Projecto Vénus: Redefinir a Máquina Antropológica na Era da Reprodutibilidade Técnica do Corpo

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Marx através de O Capital (principalmente no livro III) e Kapp em Grundlinien einer Philosophie der Technik: Zur Entstehungsgeschichte der Cultur aus neuen Gesichtspunkten.

Fuller diz em Ideas & Integrities (1928) "actualmente é altamente viável cuidar e dar uma melhor qualidade de vida a todos os habitantes da Terra do que em qualquer era anterior. Será uma questão de converter a alta tecnologia de armamento (weaponry/ killingry) para alta tecnologia de vida (livingry)". Para Fuller, livingry é justaposta ao armamento (weaponry) e ao killingry e significa aquilo que é a favor de todos os seres humanos, plantas e vida na Terra.
"A arte não salva a nossa noite, a arte ilumina a nossa noite como as estrelas, as ideias. Iluminar, porém, não só não é despiciendo, como é indispensável", carta Florens Christian Rang, de 9 de Dezembro de 1923


Nietzsche, Friedrich, Assim Falava Zaratustra, Guimarães Editores, 2007
In Adenda a Teses sobre o Conceito de História, Walter Benjamin
Bragança de Miranda, José, Da Interactividade: Crítica da Nova Mimesis Tecnológica, in Claudia Giannetti (org.) Ars Telemática, Lisboa, Relógio D'Água, 1999
Idem
Bragança de Miranda, José, Da Interactividade: Crítica da Nova Mimesis Tecnológica, in Claudia Giannetti (org.) Ars Telemática, Lisboa, Relógio D'Água, 1999
A palavra grega "Demiurgo" originalmente significava "trabalhador público", no sentido de um artesão habilidoso.
Em Leis, Livro X
LE BRETON, David, Anthropologie du Corps et Modernité, Paris, Presses Universitaires de France, Paska, Roman, 1998:47
METTRIE, Julien Offray de la, (1747) O Homem-Máquina; tradução António Carvalho; introdução e notas Fernando Guerreiro. Lisboa: Estampa, 1982.
HUYGHE, René, O Poder da Imagem; trad. Helena Leonor Santos. Reimp. Lisboa: Edições 70, 2009, pág. 51
BACON, Francis, Novum Organum, consultada versão da Biblioteca Nacional de Lisboa, edição espanhola, Madrid, Espasa-Calpe, 1933, pág. 110
BACON, Francis, Novum Organum, Livro I, aforismo 124
Note-se que Bacon desempenhou as funções de procurador-geral (1607), fiscal-geral (1613), guarda do selo (1617) e grande chanceler (1618), estando por tal implicado nas rotas políticas da Inglaterra de seu tempo.
BACON, Francis, Nova Atlântida e a Grande Instauração; trad., introd. e notas Miguel Morgado. Lisboa: Edições 70, 2008
MARX, Karl, O Capital, (1894) Livro III, Capítulo 15, 5a ed., Lisboa, Edições 70, 1979.
KAPP, Ernst (1877) usado como fonte texto de Thomas A.C. Reydon, Philosophy of Technology
MITCHAM, C., (1994) Thinking Through Technology: The Path Between Engineering and Philosophy, Chicago & London: University of Chicago Press, Pág. 20
Kapp, citado e traduzido por Philip. Brey, (2000): Theories of Technology as Extension of Human Faculties, pág. 62.
IHDE, Don. (1998) Philosophy of Technology: An Introduction, New York: Paragon House, pág. 32
KUHN, Thomas (1970) A Estrutura das Revoluções Científicas, pág. 19
HEIDEGGER, Martin, 1962:13
HEIDEGGER, Martin, 1962:11-12
HEIDEGGER, Martin, 1962:11
VERBEEK, P., What Things Do: Philosophical Reflections on Technology, Agency, and Design, University Park (PA): Pennsylvania State University Press, 2005
HEIDEGGER, Martin, 1962: 10-13
Idem
SPENGLER, Oswald, (1931) O Homem e a Técnica; pref. de Luís Furtado ; trad. de João Botelho, Lisboa: Guimarães Editores, 1980.
TILES, Mary, OBERDIEK, Hans, Living in a Technological Culture: Human Tools and Human Values, Routledge, Londres, 1995
RODRIGUES, Adriano Duarte, A Experiência Técnica in CASCAIS, Fernando, MARCOS, Maria Lucília (Org.) (2004:2) Revista de Comunicação e Linguagens n.º 33: Corpo, Técnica, Subjectividades, Lisboa: ed. Cosmos
David Sarnoff citado por Marshall McLuhan e Quentin Fiore em The Medium is the Massage 1967, p.11
RODRIGUES, Adriano Duarte, A Experiência Técnica in CASCAIS, Fernando, MARCOS, Maria Lucília (Org.) (2004:7) Revista de Comunicação e Linguagens n.º 33: Corpo, Técnica, Subjectividades, Lisboa: ed. Cosmos
LEROI-GOURHAN, André (1990a), O Gesto e a Palavra, 1 - Técnica e Linguagem. Lisboa: Edições 70
RODRIGUES, Adriano Duarte, A Experiência Técnica in CASCAIS, Fernando, MARCOS, Maria Lucília (Org.) (2004:10) Revista de Comunicação e Linguagens n.º 33: Corpo, Técnica, Subjectividades, Lisboa: ed. Cosmos
Leila Green in Technoculture, 2001, pág 7
In Machine and Man: On the way to a Cybernetic Anthropology (1971), 4ª edição
LEROI-GOURHAN, André, 1990b: 227
In http://www.arsindustrialis.org/anamnesis-and-hypomnesis
SIMONDON, Gilbert, (1958) Modo de Existência dos Objectos Técnicos, versão espanhola, El Modo De Existencia De Los Objetos Tecnicos, Prometeo Libros, Buenos Aires, Argentina, 2010
Idem
KITTLER, Friedrich, Gramophone, Film, Typewriter (1986), Trad. Geoffrey Winthrop-Young e Michael Wutz, Stanford University press, California, prefácio 1999:39
STIEGLER, Bernard in Anamnesis and Hypomnesis, http://arsindustrialis.org/anamnesis-and-hypomnesis
Jacque Fresco em http://www.thevenusproject.com/
A Teoria dos Sistemas foi proposta em 1937 pelo biólogo Ludwig von Bertalanffy. A ideia central é de que um Sistema é um conjunto de partes interactivas e interdependentes que formam um todo unitário com determinado objectivo e efectuam determinada função.
Ver anexos 1, 2 e 3 para grafismos
Aproveitada definição presente no Wikipedia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Utopia
Bragança de Miranda, Mapear a Cibercultura, pág. 5, http://www.cecl.com.pt/redes/pdf/mapearjbm.pdf
In Adenda a Teses sobre o Conceito de História, Walter Benjamin
In http://www.thevenusproject.com/
FURTADO, Gonçalo, O Corpo no Espaço da Técnica Contemporânea in CASCAIS, Fernando, MARCOS, Maria Lucília (Org.) (2004) Revista de Comunicação e Linguagens n.º 33: Corpo, Técnica, Subjectividades, Lisboa: ed. Cosmos
Idem
Martin Heidegger em Habitar, Construir, Pensar (1951)
Martin Heidegger em O Fim da Filosofia e a Tarefa do Pensamento (1966)
Walter Benjamin em To the Planetarium (1936)
Iain Chambers, Cities without maps in Mapping the Futures – Local Culture, Global Change, p. 196
Alusão ao capítulo do livro O Aberto: o Homem e o Animal de Giorgio Agamben
Benjamin, 2004:234, na nota de rodapé 26, cita Breton, "A obra de arte só tem valor na medida em que for atravessada por reflexos do futuro".
Esther Leslie em The Work of Art in the Age of Unbearable Capitulation, capítulo 6
Idem
Wagner 1849:75-76
Idem
Carl Einstein em Afrikanische Plastik (1922)
José A. Bragança de Miranda in Mapear a Cibercultura
AGAMBEN, Giorgio, (2011) O Aberto: o Homem e o Animal; trad. André Dias, Ana Bigotte Vieira; rev. Davide Scarso. Lisboa: Edições 70
DUCHAMP, Marcel, O Acto Criativo, Tango, Edição trilingue 1977
SIMONDON, Gilbert, (1958) Modo de Existência dos Objectos Técnicos, versão espanhola, El Modo De Existencia De Los Objetos Tecnicos, Prometeo Libros, Buenos Aires, Argentina, 2010
FOUCAULT, Michel, 1977:142
O panóptico de Bentham é um composto de blocos de celas em formato círculo, cuja única abertura daria o interior do círculo onde estaria uma torre de vigia. No topo de dessa torre estariam os guardas prisionais a vigiar os reclusos. Imagem em anexo.
FOUCAULT, Michel, 1980: 18
Idem, 1980: 131
FOUCAULT, Michel, 1977:123
AGAMBEN, Giorgio, (1998) Homo Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua; trad. António Guerreiro. 1ªed. Lisboa: Presença
Idem
SWIFT, Jonathan (1726) As Viagens de Gulliver, versão inglesa, Bottom of the Hill Publishing, Londres, 2014
KROEBER, A.L., (1952) A Natureza da Cultura, Edições 70, Lisboa, 1993
VANDERBEKE, Dirk, Of Parts and Wholes: Self-similarity and Synecdoche in Science, Culture and Literature,
SHANNON, C. and WEAVER, W. in The Mathematical Theory of Communication, 1949
MCLUHAN, M. in Understanding Media, 1964
THACKER, Eugene, Biomedia, Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 2004
LE BRETON, David, O Corpo Enquanto Acessório da Presença, in CASCAIS, Fernando, MARCOS, Maria Lucília (Org.), Revista de Comunicação e Linguagens n.º 33: Corpo, Técnica, Subjectividades, Lisboa: ed. Cosmos, 2004:6
Idem, 2004:1
Idem
Idem
SANTOS, Boaventura de Sousa, (1987) Um Discurso Sobre as Ciências, 14ª edição, Edições Afrontamento, Porto, 2003, pág. 50-52
LE BRETON, David, O Corpo Enquanto Acessório da presença: Notas sobre a Obsolescência do Homem in CASCAIS, Fernando, MARCOS, Maria Lucília (Org.) (2004) Revista de Comunicação e Linguagens n.º 33: Corpo, Técnica, Subjectividades, Lisboa: ed. Cosmos
TUCHERMAN, Ieda, Breve História do Corpo e de seus Monstros, 2a ed. Lisboa, Vega, 2004
In Adenda a Teses sobre o Conceito de História, Walter Benjamin
BENJAMIN, Walter, (1936) A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica in A Modernidade, Lisboa, Assírio & Alvim, trad. João Barrento, 2004
WASSON, Haidee in New and Now: A Plea for Historiography and Technology, http://reconstruction.eserver.org/Issues/041/editorial.htm
HABERMAS, Jürgen, (1968) Técnica e Ciência como "Ideologia", Lisboa, Edições 70, 1994
Idem
SWIFT, Jonathan, (1726) As Viagens de Gulliver, Lisboa, Relógio de Água, 2010
Título de capítulo da obra Homo Sacer de Agamben
LE BRETON, David, O Corpo Enquanto Acessório da Presença, in CASCAIS, Fernando, MARCOS, Maria Lucília (Org.), Revista de Comunicação e Linguagens n.º 33: Corpo, Técnica, Subjectividades, Lisboa: ed. Cosmos, 2004





































Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação
Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias




- Projecto Vénus-
Redefinir a Máquina Antropológica na Era da Reprodutibilidade Técnica do Corpo



Mestrando
Paulo Moisés Silvestre de Figueiredo

Constituição do júri:
Presidente do Júri - Professor Doutor António Fernando Cascais
Arguente - Professor Doutor José Luís Garcia
Orientadora - Professora Doutora Maria Teresa Cruz

Classificação final: 18 valores



2014/2015





Índice

1. Introdução4
2. Contextualização Histórica da Técnica8
3. Teorias Modernas da Técnica17
3.1 Determinismo20
3.2 Objecto Técnico como Utensílio23
3.3 Perspectiva Sociológica do Objecto Técnico26
4. O Projecto Vénus – Apresentação e Discussão29
4.1 Como objecto técnico31
4.3 Como espaço-cidade32
4.3 Como utopia34
4.4 Como arte36
4.5 Como dispositivo 38
5. O Retorno da Técnico ao Corpo42
6. Conclusão49
7. Bibliografia53
8. Anexos62























"In a decaying society, art, if it is truthful,
Must also reflect decay and
Unless it wants to break faith with its social function,
Art must show the world as changeable,
And help to change it"
Ernst Fischer

























Introdução

"O que é grande no homem é que ele é uma ponte e não um fim o que pode ser amado no homem é que ele é um passar e um sucumbir"

A tecnologia ocupa cada vez mais o espaço de mediação entre Homem e o Mundo. Este é um facto ao qual ninguém fica indiferente e que permite o desenvolvimento de novos campos de trabalho interdisciplinar sobre as influências dos dispositivos tecnológicos na experiência humana. A Modernidade foi profícua em teses sobre os objectos técnicos, em grande medida restringindo-os aos seus usos por parte do Homem, atribuindo à técnica o messianismo próprio de uma humanidade ciente da sua insuficiência biológica face aos perigos do mundo natural. Foi esta a premissa do argumento antropológico, na qual a tecnologia foi colocada fora do corpo a partir da memória, para permitir à espécie humana sobreviver na natureza (Hottois, 1990:36-47). Esta exteriorização tomou forma na roda, no fogo, nas cidades e em todos os aparelhos que vemos hoje, e que constituem a espinha dorsal da civilização humana. Como afirmado por Bernard Stiegler, esta exteriorização que permitiu ao humano evoluir, surgiu da necessidade de compensar uma falha muito maior: a biologia. Stiegler exemplifica com a lenda grega de Epimeteu e Prometeu, que a cultura e, assim, a tecnologia foram dadas ao homem, a fim de permitir que a espécie humana sobrevivesse (Stiegler, 2008:16-18). Por outras palavras, a nossa constituição biológica não foi suficiente aos seres humanos para sobreviver às provações da natureza e os aparelhos protéticos criados foram o nosso salvo-conduto para evoluir em relativa segurança. O argumento que vou tentar discutir na presente dissertação é que a tecnologia, exteriorizada para que possamos sobreviver, regressa progressivamente na sua modernidade à sua origem para resolver o "problema" inicial. A busca de um corpo perfeito, imortal, ligado a todos os organismos artificiais; um corpo público, em rede, que acolhe os dispositivos como extensões do inorgânico sobre o orgânico (Stiegler, 2004) se desintegra na tecnologia e se reconfigura dando origem as novas formas de "ser humano".

Farei uso de A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica, (inserida no livro Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Politica escrito em 1936) de Walter Benjamin, no qual este nos descreve que a partir da Revolução Industrial, o processo de reprodução massiva dos objectos nas linhas de montagem que levou à perda da aura dos objectos manufacturados. Diz o autor que, "o ritmo acelerado da técnica, a que corresponde também uma rápida decadência da tradição, faz emergir muito mais depressa do que antes o que há de inconsciente colectivo, o rosto arcaico de uma época, é fá-lo tendo em vista já a época que se segue.". Por tradição o autor entende o saber artesanal que era transmitido de mestre para aprendiz (Rodrigues, 2004:8), sobretudo por via oral, ao que se opõe agora uma técnica fundadora da produção massiva de objectos. Por emergir da técnica, Benjamin pretende afirmar que o objecto se liberta do sujeito, entrando na era da sua reprodutibilidade. Como consequência assiste-se a um declínio da aura, ou seja, do carácter único dos objectos, por via da associação à reprodução, a transitoriedade e a repetibilidade. Conjugando o texto de Benjamin com a questão acima colocada, poderemos dizer que, com a crescente redimensionalização da experiência humana através da revolução computacional, assistiremos a uma progressiva entrada da técnica no corpo, reproduzindo-o tecnicamente? Podemos usar o mesmo percurso de Benjamin relativamente ao objecto, para dizer que estamos a entrar numa era da reprodutibilidade técnica do corpo?

Para tentar responder satisfatoriamente a estas questões e lançar propostas futuras de trabalho, o percurso escolhido foi o seguinte:

A dissertação terá numa primeira instância uma dimensão panorâmica (Eco, 1977:39), lançando um olhar histórico, necessariamente esquemático, sobre a crescente importância da técnica no domínio da experiência e na forma como este processo ajudou a refazer tecnicamente o corpo. Iniciarei com uma arqueologia dos termos técnica e tecnologia que importa primeiro diferenciar, fazendo referência a três momentos históricos. O primeiro período vai da Antiguidade Grega até a Idade Média. Neste período a teknè foi concebida como uma entre vários tipos de conhecimento, a saber, o conhecimento do ofício que apresenta no domínio de objectos e fenómenos provocados pelo homem. Assim, a atenção filosófica para a tecnologia era parte do exame filosófico do conhecimento humano em geral. O segundo período vai aproximadamente do Renascimento até à Revolução Industrial, e caracteriza-se por uma apreciação elevada da tecnologia, mas ainda não como um fenómeno omnipresente. A Revolução Industrial marca a decisiva transformação/ cisão entre Técnica e Tecnologia em que Técnica para manter algo comum com o saber fazer dos gregos, embora sempre já associado a uma performance que visa a acção do homem sobre a natureza; e a Tecnologia como sendo o produto dessa acção, enfim, as máquinas. Aqui vemos um interesse geral em tecnologia não só como um domínio de conhecimento, mas também como um domínio da construção, isto é, da fabricação de artefactos com vista para a melhoria da vida humana. No entanto, não há ainda interesse filosófico particular na tecnologia (os produtos da técnica) por si só, que não as questões que os filósofos anteriores também tinha considerado. O terceiro período é o período contemporâneo (a partir da segunda metade do Século XIX até o presente) em que a tecnologia tornou-se um factor tão omnipresente e importante nas vidas humana e nas sociedades, que começou a manifestar-se como um sujeito na reflexão da Economia e da Filosofia pela mãos de Karl Marx e Ernst Kapp. Faço notar que esta periodização se aplicará a filosofia ocidental por motivos de contenção do estudo, já de si amplo. Há muito para ser dito sobre a tecnologia em antigas civilizações tecnologicamente avançadas na China, Pérsia, Egipto, etc., mas isso não pode ser feito dentro dos limites da presente dissertação. Ainda assim, a periodização proposta acima é uma útil subdivisão de primeira ordem da história do pensamento sobre a tecnologia, destacando mudanças importantes na forma como a tecnologia foi e é compreendida.

Numa segunda instância pretendo lançar e discutir as teorias modernas (pós-Marx e Kapp) da técnica. Neste sentido, destacarei três propostas que me parecem fundamentais no âmbito do presente estudo. Primeiro, a crítica de Martin Heidegger à instrumentalidade benigna da técnica, tomando-a como instrumento de dominação, primeiro da natureza e depois do próprio humano. Em segundo lugar, a proposta antropológica em que a técnica é considerada uma extensão do corpo e por isso um instrumento ao alcance dos usos do Homem. E no seguimento das teorias instrumentais, a terceira proposta de Gilbert Simondon sobre uma possível autonomia dos objectos técnicos, alcançada através da sua memória. Partir-se-á depois para a análise de um objecto de estudo concreto.

Entre 2007 e 2011, foi publicada directamente no YouTube uma trilogia de documentários activistas chamados Zeitgeist. O músico e realizador Peter Joseph colocava nestes filmes uma série de questões a ver com a crise financeira, questionando a máquina económica que estava a levar países inteiros à bancarrota e a um sistema de dependência de instituições bancárias e de organismos supranacionais. O activista que integrou o movimento Occupy Wall Street aborda no primeiro filme outras questões como o mercado da guerra, a corrupção política, a pobreza endémica mundial e a promiscuidade política/religião existente nos Estados Unidos da América. Mas se os dois primeiros tomos de Zeitgeist adquirem contornos muito próprios dos movimentos das teorias da conspiração, o terceiro filme (Moving Forward) reveste-se de uma maior reflexividade, discutindo as diferenças entre natureza humana e comportamento humano, que o autor argumenta estarem hoje algo confundidas. Adiante, tentando explorar propostas de mudança, Joseph alia-se a Jacque Fresco, na redefinição das prioridades civilizacionais, projectando uma utopia tecnológica de superabundância, onde política, religião e economia serão consideradas obsoletas. A proposta de Jacque Fresco para a edificação de uma civilização tecnológica, expropria discursos que não contenham em si a racionalidade de factos provados pela ciência e propõe a progressiva descontinuação de ditames políticos, económicos e religiosos, que por serem profundamente ideologizados pelas classes dominantes nunca poderão estabelecer um paradigma de estabilidade global. A análise ao Projecto Vénus será feita a partir das teorias modernas da técnica indicadas antes, assim como de uma análise do ponto de vista da relação entre arte e tecnologia, e por uma incursão sobre a natureza utópica da proposta de Jacque Fresco, procurando como diz Bragança de Miranda, "um sentido humano para a utilização do Tecnocosmos". Será neste momento, que tentarei estabelecer a ponte para questão que me traz aqui, o regresso da técnica ao corpo, a reprodução técnica do mesmo como sentido último de um corpo "resolvido" e imortal e as suas consequências. Irei discutir o Projecto Vénus em cinco diferentes perspectivas:

- Como objecto técnico
- Como arte
- Como espaço-cidade
- Como utopia
- Como dispositivo

Será também neste ponto que se revela o Projecto Vénus como um sintoma da emergência de uma cultura tecnológica ou como nos diz Bragança de Miranda, de um "metaprograma maquínico", e que pondero em algumas páginas sobre esse mesmo assunto, projectando futuras investigações através da análise de estudos contemporâneos. O objectivo aqui será lançar uma discussão mais ampla sobre esta cultura tecnológica e as formas, que no contexto do capitalismo avançado, poderá vir a ter. O interesse desta nova panorâmica na parte terminal da dissertação tenta mostrar a amplitude da cultura tecnológica e do Tecnocosmos, pensando primeiro um projecto híbrido como é o Projecto Vénus, mas também alguns dos efeitos já sentidos no relacionamento entre a técnica moderna e o Homem. Sendo que de tal modo estamos hoje nesse Tecnocosmos, "parece útil pensar em formular programas de hibridação para o nosso relacionamento com a técnica que significariam pautarmo-nos por modos de utilização que contrariem as predeterminações incluídas no metaprograma maquínico". Neste contexto, essa é de facto das únicas liberdades que nos restam.

Contextualização Histórica da Técnica

O termo técnica tem as suas raízes na antiga noção grega de teknè, ou seja, o conhecimento relacionado com uma determinada prática de fazer. Originalmente refere-se por exemplo, às formas de conhecimento ou teknè de um carpinteiro sobre como fazer objectos de madeira (Fischer, 2004:11; Zoglauer, 2002:11), tendo sido estendido para incluir todos os tipos de artesanato, como a teknè de manobrar um barco, teknè de tocar um instrumento musical, teknè do agricultor ao trabalhar a terra, teknè do estadista em governar a Pólis ou teknè do médico em tratar doentes (Nye, 2006:7; Parry, 2008). Para os gregos a técnica não estava relacionada com a verdade, mas sim com a utilidade (Feenberg, 2003:1). Sabemos também que na antiguidade clássica os gregos diferenciavam esta sabedoria técnica (teknè) de racionalidade científica (episteme). Se a teknè é retractada por Homero na Ilíada com o personagem de Ulisses que era dotado de métis (Rodrigues 2004:4) astúcia, esperteza, habilidade; a episteme, conforme vemos em Aristóteles e Platão, relaciona-se com o descobrir a verdade do ser e em determinar a natureza universal. O homem da teknè, dotado de métis, era aquele que podia aduzir motivos razoáveis para as escolhas feitas no decurso da sua acção, e portanto a teknè seria sobretudo os modos de fazer e não o objecto em si mesmo. Foi por ter recorrido a esta "esperteza" que Ulisses, após a Ilíada, é submetido à provação da Odisseia onde testará essa teknè.

Tal como Ulisses, também Prometeu sofreu a ira de Zeus pela sua astúcia em oferecer aos homens o dom das artes e do fogo. Neste mito platónico de nome Protágoras conta-se a história de Epimeteu que é incumbido por Zeus da tarefa de dotar os seres da Terra de qualidades que os tornariam mais velozes e mais fortes. No final da tarefa, Epimeteu esquece-se dos humanos, dotando somente os animais com as habilidades disponíveis. Entretanto, Prometeu chega para inspeccionar o trabalho do irmão e encontra os homens nus, fracos, sem armas. A noite aproximava-se, ficando os homens expostos aos perigos de um mundo hostil. Temendo por eles, Prometeu dirige-se ao Olimpo de onde rouba de Hephaestus e Athena a habilidade das artes, juntamente com o fogo e os delega aos homens, sofrendo posteriormente uma severa punição de Zeus. Neste mito, percebemos a metáfora de que a sobrevivência da espécie humana pelo acesso à técnica se deve a uma falha originária, já que a biologia se mostra insuficiente para providenciar ao humano tudo o que necessita para se manter vivo no mundo (Stiegler, 2008:16-18).

Na filosofia grega clássica, a reflexão sobre teknè envolveu tanto a reflexão sobre a acção humana como a especulação metafísica sobre a natureza do mundo físico. No diálogo Timeu, por exemplo, Platão desdobrou uma cosmologia em que o mundo natural foi entendido como tendo sido feito por um Demiurgo divino, um criador semelhante a um artesão que fez as várias coisas/ artefactos no mundo, dando forma à matéria informe, de acordo com as ideias eternas. Por outro lado, de acordo com Platão, os artesãos imitam o trabalho artesanal da natureza, uma visão que foi amplamente aprovada na filosofia grega antiga e continuou a desempenhar um papel importante em fases posteriores de pensar sobre a técnica. Na visão de Platão tanto os objectos naturais como os objectos feitos pelo homem vêem à existência de forma semelhante, de acordo com planos pré-determinados. Em obras de Aristóteles essa conexão entre a acção humana e o estado de coisas no mundo também é encontrada. Para Aristóteles, no entanto, essa relação não consiste numa similaridade metafísica nas maneiras em que os objectos naturais e os objectos feitos pelo homem vêem à existência. Em vez de desenhar uma semelhança metafísica entre os dois domínios de objectos, Aristóteles apontou para uma diferença metafísica fundamental entre eles e, ao mesmo tempo fazendo conexões epistemológicas entre, por um lado, diferentes modos de conhecer e, por outro lado diferentes domínios do mundo sobre o conhecimento que pode ser alcançado. Em Física (Livro II, capítulo 1), Aristóteles fez uma distinção entre os domínios da physis (o domínio das coisas naturais) e poiesis (o domínio das coisas não-naturais). A distinção fundamental entre os dois domínios consistia em tipos de princípios de existência que estavam subjacentes às entidades que existiam nos dois domínios. O reino natural para Aristóteles consistia em coisas que têm os princípios pelos quais eles passam a existir, continuarão a existir e se "moverão" (no sentido de movimento no espaço, de realizar acções e de mudança) dentro de si. Uma planta, por exemplo, passa a existir e permanece na existência por meio do crescimento, metabolismo e a fotossíntese, os processos que operam por si próprios, sem a interferência de um agente externo. O domínio da poiesis, ao contrário, abrange as coisas cujos princípios da existência e movimento lhe são externos e podem ser atribuídos a um agente externo - uma cama de madeira, por exemplo, existe como consequência da acção de um carpinteiro de fazê-lo e acção de mantê-lo de um proprietário. Na visão do mundo de Aristóteles, cada entidade da natureza estava inclinada a lutar pelo seu lugar no mundo. Por exemplo, os objectos materiais não suportados movem-se para baixo, porque esse é o local natural para objectos materiais. O movimento de uma pedra poderia, assim, ser interpretado como uma consequência da existência de princípios internos da pedra, em vez de como um resultado da operação de uma força gravitacional externo sobre a mesma. Ao contrário da nossa visão de mundo de hoje, fazia todo o sentido pensar em todos os objectos naturais como estando sujeitos aos seus próprios princípios internos de existência e, neste contexto, sendo fundamentalmente distintos dos artefactos que estão sujeitos a princípios externos para a sua existência.

Debrucemo-nos um pouco mais sobre a distinção teknè/episteme. Na Ética a Nicómaco (Livro VI, capítulos 3-7), Aristóteles distinguiu entre cinco modos de conhecer, ou de alcançar a verdade, que os seres humanos seriam capazes. Começa com duas distinções que se aplicam a alma humana. Em primeiro lugar, a alma humana possui uma parte racional e uma parte que não funciona de forma racional. A parte não-racional é compartilhada com outros animais (que engloba os apetites, instintos, etc.), ao passo que a parte racional é o que nos torna humanos - é o que faz do homem o animal racional. A parte racional da alma, por sua vez pode ser subdividida ainda em uma parte científica e uma parte dedutiva ou de raciocínio. A parte científica pode alcançar o conhecimento das entidades das quais os princípios da existência são internas. A parte dedutiva ou de raciocínio pode alcançar o conhecimento das entidades das quais os princípios da existência são externos (de artefactos e outras coisas no domínio não-natural). Os cinco modos de conhecimento que os seres humanos são capazes de (muitas vezes designados por virtudes de pensamento) são faculdades da parte racional da alma e, em parte, constituem o mapa para compreender a dicotomia entre parte dedutiva e parte científica. São o que hoje chamamos de ciência ou conhecimento científico (episteme), arte ou ofício (teknè), prudência ou conhecimento prático (phronesis), intelecto ou apreensão intuitiva (nous) e sabedoria (sophia). Enquanto episteme aplica-se ao domínio natural, teknè e phronesis aplicam-se ao domínio não-natural e aos ofícios, phronesis aplica-se às acções na vida em geral. Nous é o conhecimento não comprovável dos primeiros princípios e, portanto, a base de todo o conhecimento e sophia é um estado de perfeição que pode ser alcançado com relação ao conhecimento em geral, incluindo teknè e episteme. (Reydon, 200?) Para Platão e Aristóteles, teknè e episteme pertencem a diferentes domínios do mundo, mas também encontram similaridades entre os dois, pois são ambos caminhos na obtenção do estado de perfeição (Feenberg, 2003:4). Enquanto saber teórico é um saber parcial, pois não abrange a totalidade da experiência, o saber prático é total, "na medida em que, em cada uma das circunstâncias particulares da acção, fundamenta a totalidade das dimensões das relações do homem com o mundo e dos domínios da experiência" (Rodrigues, 2004:4-5)
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Na Idade Média, a dicotomia entre os reinos naturais e artificiais e a concepção de artesanato como imitação da natureza continuou a desempenhar um papel central na compreensão do mundo. Por um lado, a concepção de artesanato como imitação da natureza passou a aplicar-se, não só para o que hoje chamamos de tecnologia (isto é, as artes mecânicas), mas também para a arte. Por outro lado, alguns autores começaram a considerar artesanato como sendo mais do que a mera imitação de obras da natureza, sustentando que os humanos também eram capazes de melhorar os próprios projectos da natureza. Essa concepção de tecnologia levou a uma apreciação elevada da capacidade técnica que, como a mera imitação da natureza, que se pensava como inferior às artes mais elevadas no cânone escolástico que foi ensinado nas faculdades medievais. O filósofo e teólogo Hugo de São Victor (1096-1141), por exemplo, em Didascalicon comparou as sete artes mecânicas (tecelagem, manufactura de instrumentos e armamento, arte náutica e comércio, a caça, a agricultura, a cura, a arte dramática) com as setes artes liberais (o trívio da gramática, retórica e lógica dialéctica, e o quadrívio da astronomia, a geometria, aritmética e música) e incorporou as artes mecânicas, juntamente com as artes liberais para o corpus de conhecimento que estava a ser ensinado (Whitney, 1990:82; Zoglauer, 2002:13-16). A capacidade e exigência técnica de determinadas ocupações fizeram com que se começasse a atribuir a estas um estatuto mais elevado. É certo que se começa aqui a encurtar o caminho que levará ao reconhecimento da técnica como passível de melhorar a performance do corpo.

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Será no Renascimento, entre o Homem-Vitruviano de Leonardo da Vinci (circa 1490) e De Humanis Corporis Fabrica de Vesálio (1543) e a revolução científica pelas mãos de Copérnico, Galileu e Newton, que percebemos ocorrer uma mudança radical na experiência dos ocidentais e que levará à transformação da experiência de ser um corpo animado pelo sopro vital divino para a experiência de ter um corpo-máquina (Cascais, 2004:2) ou um complexo mecanismo corporal de sobrevivência construído pela ciência de que o conto de Frankenstein viria a ser exemplo paradigmático. Aqui a técnica já não é o modo de fazer, mas os dispositivos discursivos da ciência (Foucault, 1984) que nos dizem como devemos encarar o corpo. Para Breton o gesto veseliano foi o primeiro passo na invenção do humano, "a distinção entre corpo e a pessoa humana traduz simultaneamente uma mutação ontológica decisiva. É à invenção do corpo, na episteme ocidental, que conduzem estes diversos procedimentos". Foi precisamente no Renascimento quando o homem se tornou o centro do espaço cósmico, que surgiu a distinção dialéctica entre sujeito e objecto, orgânico e mecânico, entre carne e técnica (Furtado, 2004:3).

"Única realidade é matéria em movimento (…) um corpo é um objecto regido por movimentos regulares (…) chamarmo-nos de máquina ajuda-nos na nossa auto-compreensão; não nos define nem limita a essência humana"
Isto é, ao mesmo tempo que o corpo é concebido como uma máquina, passa a ser essencial distinguir nele a "pessoa", como vemos em O Homem-Máquina de La Mettrie (já de 1747), onde os ecos de um homem transformado em mecanismo, são salvaguardados com a alma ou essência que ainda persistirá até à revolução tecnocientífica do século XIX que aparece como alternativa ao imaginário místico do homem sujeito à justiça divina, para ser o homem sujeito às regras da evolução. Michel Foucault diz-nos justamente, que se o advento do Cristianismo transformou a carne em matéria-prima da qual era preciso expulsar o pecado; os dispositivos discursivos e não-discursivos da ciência reconfiguraram a corpo e produziram a realidade fora dele (Foucault, 1984). Tal é possível verificar nas artes, que a adoptaram a geometria e a matemática, Rubens e Da Vinci respectivamente, como técnicas capazes de representar a natureza de forma mais perfeita. No século XV, grande parte dos compradores de arte fazem parte da esfera burguesa que atribui um valor comercial aos objectos, nomeadamente às formas e materiais usados para a feitura dos objectos. Deste modo, muitos os artistas passam a usar a técnica a óleo, as tonalidades e a luz ampliando existências, volumes, proporções e substâncias, valorizando não só artisticamente como economicamente as suas obras. Assim, a planura decorrente dos desenhos da pré-história é substituída por novas técnicas, pela profundidade e pela geometria com o objectivo de atingir formas mais harmoniosas.

Jean Fouquet (1420 – 1481), por exemplo, com as suas iluminuras, foi um dos pintores em destaque em França, incluindo tonalidades cromáticas, a perspectiva e os volumes. Em 1504, na alvorada da Renascença alemã, Albrecht Dürer (1471 - 1528) executou uma gravura, que representava adão e Eva, na qual quis aplicar as possibilidades da ciência. Conservado nos arquivos de Dresden, o esboço de Eva, mostra o recurso ao cálculo aritmético, a rectângulos, quadrados e eixos horizontais, verticais e medianos. Leonardo da Vinci (1452 - 1519) como se sabe recorreu também a técnicas como a profundidade e ao cálculo matemático. Esta frase é sua, "não leia os meus princípios [os princípios da pintura] quem não seja matemático. A natureza é, pois, matemática" (Cf. Da Vinci, 1987:112). Tal como Rubens (1577 - 1640) que na sua Teoria da Figura Humana diz que "se podem reduzir os elementos ou princípios da figura humana ao cone, ao círculo ou ao triângulo". Como diz o historiador René Huyghe, "a geometria admite formas cujas relações se podem calcular matematicamente, e estas permitem uma harmonia, que cumprirá tanto melhor a sua função quanto mais se aplicar a juntar e unir elementos numerosos e distintos". Huyghe diz-nos que esta tendência em aplicar ciências exactas na arte irá perdurar após o Renascimento. Desde Paul Cézanne (1839 - 1906) que se dedicou a tratar a natureza com o cilindro, a esfera e o cone, a Pablo Picasso (1881 - 1973) com o seu cubismo sintético; até à definitiva transferência da arte do reino natural para o plástico com o grupo De Styl, originário da Holanda, através de Piet Mondrian (1872 - 1944) nas suas emblemáticas Composições. Deste modo, a Arte foi distanciando-se da vida, submetendo-se e reproduzindo-se pela lógica das formas matemáticas e da mecânica. Como diz Abbagnano, "as bases da ciência natural moderna, que tem por fundamento a experiência sensível e procede pela via das hipóteses elaboradas matematicamente, reconhecendo na natureza uma ordem mensurável precisa e uma perfeita necessidade." (Abbagnano, 1981:314).
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Outra figura-chave no final da Renascença foi Francis Bacon (1561-1626). Em Novum Organum (1620), Bacon propôs um novo método, baseado em experiência para a investigação da natureza e enfatizou a conexão intrínseca da investigação da natureza e da construção de obras técnicas que fariam da pessoa humana "o senhor e possuidor da natureza". Em Nova Atlântida e a Grande Instauração (escrito em 1623 e publicado postumamente em 1627), apresentou uma visão de uma sociedade em que a filosofia natural e a tecnologia ocupavam uma posição central. Neste contexto, deve-se notar que, antes do advento da ciência na sua forma moderna, a investigação da natureza foi concebida como um projecto filosófico, isto é, a filosofia natural. Assim, Bacon não fazia distinção entre ciência e tecnologia, como fazemos hoje, mas via a tecnologia como parte integrante da filosofia natural e colocava a realização de experiências e a construção de obras tecnológicas em pé de igualdade. Na sua opinião, a técnica funciona para a melhoria das condições de vida das pessoas, mas, mais ainda, como "indicações de verdade ou falsidade de nossas teorias sobre os princípios fundamentais e as causas de natureza". Nova Atlântida é o relatório de ficção de um viajante que chega a um estado insular ainda desconhecido chamado Bensalém e informa o leitor sobre a estrutura desta sociedade. Na visão utópica em Nova Atlântida, a sociedade de Bensalém foi modelada pela Inglaterra Baconiana, que se tinha tornado cada vez mais industrializada e necessitada de inovações técnicas, novos instrumentos e dispositivos para ajudar na produção de bens e na melhoria da vida humana (Kogan-Bernstein, 1959). Assim, Bacon passa grande parte do livro a descrever a instituição mais importante na sociedade de Bensalém, a Casa de Salomão, uma instituição dedicada inteiramente à ciência e à inovação tecnológica. Bacon fornece uma longa lista das diversas áreas do conhecimento, técnicas, instrumentos e dispositivos que a Casa de Salomão possui, bem como descrições da maneira como está organizada e as diferentes funções que os seus membros cumprem. Neste relato notamos o optimismo desenfreado de Bacon sobre o potencial da ciência e da tecnologia: a Casa de Salomão parece estar na posse de todos os possíveis (e impossíveis) tecnológicos que se podem imaginar, incluindo vários que só foram realizados mais tarde (como máquinas voadoras e submarinos) e alguns que são impossíveis de se realizar (máquinas de trabalho que após terem sido iniciadas permanecerão em movimento para sempre e são capazes de fazer o trabalho sem consumir energia. A termodinâmica contemporânea mostra que essas máquinas são impossíveis de construir). Bacon repetidamente afirma que a Casa de Salomão trabalha para o benefício das pessoas e da sociedade de Bensalém: os membros da Câmara, por exemplo, viajam regularmente pelo condado para informar os habitantes sobre novas invenções e também para avisá-los sobre eventos catastróficos próximos previstos pela ciência, tais como sismos e secas, e aconselham sobre como se podem preparar para esses eventos. Enquanto Bacon é frequentemente associado à máxima conhecimento é poder, ao contrário do modo como é entendido hoje (onde poder é entendido como o poder político ou poder dentro da sociedade), o que Bacon pretendia afirmar é que o conhecimento de causas naturais dá -nos poder sobre a natureza que pode ser usado para o benefício da humanidade (Reydon, 200?). Ou seja, no desbravar do conhecimento científico obtém-se poder sobre a natureza, permitindo ao Homem melhorar a sua condição na sociedade, "a finalidade da nossa fundação é o conhecimento das causas e movimentos secretos das coisas; e a ampliação dos limites do império humano para a efectivação de todas as coisas possíveis." Aqui são explicitamente mencionados como os dois principais objectivos da instituição mais importante na sociedade, o conhecimento das causas (scientia) e o poder de ampliar os limites do humano (potentia), como coincidindo na elaboração de novas obras, porque só se pode ter poder sobre a natureza quando se sabe as causas da natureza e daí esta a conexão entre conhecimento e poder como finalidade do humano.

A melhoria de vida por meio da filosofia natural e da tecnologia é um tema que permeia grande parte das obras de Bacon, incluindo o Nova Atlântida e o seu magnum opus inacabado, o Instauratio Magna. Bacon via no Instauratio Magna, a sua "Grande Renovação das Ciências", como a culminação de sua obra a vida na filosofia natural. Inicialmente pensado para abranger seis partes, Instauratio Magna apresentaria uma visão geral e uma avaliação crítica do conhecimento sobre a natureza disponíveis no seu tempo e a apresentação de novo método para investigar a natureza. Um mapeamento dos lugares vazios no corpus do conhecimento disponível e inúmeros exemplos de como a filosofia natural seria o progresso. No entanto, mesmo a escrita do Instauratio Magna provou ser demasiado ambiciosa demais: Bacon apenas concluiu a segunda parte, intitulada de Novum Organum, no qual apresentou o seu novo método de investigação da natureza. Em relação a este novo método, Bacon argumenta em Novum Organum contra a tradição medieval de conhecimento baseado nos escritos aristotélicos e escolásticos, propondo antes uma visão do conhecimento em que este seria adquirido através de uma sistemática descoberta empírica (Cantor; Klein, 1969). Para Bacon, artesanato e tecnologia desempenharam um papel triplo neste contexto. Em primeiro lugar, o conhecimento seria adquirido por intermédio da observação e experimentação, e para este efeito a filosofia natural contava com a construção de instrumentos, dispositivos e outras obras de artesanato para tornar possíveis investigações empíricas. Em segundo lugar, como discutido acima, a filosofia natural não devia ser limitada ao estudo da natureza apenas para adquirir novos conhecimentos, mas também se deveria questionar o recém-adquirido conhecimento e como pode este ser utilizado na prática para o benefício da sociedade e de seus habitantes (Kogan-Bernstein, 1959; Fischer, 1996:284-287). E em terceiro lugar, as obras tecnológicas serviriam como fundações empíricas de conhecimento acerca da natureza e como indicadores de verdade das teorias envolvidas acerca dos princípios fundamentais e das causas na natureza. Embora em muitos dos seus escritos, Bacon sugere que a investigação pura da natureza e a construção de novas obras são de igual importância, parece priorizar a tecnologia. A partir da descrição que Bacon dá de como a Casa de Salomão é organizada fica claro que os seus membros também praticam investigação pura da natureza sem grande consideração pela sua utilização prática. A investigação pura da natureza parece ter seu próprio lugar e de ser capaz de operar de forma autónoma. Ainda assim, como um todo, a instituição da Casa de Salomão é decididamente orientada para a prática, de modo que a relativa liberdade de investigação, no final, se manifesta dentro dos limites nos quais a aplicabilidade prática é o que mais conta.

Como se disse em cima, foi no Renascimento, quando o Homem se tornou o centro do espaço cósmico, que surgiu a distinção dialéctica entre o orgânico e o mecânico. Um percurso que levaria à revolução tecnocientífica do século XIX como decisiva alternativa ao imaginário místico. Com esta distinção ocorreu uma inversão crucial em que já não é apenas a corpo que é interpretado em termos mecânicos, mas a máquina que pretende ser vista em termos orgânicos. A Modernidade, baseada na ideia de um progresso conduzido pelo domínio técnico, viria a cultivar o corpo à imagem da perfeição industrial e normalizaria o social, inspirando-se na estandardização. Sem adiantar em demasia, no Renascimento importa-nos perceber que foi a partir deste período que a ciência e a tecnologia adquirem um novo estatuto na civilização ocidental. Estendem-se às artes e à política, e projectam um novo corpo humano desenhado cientificamente. O verdadeiro objectivo da filosofia natural e deste modo, a ciência e a tecnologia, passaria a ser alterar e beneficiar toda a vida humana ou scientiae veros fines (Instauratio Magna, Prefácio, 1620:12) como diz Bacon.

Teorias Modernas da Técnica
Nascido em pleno boom da Revolução Industrial, Karl Marx terá sido o primeiro a debruçar-se de um ponto de vista económico, sobre os efeitos da tecnologia na sociedade. De acordo com uma carta escrita a Engels de 28 de Janeiro de 1863, terá inclusivamente escrito uns cadernos sobre a história da tecnologia dos quais não se sabe o paradeiro. As referências aos efeitos da tecnologia sob a influência do capitalismo são uma constante ao longo da emblemática obra O Capital. Nela, Marx explicou como as leis do capitalismo – regime de competição por maiores lucros – forçam cada capitalista a tentar reduzir os seus custos, aumentando a produtividade através da substituição do trabalho humano por máquinas. O que, por sua vez, cria uma população excedente artificial de desempregados.

"A queda nos preços e a luta competitiva impelem cada capitalista a reduzir o valor individual do seu produto total abaixo do seu valor geral, empregando nova maquinaria, novos e melhores métodos de trabalho e novas formas de associação. Ou seja, impelem-no a elevar a produtividade de uma dada quantidade de trabalho, para reduzir a proporção do capital variável [salários] em relação ao constante [maquinaria, ferramentas, equipamento, matérias-primas etc.] e, assim, demitir trabalhadores; em suma, cria um excedente artificial de população (...) as mesmas causas que elevaram a produtividade do trabalho, o aumento da massa de produtos mercantis, mercados ampliados, acumulação acelerada de capital, em termos tanto de massa quanto de valor, e a baixa da taxa de lucro, essas mesmas causas produziram, e continuam constantemente a produzir, uma população excedente relativa, uma população excedente de trabalhadores que não são empregados devido a esse excesso de capital por conta do baixo nível de exploração do trabalho em que teriam de ser empregados, ou, pelo menos, por conta da baixa taxa de lucro que resultaria de uma dada taxa de exploração"

Ao procurar o aumento dos seus lucros e a supressão da concorrência, as empresas recorrem ao investimento e à tecnologia como ferramentas através das quais se diferenciam. Marx assume também que para manter o processo acumulativo em curso (que sustenta o ciclo do capital) deve haver inovação constante (novas formas de tecnologia) e que este processo acelera a obsolescência dos meios de produção e dos bens de consumo. A obsolescência é inclusive estratégica no sentido de acelerar a renovação de mercados, o fluxo de consumo e a acumulação de capital. A tecnologia é assim exógena, já que o seu curso progressivo se deve o desenvolvimento do sistema capitalista, isto é, de uma força económica imposta sobre a tecnologia. Não é, portanto, a tecnologia em si, mas o uso da tecnologia pelo capitalismo, introduzida como forma competitiva, que leva ao desemprego em massa, e que, por sua vez, coloca pressão sobre os que ainda trabalham, a aceitar salários mais baixos, enquanto a concorrência para os empregos remanescentes aumenta.

Contudo, a primeira monografia exclusivamente sobre a filosofia da tecnologia apareceu na Alemanha, em 1877. No seu livro, Grundlinien einer Philosophie der Technik. Ernst Kapp usa o termo/ campo filosofia da tecnologia para falar da investigação filosófica sobre os efeitos do uso da tecnologia na sociedade humana. No seu livro, Kapp argumenta que os artefactos tecnológicos devem ser pensados como imitações e melhorias de órgãos humanos artificiais. A ideia subjacente a Grundlinien einer Philosophie der Technik é que os seres humanos têm capacidades limitadas (poderes limitados visuais, força muscular limitada, recursos limitados para o armazenamento de informações, etc.). Estas limitações levaram os seres humanos a tentar melhorar as suas capacidades naturais, por meio de artefactos tecnológicos. Na visão de Kapp, tais melhorias não devem ser pensadas como extensões ou complementos dos órgãos humanos, naturais, mas sim como seus substitutos. Supostamente, porque os artefactos tecnológicos serviriam como substitutos dos órgãos naturais, e como tal foram concebidos como imitações desses órgãos para executar a mesma função. Como Kapp nos diz, "uma vez que o órgão, cuja utilidade e poder é ser aumentado por definição, a forma apropriada de uma ferramenta só pode ser derivada do órgão". Este modo de entender a tecnologia, reproduz a visão da tecnologia como a imitação da natureza por homens que era encontrado em Platão e Aristóteles, e foi dominante durante toda a Idade Média, no entanto, acrescenta a ideia de "corpo limitado pela biologia" passível não só de ser melhor representado como efectivamente melhorado fisicamente por objectos técnicos. Outra ideia bastante interessante em Kapp é a sua análise da linguagem, identificando-a como extensão ou prótese da vida mental, muito antes destas ideias serem popularizadas por Marshall McLuhan. Durante várias décadas após a publicação da obra de Kapp pouco trabalho filosófico com foco em tecnologia foi publicado até Martin Heidegger se debruçar sobre o assunto (Feenberg, 2003).

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No período após a Segunda Guerra Mundial, houve um aumento na quantidade de reflexões publicadas sobre tecnologia, dado o papel da mesma nas duas guerras mundiais, e que muitas vezes expressam uma visão profundamente crítica e pessimista da influência da tecnologia sobre as sociedades e valores humanos e do mundo da vida humana em geral. Devido a este aumento na quantidade de reflexões sobre a tecnologia, após a Segunda Guerra Mundial, localiza-se o surgimento dos estudos sobre a tecnologia nesse período. A razão é simples: os historiadores da tecnologia da Segunda Guerra Mundial apontam este período como sendo o mais inovador na história da humanidade até então, pois durante a guerra foram introduzidas novas tecnologias que continuaram a impulsionar a inovação tecnológica, bem como a reflexão associada a essa inovação durante as várias décadas seguintes. Assim, a partir dessa perspectiva que foi a Segunda Guerra Mundial e o período seguinte em que a tecnologia atingiu o nível de destaque, tornou-se "uma força importante demais para esquecer". Thomas Kuhn menciona esta emergência em discutir os efeitos da tecnologia na sociedade como o "estabelecimento de um novo paradigma". O surgimento de estudos inteiramente dedicados à tecnologia aparece de facto acoplado às preocupações emergentes após a Segunda Guerra Mundial.








Determinismo

Assistindo a este crescendo de importância da tecnologia no mundo, Martin Heidegger, na famosa conferência que deu em 1955, intitulada The Question of Technology (publicada em 1962), assumiu que um dos principais aspectos da natureza de ambas tecnologia mais antiga e contemporânea é de que a tecnologia é instrumental: objectos tecnológicos (ferramentas, moinhos de vento, máquinas, etc.) são meios pelos quais podemos alcançar fins particulares. No entanto, Heidegger argumentou que muitas vezes é esquecido que a tecnologia é mais do que apenas a elaboração de instrumentos para fins práticos particulares. É também uma forma de conhecer, uma forma de descobrir a natureza oculta das coisas. Na sua terminologia muitas vezes idiossincrática, escreveu que "a tecnologia é uma forma de descobrir" ("Technik ist eine Weise des Entbergens"), onde entbergen significa descobrir no sentido de descobrir uma verdade escondida. Associando entbergen com o termo grego aletheia, do latim veritas, Heidegger adopta uma visão da natureza da tecnologia perto da posição de Aristóteles, que concebeu teknè como um dos cinco modos de conhecimento, bem como a visão de Francis Bacon, que considerava os trabalhos técnicos como indicações de verdade ou falsidade de nossas teorias sobre os princípios fundamentais e como provocadora na natureza. Para Heidegger, a diferença entre a tecnologia antiga e a contemporânea, consiste na forma em como revelam a verdade e no homem empenhado no desvendamento (Rodrigues 2004:4). A tecnologia antiga consistia em hervorbringen que tem um duplo sentido: o hervorbringen alemão significa tanto fazer (a fabricação ou produção de coisas, objectos materiais, efeitos sonoros, etc.) e trazer ao de cima. Assim, o termo alemão pode ser usado para caracterizar tanto o aspecto fazer da tecnologia e seu aspecto de ser uma forma de saber. Embora a tecnologia contemporânea mantenha este aspecto teórico da tecnologia mais antiga, Heidegger argumentou que em contraste, a tecnologia contemporânea como forma de saber consiste agora em herausfordern (desafio) da natureza pelo homem e do homem pela tecnologia. A diferença é que, enquanto as tecnologias mais antigas tiveram de submeter-se às normas estabelecidas pela natureza (por exemplo, o trabalho que um moinho podia fazer dependia de quão forte o vento soprava), as tecnologias contemporâneas podem definir as normas (por exemplo, nas barragens de um rio, um fornecimento estável de energia pode ser garantido através da regulação activa do fluxo de água). A tecnologia contemporânea pode assim ser usada para desafiar a natureza: "Heidegger entende a tecnologia como uma forma particular de abordar a realidade, como dominadora e controladora da natureza que só pode aparecer como matéria-prima pronta a ser manipulada". Além disso, a tecnologia contemporânea desafia o homem por sua vez a desafiar a natureza no sentido de que estamos constantemente a ser desafiados a perceber o potencial oferecido mas até então não realizado pela natureza - ou seja, para elaborar novas tecnologias somos forçados a desafiar natureza de novas maneiras e em assim trazer ao de cima novas verdades ao mundo. Martin Heidegger faz assim uma crítica à concepção instrumental de técnica. A essência da técnica não está, diz Heidegger, na sua instrumentalidade, mas na capacidade de produção técnica de sentido e linguagem que se traduz num mundo, onde cada vez mais os objectos dominam a realidade, transformando tudo o que esteja em redor do homem em matéria-prima. Heidegger utiliza como exemplo uma hidroeléctrica construída no rio Reno: "O rio Reno existe na medida em que é operado em função de uma finalidade. O rio torna-se em meio para um fim, foi "encomendado" (bestellt) para gerar e armazenar energia. É a técnica moderna, com vista a produção, que revela esta nova função do rio. A natureza é transformada em reserva de recursos". O perigo não está no instrumento técnico, mas no que Heidegger apelidou de gestell, ou estado de disponibilidade total do mundo possível por intermédio deste. Neste processo, o Homem passa a ser dominado pela mediação do objecto que instrumentaliza, pois é cada vez mais através deste que coloca o mundo à sua disposição e é através do qual que obtém sentido do que o rodeia.

"A técnica moderna é um meio para fins. Por isso todo o esforço para conduzir o homem a uma correcta relação com a técnica é determinado pela concepção instrumental da técnica. Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a técnica enquanto meio. [...] Pretende-se dominá-la. O querer dominar torna tão mais iminente quanto mais a técnica ameaça escapar do domínio dos homens"

Deste modo, no século XX, de acordo com Heidegger, a tecnologia como uma forma de conhecer assume uma nova natureza. A tecnologia mais antiga pode ser pensada como imitadora da natureza, onde o processo de imitação é inseparavelmente ligado à descoberta da natureza oculta das entidades naturais que são imitadas. A tecnologia contemporânea, por outro lado, coloca natureza à disposição de um fornecedor de recursos e desta maneira coloca o homem em uma posição epistémica face à natureza, que difere da relação epistémica de imitar a natureza. Os produtos da tecnologia contemporânea, como uma barragem ou uma central de energia nuclear, não são objectos naturais já existentes, mas desafios à natureza existente, forçam a natureza para fornecer energia (ou outro tipo de recursos).

Heidegger adverte assim, que a crescente produção de sentido traduz-se num mundo onde cada vez mais os objectos dominam a realidade. O alemão Oswald Spengler fala em algo similar em O Homem e a Técnica (1931), uma táctica vital em que o simbólico liberta processos de manipulação do meio ambiente para satisfação de necessidades humanas, lógica que "converte todo o universo em pensamentos mecânicos e racionais". Para Heidegger, o mundo onde "caímos", que está cada vez mais preenchido de objectos e ao qual temos de nos adaptar se quisermos tornarmo-nos seres-aí. O autor receia que a adaptação ao mundo dos objectos seja também ela instrumentada pela técnica de modo que para uma bem-sucedida inserção o homem seja obrigado a pôr à disposição e transformar tudo em matéria-prima, como também relembra Spengler, dizendo que a técnica possibilita a realização de desejos permanentemente insatisfeitos através da manipulação de recursos disponíveis. Assim como Jünger (1993a: 119-139), Heidegger, acreditava que a característica sobre-humana exigia um esforço sobre-humano para a combater. Ambos advogavam uma mobilização total. Enquanto a técnica mobilizava as energias de uma nação inteira, um grupo, uma geração, só um sobre-humano para mobilizar essa mesma nação para superar a técnica. Em Heidegger esta mobilização é analítica existencial do dasein, ou a experiência de queda num mundo ao qual não pedimos para vir. O homem procura a partir daqui a sua autenticidade, ele é primeiro ex-istência e só depois in-sistência, que culmina no ser-no-mundo (dasein), mas num mundo que para onde olha vê objectos técnicos. Perdendo de vista a sua biologia, tal levará à imersão do Homem numa segunda natureza produzida pelos dispositivos técnicos. Heidegger exprime uma descrença na possibilidade de um utopismo humanista e no modelo kantiano de ética antropocêntrica proporcionar antídoto eficaz para os perigos da técnica. Neste sentido, faz uma crítica da concepção antropológica de técnica ultrapassando uma desvalorização da tekné que aparece na Grécia Antiga, e que opunha theoria e tekné. Para ele, o sujeito não controla a técnica, é feito por ela e critica que a técnica seja a aplicação prática da ciência moderna da natureza, ou seja, que do lado da ciência esteja o pensamento (episteme), e do lado da técnica esteja a execução (tekné). Heidegger diz que a ciência moderna é experimental e quantificadora que produz conhecimento, baseado em experimentação, método experimental e aparato experimental que é conseguido por um conjunto de instrumentos de mediação. Do ponto de vista de Heidegger, a teoria é assim já técnica. O rigor da ciência moderna é eficácia técnica, e o critério do rigor científico é a eficácia para criar o real e sem variáveis. A logoteoria, ou o pensamento como objecto, passa assim a logotécnica ou tecnociência.

Para o autor, a essência da técnica não está, no entanto, nos seus produtos, mas na capacidade de produção de sentido e linguagem. Enquanto a técnica artesanal humanizava e libertava, transformando a natureza, a técnica moderna responde pela produção de sentido que é uma produção / interferência dos seus próprios fins, ou antes, uma resposta de cálculo. A capacidade de pensar foi, para Heidegger, capturada pelo cálculo das máquinas, e salvaguarda o pensamento estético (o jogo do produzir sentido, da possibilidade) que ainda não teria sido transferido do homem para a técnica.

Objecto Técnico como Utensílio

A segunda teoria moderna da técnica é uma teoria instrumental que continua as ideias de Kapp, afirmando que a técnica é um utensílio nas mãos do humano e que os artefactos tecnológicos são neutrais, adquirindo o valor positivo ou negativo em virtude da sua utilização pelos homens. O antropólogo Leroi-Gourhan diz-nos que esse utensílio aparece na primeira vez que o ser humano pegou um objecto, exteriorizando parte da sua memória, permitindo-lhe sobreviver num ambiente hostil mas criando também um meio-ambiente técnico fora de si. Em O Gesto e a Palavra, 1 - Técnica e Linguagem (1990), Gourhan descreve um processo de acumulação de informação por um lado genética (dentro do corpo) e por outro cultural colocado da memória para fora do corpo, depositando-o na cultura (e por isso na linguagem) que tem efeitos sobre nós através do utensílio. O corpo tornou-se assim um veículo e um mediador entre linguagem e utensílio, entre o humano, o utensílio e o mundo em seu redor.

As implicações desta libertação da técnica para fora do corpo são visíveis desde logo na forma como estes utensílios suprimem determinadas insuficiências, trazendo outras diferentes. Se a técnica é desenvolvida para colmatar falhas biológicas, na verdade estas soluções trarão sempre novas formas de necessidade, nomeadamente a de incorporação da própria técnica, conforme Adriano Duarte Rodrigues nos lembra. "O homem deixa de poder contar para a sua sobrevivência, apenas com o apetrechamento dos seus dispositivos instintivos. Necessita também da incorporação de dispositivos que lhe ensinem as modalidades de concretização das instruções dos dispositivos instintivos, que façam a ponte entre os instintos e o mundo, preenchendo assim o hiato constitutivo do sistema pulsional". Dito de outra forma, a incorporação da técnica é um atributo necessário e progressivo na construção do mundo, uma vez que essa construção é um produto da própria técnica pela mão do homem. Existe em Leroi-Gourhan e em toda a perspectiva instrumental um valor de uso atribuído exclusivamente pelo Homem, como salienta David Sarnoff, "the products of modern science are not themselves good or bad; it is the way they are used that determines their value". Na prática, a versão antropológica compreende a técnica como exterior e formadora de mundo mas ainda sob a alçada da mão, em forma de prótese, "os dispositivos artificiais passaram assim a apresentar-se como próteses destinadas a substituir o organismo humano e como órteses destinadas a aperfeiçoar o seu funcionamento". Leroi-Gourhan acredita que no lento processo de passarmos a memória para fora do corpo, o cálculo passou do homem para a máquina, e questiona se o destino do homem será enfim a máquina, a que responde que o homem não muda de espécie ao passar para a máquina, existirá um "prolongamento da mesma". Este carácter biológico conferido à técnica é atestado por Rodrigues "através da sua miniaturização e incorporação (...) restam cada vez menos dimensões da experiência que escapem à intervenção técnica, à medida que a tecnicidade se vai naturalizando". A versão antropológica assume igualmente o desenvolvimento tecnológico como inevitável e para que esse desenvolvimento seja neutro, deve ser fixada uma "trajectória de desenvolvimento" que seja proveitosa aos humanos. Karl Steinbuch afirma que "a tecnologia liberta o homem da necessidade material e concede-lhe alimento, matéria-prima, energia, higiene e comunicação, em suma, uma vida livre de carências, tornando assim possível uma existência com dignidade humana". A questão fundamental para ambos os autores parece convergir no imperativo de se perceber quais as novas configurações que surgirão com a obsolescência do corpo humano. Gourhan mostra que ambas dimensão simbólica e técnica irão trazer tal representação da realidade, impossível de circunscrever, "o grande problema do mundo actual está por resolver: como é que este mamífero obsoleto, com necessidade arcaicas que constituíram o motor de toda a sua ascensão, irá continuar a empurrar o seu rochedo encosta acima, se um dia já só lhe restar a imagem da sua realidade?". Uma imagem da realidade que a exteriorização da memória na técnica faz com que se nos apresente como esvaziada de significado. Uma vez que a condição de sobreviver fica dependente da constituição da vida como ex-istência (existir fora do corpo) depositada no aparato técnico, indica o surgimento das mnemotecnologias ou tecnologia da memória de que fala Bernard Stiegler. Colocando a memória no exterior, nos aparatos/ dispositivos tecnológicos da memória, o homem esvazia-se de significado. Stiegler crê inclusivamente que o desenvolvimento industrial e massivo de mnemotecnologias representa uma perda estrutural de memória, ou, mais precisamente, um deslocamento dessa memória: um deslocamento em que ele pode se tornar o objecto de um controle do conhecimento, e constituem a base essencialmente mnemotecnológica dessas sociedades de controlo que Gilles Deleuze começou a teorizar no fim de sua vida.

No contexto moderno, a tecnologia não realiza os objectivos essenciais inscritos na natureza do universo, como o faz a tekné. Aparece agora como puramente instrumental, como isenta de valores (Feenberg, 2003:6). A tecnologia é neutra e um produto espontâneo da nossa civilização, não tem qualquer preferência entre os vários usos possíveis a que possa ser posta. Através da tecnologia trata-se a natureza como matéria-prima, não como um mundo que emerge de si mesmo, uma physis, mas antes como materiais que esperam a transformação para proveito do humano. O Ocidente fez avanços técnicos tremendos com base neste conceito de técnica e na noção de exploração do mundo natural. Tudo fica exposto a uma inteligência analítica que se decompõe em partes utilizáveis e os meios através do quais essa exploração foi feita, foram ficando cada vez mais eficientes e poderosos (Feenberg, 2003:6-7). Hermínio Martins viria a desenvolver a ideia de que os artefactos técnicos seriam, para estes autores, extensões, projecções, amplificações do ser humano, do próprio corpo humano, em suas diversas especificações (os sentidos, os membros, o sistema nervoso, etc.). A teoria antropológica da tecnologia elaborada por Kapp tem, como eixo explicativo central, a noção de Organprojektion ("projecção orgânica"). Kapp considera que, se a passagem do inconsciente ao consciente é mediada pela externalização técnica, o desenvolvimento da tecnologia implica, necessariamente, o crescimento da autoconsciência humana. Tal concepção da técnica, a que Hermínio Martins denomina "somatismo tecnológico", devido à ênfase posta no ser humano corporizado, modelo analógico de toda invenção, é radicalmente solapada pela tecnociência contemporânea. (Martins, 2001:117-8)
Perspectiva Sociológica do Objecto Técnico

Gilbert Simondon, na sua obra Modo de Existência dos Objectos Técnicos, escrita em 1958, pretende responder a uma pergunta de Georges Canguilhem: "o objecto técnico é mais do que uma mera aplicação da ciência?" A sua resposta positiva permite uma nova abordagem da relação entre seres técnicos e seres biológicos. Em resposta à teoria instrumental que servia de base ambos Gouhran e Heidegger, Gilbert Simondon acredita existir previamente uma recusa do homem em admitir importância à tecnologia e também uma dificuldade em compreender que o objecto técnico individualizado corresponde directamente à dimensão humana, ou seja, que o objecto técnico não domina o homem e nem o homem domina o objecto técnico (Simondon, 1969:9-10). Aliás, é a ilusão de que a técnica é somente uma ferramenta e que temos com esta uma relação vertical, que nos coloca em situações de precariedade face à importância que determinados dispositivos entretanto adquirem. O autor diz ainda que a cultura do homem comporta duas atitudes contraditórias para com os objectos técnicos: de um lado a cultura trata os objectos como matéria, desprovida de verdadeira significação e apresentando somente uma utilidade, um valor de uso (Simondon, 1969:115-116). Por outro lado, supõe-se que estes objectos são também animados de intenções hostis para com o homem, que representam um permanente perigo de agressão, de insurreição. Esta forma de se relacionar com a técnica deve-se ao facto do homem nunca ter conseguido compreender o funcionamento do objecto técnico e esta falta de compreensão ter levado a uma total separação entre os objectos técnicos e a sua cultura humana. Desta forma, esta cultura não inclui as máquinas, o que faz com que seja inadequada e não representativa, ficando as máquinas regidas por uma cultura que não foi elaborada de acordo e da qual estão ausentes. Para corrigir esta incompreensão, faz-se necessário a incorporação dos objectos técnicos na cultura, e a primeira condição para que isso ocorra é a consciência de que o homem não é nem inferior e nem superior aos objectos técnicos. Ele precisa de conhecer e compreender os objectos técnicos, mantendo uma relação social com eles. A tecnologia precisa fazer parte das relações humanas na sociedade, para que seja possível investigar a evolução das máquinas do mesmo modo que se pode analisar a série evolutiva dos seres vivos, compreender que a evolução do homem caminha lado a lado com a evolução tecnológica, e que ela é um dos agentes de transformação das sociedades, através das suas diferentes formas, usos e implicações. O homem precisa de compreender que a cultura rege a relação deste com o mundo e a relação deste consigo próprio (Simondon, 1969:68). Se a cultura não incorporar a tecnologia, ela não pode conduzir a relação do homem com o mundo, independente do momento de grande avanço tecnológico em que estamos hoje. Em suma, a cultura precisa de ser contemporânea da técnica. Simondon propõe-nos assim uma reconfiguração da cultura tecnológica dominante e da forma como olhamos para a técnica (Simondon, 1969:9-10). Divide a sua proposta em dois planos. Primeiro é necessário rever a noção de indivíduo finalizado, tradicional no cânone ocidental. Em segundo lugar, é também essencial ver em que medida a técnica transcende a sua função utilitária. Simondon diz-nos que:

"An "individual" is not an entity, but an ongoing process; that an individual is never given once and for all, but that it must become, and that in a certain sense it never stops becoming; that, therefore, we should speak of individuation, rather than of individuals as things existing once and for all (…) because I continue to change, and will so continue to change until I am dead, at which point I will no longer be an individual at all."

Os seus argumentos são dirigidos contra a crença (difundida na cultura ocidental) no hilemorfismo ou dualismo entre forma e matéria: a ideia de que a matéria é passiva e inerte, e que é moldada por uma forma que lhe é imposta como que "vinda de cima". Esta foi a ideia de Aristóteles, e ainda está, sem dúvida, presente na nossa contemporaneidade. Para Simondon, o individuo é compreendido como um constante processo de individuação (Simondon, 1969:70) nunca estando isolado do que o rodeia e deve ser definido em termos relacionais nunca fixos consigo, com outros, com o ambiente que o rodeia e claro, com a tecnologia. Similar ao processo de individuação, é o processo de invenção que Simondon utiliza para a tecnologia. Argumenta que a tecnologia não pode ser reduzida a uma função utilitária, porque é mais do que uma particular ferramenta para particulares funções. Antes, a tecnologia deve ser compreendida como: 1) um conjunto 2) processo de invenção.

Elemento Indivíduo Técnico Conjunto
(Homem e/ou Máquina) (Nova Tecnologia)



Como um conjunto, a tecnologia envolve mais do que ferramentas ou máquinas em particular, envolve também, as relações entre as máquinas, entre máquinas e homens; e entre máquinas e meio-ambiente. Primeiramente a tecnologia é um elemento, que tem características biológicas e pode por tal ser encontrado na natureza. Estes elementos são capturados pelo individuo técnico (o homem e/ou a máquina) que os reúne num conjunto de elementos, formando uma nova tecnologia. Que pode por sua vez vir a tornar-se novamente em elemento, caso seja reunido a outros para formar um novo conjunto e assim sucessivamente. A técnica excede deste modo um propósito simplesmente utilitário. À medida que se expande, descobre e produz novas relações entre pessoas e objectos, entre pessoas e pessoas, e entre objectos e objectos. A tecnologia subentende uma rede de relações, como diz Simondon, "far from marking our alienation from the natural world, technology is what mediates between humankind and nature" O processo de invenção é todo este processo que leva dos elementos ao conjunto e é aqui que a tecnologia adquire o seu "ser". Por exemplo, a invenção da locomotiva é um conjunto de diferentes elementos, que combinados constituem o conjunto final, que é considerada como uma nova tecnologia. Para se tornar locomotiva, foi necessário juntar conjuntos anteriores. Ou dando o exemplo de Friedrich Kittler o computador herdou dentro de si o gramofone, a máquina de escrever e o filme. Kittler viria a chamar este processo de carácter recursivo dos média quando diz que os "os media determinam a nossa situação", e Bernard Stiegler de memória epifilogenética do objecto técnico quando afirma "(the) human memory is originarily exteriorized, and that means that it is technical from the start (…) a mnemotechnology (…) technics in general constitutes for mankind an originary milieu of epiphylogenetic memory." A tecnologia tem, de acordo com esses autores uma memória recursiva, o que é o mesmo que dizer que a tecnologia é um processo constante e não um produto fixo no tempo e no espaço. Portanto, ambos homem e objecto técnico são processos dinâmicos e não fixos que se desenvolvem em constante relação com os que os rodeia, o que nos dá a ideia de que de facto os humanos são o que são, por via de um profunda relação com a tecnologia que ultrapassa a mera instrumentalidade ou manipulação.





O Projecto Vénus – Apresentação e Discussão

"The Venus Project call for a cybernetic society (…) the Venus Project's only purpose is to elevate the spiritual and intellectual potential of all people, while at the same time providing the goods and services that will meet their individual and material needs. All of this could only be accomplished in a resource-based world economy where all of the world's resources are held as the common heritage of all of the earth's peoples".

Jacque Fresco, arquitecto e designer industrial, tornou públicos os seus projectos em 1976 nos Estados Unidos como resposta a sistemas políticos e económicos globais que apelidou de obsoletos. A sua proposta vai para além da renovação das cidades. Este ambicioso projecto artístico e arquitectónico de características utópicas implica a construção de cidades cibernéticas, onde gestão de recursos, produção e distribuição estaria a cargo de centrais interligadas globalmente por meio de um programa baseado na Teoria dos Sistemas. Na verdade, o Projecto Vénus divide-se em duas fases: a adopção de uma economia baseada em recursos naturais (resource based economy), em que gradualmente ambos actuais sistemas económico e político seriam descontinuados e as decisões em termos de gestão dos recursos naturais seriam efectuadas localmente por centrais cibernéticas que, em ligação com todas as centrais mundiais, eliminariam por principio o poder político e corporativo, e epidemias/ problemas estruturais como a doença, fome, guerra, desigualdade e desemprego. Estas centrais utilizariam como disse a Teoria dos Sistemas, que advoga dependência dos seres humanas das leis naturais e a necessidade de viver em simbiose com a natureza, sem prejuízo para esta, que permite em última análise a nossa sobrevivência.

O modelo de construção das cidades nos diversos locais do globo seguiria uma estratégia específica denominada comprehensive systems approach, isto é, a edificação de cidades seria feita de acordo com o que cada área fornece, e se fornece condições que satisfaçam as básicas necessidades humanas. A produção e distribuição seriam feitas localmente, com raras excepções de produtos impossíveis de ser feitos no local, nesse caso, seriam requisitados por níveis de proximidade. A energia utilizada seria somente energia limpa, descontinuando-se combustíveis fósseis e energia nuclear. O Projecto Vénus apresenta no seu site estudos assumidamente independentes nos quais demonstra a capacidade de suportar energicamente todo o planeta através de redes interligadas de painéis solares, parques eólicos, armazenadores de energia termonuclear, geotérmica e mar motriz. Todas as cidades seriam dotadas de métodos de captação das fontes de energia mais comuns, interligando-se se necessário com cidades próximas. Escusado será dizer que a proposta mais arrojada de Jacque Fresco é dissociar a inovação tecnológica do poder político e económico, colocando-o muito próximo das ideias de Francis Bacon ou de cientistas mais recentes como Buckminster Fuller. Fresco preconiza uma utopia tecnológica que atiraria o Homem para uma espécie de nova sociedade pré-socrática em que as preocupações máximas seriam o bem-estar do Humano e da Natureza, e o desenvolvimento das Artes e do Conhecimento. Na prática, a estrutura destas cidades é composta por cinco áreas fundamentais:

- Uma central cibernética interligada em rede com todas as outras centrais do mundo.
- Mecanização total da produção e gestão da cidade.
- Sistema integrado de energia (solar, eólica, termonuclear, geotérmica e mar motriz).
- Centros de investigação, escolas e recreação.
- Sistema de transportes, distribuição e reciclagem.

Uma visita ao site oficial do Projecto Vénus responde a todas respostas possíveis sobre a estrutura da cidade, assim como métodos de construção, manutenção e melhoramento. Idealizada do ponto vista estritamente científico com o objectivo de viabilizar auto-suficiência às cidades, a estrutura é pensada para permitir melhoramentos progressivos conseguidos através de posteriores avanços nas áreas de investigação.







4.1 Como objecto técnico

Criada a partir do grego οὐ, "não" e τόπος, "lugar", portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não existe", a utopia tem como significado mais comum a ideia de civilização ideal, imaginária e fantástica. Pode referir-se a uma cidade ou a um mundo, sendo possível tanto no futuro, como no presente, porém em paralelo. Pode também ser utilizada para definir um sonho ainda não realizado, uma fantasia ou uma esperança muito forte. Mas enquanto a utopia grega tinha como modelo a pólis, na utopia moderna o campo de projecção deixa de ser a filosofia política para passar a ser a tecnologia e o pensamento científico, conforme nos sugere Foucault (ver por exemplo, Foucault, 1984:193-197) e conferimos no Projecto Vénus. Apesar de similar a utopias clássicas como Utopia, Cidade Sol e Nova Atlântida, a cidade projectada por Jacque Fresco responde de alguma forma a necessidade de encontrar programas de hibridização que ultrapassem os receios do determinismo em relação ao papel da tecnologia, receios oriundos de uma tecnofobia disseminada durante o séc. XX, mas também de uma certa desvirtuação do conceito de técnica como utensílio que hoje serve de base a muitas teorias liberais da tecnologia. Existe no projecto algo de planetário certamente, e uma visão da tecnologia que apela a uma convergência do humano em torno daquilo a Allan Turing chamou de máquina universal, o computador (Knuth 1973:225; Minsky 1967:200). A civilização cibernética de Fresco leva-nos a perceber que certas tendências estão a ter lugar no nosso mundo, seja o que Bragança de Miranda identifica de "progressiva substituição de largos sectores da experiência por «experiência sintética» ", ou Benjamin com a "decadência da tradição". Mas também percebemos que ao pretender abolir diferenças essenciais entre natureza, técnica e humano, refaz a civilização aceitando a ciência "por aquilo que tem para oferecer" em vez que resistir a mudanças como os actuais paradigmas o fazem, aproximando-o das premissas de Gilbert Simondon que dizia ser essencial uma cultura tecnológica que permita a convergência entre homem, tecnologia e natureza, para uma convivência futura (Simondon, 1969:68-69) que evite a mera discussão dos "usos". Esta nova dimensão relacional, que é a proposta de Simondon, implica uma mudança de perspectiva em relação à técnica que deixa de ser vista como um instrumento na mão do homem, e que tem participação activa na constituição da experiência, do corpo e do espaço que este ocupa. O espaço que o corpo ocupa é a cidade, objecto técnico de grande relevância histórica. Mas de que forma o espaço habitacional e circulatório da cidade e os seus edifícios condicionam o corpo e o modelam? A resposta merece uma contextualização mais elaborada levando novamente até ao Renascimento. Já verificámos em que medida a técnica passa a ser usada neste período para retractar a natureza e o humano. Vejamos que considerações podemos tecer quanto ao espaço que o corpo ocupa.

4.2 Como espaço-cidade

William Harvey publicou em 1628 De Motu Cordis (Sobre o Movimento do Coração e do Sangue) onde promoveu uma explicação científica sobre a circulação do sangue no corpo humano. O vocabulário que Harvey utiliza é sugestivo neste sentido. Desde centros nevrálgicos, liquidez e circulação, este tendo o léxico foi aproveitado por Adam Smith em Riqueza das Nações (1776), para falar não só de liquidez financeira e circulação de bens, mas também do planeamento económico das cidades, promovendo uma ligação entre anatomia e cidade, ou uma biologização das cidades. A cidade transforma-se ela própria um corpo urbano situado no espaço e no tempo, a sua é assumida na forma como a sua disposição afecta o corpo e se,

"Expressa espacialmente na proliferação de infra-estruturas e terminais dedicados ao trânsito, na efemeridade construtiva dos espaços públicos contemporâneos, nos centros urbanos tematizados, nos corredores polidos dos aeroportos onde nos sentimos flutuar como mercadoria sujeita à eficácia dos fluxos. São as novas infra-estruturas de comunicação e os produtos digitais que asseguram a expansão e performance urbana da cidade contemporânea que se tornou difusa e descentrada. A aceleração é tão grande que superou a velocidade da cultura da máquina (que estivera na base da anterior metrópole moderna), dando origem à velocidade absoluta viriliana, que (também) dita a cidade à submersão num ciberespaço telemático."

Os espaços arquitectónicos tendem actualmente também a dotar-se de inteligência e interactividade com o transeunte, prosseguindo com a histórica artificialização e mecanização dos ambientes espaciais que habitamos, iniciada com a incorporação de infra-estruturas no século XIX e dos electrodomésticos, da TV etc. no século XX (Furtado, 2004:7). As actuais tecnologias digitais suscitam alterações na concepção, construção e performance do espaço arquitectónico. "O meio digital tem, para além das repercussões no espaço um impacto na condição do corpo." O espaço, que para Kant era condição prévia da relação do sujeito com as coisas, passa com esse a constituir uma única unidade.

O labirinto da cidade e dos edifícios redefine, pelo deambular, corpo e espaço. Para Heidegger essas deambulações eram constituintes da condição do ser cidadão, que adquiria nessa simbiose com a cidade, uma cultura. Segundo o autor de Habitar, Construir, Pensar, "a labiríntica e contaminada qualidade da vida metropolitana leva a novas aproximações culturais mais ricas". Para Heidegger não se trata da habitação das pessoas, mas a habitação do local (a língua e as características). É neste sentido, de uma técnica que se evidencia nas cidades e que identifica o homem pelo simples deambular, que Heidegger refere que a técnica é uma gestell, ou a capacidade da técnica colocar tudo em estado de disponibilidade por intermédio de uma reconfiguração de experiências. A técnica é a permanente reconversão de energia em objectos e trabalha a segunda natureza, "a cibernética – a união total das ciências – é a culminação da metafísica ocidental que hipostasia uma subjectividade dirigida para uma forma de pensar que evoca poder e domínio da natureza/mundo e esquecimento e despotencialização do Ser". Ao contrário de Walter Benjamin, que vê a técnica num sentido de mediação, uma reformulação do corpo e da carne no confronto com a técnica e a arte como construção da habitação dos humanos. O objecto técnico tem uma representação na cultura e uma dimensão política planetária que redefine a noção de pólis. É neste sentido que vemos a cidade cibernética de Jacque Fresco. O objecto técnico medeia a relação entre corpo e espaço, entre humano, técnica e natureza sem que haja uma oposição do domínio do mundo pelo Homem, tal como Benjamin nos disse, "a técnica não é dominação da natureza é a dominação da relação entre natureza e humanidade". A cidade de Jacque Fresco projecta corpo e espaço, cidade cibernética em convivência pacífica, e conferindo-lhe um cariz mais aproximado dos conceitos antropológicos de Leroi-Gourhan quando este apelida a técnica de utensílio colocado forma do corpo que permitir ao homem sobreviver num mundo hostil. A diferença é que a técnica assume uma condição que transcende o mero instrumento, para ser já ela própria configuradora da realidade, como Simondon dizia acerca da autonomização do objecto técnico. Isto, a condição do objecto técnico que é a cidade Projecto Vénus deixa de ser uma mera extensão do corpo humano, parece ser condição de viver em pleno na sociedade. Fresco coloca a cidade como paradigma de uma revolução cibernética, em que a tecnologia servirá para libertar o humano de condições políticas, económicas e sociais que o autor considera obsoletas. Portanto, a autonomização da técnica aqui não tem que ver com a liberalização total da tecnologia proposta pelo modelo capitalista que é no fundo instrumental, mas com a sua libertação das condicionantes impostas pelo actual paradigma político e económico. Uma nova configuração espaciotemporal multidimensional que se apoia numa nova esfera pública, ambicionando um ethos global com uma estrutura digital para comunicar em rede e se realizar com os outros. Fresco atribui uma dimensão de extrema importância aos factos de a tecnologia fica paredes meias com a natureza sem que tenha uma relação intrusiva, mas antes uma relação sinergética de responsabilidade pela gestão eficaz dos sistemas circundantes que preconizam muitas das "expectativas messiânicas" de que Walter Benjamin nos falava acerca da tecnologia. Mas se Foucault permitiu-nos perceber que ao mesmo tempo que os dispositivos da ciência reconfiguram a corpo e produzem a própria realidade, a técnica pode reconfigurar não só o corpo como o espaço que este ocupa e esta fusão dos corpos com a técnica faz retomar uma série de questões. Desde logo que reconfigurações podem advir dessa nossa condição no caso do Projecto Vénus? Estamos perante uma cidade onde corpo e espaço coabitam. Pondo de outra forma, não se pode tocar na Mona Lisa, mas pode-se viver no Projecto Vénus. O individuo não domina tal como Descartes quereria, nem se ficciona como Nietzsche argumentava, mas reconhece-se a si-mesmo na partilha de experiência do seu corpo e espaço e com os outros numa ligação de rede. Nesta partilha de experiências e reconhecimento mútuo, tradições e raízes tornam-se menos importantes como vestígios de autenticidade estagnados. Adquirem uma importância como veículos de recomposição e modificação do presente, "roots become routes". Mas este também seria um individuo despolitizado e deshistoricizado, cujo sentido de viver estará entregue à gestão mecânica e a princípios de tal ordem panoptistas e racionalistas que os perguntamos onde ficaria a individualidade que caracteriza cada ser humano? Onde ficaria a sua unicidade ou aura (como diz Benjamin), ainda que intencionalmente todo este sistema liberte o individuo das amarras de um paradigma geralmente descredibilizado.

4.3 Como utopia
A argumentação mais comum sobre e contra os discursos tecnológicos como o Projecto Vénus é a do carácter utópico que nos é oferecido. De facto, parece difícil conceber que a "reconfiguração da máquina antropológica" por meio da mediação da técnica, passe por uma total mudança de paradigma que permita ao homem ultrapassar ideologias políticas e económicas paralisantes em que a coordenada vida parece ser inexistente. Que não têm em conta o ambiente, o desperdício e as relações pessoais, que suportam a maximização do benefício próprio e o ambiente não existe a não ser para explorar. Usando a tecnologia para vislumbrar uma estrutura civilizacional que não contemple a rápida deterioração do próprio habitat; ratifica-se o tempo místico da utopia que perspectiva o paraíso, mas também sabemos que a técnica modificou a noção de tempo místico e a perfeição afigura-se hoje como fundamento utópico pois afasta-se da dimensão social. Citando Breton, Walter Benjamin fala em abraçar a ilusão (utopia) incorporando a existência social, na medida em que técnica através da obra de arte projecta novas formas de percepção. Nas palavras de Esther Leslie, "Benjamin grounds a strategy for a critical political practice that utilizes technology in a 'truly revolutionary way', that is, in a way that reinvents the relations of aesthetic production". Para atingir um equilíbrio (gleichgewicht) entre o humano e o apparatus, Benjamin identifica um processo de desenvolvimento na imaginação de utopias tecnológicas capazes de desviar a humanidade do perigo. Leslie afirma que "Benjamin is insistent that people need to learn how to use technology or the productions of 'second nature' to work in harmony with nature. The alternative is the permanent substitution of utopia by war-driven, life-denying dystopias, such as the substitution of power stations by human power in the form of soldiers, or the substitution of human transportation by weapons transportation." Na verdade, vários autores apelam às utopias em forma de arte como motores de revolução. Para Wagner, arte e política são o reverso da mesma moeda, a arte do futuro deveria exalar uma força libertadora ou não seria arte. "O escravo tornou-se o eixo do desastre nos destinos do mundo" em oposição aos gregos que acreditavam que "a beleza e a força só conseguem desempenhar duradouramente o papel de fundamento da vida social se puderem ser pertença de todos os homens". Wagner acentua mesmo a palavra Revolução e não Restauração, assumindo que "não queremos voltar a ser Gregos". Por outro lado, Carl Einstein fala não em revolução, mas em descontinuidade e desordem, ou gestalt, "a arte deixa de ser governada pela tradição, pelo logos, mas pela revolta". Para o autor, a intensificação da desordem implica desracionalizar o mundo. Essa desordem do continuum do mundo faz-se através de uma contínua renovação/ repetição da gestalt. A experiência concreta da arte contra o conceito, a fixação e generalidades. A arte em vez de ser uma "imitação de uma imitação" segundo Aristóteles, deve passar a ser uma recusa em ver o Mundo como ele é. Sentimento partilhado por Marx, que clamava a arte como forma de resistência, projectando algo similar à proposta de Jacque Fresco, um socialismo tecnológico de superabundância ou uma tecnotopia (em oposição a tecnofobia), em que a máquina trabalha em benefício do homem e não em favor da acumulação do capital. A dimensão real do Projecto Vénus engloba as esferas do tecnológico, social, económico e político. E fá-lo através de uma mensagem artística, propondo uma reconfiguração total da sociedade e do humano.
4.4 Como arte

De acordo com Benjamin, a obra de arte sempre foi reprodutível, ainda que a sua reprodutibilidade ocorresse, inicialmente, por meio da imitação manual (Benjamin, 2004:208), muito desenvolvida pelas civilizações antigas que demonstravam as mais variadas habilidades artísticas. Com a expansão da criatividade, novas técnicas são desenvolvidas, dando origem a novos processos de produção e reprodução artística, tornando, por seu turno, obsoleta a ideia de cópia. A impressão escrita, a xilogravura, a litografia, a chapa de cobre, são apenas alguns exemplos da evolução da reprodução dos meios de expressão humanos, que permitiram a divulgação e circulação em maior escala das obras de arte literária e plástica. Com a reprodução artística entramos num novo mundo que inscreve uma mudança qualitativa da obra de arte: a autenticidade e autoridade que constituíam o original da obra de arte e a sua existência única num espaço e num tempo próprio, onde faz a sua aparição, perdem-se com a introdução das técnicas que permitem a reprodução da obra (Benjamin, 2004:210-211). O conceito de aura, da unicidade da obra, do aqui e agora do original, torna-se uma quimera, uma vez que a autenticidade não é reprodutível. A perda de aura não é, contudo, visto por Benjamin como algo de negativo, criando novas possibilidades e percepções de relacionamento com o mundo das imagens (Benjamin, 2004:212). A obra deixa de depender do ritual, tornando-se independente do contexto histórico e das tradições em que se inserem, havendo, por conseguinte, uma maior deslocação da mesma que passa a adquirir significação no aqui e agora da recepção. Desta forma, as obras de arte passam a estar directamente ligadas às categorias de simulacro ou espectáculo, tendo sido o valor de culto substituído pelo valor de exposição. De facto, a reprodução técnica permitiu aos indivíduos um maior acesso às imagens e produções, passando a arte a ser vista, na cultura de massas, como uma apropriação por parte da colectividade. Secularizada e, portanto, emancipada do seu valor de culto, a arte aproxima-se dos seus espectadores, adquirindo valor de exposição.
Benjamin diz-nos que a "arte trabalha com o auxílio da tecnologia para alterar as nossas interacções sociais", mas na "medida em que o que está em causa é a qualidade humana das relações, o problema é basicamente político. As artes permitem recriar o espaço político, ao mesmo tempo que arte e política devem dar sentido humano à técnica." Logo percebemos que apesar da solução eminentemente tecnológica de projectos como a cidade arquitectada por Jacque Fresco, é essencial pensar em que medida tal solução reconfiguraria as relações sociais. Encontramos aqui a tecnologia simondoniana que subentende uma rede de relações entre objecto técnico, humano e natureza e "objecto sublime que se liberta do sujeito", e como cidade, uma arte para ser vivida de facto pelas pessoas. Benjamin diz-nos que "as novas técnicas produzem o que já está na história", isto é, produzem cidades sobre cidades, apelando ao fundo arcaico da propriedade que é a decisão fundadora da produção de objectos que levou à divisão entre animal e mundo. Decisão que é premente das regras que o homem construiu historicamente, e constituem uma "arqueologia do saber" (Foucault) sobre um acumular de conhecimento no qual baseamos as nossas decisões. O Projecto Vénus objectiva o triângulo arte-técnica-estética, por intermédio de uma arquitectura simultaneamente tecnológica e social, isto é, fica bastante distante do positivismo materialista preconizado por Greenberg, mas também não se limita a ser realizado no espectador. Promove interactividade, mas não se queda pela simples "usagem", vai para além disso afigurando-se de cariz remodelador de uma condição civilizacional, projectando soluções e "revoluções". Propõe uma cidade que não é definitiva, mas que prevê constante evolução da tecnologia, ao mesmo tempo que em vez de acentuar a cesura ou usando o termo de Agamben, "ferida que se desloca", atribuída à máquina antropológica, pretende aboli-la reconfigurando o humano e uma condição perdida desde exteriorização do primeiro utensílio.

O Projecto Vénus afigura-se como um sintoma da emergência de uma nova cultura tecnológica tal como Simondon preconizava em que objecto técnico é mediador do triângulo Homem – Técnica – Natureza, naturalizando a técnica aproximando-a do acto humano do respirar, tal como Marcel Duchamp havia reconhecido, na arte não existe poiesis (produção) e nem sequer o artista, pois aquele que assina com um irónico nome falso o vaso sanitário não age como artista, mas como filósofo ou crítico, ou, conforme gostava de dizer Duchamp, como "alguém que respira", um simples ser vivo. Walter Benjamin pedia uma "política dos humanos e não do estado" e a arte com papel na construção desta política, porém, tendo a estética da arte sido apropriada pela política, levando à sua desestetização, Benjamin pensou a arte independentemente da estética e uma segunda técnica, ou técnica originária, que veiculava a fusão dos corpos com a técnica, aquilo a que Simondon viria a chamar de "corpo que irradia tecnicidade", que não combate a técnica através da sua instrumentalidade ou controlo, antes vê a sua experiência com o mundo mediada pelos objectos técnicos.
4.5 Como dispositivo

"Poderíamos dizer que ao velho direito fazer morrer ou de deixar viver se substituiu um poder de fazer viver ou de rejeitar para a morte"
Significa isso que o Projecto Vénus é um objecto técnico que medeia a relação do Homem com o mundo, numa suposta utopia tecnológica assumindo uma condição daquilo a que Michel Foucault havia chamado de dispositivo. No seguimento dos seus estudos sobre a loucura e as prisões, Foucault conclui que a Modernidade é uma sociedade atravessada e penetrada por mecanismos disciplinares e normalizadores que produzem realidade. Usando como exemplo o panóptico de Bentham, o autor de Vigiar e Punir descreve como este dispositivo normaliza a excepção e assegura o funcionamento automático do poder através de uma vigilância permanente em seus efeitos, mesmo se descontínuo, invisível e inverificável na sua acção. O método é elaborado e requere detalhe na explicação. Como podem ver na imagem o panóptico é um dispositivo circular, no qual as celas dos prisoneiros são colocadas em redor de uma torre de vigia. No topo dessa torre ficariam os guardas prisionais com um ponto de observação privilegiado sobre as celas. A utopia do panóptico pretende que todo o indivíduo se transforme de vigiado a auto-vigiado, actuando sobre ele como sujeito e objecto, a sua subjectividade é assim alterada e o indivíduo normalizado (Foucault, 1984:163-4). Em suma, transformar o indivíduo num elemento disciplinado e produtivo. Foucault aponta para o facto do dispositivo arquitectónico de Bentham ser um projecto inicial com vista a construção de prisões, mas que a tecnologia aqui explorada permitiu a extensão de métodos disciplinares a hospitais, escolas e oficinas. O panóptico seria assim um dispositivo de poder na medida em que exerce a manipulação do corpo através das disciplinas com técnicas que tendem a cobrir o campo social inteiro. Na própria produção de poder, o aparelho panóptico normaliza e torna o corpo produtivo e submisso simultaneamente (Foucault, 1984:172). O indivíduo é uma peça no próprio sistema panóptico que se difunde assim no corpo social.
Um corpo mergulhado num campo político de actividade e passividade traduz-se numa microfísica do poder (Foucault, 1984:172), isto é, o poder produz-se a si próprio através do dispositivo que é o panóptico. Se em Vigiar e Punir Foucault estuda o dispositivo do poder, em Vontade de Saber, o autor prossegue percebendo como o poder se apropria dos corpos, chegando ao dispositivo da sexualidade. Para tal, começa por perceber de que forma a civilização ocidental olhou para a ars erotica e para o corpo. Se nas civilizações antigas (grega e romana) e politeístas, os prazeres e o uso do corpo configuram uma deontologia que perfila uma sociedade da vergonha e da aphrodisia, Foucault identifica na ascensão do cristianismo uma sociedade que explora a culpa e impõe uma relação do individuo com a carne. Uma ontologia monoteísta onde o prazer existe e é para ser reprimido pelo combate espiritual, renúncia e ascese. O facto de ser monoteísta implica que "todos os homens são iguais e criados à imagem de Deus" e que o mal é intrínseco à carne de toda a humanidade que se deve expurgar do pecado. O cristianismo inaugura com a "carne" uma matéria-prima transversal a toda a sociedade que deve ser trabalhada para atingir a recompensa final, o reino dos céus. Assim, antes do século XX não se fazia a experiência da sexualidade como na Modernidade. Tinha lugar uma experiência cristã da carne e antes uma experiência antiga pagã. Na Modernidade, essa experiência adquire novos contornos e como alternativa à teoria da repressão proposta pela psicanálise freudiana, Foucault chega à scientia sexualis. Foucault diz-nos que com a evolução da medicina começam a surgir discursos produzidos sobre a sexualidade. Nomeadamente, diagnósticos e boas práticas que produzem pela primeira vez identidades sexuais e incluem a vida médica nos costumes das populações, "a clínica deve a sua real importância ao facto de ser uma reorganização em profundidade não só dos conhecimentos médicos, mas da própria possibilidade de um discurso sobre a doença. A discreção do discurso clínico remete às condições não-verbais e partir do que ele pode falar: a estrutura comum que recorta e articula o que se vê e o que se diz". A clínica passa assim a estabelecer um discurso entre médico e doente, implementando uma "experiência clínica" do corpo e de como bem viver. Contra o direito canónico, cristão e direito civil, a sexualidade passa a ser biomedicalizada, a produção da verdade do sexo é feita a partir da scientia sexualis e da ars erotica, sendo o conceito de "sexualidade" o correlato discursivo da própria scientia sexualis. A ciência da sexualidade é assim a própria ars erotica da Modernidade. E sendo a sexualidade o meio pelo qual somos humanos, isso faz da sexualidade essencialmente algo político, económico e social, estendo o discurso científico da sexualidade a todos os domínios a experiência do ser humano. Sendo uma criação moderna (por meio de discursos científicos) deixando de ser parte da vida privada passando para o domínio das preocupações do Estado que responsabiliza o individuo pela forma como se transmite e se reproduz, a sexualidade passa assim para o domínio da administração pública através da vanguarda científica. Nesta articulação de produção de poder e reconfiguração do sexo, através do aparelho Panóptico e dos discursos científicos sobre o corpo, e recuperando Martin Heidegger, quando este encara a técnica como capaz de colocar o mundo em estado de disponibilidade, fornecem a Foucault a fundamental noção de dispositivo que é nada menos do que a rede performativa e de carácter estratégico, que se estabelece entre as práticas discursivas e não-discursivas, e de grosso modo, entre técnica e linguagem.

No passado, práticas discursivas e não-discursivas da ciência como o Darwinismo Social e o Eugenismo, levaram à materialização de utopias de purificação e higiene racial em que, através de práticas sociais da tecnologia do sexo, o Estado administrava território e população, as suas características e os seus corpos ou como diz Foucault, "toda a prática social cuja forma simultaneamente exasperada e coerente foi o racismo de Estado, conferiu a esta tecnologia do sexo um poder temível e efeitos longínquos". E se estas estratégias de purificação elegem uma norma cuja fasquia é protótipo de excelência (uma campeão olímpico, um Nobel, um herói de guerra), criam também deste modo mecanismos de expulsões e rejeições a todos os que não se identificam. Ou seja, é o próprio sistema biopolítico que cria exclusões e condicionamentos sem que haja uma intervenção directa, como Agamben mais tarde observou. No caso do nazismo, implicava uma raça ariana pura livre de miscigenações e de doenças, onde o Eugenismo actuou. Para Foucault estes efeitos provenientes do nazismo disseminaram-se mesmo após o fim da Segunda Guerra Mundial, dando origem ao que ao autor chama de nascimento da biopolítica. Assiste-se à disseminação por parte do poder da ordenação e da normalização de comportamentos a partir de dispositivos similares ao panóptico estendidos a todas as áreas sociais. De grosso modo, estes dispositivos consagraram modo de ser e comportamentos normalizados, administrados pelo Estado. Retomando a citação com que iniciei Foucault, o autor aí demonstra que o Estado apodera-se da vida nua (os discursos da sexualidade) dos seus cidadãos conforme nos aponta também Agamben. A biopolítica não só transforma o biológico, ou domus, em assunto prioritário de Estado, como adquire o poder de destituir qualquer um dos seus direitos, abandonando-o à natureza e suspendendo as suas possibilidades de ser. O homem moderno torna-se assim um "animal na política do qual a sua vida de ser vivo está em causa", diferente do animal capaz de existência política presente na filosofia aristotélica.

Se na pólis grega os cidadãos eram-no na medida em que nasciam de homens livres e faziam uso da palavra, na Modernidade a articulação entre o que os gregos chamavam de zōē (vida, o biológico) e o bios (forma de vida) é suspensa, e a potência aberta do homem de organizar de determinada maneira o mundo através da linguagem regride à vida nua ou seja, à incapacidade do homem fazer algo consigo próprio, (estado que Agamben associa aos prisioneiros dos campos de concentração nazis) uma vez que a administração das suas vidas é feita por dispositivos similares ao panóptico. Esta zona de indistinção entre o fora o dentro, o autor apelida de estado de excepção ou da possibilidade do Estado poder devolver o homem ao seu estado biológico (Agamben, 1998). Este estado de excepção remonta ao Império Romano, onde em caso de emergência (uma invasão, por exemplo) todos os habitantes eram chamados a colocar em suspenso as suas tarefas comuns, para participar para o bem comum. Artificio a que os estadistas recorriam em casos verdadeiramente graves. Concluindo, se o advento do Cristianismo transformou a "carne" em matéria-prima, a ciência trabalhou-a e abriu caminho para a técnica voltar ao corpo discursivizando-o por intermédio da sexualidade. Mas não só. Neste processo, são os órgãos de poder estatal que se apropriam da vida (zōē e bios) concedendo-se o direito de, através de dispositivos normalizadores, encetar manobras de inclusão/exclusão do estatuto quer de cidadania, quer da definição de homem livre.

Perante estes argumentos de Foucault, é impossível não colocarmos algumas questões fundamentais: mesmo propondo uma utopia de superabundância e liberdade, será o Projecto Vénus sinónimo de dispositivo normalizador de um discurso em que a tecnologia é a única solução possível? Serão as teorias de Gourhan, Heidegger e Simondon suficientes para compreendemos a relação da tecnologia com o Homem na contemporaneidade? Se os discursos científicos normalizam comportamentos e tendem a estender-se a todas as dimensões da experiência humana, significa isso que podemos assistir à ascensão de um paradigma científico? Implica isto que a biologia se afiguram como incapazes de propor uma alternativa e neste caso apenas resta ao corpo adquirir a condição de objecto total?

O Retorno da Técnica ao Corpo
"For improving speculative knowledge by practical and mechanical operations in order to enable the most ignorant person at a reasonable charge, and with little bodily labor, [to] write books in philosophy, poetry, politics, law, mathematics and theology, without the least assistance from genius or study (…) for entirely abolishing all words whatsoever"
Empreendimentos artísticos como o Projecto Vénus permitem-nos perceber certas tendências que estão a ter lugar no mundo actual. O trajecto histórico que fomos traçando ajuda-nos a articular a crescente importância que a técnica foi adquirindo, quer na experiência e representação que fazemos do mundo, quer na própria naturalização do objecto técnico. Ao longo da dissertação fomos também percebendo em que medida a técnica passou a impor novas perspectivas sobre o corpo humano por intermédio da ciência e da arte. Mas para tentar responder satisfatoriamente à pergunta que fizemos ainda na introdução, precisamos de estender o raciocínio usado para analisar o Projecto Vénus e atentarmos sobre outros casos concretos, com vista uma resposta mais sustentada à ideia de que a técnica regressou ao corpo e, reconfigurando-o, reproduziu-o massivamente tal como Benjamin havia diagnosticado acerca da obra de arte. Não quero com isto dizer que o Projecto Vénus por si só não inclua a resposta a esta questão, creio que sim, mas projectando já futuro desenvolvimento a esta dissertação, penso que o Projecto Vénus é apenas um sintoma da emergência de uma cultura profundamente tecnológica, sendo essa a base da presente pesquisa.

Situemo-nos em meados da década de 60. Com o desenvolvimento de mecanismos cada vez mais complexos, são desenvolvidas teorias que se debruçam sobre a comunicação entre humanos, através de dispositivos técnicos. A Teoria dos Sistemas de Bertalanffy colocava os objectos técnicos como sistemas utilitários, mas integrantes de um sistema maior, uma hierarquia diria universal de interdependência entre entes e viventes numa escala progressiva e piramidal. Biólogo de formação, Bertalanffy certamente terá sido influenciado pela teoria evolucionista cuja premissa coloca todos os seres sujeitos às regras da selecção natural. Encontramos algo similar nos superorganismos do antropólogo Alfred Kroeber quando nos refere as diferenças entre evolução orgânica e evolução social, mas submetidas à evolução de um superorganismo. No fundo, a ideia de que uma parte representa o todo e o todo é constituído pela representação de várias partes. O desmembramento de um corpo cósmico, um superorganismo constituído de vários microrganismos e que subentende uma ideia de sistema. Ou como nos aponta em jeito lacaniano Dirk Vanderbeke, um superorganismo é uma projecção do próprio corpo humano, um "world-as-body image".
"It links the concept of a universe, in which everything resembles everything else and ultimately the human body, to the early undifferentiated phase, in which the world appears (…) as the extension of its body. The creation of the world from the dismembered body of the primordial being would then retell the experience of disintegration at the end of the undifferentiated phase"
Enquanto estas teorias colocavam tanto Homem, como Invenção e Natureza num relativismo cósmico, a principal viragem chegaria nas décadas de 60 e 70 com a cibernética, as ciências cognitivas e os estudos da comunicação. Assente nos estudos reactivos de Schrödinger e Pavlov, o desenvolvimento da cibernética foi o primeiro passo. Norbert Wiener (1864 – 1964) colocou como prioridade de estudo a transmissão de informação entre máquinas e seres vivos, sobre a qual se poderia agir de modo a regular os processos de codificação, descodificação, feedback e aprendizagem, ultrapassando o modelo de comunicação linear desenvolvido por Shannon e Weaver (1949). Wiener insistia na ideia de que um organismo, quer seja um ser humano, uma grupo social, um animal ou uma máquina, tem as características de sistemas, sendo a distinção de espécie apenas uma mera questão de semântica, que são constituídos pela informação comunicada entre si. Foi no seguimento destas premissas que Marshall McLuhan disse que "o médium é a mensagem" (1967), isto é, o meio de transmissão ou dispositivo dessa informação no seio dos sistemas, é de facto o que estabelece a experiência sensorial entre emissor e receptor (no caso de Shannon e Weaver) ou entre as várias componentes de um sistema (Wiener). Neste âmbito assiste-se a uma reconfiguração ou reprogramação da experiência por intermédio da comunicação mediada por tecnologia, como diz McLuhan, "each new technology is a reprogramming of sensory life". Para contrabalançar esta perspectiva da comunicação como transmissão de informação, os estudos de comunicação desenvolveram o campo da semiótica, que enredada no estruturalismo e na desconstrução da produção e troca de significados, procurou estudar mensagens e textos colocando o diferencial cultural como elemento capaz de provocar "falhas de comunicação" que para a escola cognitiva resultam em fracassos, mas que no âmbito da semiótica resultam da diversidade cultural dos intervenientes, logo não um fracasso comunicativo necessariamente. Resultado da constante inovação tecnológica e do aumento exponencial dos limites da informação circulante, importou sobretudo estudar os efeitos destes fluxos, dando importância às mensagens e ao poder dos meios de transmissão das mesmas. Os estudos dos media evidenciaram entre teorias de efeitos mínimos, máximos, tematização e agenda-setting a capacidade da informação mediática constituir as coordenadas do mapa social e do real do receptor, entretanto transformado em espectador. Era o aparato tecnológico mediático por intermédio da informação que constituía agora os corpos e lhes oferecia identidades moldadas, em considerável escala, à medida da ideologia dominante. Um corpo agora transformado em informação.
O corpo transformado em informação não é, no entanto, uma invenção decorrente dos estudos da comunicação. Adquire contornos decisivos nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. Nomeadamente em 1953, quando a revista científica Nature, publicou o estudo de Francis Crick e James Watson em que demonstravam a estrutura molecular do ADN como sendo uma cadeia de dupla hélice, composta de bases purínicas e piramidais. Esta fusão entre código da vida e tecnologia promove a vida como sendo possível através de uma combinação de informação que é o ADN. Os corpos transformaram-se em programas de informação transmissíveis digitalizados através do código. Se o código da vida passou a ser resumido a combinações e códigos informativos, os corpos transformaram-se em media que aguarda mediação, em biomedia (Thacker, 2004) pois a informação através de dispositivos tecnológicos é maleável ad infinitum,
"The biomediated ontological location we increasingly embody and have only now begun to examine is the new condition that has been bequeathed to us by Progress, and it insists that we are the true 'new media.'"
Se, para Kapp, os artefactos técnicos eram expressão do inconsciente do homem, para a tecnociência contemporânea não há tal inconsciente, mas apenas sistemas de processamento de informação. O homem é pensado como um sistema complexo de processamento de informação entre outros. Numa sociedade em que os corpos se transformam em informação quantificável, abre-se o espaço para a sua reconfiguração pela tecnologia onde essa informação existe em forma de fluxos, descartando progressivamente a carne. Parafraseando Victor Ferkiss (1980), Hermínio Martins fala em gnosticismo tecnológico (Martins, 2001:17-19), em que estes novos gnósticos dissociam o sujeito da sua carne perecível em oposição ao somatismo tecnológico de Kapp que entendia a tecnologia como prolongamento do humano (Martins, 2001:16-17). O corpo, na medida em que pretenda assimilar e transmitir mais e mais a informação presente da máquina universal que é o computador e na rede global da Internet, precisará de se repensar biologicamente. Breton diz-nos que "o corpo é claramente um excedente para certas correntes da cibercultura que aspiram à iminente emergência de uma humanidade que conseguisse enfim desfazer-se de todos os entraves (…) de um corpo transformado em carne". O efeito de uma tecnologia usada para melhorar e libertar o ser humano de constrangimento espácio-temporais, é um efeito de plasticidade em que o corpo passa a ser matéria-prima e os indivíduos "bricoleurs inventivos e incansáveis do seu corpo". O corpo torna-se assim justamente lugar de reconfiguração e a pele a mediadora entre técnica e corpo. Breton diz que o corpo passa a ser "um alter-ego, um duplo, um outro si-mesmo, porventura ilusório mas disponível para todas as modificações (…) torna-se prótese de um eu em permanente busca de uma incarnação provisória para assegurar um cunho significativo de si (…) é necessário colocar-se fora de si para se tornar si mesmo". Uma relação de interioridade e exterioridade mediado pelo corpo e onde este é reconfigurado, "se o homem não existe a não ser por intermédio das formas corporais que o colocam no mundo, qualquer modificação da sua forma implica uma outra definição da sua humanidade". De certo modo, este é um "projecto" que vemos materializar-se quando a ciência fez do sujeito um objecto de estudo e como vimos em Foucault, passa a discursivizar o seu lugar no mundo. Boaventura de Sousa Santos diz-nos que "a ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito epistémico mas expulsou-o, tal como a Deus, enquanto sujeito empírico (…) foi nesta base que se construiu a distinção sujeito/objecto. No entanto, a distinção sujeito/objecto nunca foi pacífica nas ciências sociais (…) e esse desconforto propagou-se nas ciências naturais. O sujeito regressava na veste do objecto (…) o objecto é a continuação do sujeito por outros meios. Por isso todo o conhecimento científico é autoconhecimento." A ciência e a tecnologia adquirem um estatuto remissivo no sentido de tornarem o sujeito em objecto, e de produzirem novas definições de sujeito e do seu corpo. Esta redefinição do corpo é assim uma questão assumidamente do campo político, no sentido em que perspectivamos uma envolvência da técnica na vida nua, através de um permanente estado de excepção que é a obsolescência biológica. "O corpo é hoje um desafio político primordial, o parâmetro fundamental das nossas sociedades contemporâneas" conclui Breton. Diz Ieda Tucherman que "não se trata de se o corpo não existir tudo é possível, mas das modificações e das ramificações realizadas no corpo pela tecnologia; do eu ser na medida das minhas conexões". Mas que ser é esse? Um sujeito realizado no paradigma tecnológico que rejeita a falha intrinsecamente biológica, em detrimento da utopia da eficiência e do discurso elaborado especificamente pelas ciências? Esta questão remete-nos para as possibilidades do corpo híbrido que fica entre a carne e o objecto. A dificuldade em situar politicamente seres tecnicamente produzidos como o monstro de Frankenstein ou o robô de Metrópolis, entre o sujeito e o objecto técnico, conduzem-nos a uma questão fundamental prevista de algum modo por Walter Benjamin. Diz o autor que, "o ritmo acelerado da técnica, a que corresponde também uma rápida decadência da tradição, faz emergir muito mais depressa do que antes o que há de inconsciente colectivo, o rosto arcaico de uma época, é fá-lo tendo em vista já a época que se segue.". Por tradição o autor entende o saber artesanal que era transmitido de mestre para aprendiz, sobretudo por via oral, ao que se opõe agora uma técnica fundadora da produção massiva de objectos e na divisão entre Homem, Animal e Mundo, que Agamben pretendia reconfigurar em O Aberto. Com o emergir da técnica, Benjamin pretende afirmar que o objecto se liberta do sujeito e produz-se na História, entrando na era da sua reprodutibilidade. Como consequência assiste-se a um declínio da aura, ou seja, do carácter único dos objectos, por via da associação à reprodução, a transitoriedade e a repetibilidade. Assim sendo, também o corpo informatizado adquire uma condição em que passa progressivamente do hibridismo do biológico-máquina para uma condição de objecto-total. Uma vez chegados a esta nova condição o corpo entrará na era da sua reprodutibilidade técnica, pois de biológico, na verdade, nada lhe restará.
Benjamin termina o seu ensaio A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica com a denúncia da auto-alienação do indivíduo pela auto-contemplação da Humanidade que padece às mãos do fascismo que procura na consumação da arte pela arte e na estética politica a concretização e reforço do seu poder. A esta esteticização deveria opor-se, na concepção do autor, a politização da arte, cuja pré-condição seria precisamente o declínio da relação aurática. Benjamin diz-nos que com a reprodução artística e consequente transformação da dialéctica da arte, entramos num novo mundo, no qual a obra deixa de depender do ritual, perdendo o conceito de aura que constituía o original da obra. Esta crise da arte foi acelerada pelo desenvolvimento da fotografia uma vez que nesta dar-se-ia algo de novo baseado na técnica, que deu origem a uma linguagem universal: uma imagem baseada num procedimento técnico que permitiu a criação de uma linguagem inter-corporal. "Pode dizer-se, de um, modo geral, que a técnica da reprodução liberta o objecto reproduzido do domínio da tradição. Na medida em que multiplica a reprodução, substitui a sua existência única pela sua existência em massa. E, na medida em que permite à reprodução vir em qualquer situação ao reencontro do receptor, actualiza o objecto reproduzido." (Benjamin, prefácio, 2004:3). A reprodutibilidade técnica transforma assim, a obra de arte num fenómeno de massa que pode ser visto e ouvido em qualquer espaço e a qualquer hora, pois retira a obra do seu local de origem, conferindo-lhe actualidade e presentificação. As técnicas de reprodução vieram assim, dissolver o valor material das coisas, permitindo que se passasse a trabalhar a representação do domínio público. A partir dessa altura, os objectos passaram a poder ser reapropriados e reutilizados abrindo o mundo da representação e novas possibilidades ao objecto artístico. Tendência que encontramos no planeamento tecnológico da História que implica a sua instrumentalização de modo a servir os interesses do Homem sob um suposto manto de autonomia tecnológica protegida pela lei dos mercados, da liberdade e do progresso. Colocar a nova tecnologia como imperativo de progresso e bem-estar deshistoriciza o próprio humano, pondo-o em espera, aguardando a sua reconfiguração em qualquer espaço e a qualquer hora, através da sua desmaterialização nos espaços digitais. O corpo passará a estar também no domínio público, pronto a ser reapropriado e reutilizado, sendo ele o new media e o new currency. As possibilidades desta liberalização do corpo implicam evidentemente a perda da "aura" do que é ser-se humano e das características da máquina antropológica. No entanto, as técnicas de reprodução transportam consigo uma universalização do estético, gerador de novas mitologias capazes de um investimento no simulacro: o culto do Novo é simplesmente substituído pelo culto do simulacro, correspondente à auratização e estetização da técnica, que se convertem na auratização do humano agora reproduzido tecnicamente. Walter Benjamin diz que nada separa o homem e a natureza, existe um "entre" que é preenchido com a técnica e, sendo em certo grau natureza, coexiste com as duas dimensões: o insalvável e o salvável. A "noite salva" é o nome de uma natureza restituída a si própria. A técnica não deve ser o domínio da natureza, mas o domínio da relação entre a natureza e o homem, a sua mediação. A máquina antropológica já não articula natureza e homem para produzir o humano através da suspensão e captura do inumano. Essa máquina, por assim dizer, parou, está em estado de detenção e, na suspensão recíproca dos dois termos, instala-se entre natureza e humanidade algo para o qual ainda não temos nome, mas que se mantém na noite salva. Para confrontar esta auratização e estetização seria enfim necessário uma politização da técnica, mas libertando-a dos grilhões das actuais ideologias políticas e económicas, que se alimentam da inovação tecnológica e perpetuam o messianismo tecnológico como fim último da humanidade. Para tal, as teorias modernas da técnica poderão não ser suficientes já que se apoiam precisamente nos domínios dos usos dos objectos (Heidegger e Gourhan) que nos atiram para a sua instrumentalização e regulação; ou na autonomização (Simondon) que se foram apropriadas pela ideologia da economia de mercado. Recentemente, autores como Andrew Feenberg e Axel Honneth vieram encabeçar nova discussão em torno dos "usos" da tecnologia, uma corrente que vem sendo associada ao surgimento do neomarxismo, assim como Bernard Stiegler e Bernhard Siegert, que aproximam o Homem do objecto, por forma a reconfigurar a máquina antropológica que perfilou a "supremacia" do sujeito face ao mundo em seu redor. Repensar a nossa relação com a técnica e os seus produtos com uma maior amplitude, inclusivamente antecipando mudanças paradigmáticas profundas, será certamente uma interessante área de investigação para os estudos das ciências da comunicação e para a filosofia da tecnologia. A actual cultura profundamente tecnicizada e a apetência messiânica conferida à tecnologia fazem emergir propostas como o Projecto Vénus que, por um lado se afiguram como alternativas úteis a paradigmas que precisam de ser discutidos, como o lugar e a função do actual sistema económico-financeiro; por outro assumem características próprias de sistemas totalitários. Neste sentido, parecem-me pertinentes investigações no sentido de perceber que expectativas têm os cidadãos para os dispositivos tecnológicos e o uso que destes é feito pelas instituições políticas e empresariais, nomeadamente da biometria e das biotecnologias.
Conclusão
"Somos só mais um objecto (...) é preciso reconceptualizar o humano, aproximando-o do animal e das coisas, por forma a fazer convergir finalmente homem, técnica e natureza"
Bernhard Siegert
O poder hegemónico dos discursos tecnológicos parece estar aqui para ficar, impondo uma ideologia assente na noção que os humanos são ambos organismos mecânicos (hardware) e seres construídos socialmente (software),no entanto abandona a subjectividade e a criatividade humana como factores eminentes do que representa ser humano. Esta emergente sociedade tecnológica ou "tecnofania", como apelida Hermínio Martins, que aposta na ilimitada descoberta científica como dominação total da natureza e que tende a se desmaterializar em saber absoluto (Martins, 2001:120) é visível no quotidiano na jurisprudência divina da economia, da nova ecologia e da segurança, mas sobretudo na sua acção sobre desaparecimento do corpo como símbolo histórico, linguístico e subjectivo (Fukuyama, 1992), sugerindo uma desregulação do que é ser humano, fenómeno que autores contemporâneos como Haidee Wasson atribuem à utopia da descentralização dos poderes ocorrida entre as décadas de 80 e 90 por intermédio da acelerada inovação tecnológica.
"Throughout the late 1980s and 1990s, the word "new" was persistently attached to the term "technology," a coupling intended to reference a vast range of phenomena - computers, the internet, wireless telecommunications, satellite cinema and so on. Throughout this period, these technologies were widely heralded as global panaceas. In the pages of glossy hi-tech magazines and academic annals alike, the obliteration of racism, homophobia, sexism, and the great class divide became subjunctive to the problem of connecting everybody everywhere to emergent digital networks. Decentering old-world imperial powers and creating alternative cultural formations became battle cries for the new economy, the new world community and a new decentralized and democratized body politic. These were, for many, exciting times."
De facto, a propalada era de ouro das tecnologias de informação prometia a reconfiguração de esfera da vida social, unindo o mundo em redor da máquina universal que é o computador. No entanto, este discurso tecnológico de contornos utópicos cedo demonstrou ser um pharmakon. Lyotard refere que "o discurso assente na eficiência e na performatividade matou à nascença qualquer ganho material ou possibilidade epistemológica", ao operar sobre a premissa de que o conhecimento pode se tornar transparente e radicalmente transferível, como na sequência no filme Matrix, em que Neo está prestes a receber o seu treino e tudo o que tem de fazer é recostar-se numa cadeira e esperar que a sabedoria das artes-marciais orientais lhe seja carregada directamente no cérebro via interface neuronal-digital.
Instaurando-se como único discurso capaz de projectar o futuro utópico da sociedade globalizada, a cultura tecnológica vem ganhar domínio subsumindo as demais, e torna-se em discurso que todos devem aceitar. Uma visão do mundo que considera a ciência e a técnica como únicas actividades dotadas de sentido e que não precisam de auto-reflexão acerca da sua racionalidade, bastando-se a si mesmas. A auto-reflexão torna-se desnecessária, sendo que a nova ideologia cientista identifica o conhecimento geral e a racionalidade. As ideologias políticas e religiosas são consideradas conflituosas, pouco eficientes, tornam-se supérfluas e são expropriadas. Para Habermas, baseada em premissas estritamente racionais, "a ideologia tecnocrática perde inclusivamente o aspecto de ideologia, por isso se torna mais irresistível já que adormece o interesse emancipador da espécie enquanto tal, despolitizando as massas para exercer a dominação." Para convencer as massas da sua incompetência política é preciso fazer crer que as questões políticas são hoje problemas técnicos de resolução reservada a especialistas. "A despolitização das massas leva à abstenção política do cidadão cujo interesse se passa a orientar para o consumo, ócio e carreira." A utopia tecnológica aparece-nos como forma de imposição, baseada na eficiência, produtividade e performatividade, reclamando a incapacidade biológica e política (Bios e Zōē) do humano, prometendo a sua reconfiguração e melhoramento. Decisivamente influenciado pelo Iluminismo, o mundo pós-moderno observa sua própria ambivalência: os mercados de fluxos de informação, a inovação tecnológica e economia tentam fornecer uma infinidade de liberdades mas vislumbram a possibilidade de um novo totalitarismo que seduz pela libertação das identidades e dos constrangimentos do corpo e coloca a tecnologia como única hipótese de progresso. A procura incessante por esta utopia de perfeição técnica faz colocar no centro de todas as esperanças a inovação tecnológica, suspirando que os frutos da técnica nos tragam de volta os Jardins do Éden. Em As Viagens de Gulliver, Jonathan Swift faz uma analogia a semelhante civilização, o sistema Liliputiano, cuja ideologia dominante é precisamente uma espécie de cientismo. A obstinação pelos projectos tecnológicos, que providenciem uma Lilipute definitiva, fazem negligenciar aspectos sociais considerados irrelevantes. "None of these projects are yet brought to perfection, and in the meantime the whole country lies miserably waste, the houses in ruins, and the people without food or clothes". O que, sem dúvida, Swift faz é demonstrar que a ciência empregada apenas para o fim de chegar a uma utopia ainda está por vir é, paradoxalmente, nada a não ser um meio de acabar com qualquer possibilidade de um mundo melhor que entretanto, foi sacrificado em nome de uma perfeição imaginada.
Percebemos que todo este aparato tecnológico constitui, como verificámos nas estratégias de segurança, um método que transcende a biopolítica. O poder de suspensão dos direitos através de um permanente estado de excepção admite a possibilidade de dispositivos tecnológicos poderem atirar cidadãos para a pura vida biológica. A máquina sem rosto a qual o cidadão não pode responsabilizar porque é "infalível", assume-se como a negação última do humanismo e a melhor definição da heideggeriana segunda natureza que captura o Homem. Uma nova cultura tecnológica promove um condicionamento da espécie através do objecto sob o tecto de uma suposta obsolescência da carne auferindo-lhe um atributo de exclusão e admite que a cedência ao cyborg será condição para se ter direito a viver, ou ter uma "vida que não merece viver" pois não acolhe os benefícios do progresso tecnológico. A crença na tecnologia como meio de alcançar uma espécie de perfeição espiritual tem de facto uma longa história na cultura Ocidental. Tentei explorar esse enquadramento como forma de explanar o profundo envolvimento entre o homem, a técnica e os seus produtos, que progressivamente se alargam a todos os cantos da experiência humana, ora reconvertendo a natureza em representações técnicas, ora a própria técnica adquirindo propriedades naturais. Por meio destas reconversões o corpo e a experiência foram-se transformando atendendo a esta utopia tecnológica que a Modernidade trouxe enquanto projecto civilizacional. O percurso que nos fez exteriorizar a memória por necessidade de preservação, fez também com que, uma vez no exterior, não parássemos de perseguir um estado de "vida boa" e por fim, a própria imortalidade. O messianismo tecnológico promete o aperfeiçoamento do biológico enquanto no exterior nos protege com os alicerces de uma civilização construída por intermédio da edificação de "técnicas" capazes de oferecer protecção desse "mal" que é a Natureza mortal do humano. Terá sido por tal que o Iluminismo se afigurou de importância extrema para o Ocidente. Cortámos nessa altura o cordão umbilical que nos punha em eterna dependência quer da Natureza quer das dicotomias Paraíso/Inferno. Agora era o Homem soberano que comandava a vida e apropriava-se da Natureza por intermédio do seu intelecto e das suas hábeis mãos. De tal modo, se revestiu do seu manto de soberania que assumiu toda a racionalidade do método científico como método para a felicidade. Da produção à reprodução, os mecanismos que foram produzindo as coordenadas do devir sociedade, produzem agora o sentido e o corpo que se encontra em vias da estandardização tecnológica e reprodução massiva. Se numa primeira instância a técnica foi colocada fora do corpo, foi através dos dispositivos de poder e da sexualidade, que a ciência conseguiu reconstruir as identidades e reentrar no campo do biológico. A linguagem através do discurso científico abriu assim caminho para uma discussão sobre o interior do corpo reconfigurando-o, e deste modo a técnica se alarga à totalidade da experiência, sendo objecto de vontade e finalidade.

Mas o que faz de nós humanos mantêm-se. Mantemos o estado bios em que as funções biológicas essenciais continuam a separamo-nos dessa condição de objecto-total. Diria que estamos num ponto intermédio ou híbrido, se quisermos. Ainda precisamos de nos desligar na máquina para viver no mundo real, ou como diz Breton, "a nossa raiz identitária está no corpo e felizmente, permanecemos de carne para não perder o sabor do mundo", ou dito de outra forma, as características do corpo inscrevem-se no seu próprio espaço e tempo, são próprias da sua época e produzem as suas próprias significações. Ser ou ter um corpo ainda significam ter um espaço e um tempo próprios e "lá onde está o perigo, cresce também o que salva" (Heidegger, 1953), ou como Stiegler e Deleuze exclamavam, existem linhas de fugas (Deleuze, 1980, vol.5) possíveis que podem tomar novas formas de resistência, como as "tecnologias relacionais" e "economias colaborativas" ou ainda a reconfiguração da Ars Erotica foucauldiana para uma Ars Industrialis que apela a uma "política industrial do espírito". (Stiegler, 2009)





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Publicações consultadas:
Jornal e Revista Expresso, nº 2146, 14 Dezembro 2013
Jornal e Revista Expresso, nº 2147, 21 Dezembro 2013
Jornal e Revista Expresso, nº 2148, 28 Dezembro 2013
Jornal e Revista Expresso, nº 2149, 04 Janeiro 2014
Jornal e Revista Expresso, nº 2151, 18 Janeiro 2014





























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