el acuerdo entre el gobierno y la AFA para asociarse en la televisación del fútbol
T
Reunión de negocios
ST
La presidenta Fernández se reunió con Julio Grondona. Y Aníbal Fernández habló del vínculo.
M29 AT
“Hay que darle gratuidad”, señaló el ex Presidente
64
Formato Texto T
Veículo
Data
Clarín
16/08
Clarín
18/08
Kirchner dice que el fútbol debe ser de acceso libre
ST
Desmintió que se haya reunido con Julio Grondona. “Él es de Independiente y yo de Racing”, ironizó.
M30 AT
“Que no se entienda que todos los argentinos tengamos que aportar 600 millones de pesos”, dijo
T
Cobos se expresó contra el aporte del Estado al fútbol
ST
En una solicitada, TSC prometió acciones judiciales para resguardar sus derechos.
M31 AT
La crisis del fútbol: duras críticas de Sergio Marchi, secretario de Agremiados, a los dirigentes de los clubes
T
“Administran pasión y con esa excusa hacen desastres”
ST
Dijo que AFA sigue debiéndole 230 millones al gremio. Pidió sanciones para los clubes morosos.
Tabela de enunciados referente ao episódio 4.
Os resultados da reunião do Comitê Executivo da AFA foram repercutidos no dia seguinte pelo jornal Clarín. Como a reunião foi restrita, as informações foram repassadas ao campo midiático através do porta-voz oficial da AFA, Ernesto Cherquis Bialo, que comunicou as decisões tomadas na reunião. A partir de 12 de agosto, portanto, a negociação com o Estado se tornou livre para que acontecesse, redimindo o campo político do cuidado em negar o caso, como forma de não ser acusado de estar se atravessando em um negócio do campo midiático. O enunciado M23/AT “lo resolvió el Comité Ejecutivo” mostra certa autonomia alcançada pelo campo esportivo para que as negociações pelos direitos de transmissão seguissem. Essa é uma situação em que o campo esportivo exerce sua autonomia
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relativa, nos termos de Bourdieu (1983) e Rodrigues (1999), pois competiu ao próprio corpo social a decisão de romper tal acordo. No entanto, a autonomia para essa decisão está amparada na segurança que o Estado proporcionou para que a auto-administração e regulamentação do campo continuassem sem problemas. O título “AFA rompió el contrato con la TV y se asocia al Estado” (M23/T) explicita, no entanto, que há um caminho já apurado pelo jornal. No momento em que o Clarín indica que o Comitê Executivo resolveu a situação dessa forma e que quem o preside é Julio Grondona (M23/AT), há a tentativa de legitimar o que o próprio jornal apurava há dias, mas que as vozes oficiais não confirmavam: a aproximação e a reunião do presidente da AFA com o casal Kirchner. Conforme as informações apuradas e publicadas no dia 12 de agosto, o jornal destaca que o governo de Cristina adiantará valores para cobrir as dívidas e logo passará aos meios privados a transmissão do futebol (M23/ST). A última informação, naquele momento, interessava ao Grupo Clarín, por se tratar de uma situação atípica de apropriação estatal que quebrava uma lógica privada, tanto pelo fato de considerar o futebol um produto midiático quanto pelas questões estruturais, pois se acreditava que a TV Pública não teria condições de sustentar uma transmissão com o aparato tecnológico disponível. Em 12 de agosto, a visita de dirigentes da AFA à Casa Rosada encaminha alguns aspectos da negociação. O jornal divulga no dia seguinte, 13 de agosto, que o anúncio oficial deve ser dado “amanhã” (14/08). O anúncio, no entanto, foi dado no mesmo dia, 13/08. A data é um marco importante para a análise das relações entre os campos, pois após 22 dias de negociações e conflitos, pela primeira vez as assessorias de imprensa das instituições pertencentes aos campos sociais se manifestaram, definindo uma resolução oficial. Conforme a cobertura do jornal Clarín, a negociação era evidente, já havia sido pré-oficializada após a reunião do Comitê Executivo. No entanto, o fato só é legitimado pelos meios oficiais quando divulgados em seus próprios websites. Ou seja, pelo sistema das assessorias de imprensa das instituições, o mesmo acontecimento foi definido como notícia ao mesmo tempo, ignorando outras tratativas apuradas pelo Clarín. O fato mostra também o papel e o poder midiático em fazer investigações paralelas, usando outras fontes que não as diretamente envolvidas no caso. Após o encontro de dirigentes da AFA com Cristina na Casa Rosada, foi publicado simultaneamente nos websites das instituições notícias sobre a reunião. Nesse momento específico, os campos legitimaram as ações uns dos outros e tornaram o
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acontecimento oficial, suprimindo dados que constavam nas informações destacadas pelo jornal Clarín. Porém, direcionaram seus discursos a questões que tocavam ao domínio da experiência de seus próprios campos. No site da Presidência, dois textos foram publicados: uma notícia e a transcrição da coletiva de imprensa realizada com José Luis Meizsner, secretário executivo da Presidência da AFA, e Aníbal Fernández, chefe de gabinete da Presidência da República. Por serem autoridades pertencentes aos seus respectivos campos, esportivo e político, seus discursos residiram em análises situadas estritamente dentro deles. Como característica do populismo, e consequentemente também do governo Kirchner, conforme citado por Ianni (1989) e aplicado por Sidicaro (2011), Fernández transparece alguns traços do discurso demagógico quando diz que o objetivo é “proteger não somente uma paixão (...), não somente garantir aos 40 milhões de habitantes que vão ver futebol grátis, (...) mas também defender o voluntariado mais importante que tem esse país: 4.200 clubes com 200 ligas” (M26). Em outro trecho, Fernández diz que “o Governo olhava com muito cuidado a problemática do futebol, porque nos parece que é uma disciplina importantíssima na vida dos argentinos” (M26 e M27). Com essa declaração, o Governo anuncia publicamente que interfere sobre o funcionamento do campo esportivo, e mostra o que Rodrigues (1999) afirma: um campo possui regras próprias, mas sua autonomia é relativa. Essas lógicas podem se sobrepor a outros campos, o que pode ou não causar tensionamentos, dependendo da dinâmica de funcionamento da relação. Nesse caso, houve vários tensionamentos e, segundo Bourdieu (1997), cada campo buscou manter sua ordem e defender seus valores, estruturas e interesses. A diferença na abordagem das matérias publicadas nos websites da AFA e da Casa Rosada fica por conta da construção da notícia. A AFA salienta a receptividade demonstrada pela presidenta Cristina para negociar o conflito, relata os participantes da reunião, com todos os dirigentes de clubes que acompanharam Grondona, e cita trechos da coletiva. A Presidência dá destaque a alguns conflitos “entre privados” (M25), remetendo à situação contratual entre a AFA e o grupo empresarial Clarín, repercutindo algumas falas de Aníbal Fernández e mostrando que o governo estaria interessado em melhorar as condições dos clubes em todas as categorias. O campo político, portanto, trata a medida atribuindo a ela cuidados que o governo deve ter para com as verbas públicas e com o bem-estar e a democratização do futebol à população. A notícia da Casa Rosada legitima o discurso de Meiszner, ao
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afirmar que o contrato associativo com o grupo empresarial não cumpriu seus objetivos. Essa é a única crítica à empresa que até então explorava os direitos de transmissão. O processo de midiatização atinge as instituições (VERÓN, 2005) ou os campos sociais (RODRIGUES, 1999). As assessorias de imprensa da AFA e da Casa Rosada estruturam seus textos seguindo preceitos do campo midiático, ou seja, delimitam seu discurso nas fronteiras do conhecimento exotérico, resguardando detalhes das interações que não devem fugir do domínio de experiência próprio do campo. A publicação de uma matéria informativa no site das instituições é um recurso a mais para a oficialização dos fatos para além do Grupo Clarín. Como reação aos anúncios oficiais publicados na noite anterior, na edição do dia 14 de agosto o Clarín afirma que o acordo entre o governo e a AFA já é oficial (M28/AT). No título, nota-se uma pequena ironia, ao tratar o encontro como uma “reunião de negócios” (M28/T), pois o Clarín considera não pertencer ao Estado a possibilidade de fazer negócios com o futebol. No mesmo dia, pela primeira e única vez durante todo o conflito, Néstor Kirchner teve sua voz manifestada no Clarín sobre a possibilidade de o futebol ser gratuito a todos. O jornal destacou a concordância de Kirchner com o pensamento governamental, dando margem novamente a especulações sobre uma possível reunião com Julio Grondona, e ao negar, brincando com as rivalidades do futebol argentino, o jornal interpreta como ironia (“‘Él es de Independiente y yo de Racing’, ironizó”). A tendência do diário é captar enunciações que comprovem tal reunião, embora sem sucesso até então. Ao não legitimar os discursos de negação por parte do campo político, o jornal acaba sustentando a sua própria conclusão, de que tal reunião houve, mas será sempre negada. A sustentação mostra o funcionamento contínuo do campo midiático, como fala Rodrigues (1999), já que a insistência em um indício cria a tensão, que nunca poderá ser confirmada enquanto não houver a legitimação mútua. A natureza informal da simbólica do campo midiático favorece essa tendência das fontes em apagar qualquer resquício de pertencimento ao campo (RODRIGUES, 1999), por isso as fontes costumam dizer que não disseram ou não fizeram aquilo que é publicado nas mídias. O jornal Clarín é um dispositivo de defesa da liberdade empresarial durante todo o caso. Após a oficialização da negociação, os enunciados do jornal voltam a confrontar o a medida com ações judiciais sobre os clubes. O conflito desencadeia uma tensão também entre o campo esportivo e o midiático, explicitada através da opinião do vice-
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presidente argentino Julio Cobos, desafeto do casal Kirchner. As opiniões da oposição se tornam frequentes nas matérias do diário. No princípio do acontecimento, houve um destaque aos discursos de Sergio Marchi, presidente da Agremiados. No terceiro episódio, há novamente uma referência à instituição, que teria dado o pontapé inicial para o conflito. Em M31 (“Administran pasión y con esa excusa hacen desastres”), Marchi reaparece com um discurso afinado ao pensamento do Clarín. No título, há uma citação do secretário geral da FAA dizendo que os clubes fazem desastres com a desculpa de administrar uma paixão. Conforme a investigação de Majul (2009), a instigação à FAA para que viesse a público reclamar dos salários atrasados faria parte de um pré-conhecimento de Grondona sobre os interesses do Estado para com o futebol. Se há de fato uma afinidade com o Clarín, a FAA tornou-se o plano perfeito de intervenção política de maneira sutil e sofisticada, nos termos de Esteves (1998). O Clarín sempre defendeu os argumentos da entidade a respeito das más gestões e das dívidas reivindicadas, dando até legitimidade ao atraso no início do campeonato proposto pelo sindicato para que os problemas fossem resolvidos. Além disso, o Clarín destaca a dívida de 230 milhões de pesos que a AFA tem com a FAA, e as sanções aos clubes infratores. Sanções essas que, por meio da justiça, o grupo empresarial também tenta conseguir. Sem sucesso nas medidas cautelares que tentavam retroceder ao ponto anterior à rescisão de contrato, e presenciando uma negociação avançada entre governo e AFA, o Grupo Clarín volta suas atenções para investigar a condução do negócio por parte do Estado. Nesse contexto, há o anúncio oficial, com a presença de Cristina, Grondona Diego Armando Maradona (técnico da Seleção Argentina) e outras personalidades no prédio da AFA, em Ezeiza, para que em cadeia nacional de televisão e rádio fosse firmado o acordo que tornaria o futebol acessível a todos os argentinos por TV aberta.
3.3.5 Episódio 5 – A oficialização do acordo AFA/Estado
Selado o compromisso do Governo em salvar o futebol, os clubes e o voluntariado envolvido no esporte (M26), os campos trataram de acertar todos os detalhes do contrato entre a AFA e o Estado para que o Torneo Apertura 2009 finalmente começasse dentro do prazo estipulado. Para uma oficialização do contrato, uma grande cerimônia foi organizada no prédio da AFA em Ezeiza. As dez matérias seguintes tratam desde o momento em que o Comitê Executivo da AFA aprova por
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unanimidade o acordo com o governo até o dia em que o discurso presidencial de Cristina Kirchner é repercutido nas vozes de outros atores, dois dias após a cerimônia.
Formato M32 AT
Texto
Veículo
Data
El Comité Ejecutivo aprobó en general el
Clarín
19/08
19/08
acuerdo con el gobierno de Cristina Fernández T
La AFA se asocia al Estado y habrá fútbol desde el viernes
ST
Se televisarán por canales de aire los 10 partidos de Primera. Se pagarán 600 millones de pesos.
M33 Notícia
La AFA recibe a la Presidenta en Ezeiza
AFA
M34 Notícia
Convenio para la emisión y comercialización de
Presidência 20/08
los derechos del fútbol argentino a través de la TV Pública M35 Discurso Palabras de la Presidenta en la firma de acuerdo
Presidência 20/08
entre la AFA y el SNMP M36 Notícia
Se firmó histórico convenio para televisar el
AFA
20/08
AFA
20/08
Clarín
21/08
Clarín
21/08
Clarín
21/08
fútbol M37 Notícia
Cristina: “este es un día histórico para la sociedad”
M38 AT
La crisis del fútbol: sellaron la asociación para la transmisión de los partidos por TV
T
Cristina confirmó que el Gobierno financiará al fútbol
ST
Fue en una pomposa ceremonia en Ezeiza, a la que asistieron políticos, dirigentes y el DT de la Selección.
M39 AT
Dudas con el financiamiento para los clubes en el nuevo escenario
T
La publicidad oficial cubre sólo el 65% del contrato
M40 AT
Fue anunciado oficialmente a última hora
70
Formato
Texto
T
Para la AFA todo va por el 7
ST
A pesar de eso América en su página web
Veículo
Data
Clarín
22/08
Clarín
22/08
anuncia una posible televisación para hoy. M41 AT
En un acto en la AFA había dicho que “te secuestran los goles como secuestraron a 30 mil argentinos”
T
Duras críticas a Cristina por vincular a los desaparecidos con el fútbol
ST
Dirigentes políticos, de derechos humanos, y ex detenidos hablaron de “banalización”.
M42 AT
La presidenta había censurado esa posibilidad en el acto de jueves en el predio de la AFA
T
Mariotto: los goles se podrían ver recién el domingo a la noche
ST
El jefe del COMFER evaluó que “hay una nueva realidad” y pidió una reflexión pública sobre el tema.
Tabela de enunciados referente ao episódio 5.
A começar pela definição unânime do Comitê Executivo da AFA, o Clarín anuncia que o acordo está firmado “com o governo de Cristina Fernández” (M32/AT). No título, porém, a referência é feita ao “Estado”. Sabe-se que ao Estado compete-se toda a estrutura governamental constante, empresas estatais e instituições independentes da gestão de mandato. Ao valorizar a referência ao governo de Cristina no antetítulo, o jornal caracteriza que o acordo foi baseado num interesse de gestão, pois a abordagem poderia tratar de outras formas, como “governo argentino”, ou “governo federal”. Ao citar o nome da presidenta, personifica-se a ação de Cristina em intervir no contrato. Há um cuidado do jornal Clarín em trazer, a partir desse momento, informações sobre calendário de jogos. É importante o destaque para o dia em que o futebol retorna: “viernes (sexta-feira)” (M32/T). Tal referência faz parte de uma demanda do público por saber se o futebol de fato retornaria na data prevista, após uma semana de atraso. Além disso, já com informações apuradas com pré-definições sobre o acordo de
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televisionamento, o Clarín informa aos leitores que os dez jogos da primeira rodada seriam transmitidos. Imediatamente ao lado dessa informação, o diário cita o valor do contrato: 600 milhões de pesos. Torna-se uma estratégia para equilibrar a informação, pois a transmissão de todos os jogos da rodada é um fato inédito na TV aberta argentina, ação não praticada pelos ex-proprietários dos direitos de transmissão. Em defesa, a divulgação do valor do contrato que o Estado pagará é um dado tentado com avidez por parte dos jornalistas desde a coletiva de imprensa (M26), percebido em enunciados e enunciações de pelo menos quatro perguntas, das quatorze realizadas. O anúncio da cerimônia de firmação de contrato é divulgado pelo website da AFA no dia 19 de agosto. A notícia é curta, um comunicado que divulga data, horário, local, o objetivo, quem estará e como devem proceder os jornalistas que quiserem ter acesso à cerimônia. Fica evidente no texto alguns enunciados de admiração para o fato, pois a notícia cita que a AFA terá “a alta honra” (M33) de receber a Presidenta da Nação, e também que todos os presentes “darão o marco histórico que a ocasião merece” (M33). A dissonância entre os dispositivos do campo midiático e do esportivo se torna clara, pois enquanto o primeiro desvaloriza a presidenta, ou trata de destacar o dinheiro que o Estado deve investir, o campo esportivo trata com ufanismo a aproximação. No dia marcado para a cerimônia, 20 de agosto, o jornal Clarín não publica nenhuma matéria sobre o acontecimento, o que destoa da cobertura jornalística feita sobre o caso até então. Em outras oportunidades, apesar de usar uma abordagem crítica, o Clarín não se omitiu de utilizar informações fornecidas pelos dispositivos midiáticos de outros campos sociais. A cerimônia ocorreu no fim da tarde, e na mesma noite as assessorias de imprensa da AFA e da Presidência publicaram matérias sobre o acontecimento em seus respectivos websites. As duas notícias publicadas pela AFA valorizam a imagem da presidenta Cristina. A começar por M36, a AFA trata já no título “um histórico convênio para televisar o futebol”. No texto produzido pela assessoria, é relatado quem estava presente compondo a mesa, e confirma-se o convênio entre a AFA e o Sistema Nacional de Medios Públicos (SNMP), sem citar o Estado ou o Governo como parte do acordo, embora, é claro, evidencia-se a presença de Cristina Kirchner. A figura estatal está ali representada por ela e por seus ministros e assessores, mas o acordo é assinado entre a AFA, que representa a parte gestora e política do campo esportivo, e a empresa
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estatal que administra a Rádio e a TV Pública, ou seja, o campo midiático em intersecção com o campo político, conforme mostrado no diagrama da página 43. A utilização de dispositivos midiáticos por parte das instituições mostra a forma como essas tecnologias estão inseridas vertical e horizontalmente na dinâmica de funcionamento dos campos (FAUSTO NETO, 2006). O discurso presidencial foi transmitido na íntegra em cadeia nacional por rádio e TV, assim como o discurso de Julio Grondona. O conteúdo de suas falas foi publicado pelos websites das instituições, que, além disso, repercutiram os discursos com notícias produzidas pelas assessorias de imprensa, com construção própria e respeito de valores do domínio de experiência de cada campo. Os websites da AFA e da Presidência publicaram a íntegra do discurso de seus líderes, Julio Grondona e Cristina Kirchner (M35 e M36). A fala de Grondona está preenchida por enunciados que criticam a forma como a negociação era encarada enquanto os direitos de transmissão residiam numa relação estrita entre o campo esportivo e o midiático. Em um momento, Grondona diz que há uma nova ordem no futebol argentino, e que isso só foi possível porque “fomos escutados”. Ou seja, o campo esportivo, no domínio de experiência e de valores a que lhes pertence, foi escutado para além da negociação de um direito televisivo, e também nas suas virtudes como campo social importante na vida dos argentinos. O chefe da AFA também diz que o futebol finalmente foi entendido “como autêntica festa do povo, como reflexo de uma sociedade que tem o futebol em seu sangue e que por isso tem que ver com suas vidas”. As palavras são citadas para elogiar a sensibilidade que o campo político teve na negociação. No geral, Grondona discursa sobre as benfeitorias que o esporte proporciona à população, isento de qualquer influência econômica, embora inseridos nessa realidade. A tentativa de se desvincular do interesse comercial dos direitos de transmissão do futebol argentino ficam claras no trecho em que Grondona diz que tal negociação só foi possível com o governo porque “em nenhuma mesa de negociações havia uma calculadora fazendo números, havia pelo contrário, sensibilidade para compreender o que estávamos falando (...) de levar grátis o futebol ao povo em qualquer rincão do país” (M36). O discurso de Cristina Kirchner foi tomado de enunciados que vangloriam feitos democráticos. Interessante destacar que, logo no início, Cristina se refere ao anteprojeto da Lei de Meios Audiovisuais e se refere ao capítulo que pretende proporcionar o direito ao acesso ao esporte mais importante do país, para todos os argentinos. A lei foi
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proposta no dia 18 de março de 2009 e até esse momento não havia sido aprovada pelo Congresso, o que viria a acontecer meses depois. O fato demarca a intenção do governo, torna público que já havia uma atenção especial ao assunto, independente dos conflitos desencadeados no material da análise. Cristina critica, em outros trechos, os monopólios, numa clara alusão ao conflito aberto com o Grupo Clarín. A presidenta fala que “as coisas não acontecem nem por casualidade nem por aproveitamento de circunstâncias” e que a convicção do Governo Nacional “sempre foi clara, antes de conhecer qualquer tipo de inconvenientes que poderia ter a AFA com quem era seu outro co-contratante”. Como visto nos materiais publicados pelo Clarín dias antes, por declarações de Marcelo Bombau (M21), o jornal mostrava que a empresa tinha uma ótima relação com Grondona e a AFA até então. Sobre os valores que o governo investiria no futebol, Cristina faz duas referências. A primeira alude a algo que escutou e leu de que o futebol seria subsidiado pelo Estado (há pelo menos três referências a isso nos enunciados do Clarín: M23/ST, M30/AT e M32/ST), e a segunda é a afirmação de que o Estado se obrigará a reorientar a pauta publicitária (dúvida que até então permeava as notícias de especulações de uso do dinheiro público por parte do Clarín). Além disso, Cristina demonstra segurança quanto ao retorno na comercialização do futebol, e inclui no discurso um fragmento do que estava previsto no contrato: do valor excedente arrecadado, 50% seria destinado à AFA e 50% ao esporte olímpico. Sabe-se que as relações do campo esportivo com o político costumam ser conturbadas quanto a investimentos destinados a alguns esportes e não a outros. Os esportes olímpicos não estão no domínio da AFA sobre o campo esportivo, mas o campo político precisa manifestar seu apoio a esses esportes, muito mais amadores e carentes de recursos, para que a valoração ética da medida possa ser compreendida pela sociedade e pelos demais envolvidos no campo esportivo como algo de fato democrático. Antes de tudo, o campo político do qual faz parte o Estado precisa abranger e estar absorvido nas condições de vida da população, ideais seguidos pelo populismo do casal Kirchner. Sidicaro (2011), ao descrever o programa de governo kirchnerista, inclui atores coletivos que estiveram envolvidos também no processo de implantação do programa Fútbol para Todos. É o caso de organizações sociais, sindicatos e defensores dos direitos humanos, que viriam a se manifestar após o discurso de Cristina.
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A Presidenta fez uma analogia em seu discurso, na AFA, ao envolver gols e mencionar sequestrados políticos da época da ditadura, nas seguintes palavras: demos um passo grande na democratização da sociedade argentina. Porque não é possível que somente o que possa pagar possa ver uma partida de futebol, e que ainda sequestrem os gols até o domingo ainda que pagues igual, como te sequestram a palavra ou te sequestram as imagens, como antes sequestraram e desapareceram a 30 mil argentinos (KIRCHNER, 2009, p. 2).
O discurso ideológico de Cristina Kirchner transparece o uso simbólico que o governo argentino quis fazer do futebol. Nesse contexto, a presidenta atribuiu valores ao esporte que o transformaram em instrumento de liberdade, de democratização. A defesa dos direitos humanos, a crítica à ditadura e o discurso populista (SIDICARO, 2011) são características atribuídas à gestão “K”, e esse trecho do discurso torna claro que o futebol é transformado em ideologia governamental (RINALDI, 2000). A reação de grupos defensores dos direitos humanos foi forte, repercutida dois dias após a cerimônia de firmação de contrato. Em M41, o Clarín dá voz a esses grupos, e também a dirigentes políticos e ex-detentos, ao divulgarem que tais atores consideraram o discurso uma “banalização” (M41/ST), por comparar a transmissão restrita dos gols da rodada aos domingos com os sequestros da ditadura. Juntamente com a matéria de crítica ao discurso, no dia 22 de agosto o Clarín também publica uma reportagem sobre o que Cristina teria se referido ao “sequestro de gols”. Até então, durante os 18 anos de contrato vigente com a TSC, todas as emissoras de TV deveriam esperar a noite de domingo para que pudessem televisar os gols. A medida fazia parte de uma cláusula do contrato que não permitia aos outros canais divulgarem os gols antes da exibição deles no programa Fútbol de Primera, exibido pelo Canal 13, pertencente ao Clarín, e tido como “campeão de audiência” no país. Para defender que essa realidade permanecesse em vigor, o Clarín entrevistou o chefe do Comitê Federal de Radiodifusão (COMFER), Guillermo Mariotto, que deu uma esperança aos interesses comerciais do grupo, embora nesse momento a repercussão de tal fato já pudesse se tornar insignificante aos leitores e telespectadores. Ao repercutir os fatos imediatamente posteriores à cerimônia de firmação de contrato na AFA, o jornal Clarín destaca a “pomposa cerimônia” (M38/ST), e reitera dúvidas dos recursos que o governo irá utilizar, ao cruzar dados sobre os valores da
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publicidade oficial que a presidenta manifestou que deveria ser remanejado e verificar que toda verba utilizada para tal cobriria somente 65% do contrato (M39/T). No mesmo dia, o Clarín fala sobre o televisionamento do futebol: diz que a AFA afirma que todos os jogos vão ao ar pela TV Pública, mas que apesar disso, a TV América divulga através de seu website que vai transmitir uma partida da rodada no dia 21 de agosto. A TV América é um canal privado, e aí já se demonstra a preocupação do Clarín quanto ao redirecionamento das transmissões para os meios privados, como previa o porta-voz da AFA no dia 12 de agosto (M23) e também o chefe de gabinete Aníbal Fernández na coletiva do dia 13 de agosto (M26).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo de entender as relações entre os campos político, esportivo e midiático durante a implantação do programa Fútbol para Todos na Argentina no contexto de uma sociedade em processo de midiatização foi percorrido por linhas teóricas que abordaram a formação dos campos sociais, a partir dos estudos de Pierre Bourdieu, Adriano Duarte Rodrigues e João Pissarra Esteves. Buscou-se compreender a teoria dos campos a partir do campo midiático, destacando suas funções de mediação e como o campo se torna particular e distinto dos demais campos sociais em função de suas atribuições e regras de funcionamento. Em decorrência das atribuições do campo midiático, o trabalho trouxe a abordagem de outros autores a respeito da transformação causada pela mídia, nas definições de Maria Cristina Mata, da cultura massiva para a cultura midiática numa sociedade em processo de midiatização da sociedade, como definem Antônio Fausto Neto e Eliseo Verón. As relações entre os campos, perpassadas por características do processo de midiatização, ajudaram a entender como o futebol argentino sofreu as mudanças do programa criado pelo governo e como o campo midiático influenciou nas relações agindo como um ator, e não só como um suporte. A mídia gere tensionamentos entre os campos e reduz complexidades via processos discursivos e dispositivos de enunciação. Isso faz com que o campo midiático seja um ambiente de conflito permanente com os outros campos sociais, notável na relação com os campos político e esportivo estudados nesse trabalho. A peculiaridade desse caso, porém, é que o campo midiático, ao qual o Clarín faz parte, é afetado diretamente, e se torna um ambiente a mais de conflito, o que complexifica a relação para além do que é demonstrado nos dispositivos de enunciação. Com o acontecimento, o Clarín perde financeiramente, por ser retirado de um negócio milionário, e simbolicamente, por ser derrotado no campo político, judicial e em outros valores que lhe conferiam credibilidade e ideologia. O interesse do jornal Clarín é desqualificar a ação governamental, trazendo para discussão pública temas que tangenciam a questão e que possam mudar o foco estrito do programa Fútbol para Todos. Esse acontecimento se tornaria difícil de analisar sem que houvesse um profundo entendimento do contexto no qual estão inseridos todos os campos sociais estudados. O futebol como fenômeno complexo mostra a importância e a especificidade do esporte para o povo argentino, e a capacidade que o esporte tem em ser um dos fatores de
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formação das identidades do país. Na intersecção dos campos, a particularidade do caso argentino é atravessada por apropriações políticas do esporte, o que dá um novo sentido à utilização do futebol como estratégia de aproximação governamental junto aos eleitores. A análise semiológica dos dispositivos de enunciação foi importante para que se conseguisse entender como o jornal Clarín tratou os vários tensionamentos existentes entre os campos sociais envolvidos. A interpretação dos dados, através dos dispositivos selecionados (antetítulo, título e subtítulo das matérias) não possibilitou um aprofundamento maior sobre tantos outros recursos jornalísticos, como texto principal, infográfico, fotografia, legenda e a hierarquização produzida pela diagramação. O material de análise do jornal Clarín foi publicado na edição impressa, e no decorrer desse trabalho analisamos apenas os textos publicados, disponíveis no arquivo do website. No entanto, em função da grande quantidade de materiais foi necessário selecionar aqueles que pudessem demarcar alguns modos de dizer (VERÓN, 2005) que remetessem a fatores, posições e opiniões dos campos sociais envolvidos. A distância em relação ao contexto argentino foi um empecilho a ser vencido. Houve a necessidade de entender a situação política argentina desde a fundação do Partido Justicialista, ideologia política que convenciona preceitos das ações governamentais de Juan Domingo Perón e Néstor Kirchner, seguido por Cristina, passando também pela Ditadura Militar e pelos problemas políticos e econômicos enfrentados pelo país no início do século 21. A analogia entre as ações de apropriação do esporte fizeram com que se percebesse que o caso estudado e o que ocorreu em 2009 não são isolados nem inéditos, mas as condições para isso são atreladas a uma lógica pouco usual de enfrentamento entre os campos midiático e político. Entretanto, o distanciamento da realidade argentina pode ser considerado também um ponto positivo para a análise na medida em que intercede sobre a vigilância epistemológica do autor. Desintegrado do cotidiano, privilegia-se uma visão mais imparcial sobre os fatos que se sucederam durante o processo de implantação do programa Fútbol para Todos, em 2009, amenizando possíveis influências ideológicas ou partidárias que viessem a interferir e transformar a análise em um pragmatismo sobre o certo e o errado. Por ser um estudo recente, contribui-se para o entendimento das relações entre os grupos midiáticos e o governo argentino, situação que é complicada pelos diversos atravessamentos e influências de um campo social sobre o outro. Os conflitos na
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Argentina são uma parte do que pode ser visto na realidade política da América Latina dos últimos anos, e que podem também ser contextualizadas por uma visão mais abrangente das relações políticas que existem entre os meios privados de comunicação social e governos como o de Hugo Chávez, na Venezuela, ou de Evo Morales, na Bolívia. Para ampliar esse estudo, seria interessante comparar com situações de conflito midiático e governamental com outros países da América Latina, pois disso pode decorrer várias possibilidades de estudo sobre outros casos. O trabalho não pretende fazer conclusões definitivas, até porque as relações entre os campos sociais e o processo de midiatização ajudam a complexificar a presença da mídia na sociedade (FAUSTO NETO, 2006). Na análise, identificamos fatores através dos quais o campo midiático incide sobre a medida governamental e repercute o acontecimento sob a influência de suas lógicas e valores. Dentre elas, podemos constatar alguns aspectos: O Clarín sempre manifestou seus valores e opiniões na relação com os campos sociais envolvidos de maneira a se posicionar em defesa da liberdade empresarial, da lógica de mercado e da não-intervenção governamental sobre o futebol, considerado um produto midiático. Por vezes, acelerou seu funcionamento ao sentir que sua legitimidade estava ameaçada, porém, nunca deixou de legitimar os outros campos sociais, com ressalvas a alguns fatos sobre os quais havia choque de opiniões, e por isso mesmo deu validade à medida governamental. Com a crise, o jornal deixa de lado a neutralidade e passa a chamar a atenção para si, e o jogo discursivo é explícito. Com a instauração do Programa Fútbol para Todos, o campo político volta à cena. A ação do estado é muito forte, pois ele toma para si a distribuição social do futebol e, com isso, confirma que pretende midiatizar o esporte sem que o Grupo Clarín seja necessário. A partir desse ato, o campo político tira a função de midiatização do campo midiático e passa a agir a partir de lógicas midiáticas, ofertando explicitamente um “futebol para todos”. As ações do governo Kirchner foram premeditadas, conforme Majul (2009). Os resultados dessas ações só foram possíveis porque o Estado conseguiu garantir formas de intervenção sutis nos negócios do futebol, e alcançaram o objetivo final: enfraquecer a participação do Grupo Clarín. O objetivo secundário do governo seria o fortalecimento da economia dos clubes de futebol e o apoio ao voluntariado social que envolve o futebol, e é ainda mais subjetivo cabendo ao campo econômico aprofundar
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sobre os impactos existentes. Seria interessante pesquisar as consequências sofridas pelo Clarín desde a quebra do contrato. A FAA é um sindicato ligado à Confederación General del Trabajo (CGT), que é tutelada pelo governo argentino, estratégia de aproximação bastante representativa do programa governamental dos Kirchners, conforme Sidicaro (2011). Essa vinculação foi importante para que o governo argentino pudesse agir através de um elo com os campos esportivo e midiático, que compartilharam da mesma opinião em um primeiro momento e possibilitaram que o problema ganhasse a legitimação necessária do Clarín para arrastar a negociação até que os interesses envolvidos fossem supridos. O referencial teórico utilizado mostra que houve um caminho percorrido pela cobertura jornalística apoiado em ambos os conceitos, do campo midiático com a tarefa de mediação entre os campos sociais (RODRIGUES, 1999) até o processo de midiatização (VERÓN, 1997). O caminho é notável quando se percebe que o Clarín, no início da cobertura jornalística do caso, tendia a agir mais como mediador das relações entre os campos esportivo e político, que naquele momento enfrentavam dissonâncias. No momento em que o campo midiático se sentiu prejudicado pela medida, há uma aceleração do regime de funcionamento que o torna um ator social, tentando impor a cultura midiática na defesa de seus valores e de sua legitimidade. A utilização de investigações feitas por Majul (2009) e Mochkofsky (2011) foi determinante na análise do trabalho, pois sem tais referências, o estudo versaria apenas sobre os dispositivos de enunciação do Clarín, o que não daria a noção de um contexto com relações políticas profundas agindo sob a ótica da mídia. Além disso, não atenderia a alguns critérios postos nas estratégias metodológicas da análise semiológica (VERÓN, 2005), como a necessidade de se trabalhar sob um universo de concorrência, de comparação entre os suportes utilizados. O acontecimento se desloca por força e por operações do campo midiático. Ele nasce no campo esportivo por razões econômicas, percorre o campo político através de suas instituições que detém o domínio da experiência responsável pela administração pública e repercutem no campo midiático por estarem atreladas a um negócio influenciado sob a lógica do mercado. É possível afirmar que todos os campos estão sob a influência do campo econômico, mas o único que faz perceber essa influência como conhecimento exotérico é o campo midiático, pois o campo esportivo e o político agem defendendo aspectos que são de legitimação própria e fazem parte de suas simbólicas formais e informais.
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Os cinco episódios analisados podem ser sintetizados em momentos característicos, que se alteram conforme acontecem novos fatos e ações dos campos: 1) Crise – o campo midiático trabalha mais como suporte do que como ator, torna público o problema financeiro dos clubes e mostra as relações existentes dentro do campo esportivo; 2) Negociação – o campo esportivo busca uma solução econômica com os campos midiático e político, dando origem aos tensionamentos que se tornariam característicos na sequência; 3) Conflito – o campo midiático enuncia-se como um atingido pelo acontecimento, e começa a agir como um ator social, tornando-se parte das negociações; 4) Oficialização – os campos esportivo e político admitem o acordo e utilizam seus próprios dispositivos midiáticos para se legitimarem e tornarem público o convênio que já era abordado há dias pelo campo das mídias; 5) Repercussões – a mídia busca repercutir os discursos, os valores e as cláusulas do contrato firmado, alcançando atores de outros campos sociais indiretamente envolvidos no acontecimento. Algumas questões permanecem, e elas podem servir como problemática para pesquisas futuras, pois há aspectos que podem ser abordados a partir de vários pontos de referência. Partindo do ponto de vista do campo esportivo, pode-se analisar como tal medida influenciou na vida dos torcedores, em relação ao consumo midiático e de futebol. Se antes precisavam ser assinantes de TV a cabo ou irem aos estádios para assistirem os jogos de seu time, é interessante avaliar como estabelecem agora uma rotina em relação ao ato de assistir futebol e ser torcedor. Do ponto de vista midiático, poderia ser feito um estudo na recepção e analisar a repercussão dos torcedores através de dispositivos midiáticos presentes em redes sociais, por exemplo. A partir de teorias do campo político, poderia ser medida a popularidade do governo Kirchner a partir da implantação do programa Fútbol para Todos, ou buscar analisar o impacto que tal medida teve no sustento e na correção do balanço financeiro do futebol argentino. Há intersecções mais complexas, que também poderiam ser analisadas a partir do conceito de midiatização. A análise do programa Fútbol para Todos, como é transmitido na TV Pública, poderia ser valorado pelos seus desempenhos de audiência e de publicidade, e quanto isso pode ter tido influência no aumento da popularidade de Cristina Kirchner desde 2009. É difícil medir quantitativamente a extensão do que representou a criação do programa Fútbol para Todos para a popularidade da presidenta, porque envolve fatores complexos. Existem aspectos a se considerar desde a mobilização de torcidas como movimentos sociais em apoio ao governo (DIAS e ROSEGUINI, 2010) até o enfraquecimento do Grupo Clarín na influência midiática,
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constatado pela queda no número de exemplares vendidos do jornal desde 2009 até hoje, conforme Mochkofsky (2011). Em outubro de 2011, Cristina Kirchner foi reeleita presidenta da Argentina. Desde a data do caso estudado, várias ações midiáticas sobre o tema do esporte já foram feitas, e outras previstas na Lei de Meios Audiovisuais já foram implantadas. As práticas esportivas incluídas na programação aberta da TV Pública foram escolhidas conforme a popularidade da modalidade no país. Ou seja, o interesse reside em manter o esporte como uma forte fonte de receita de audiência e de publicidade, e isso reflete em um processo de midiatização visível na estrutura de funcionamento do campo midiático atrelado às ideologias governamentais. Algumas promessas feitas no dia do acordo entre a AFA e o Estado, previstas em contrato, até hoje ficaram muito aquém do que se esperava, como o investimento do valor excedente do contrato nos esportes olímpicos. Numa simples visita à Argentina, percebe-se que o futebol é assunto cotidiano, pode ser visto ao vivo quase todos os dias na TV Pública, mas ainda desperta discussões sobre a participação do Estado nas propagandas e até mesmo na qualidade da transmissão, aspectos que poderiam ser estudados com mais profundidade se fosse abordada a recepção do produto midiático.
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