Proteção dos direitos fundamentais sociais no sistema interamericano de direitos

July 1, 2017 | Autor: Rodrigo Espiúca | Categoria: Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, Direitos Fundamentais Sociais
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A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS1

SOCIAIS

NO

SISTEMA

Rodrigo Espiúca dos Anjos Siqueira2 Rosane Todescatt Nottar3

RESUMO: Este artigo aborda o rol de direitos assegurados pelo sistema Interamericano de Direitos Humanos, dentre eles, os direitos protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos. No decorrer do estudo apresenta-se o posicionamento de alguns autores em relação a estes direitos conferidos em acordos e tratados internacionais, bem como a falta de proteção desses direitos pelo Estado. Com base no princípio da dignidade da pessoa humana, analisa a prática da proteção indireta dos direitos humanos fundamentais sociais através da análise de caso concreto julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito de redução no valor de pensão devido a cidadãos peruanos. Este estudo indica ainda os caminhos práticos para a interposição de petição perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. PALAVRAS-CHAVE: Corte Interamericana Internacional. Direitos Fundamentais Sociais.

de

Direitos

Humanos.

Justiça

ABSTRACT: This article discusses the role of rights provided by the Inter-American Human Rights System, among them, the rights protected by the American Convention on Human Rights. Throughout the study we present the position of some authors regarding these rights in international agreements and treaties, as well as the lack of protection of these rights by the State. Based on the principle of human dignity, examines the practice of indirect protection of fundamental human rights through social analysis of the case judged by the Inter-American Court of Human Rights regarding the reduction in the amount of pension due to Peruvian citizens. This study also indicates the practical ways to the filing of a petition before the InterAmerican Human Rights system. KEY WORDS: Interamerican Court of Human Rights. International Justice. Social Fundamental Rights.

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Trabalho confeccionado como pré-requisito para aprovação na Disciplina de Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado em Direitos Fundamentais, da Universidade do Oeste de Santa Catarina. 2 Rodrigo Espiúca dos Anjos Siqueira, Advogado Militante, Professor de Graduação e PósGraduação nas Faculdades Anglicanas de Erechim-RS e Tapejara-RS, Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2002), especialista em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Brasília (2012), Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, Chapecó-SC (2014). 3 Rosane Todescatt Nottar. Graduada em Pedagogia (1995) em Direito (2013) e Mestre em Direitos Fundamentais Sociais na Unoesc - Campus Chapecó (2014). Servidora Pública Municipal (Chapecó/SC) desde 1986.

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I - INTRODUÇÃO

O sistema Interamericano de Direitos Humanos, com base nos direitos protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos procura assegurar e garantir a dignidade da pessoa humana. Esses direitos protegidos pela Convenção Interamericana são meios de assegurar, às pessoas que sofreram violação em seus direitos humanos, a garantia de seu gozo e reparação dos danos sofridos. O amparo legal para a garantia de tais direitos encontra-se nos Acordos e Tratados Interamericanos de Direitos Humanos. Quando lesados os direitos humanos, o acionamento jurídico internacional deve ser utilizado, principalmente diante da ineficiência do Estado em garantir a defesa perante a ação de particulares, e mesmo em virtude de violação perpetrada pelo próprio Estado ou por seus agentes. (BENVENUTO, 2005, p.483). Evidencia-se uma possibilidade crescente de proteção, porém um padrão diferenciado para os direitos humanos econômicos, sociais e culturais em relação aos direitos humanos civis e políticos. Complementa que existe resistência por parte dos Estados na ação de ratificar os instrumentos internacionais relativos e no comprometimento com as normas relativas de proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais. Percebe-se assim, que nem todos os direitos estatuídos nos Tratados Internacionais são acolhidos e protegidos internamente no sistema legal dos países membros da mesma forma que os Direitos Humanos. Neste estudo será apresentado um caso concreto pelo qual, apesar da negação do Direito pelo Estado Peruano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhece o direito à previdência, que fora negado aos peticionantes através de redução arbitrária em suas pensões pelo Estado do Perú. Em virtude de alguns diretos não estarem especificamente previstos nos acordos, a Corte, por vezes, baseia-se em outros direitos semelhantes, portanto fundamentais para assegurar a dignidade da pessoa humana, utilizando-se da analogia. Portanto, como o direito a previdência enquadra-se na categoria de direitos sociais, e, está presente no ordenamento jurídico como direito fundamental, tanto em âmbito nacional, como internacional, justifica-se a sua proteção. De acordo com Hohnerlein (2003, p. 264), os direitos fundamentais sociais ganharam legitimidade a partir de 1945 com a celebração de acordos e convênios internacionais e regionais. Mesmo com a obrigatoriedade jurídica de alguns

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instrumentos, no caso das declarações, a autora afirma que estes não possuem caráter juridicamente vinculante, pois não têm o condão de impor aos países, adotantes dos acordos, nenhum dever de ação imediata. Assim, torna-se necessário acionar outros órgãos competentes quando negados tais direitos pelo Estado, no caso, a Comissão Interamericana de Diretos Humanos que avalia e encaminha à Corte Interamericana de Direitos Humanos, para julgar o litígio. Portanto, serão demonstrados neste estudo, os passos necessários ao acesso à Justiça Internacional, bem como a maneira que a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem utilizado para proteger os direitos dos cidadãos sob a égide de sua Convenção Americana dos Direitos Humanos. II – BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

No processo de consolidação do entendimento contemporâneo dos Direitos Humanos, vários movimentos de cunho filosófico-histórico, bem como os seus documentos jurídicos e constitutivos, foram de essencial contribuição. Pode-se mencionar, especialmente, a Revolução Francesa, no final do Século XVIII; o processo de independência Norte americana, ainda no ocaso do Século XVIII; a abolição da escravatura, em meados do Século XIX; o Socialismo; as Guerras Mundiais do século passado; e, o Capitalismo. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e a Constituição Francesa, produzidos no século XVIII, como resultado do processo de revolução, abrigam os ideais de Fraternidade, Igualdade e Liberdade, que, igualmente estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em seu artigo primeiro. Esses ideais são considerados princípios básicos da moderna concepção de Direitos Humanos. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948) Sampaio Netto relata alguns dos processos e movimentos históricos filosóficos que influenciaram fortemente a luta pela afirmação dos direitos humanos. Para o autor, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas é decorrência dos horrores vividos pela humanidade na Segunda Grande Guerra Mundial, é o nascedouro dos direitos humanos. Afirma ainda que os vários fatores que levaram à concepção de uma ideia de direito inalienável e inerente à condição de ser humano é fruto da ação da poesia, das religiões, da filosofia, e da política da

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antiguidade. Assim, a atual concepção de direitos humanos não seria fruto de um sistema ético ou moral único e específico, mas sim, um conjunto de ideais e fruto das revoluções sociais e científicas. (SAMPAIO NETTO, 2011, s/p) A própria revolução e processo de independência ocorrido nos Estados Unidos da América, com base na Declaração de Direitos de Virgínia, de 1771 e na Declaração de Independência de 1776, corroboram com os princípios elencados no movimento revolucionário francês. Ficam evidentes o crescente descontentamento da classe burguesa para com o Estado Feudal, na direção da construção de ideais de liberdade e do conceito de Estado Laico, ou seja, desvinculado do poder da Igreja, surgindo, assim, a concepção do Estado Liberal e dos Direitos de Liberdade Negativa. Segundo Carbonari, o jusnaturalismo de Thomas Hobbes era a base para os direitos liberais, especialmente interessantes à classe burguesa de então. Estas liberdades consistiam em liberdades negativas, pois propugnavam a não intervenção estatal na esfera dos direitos privados. (CARBONARI, 2008) O processo que culminou com a abolição da escravatura nas Américas, ainda no Século XIX, também fortalece a ideia de igualdade entre todas as pessoas, independentemente da etnia ou origem geográfica. Tal ideal encontrou feroz resistência nos países onde a base da economia era a produção rural, sustentada pela mão de obra escrava. Contudo, o movimento libertário, embasado em ideais igualitários, gradualmente foi impondo suas razões e deu surgimento à concepção da igualdade racial e proibição ao racismo. Direitos estes que estão consolidados na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965, da Organização das Nações Unidas. Percebe-se ainda uma grande influência sobre os Direitos Humanos o Socialismo surgido na Rússia, no século XIX. Tal movimento e suas doutrinas fazem contraponto ao Capitalismo que dá surgimento às desigualdades econômicas e altos índices de desemprego, forçando muitos a uma vida marginalizada. O Socialismo, por sua vez, propaga teorias que impulsionam no sentido de um ideário baseado em Direitos de Liberdade, e que ampliam o conceito de igualdade perante a Lei e inclui no rol de direitos alguns direitos humanos sociais, tais como o direito ao trabalho, à educação, à saúde e à segurança. (GIANNATTASIO, 2009; TOSI, 2011; TRINDADE, 2011)

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Os horrores e crimes cometidos contra a dignidade humana, durante a Primeira e Segunda Grandes Guerras, foram o combustível para a elaboração de cartas de direitos internacionais, especialmente nos períodos pós-conflitos. Neste período surgiram as normas de direito internacional a respeito de prisioneiros de guerra, contra o uso de armas cruéis, contendo normas de tratamento a feridos e civis, enfim, dando nascimento ao movimento internacional de Direito Humanitário. Igualmente, o período após o final da Segunda Grande Guerra, na esteira das ideias socialistas, e sob a influência dos movimentos operários promoveu a inserção dos Direitos Sociais nas Constituições, dando origem ao Estado do Bem-Estar Social, também conhecido como Welfare State. (TOSI, 2011; TRINDADE, 2011) A forma atual dos Direitos Humanos foi estabelecida pela Declaração Universal de 1948, sendo consolidada em 1993, através do estabelecido na Convenção de Viena, em 1993. Ainda é digno de nota que, na evolução filosófico-histórica dos Direitos Humanos, houve grande influência do cristianismo social. Através da hermenêutica de fragmentos do Novo Testamento, o movimento cristão social, embora enfrentando séria oposição dentro das fileiras da igreja, contribuiu grandemente para o conceito de Direitos Humanos atual. Os ideais de igualdade e liberdade de pensamento, foram repudiados como inaceitáveis no seio da Igreja Romana, sendo aceitos apenas com a promulgação da Encíclica Papal, conhecida como Rerum Novarum, de 1894. A partir daí, os direitos humanos foram, de maneira gradual, sendo aceitos no seio da Igreja Romana. O Concílio Vaticano II, modificou, de maneira profunda, a postura inicial de condenação dos direitos humanos dentro da igreja. O Papa João Paulo II, em sua Encíclica Redemptor Hominis, atribui às Nações Unidas a defesa dos invioláveis direitos do homem, reconhecendo, assim, a importância deste organismo internacional e do próprio reconhecimento dos Direitos Humanos. (TOSI, 2011) Assim, a consolidação dos Direitos Humanos e a confirmação dos Direitos fundamentais, dá-se em função das fortes mudanças ocorridas na sociedade, principalmente com impacto da Revolução Industrial no âmbito dos movimentos políticos do final do século XVIII e ao longo do século XIX. Com a situação da classe operária e o surgimento de outras categorias sociais, surgem situações em que os seres humanos são expostos a condições indignas de sobrevivência, sendo explorados pelos donos do capital. O surgimento de várias Declarações e Cartas

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Constitucionais institui-se no ordenamento jurídico os direitos individuais e coletivos, favorecendo, assim, o surgimento dos Direitos Fundamentais (LEAL, 2000, p. 3640). Dentre os Tratados Interamericanos de direitos humanos destacam-se os sete principais que servem de instrumentos para coibir a violação dos direitos humanos, dentre eles: 1) Convenção Americana sobre Direitos Humanos, “Pacto de San José da Costa Rica”, de 1969; 2) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 1985; 3) Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “Protocolo de San Salvador”, de 1988; 4) Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Relativo à Abolição da Pena de Morte, de 1990; 5) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a mulher, “Convenção de Belém do Pará”, de 1994; 6) Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, de 1994; 7) Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiências, de 1999. A principal e mais importante fonte de direitos Humanos no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, na qual estão reconhecidos os seguintes direitos, dentre outros: Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica; Direito à vida; Direito à integridade pessoal; Direito de toda pessoa de não ser submetida a escravidão e servidão; Direito à liberdade pessoal; Direito às garantias judiciais; Princípio da legalidade e da irretroatividade; Direito de toda pessoa de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário; Direito à proteção da honra e da dignidade; Liberdade de consciência e de religião; Liberdade de pensamento e de expressão; Direito de retificação ou resposta; Direito de reunião; Liberdade de associação; Direito à proteção da família; Direito ao nome; Direitos da criança; Direito à nacionalidade; Direito à propriedade privada; Direito de circulação e de residência; Direitos políticos; Direito à igualdade perante a lei; Direito à proteção judicial; Direito ao desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais. Portanto, as Declarações contêm uma lista de direitos que os Estados devem respeitar e proteger. Já os Tratados Interamericanos de Direitos Humanos tem como objeto reafirmar a proteção e desenvolver o conteúdo dos direitos humanos, garantidos pela Declaração Americana e pela Convenção Americana. Esses

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instrumentos proíbem, entre outros, os atos que são considerados degradantes e desumanos, a exemplo da tortura. III – ÓRGÃOS DO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

O primeiro passo, antes do ingresso de uma petição na Corte Interamericana, é o esgotamento dos meios internos de satisfação dos direitos, ou a comprovação de que os instrumentos jurídicos nacionais são incapazes de prover à prestação jurisdicional contra a violação de direitos humanos contidos nos instrumentos internacionais de proteção e garantia de direitos. É necessário compreender o funcionamento e estrutura do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Nele funcionam dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão é composta por sete membros, nacionais de qualquer Estado membro da Organização dos Estados Americanos, com competência que alcança todos os Estados partes da Convenção Americana, no tocante aos direitos humanos ali consagrados, e cuja competência alcança ainda os Estados membros da Organização dos Estados Americanos. A Comissão deve promover a observância e proteção dos direitos humanos na América Latina. No exercício de sua função, compete à Comissão fazer recomendações aos Estados-partes, estimulando a adoção de medidas para a proteção de direitos, e solicitar aos governos informações relacionadas com a implementação dos direitos protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos (PIOVESAN, 2012, p. 130-138) A Corte Interamericana é um órgão judicial autônomo da OEA, e tem como objetivo interpretar e aplicar a Convenção Americana e outros Tratados Internacionais de direitos Humanos. Os casos que chegam são encaminhados pelos Estados membros ou pela Comissão. A Corte é composta por sete juízes nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos e eleitos pelos Estados-partes da Convenção. Esta Corte Internacional tem competência consultiva e contenciosa. A competência consultiva diz respeito à interpretação das disposições normativas da Convenção, e a contenciosa, relaciona-se à solução de litígios concernentes à interpretação ou aplicação da mesma Convenção. Qualquer membro da OEA pode requerer à Corte um parecer relativo à interpretação da Convenção ou

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qualquer outro tratado de direitos humanos. Na esfera contenciosa, a jurisdição da Corte está adstrita aos Estados-partes da Convenção e que reconheçam esta jurisdição expressamente, conforme o disposto no artigo 62 da Convenção. (PIOVESAN, 2012, p. 139-146) A OEA tem como fundamento a democracia, a proteção aos direitos humanos, segurança e desenvolvimento, e, como um dos princípios básicos, o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. Ela integra Estados membros que ratificaram a Convenção Americana, num total de 35 países, sendo eles: Antiga e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Saint Kitts e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Em caráter procedimental, qualquer petição deve primeiro ser apresentada à Comissão, que exercerá o juízo de admissibilidade, em conformidade com o artigo 46 da Convenção, sendo possível que Estados ou particulares apresentem petições à Comissão. Dentre os principais requisitos de admissibilidade estão o esgotamento prévio dos recursos internos ou injustificada demora processual, e a inexistência na legislação interna do Estado-parte da previsão do devido processo legal. Após o recebimento da petição, a Comissão exerce o juízo de admissibilidade e, se considerada admissível, a Comissão buscará informações com o Estado denunciado, ouvirá os denunciantes e testemunhas, bem como o Estado denunciado e, considerando pertinente a denúncia, fará recomendações ao Estado denunciado. Se este Estado não cumprir as recomendações, aí a Comissão poderá encaminhar a petição à Corte, para fins de julgamento. Assim, para que denúncias cheguem à Corte, é necessário que sejam esgotados os recursos judiciais internos, quer dizer, ter uma decisão em última instância do Poder judiciário com a comprovação do descumprimento de proteção ao direito ou violação perpetrada pelo Estado. Não há necessidade de representação por advogado, para apresentação da petição à Comissão. Porém é exigida a redação em idiomas oficiais: espanhol, francês, inglês ou português. Todos os procedimentos são efetuados sem custas judiciais. As petições devem conter, obrigatoriamente: a) Os dados da(s) suposta(s) vítima(s) e de seus familiares; b) os dados da parte peticionária, como nome

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completo, telefone, endereço e e-mail; c) a descrição completa, clara e detalhada dos fatos alegados, que inclua como, quando e onde ocorreram, bem como o Estado considerado responsável; d) a indicação das autoridades estatais que se consideram responsáveis; e) os direitos que se consideram violados, se possível; f) as instâncias judiciais ou as autoridades do Estado a que se recorreu para buscar resolver as violações alegadas; g)a resposta das autoridades estatais, em especial dos tribunais judiciais; h) se possível, cópias simples e legíveis dos principais recursos interpostos e das decisões judiciais internas e outros anexos considerados pertinentes, como depoimentos de testemunhas; i) a indicação de se a petição foi apresentada a outro organismo internacional com competência para resolver casos. IV – O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

O direito ao desenvolvimento está consagrado na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, adotada pela Organização das Nações Unidas, em seu artigo 2º, que afirma que: “A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser ativa participante e beneficiária do direito ao desenvolvimento.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1986) O artigo 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que estabelece que: Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)

Na promoção do desenvolvimento, igual atenção deve ser dispensada à implementação, promoção e proteção dos direitos civis, políticos, culturais, sociais e econômicos. Deve ainda ser dispensada especial atenção para proporcionar às mulheres papel ativo no processo de desenvolvimento. (PIOVESAN, 2010, p. 138139) Esse direito ao desenvolvimento deve ser contemplado em três dimensões centrais: b) Justiça social, na busca de um contexto social no qual todos tenham igual acesso a oportunidades e aos recursos básicos da educação, saúde, moradia,

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trabalho, alimentação e distribuição de renda. O desenvolvimento deve compreender um processo sócio-econômico, cultural e político no intuito de assegurar o bem-estar dos indivíduos e do coletivo, estimulando a livre e ativa participação nesse processo de desenvolvimento; b) Participação e accountability, que é o componente democrático indispensável à concretização do direito ao desenvolvimento. Nesse diapasão, é dever estatal o encorajamento da participação do povo em todas as esferas decisórias e de elaboração de políticas de desenvolvimento; c) Programas e políticas nacionais e cooperação internacional, entendido que o direito ao desenvolvimento se concretiza nas dimensões nacional e internacional, vez que os Estados, por força do artigo 4º da Convenção, são obrigados a adotar medidas para a formulação de políticas de desenvolvimento, em nível nacional e internacional, entende-se que o direito ao desenvolvimento depende de uma globalização ética e solidária (PIOVESAN, 2010, p. 139-140). Dentre os principais desafios ao direito ao desenvolvimento, pode-se mencionar: 1. A elaboração de indicadores para medir a sua implementação, vez que só a criação e adoção de critérios de mensuração da implementação deste direito é que permitirá o reforço na responsabilidade dos Estados; 2. Adoção de um tratado internacional para a proteção deste direito se faz imprescindível em virtude de não existir um instrumento juridicamente vinculante; 3. Ratificação do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, pois a inexistência de mecanismo de direito de petição é um dos principais obstáculos ao monitoramento das violações a este direito; 4. A reforma das instituições financeiras internacionais, já que a dívida dos países pode ser considerada como um obstáculo central aos países pobres e em desenvolvimento no tocante à adoção de medidas eficazes de garantia do direito ao desenvolvimento, decorrentes do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. (PIOVESAN, 2010, p. 143-148) V – CASO DOS CINCO PENSIONISTAS PERUANOS O caso que ficou conhecido como “Cinco Pensionistas” Vs. Perú, foi julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 28 de fevereiro de 2003, tendo sido protocolado sob o número 12.034, em 16 de julho de 1998.

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A denúncia que deu origem ao processo perante a Corte foi apresentada em 01 de fevereiro de 1998, à Comissão Interamericana, pelos autores: Carlos Torres Benvenuto; Javier Mujica Ruiz-Huidobro; Guillermo Álvarez Hernández; Reymert Bartra Vásquez; e herdeiros de Gamarra Ferreyra. O réu no caso em tela foi o próprio Estado do Perú. O pedido foi apresentado à Corte em 04 de dezembro de 2001. Dentre os pedidos estavam: Indenização, a título de danos morais, pela violação dos Direitos Humanos através de drásticos cortes nas pensões dos autores chegando até oitenta por cento da pensão; Efetividade no cumprimento de sentenças emitidas pelo Suprema Corte de Justiça do Perú, em 1994; Efetividade no cumprimento de sentenças emitidas pelo Tribunal Constitucional do Perú, em 1998 e 2000; O pagamento das diferenças dos valores das pensões não pagas desde 1992; e, a anulação retroativa do artigo 5º do Decreto-Lei 25.792, de 23 de outubro de 1992 que efetuava os cortes em até 80% (oitenta por cento) nos valores das pensões pagas aos autores até então. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2003) Os fundamentos jurídicos dos pedidos foram violações aos artigos 1º, 2º, 21, 25 e 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Abaixo o texto de cada artigo utilizado como fundamentação: Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. [...] Artigo 21 - Direito à propriedade privada 1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social. 2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei. 3. Tanto a usura, como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem, devem ser reprimidas pela lei.

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[...] Artigo 25 - Proteção judicial 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. 2. Os Estados-partes comprometem-se: a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso. Artigo 26 - Desenvolvimento progressivo Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)

A sentença condenou o Estado Peruano e reconheceu aos autores os direitos de: a) Pagamento de danos morais pela violação dos Direitos Humanos constantes na Convenção Americana dos Direitos Humanos; b) Restituição dos valores não pagos das pensões, usando como referência para este cálculo, os valores percebidos pelo oficial em atividade na função de “Superintendencia de Banca y Seguros”; c) Pagamento das pensões em valores atualizados, com relação aos valores percebidos pelo oficial em atividade na função de “Superintendencia de Banca y Seguros”; d) Anulação do Artigo 5º do Decreto Lei 25.792; e) Cumprimento das sentenças do Tribunal Constitucional e Suprema Corte de Justiça do Perú. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2003) Os juízes reconheceram as violações aos direitos humanos dos denunciantes e condenaram o Estado Peruano a restituir os valores não pagos, bem como concederam indenizações pela violação sofrida. Os principais argumentos utilizados pela Corte, para afirmar a violação dos direitos humanos foram: a) o Direito à propriedade privada (item 90, “a” e “b”); b) o Direito à proteção judicial (item 122, “e”); e, c) o Direito ao desenvolvimento progressivo (item 142, “a”, “b” e “c”), pois os juízes entenderam que os valores concedidos a título de pensão passaram a integrar o patrimônio jurídico dos denunciantes, constituindo-se em verdadeiro direito adquirido e, por isso, não poderia o Estado, de maneira arbitrária e injustificada, realizar cortes drásticos nos valores percebidos por eles, sob pena de violar os

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direitos à propriedade privada, à proteção judicial e ao desenvolvimento progressivo vez que reduzir seu status financeiro adquirido constituiria em verdadeiro retrocesso no

desenvolvimento

pessoal.

(CORTE

INTERAMERICANA

DE

DIREITOS

HUMANOS, 2003) VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, com base no anteriormente exposto, pode-se concluir que: 1. O sistema interamericano de proteção aos direitos humanos possui estrutura formada por dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com caráter consultivo; e, Corte Interamericana de Direitos Humanos, com caráter consultivo e contencioso; 2. Os indivíduos e grupos podem acessar a Comissão e a Corte, através de denúncias fundamentadas; 3. A Comissão exercerá o juízo de admissibilidade das denúncias e encaminhará à Corte os casos em que não for possível a solução administrativa; 4. Os Estados-partes da convenção e que aceitaram submeter-se à jurisdição da Corte, podem oferecer denúncias ou figurar no pólo passivo, na condição e violadores de direitos humanos; 5. Os direitos humanos sociais têm, gradativamente, alcançado patamares mais altos na proteção e garantia; 6. A Corte julgará os casos e terá a jurisdição de condenar os Estados ao cumprimento de suas sentenças e também de determinar o pagamento de indenização às vitimas e suas famílias, quando for o caso; 7. A Corte Interamericana busca, mesmo através da utilização de hermenêutica, a proteção dos direitos sociais, a exemplo do direito garantido aos pensionistas peruanos, vez que o direito à previdência não está consagrado na Convenção, mas, utilizando-se dos direitos à proteção judicial, à propriedade privada e ao desenvolvimento progressivo, a Corte pôde restituir às vítimas seus direitos e ainda conceder indenização pela violação sofrida; 8. No caso dos cinco pensionistas peruanos, a Corte, para poder satisfazer a necessidade de reparação dos direitos violados, e na ausência de norma legal internacional específica de proteção ao direito à previdência, buscou

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utilizar-se de direitos humanos paralelos, na garantia da dignidade dos denunciantes. Conclui-se que, na luta pela efetivação e concretização dos direitos humanos faz-se necessário o uso de todas as armas legais e hermenêuticas à disposição, na direção do reconhecimento da dignidade humana e garantia dos direitos fundamentais a todas as pessoas.

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