Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos

May 30, 2017 | Autor: Micael Vidal | Categoria: Medio Ambiente, AGRONOMIA
Share Embed


Descrição do Produto

Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos Micael Silva1, Andreia Pinheiro1, Patrícia Marques1, Luís Coelho1, Hartmut Nestler2, Cristina Galhano1,3* 1

Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra, Bencanta,

3045-601, Coimbra, Portugal 2 3

Leal & Soares, S.A., Zona Industrial de Mira, 3071-909 Mira, Portugal Centro de Ecologia Funcional, Departamento de Ciências da Vida,

Universidade de Coimbra, 3000-456 Coimbra, Portugal *autor

de contacto: [email protected]

Introdução O desenvolvimento sustentável da sociedade tem sido uma das questões mais mediáticas e debatidas nos últimos anos. De facto, existe uma preocupação crescente por parte de políticos, gestores, cientistas e da sociedade

em

geral,

quando

se

apercebem

que

a

forma

desmesuradamente egoísta de exploração excessiva dos recursos levada a cabo pelas gerações anteriores, as intituladas “sociedades desenvolvidas”, está

a

comprometer

o

futuro.

Fala-se,

publica-se

e

legisla-se

frequentemente sobre temas como alterações climáticas, aquecimento global,

perda

procurando-se

de

biodiversidade,

ativamente

formas

escassez de

de

minorar

recursos estes

naturais,

“desastres”

Ecológicos. Em agricultura, tem-se procurado produzir alimentos de qualidade nutricional elevada, isentos de resíduos, utilizando práticas culturais que causem o menor impacte ambiental possível, isto é, que potenciem o equilíbrio desejado de um Agroecossistema. A agricultura em Modo de Produção Biológico (MPB) é considerada uma agricultura mais sustentável, por usar práticas que promovem a produtividade do solo e o aumento de nutrientes disponíveis como a introdução de matéria orgânica e por evitar

Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos

ou excluir o uso da quase totalidade de produtos químicos de síntese como

adubos,

pesticidas

ou

reguladores

de

crescimento,

quando

comparada com a agricultura convencional, que depende de um forte contributo externo para obter produções (FiBL, 2000; Hole et al., 2005). O aumento significativo das produções recorrendo ao modo de produção biológico, ao longo dos últimos anos, é uma evidência da existência dessa preocupação (Ghini & Bettiol, 2000; IFOAM, 2005). No dia 1 de janeiro de 2016, entrou em vigor a resolução da Organização da Nações Unidas (ONU) intitulada “Transformar o nosso mundo: Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável” (Centro de Informação Regional das Nações Unidas para a Europa Ocidental, 2016). Esta resolução, constituída por 17 objetivos desdobrados em 169 metas, foi aprovada por unanimidade pelos 193 Estados-membros da ONU, a 25 de setembro de 2015, numa cimeira que decorreu na sede da ONU, em Nova Iorque. Segundo o Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon “os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são a nossa visão comum para a Humanidade e um contrato social entre os líderes mundiais e os povos”. Acrescentou que “são uma lista das coisas a fazer em nome dos povos e do planeta, e um plano para o sucesso”. O 2º dos objetivos é “Erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável” e refere que “até 2030, pretende-se garantir sistemas sustentáveis de produção alimentar e implementar práticas agrícolas resilientes … que ajudem a manter os ecossistemas … e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo”. O 4º objetivo, “Educação de qualidade”, refere que, “até 2030, deve-se garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e a habilidade necessária para promover o desenvolvimento sustentável … por meio de educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis …”. No objetivo 12º, “Produção e consumo sustentáveis”, refere que “até 2030, garantir a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais; até 2013, alcançar a gestão ambientalmente saudável dos produtos químicos e de todos os resíduos, ao longo de todo o ciclo de vida destes, …, 2

Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos

minimizar os seus impactos negativos sobre a saúde humana e o meio ambiente; até 2030, reduzir substancialmente a geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reutilização; incentivar as empresas … a adotar práticas sustentáveis e integrar informação sobre sustentabilidade nos relatórios de atividades”. Por outro lado, a 17 de março de 2016, a Comissão Europeia emitiu um comunicado de imprensa (CE, 2016) intitulado “Economia circular: Novo regulamento para incentivar a utilização de adubos orgânicos e de adubos à base de resíduos” em que transparece a importância primordial de reutilizar matérias-primas que atualmente são eliminadas como resíduos, constituindo um dos princípios fundamentais do pacote de medidas relativas à economia circular, adotado em dezembro de 2015. A Comissão propôs um regulamento que coloca em condições de igualdade os adubos orgânicos e à base de resíduos e os adubos tradicionais, não orgânicos, visando simplificar o acesso ao mercado único da UE dos adubos da primeira tipologia. Aquele regulamento procura simultaneamente reduzir o impacte ambiental negativo, através da redução da produção de resíduos e do consumo de energia, criando novas oportunidades de mercado para as empresas inovadoras. Atualmente, apenas 5% dos biorresíduos são reciclados, contudo se essa percentagem aumentasse, os biorresíduos poderiam vir a substituir até 30% dos adubos não orgânicos, os quais são fabricados a partir de recursos importados ou de processos com utilização intensiva de energia. A implementação deste regulamento permitirá converter problemas em oportunidades, isto é, converter os biorresíduos em matérias-primas que

podem ser

utilizadas para o fabrico de

fertilizantes, sendo essa possibilidade útil tanto para agricultores como para as empresas. Cumprindo todas as regras comuns (segurança, qualidade e rotulagem) estabelecidas no regulamento para o fabrico de produtos fertilizantes utilizando biorresíduos, poderão ser comercializados livremente em toda a UE, garantindo o mais alto nível de proteção do solo, assim como os riscos para a saúde e o ambiente.

3

Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos

Este regulamento também contribuirá fortemente para a economia circular, tendo em conta que a investigação, a inovação e o investimento terão de se desenvolver rapidamente, sendo necessária a criação de postos de trabalho a nível local e a geração de valor a partir de matérias-primas secundárias que, de outra forma, seriam eliminadas como resíduos Entre estes biorresíduos poderemos considerar a casca de arroz (CA), proveniente da cultura desta gramínea. O arroz, Oryza sativa L., é o segundo cereal mais produzido no mundo, a seguir ao milho, constituindo, por isso, uma das culturas de maior relevância mundial. É consumido diariamente, pelo menos, por dois terços da população mundial, sendo a Ásia, especialmente o Vietname e a Tailândia, o continente que apresenta a maior produção de arroz, 92% da produção mundial (Ricehusk, 2016). A CA, camada externa do grão de arroz, constituída pela lema e pela pálea, protege o endosperma e o embrião, constitui um subproduto da indústria transformadora de arroz com expressão significativa. Em 2013, só o Vietname produziu 5,4 milhões de toneladas de CA (Olmos, 2007; Ricehusk, 2016). A CA representa cerca de 20% do grão, pelo que se estima que foram produzidas 35974 toneladas (Della et al. 2001; Ricehusk, 2016). São várias as utilizações referidas para a CA (Della et al., 2001; Foletto et al., 2005; Kumar et al., 2012; Reddy & Alvarez, 2006; Rosa et al., 2009; Ricehusk, 2016). Pode ser utilizada para a produção de energia, sendo a combustão direta, a gaseificação e a pirólise os processos mais utilizados. Da combustão desta biomassa resulta o aproveitamento da energia libertada e cinza. A cinza pode ser utilizada na produção de carbeto de silício, sílica pura, cimento e diferentes tipos de silicatos. Pode ainda ser aplicada como adsorvente, como suporte de catalisadores metálicos e na síntese de zeólitas. A utilização da CA na agricultura, como condicionador hortícola para um solo orgânico, foi apontada em 1994, por Bellé & Kãmpf. Steffen et al (2010) tendo proposto a utilização de CA e estrume de bovino como substrato para multiplicação de minhocas e produção de 4

Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos

plântulas de tomate e alface. Foram também feitos estudos sobre o efeito de cinzas de casca de arroz, nas concentrações de 2.5, 5, 7.5, 10, 12.5 e 15% na germinação de quiabo, tendo-se chegado à conclusão que a concentração 2.5% era a apropriada para ser usada como fertilizante na agricultura (Rajor et al., 2011). Segundo Della et al (2001), na CA encontram-se presentes os macronutrientes principais P e K, não tendo sido encontrado N, os macronutrientes secundários Ca e Mg, assim como micronutrientes Fe e Mn e nutrientes benéficos como Na, Al e Si, constituindo este último 97.87%, apresentando ainda Ti, não sendo tóxico. Em Portugal, no ano 2014, a produção de arroz foi de 162100 toneladas (FAOSTAT, 2016) e tendo em conta que na região centro, a CA está a ser comercializada a 60€/t, a sua utilização na incorporação de substratos orgânicos parece ser economicamente viável. Ainda em Portugal, a Atlantic Meals, empresa que se dedica à secagem, armazenamento e comercialização de arroz e milho, encontra-se a desenvolver um projecto de investigação que visa o aproveitamento da CA como fonte renovável biológica

com

pontencial

químico-energético.

Prespectiva-se

o

aparecimento de aditivos alimentares, pesticidas, assim como produtos de sílica amorfa, polímeros e incorporação em argamassas. São parceiros desta empresa o Instituto Superior Técnico e o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Pretende-se passar a CA de um “estatuto de resíduo, para matéria-prima” (Costa, 2015). Tendo em conta tudo o que anteriormente foi referido, surgiu a iniciativa de estudar o efeito da incorporação de CA em substratos na produção de uma planta ornamental petúnia, Petunia x hybrida, tendo para isso sido aproveitada a parceria existente entre a Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra (ESAC–IPC) e a empresa SIRO - Leal & Soares, S.A. Esta empresa apresenta como actividade principal a compostagem de resíduos florestais, com predominância da casca de pinho marítimo, para a produção de substratos e compostos orgânicos, disponibilizando uma variedade de produtos, desde os substratos aos 5

Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos

adubos, oferecendo deste modo soluções integradas, adaptadas às necessidades do mercado. Por seu lado a ESAC é uma escola que está integrada no Instituto Politécnico de Coimbra, globalmente orientada para a prossecução dos objetivos do ensino superior politécnico no âmbito das tecnologias, das ciências e engenharias agrárias e afins e do turismo e lazer, competindo-lhe entre outras, formar profissionais qualificados, com elevado nível de exigência nos aspectos tecnológico, científico, profissional e

cultural,

realizar

atividades

de

investigação;

prestar

serviços

à

comunidade, tendo em vista uma valorização recíproca.

Materiais e Métodos O ensaio decorreu sob condições de estufa e foi realizado em vasos com 13 centímetros de diâmetro, durante 10 semanas, de 21 de fevereiro a 30 de abril de 2015. O estudo incluiu quatro modalidades: 1 - testemunha do substrato sem Casca de Arroz (CA); 2 - substrato com 10% de CA; 3 - substrato com 25% de CA e 4 - substrato com 50% de CA. Foram efetuadas quatro repetições, cada uma constituída por cinco plantas. Os vasos foram dispostos aleatoriamente no espaço da estufa destinado para o efeito. Semanalmente foram avaliados o número de botões florais, o diâmetro e o comprimento da parte aérea, assim como a capacidade de retenção de água do substrato. No final do ensaio foi avaliado o peso da parte aérea, o peso radicular. Os resultados obtidos foram submetidos a uma análise de variância (ANOVA) uni-fatorial, seguida do teste de Tukey, quando se detetaram diferenças significativas.

Resultados e Discussão Os resultados obtidos (Figuras 1 – 7) permitiram verificar que: a) não foram observadas diferenças significativas, para todos os tempos de observação, relativamente ao número de botões florais, no entanto, foi a modalidade 1 (testemunha) a que produziu maior número de botões florais, 42, seguindo-se as modalidades 2 (10% de CA), 4 (50% de CA) e 6

Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos

3 (25% de CA) com 40, 36 e 34 botões respetivamente, no final do ensaio (Figura 1); b) após a 5ª semana, o tratamento 2 (10% de CA) foi onde se obtiveram plantas com diâmetro significativamente maior, tendo no final do ensaio atingido 22.1 cm, comparativamente com 20.8 cm medidos nas modalidades 3 (25% de CA) e 1 (testemunha) e 19.4 cm, na modalidade 4 (50% de CA) (Figura 2); c) quanto ao comprimento, de modo geral, não foram observadas diferenças significativas, no entanto, no final do ensaio, o maior comprimento foi observado na modalidade 2 (10% de CA), com 18.5 cm, seguida das modalidades 3 (25% de CA), 4 (50% de CA) e 1 (testemunha), com 17.5, 17.0 e 16.0 cm, respetivamente (Figura 3); d) relativamente ao peso da parte aérea, não foram observadas diferenças significativas, no entanto o maior valor, 124.7 g, foi verificado na modalidade 2 (10% em CA), seguido das modalidades 1 (testemunha), 3 (25% de CA) e 4 (50% de CA), em que os pesos foram de 86.5, 79.6 e 78.7 g, respetivamente (Figura 4); e) a modalidade 4 (50% de CA) foi onde se registou um peso radicular significativamente superior, 20.1 g, comparativamente com o das restantes modalidades: 19.7, 14.3 e 10.9 g, nas modalidades 1 (testemunha), 2 (10% e CA) e 3 (25% de CA), respectivamente (Figura 5); f) as modalidades 3 (25% de CA) e 4 (50% de CA) apresentaram significativamente uma menor capacidade de retenção de água, 133.8 e 120.8 mL, respetivamente, relativamente às modalidades 1 (testemunha) e 2 (20% de CA), 159 e 157 mL (Figura 6 e 7). De facto, verificou-se que a incorporação de CA em substratos, nas diferentes percentagens, promoveu diferentes capacidades de retenção de água, tendo essa capacidade diminuído com o aumento da incorporação do substrato. A maior porosidade promovida pela CA conduziu a uma menor capacidade retenção de água. Neste estudo preliminar, pôde verificar-se que a modalidade 2 (20% de CA) foi onde se obtiveram melhores resultados, apesar de não se detectarem diferenças significativas. Provavelmente a adição de CA melhorou a fertilidade do substrato, no entanto, tendo em conta que a sua incorporação altera a estrutura do substrato, diminuindo a sua capacidade 7

Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos

de retenção de água, foi a modalidade 2 que apresentou melhor comportamento nestas condições de ensaio. No entanto, o maior peso radicular foi registado na modalidade 4 (50% de CA). Este efeito talvez possa ser explicado pelo facto do sistema radicular nesta modalidade ter o seu desenvolvimento facilitado, tendo em conta a maior porosidade apresentada pelo substrato. Noutro estudo realizado com cinzas de casca de arroz também se verificou que a concentração mais baixa testada, 2.5%, era a apropriada para ser usada como fertilizante na agricultura (Rajor et al., 2011). Por outro lado, o sistema radicular responde aos recursos que a planta tem ao dispor. Assim o peso radicular do tratamento 2 – 10% em CA e do tratamento 3 – 25% em CA poderá indicar que estes dois tratamentos são mais férteis que os demais uma vez que o sistema radicular contrai-se em solos férteis. Podendo ser o tratamento 3 – 25% CA o mais fértil. Relativamente ao tratamento 4 – 50% em CA poderá indicar drenagem excessiva de água. As raízes nessas condições evoluem no sentido de procurar água (Aguiar, 2014). O

diâmetro

apresentou

diferença

estatisticamente

significativa

no

tratamento 2 – 10% em CA espectável pelo que se concluiu relativamente à capacidade de retenção de água e ao comportamento do sistema radicular. A porosidade oferecida pela CA pode ser benéfica em solos com fraca capacidade em drenar água. O peso do sistema radicular indica que a adição excessiva de CA não é benéfica porque leva ao stresse hídrico das plantas quando estas estão submetidas a escassez de água. No entanto, pequenas quantidades são benéficas para maior arejamento e fertilidade do substrato. As alterações de porosidade refletiram-se num aumento do diâmetro da parte aérea o que em plantas com aproveitamento das folhas é significativo. Pelos resultados obtidos, o tratamento 2 – 10% em CA foi o que obteve melhor potencial para a incorporação de CA, acabada de extrair, em substratos. 8

Promover a sustentabilidade através da valorização de resíduos orgânicos

Figura 1. Número de botões florais de plantas de Petunia sp., ao longo de dez semanas, após transplante para o solo com incorporação prévia de casca de arroz (tratamento 1 - testemunha; 2 - 10% de casca; 3 - 25% de casca; 4 - 50% de casca). Os resultados correspondem à média ± desvio padrão de quatro repetições, sendo cada repetição constituída por cinco plantas; colunas seguidas de letras diferentes, para o mesmo tempo de observação, apresentam diferenças estatisticamente significativas (p
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.