PROTOTIPAGEM URBANA: reativando espaços públicos através de maratonas colaborativas de fabricação digital

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Prototipagem Urbana: reativando espaços públicos através de maratonas colaborativas de fabricação digital Cristiana Leal de Lacerda Pires (1) Márcio Barbosa Erlich (2) (1) PPPGDesign, UFPE, Brasil. E-mail: [email protected] (2) MDU, UFPE, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: O presente trabalho busca identificar novas experiências e abordagens transdisciplinares de ativação de espaços públicos com foco na co-criação cidadã e prototipagem rápida de artefatos urbanos inteligentes e inovadores, objetivando, ainda, verificar o alinhamento ou impacto de tais abordagens em políticas públicas de governança. São apresentados conceitos auxiliares como cibercultura, movimento maker e hackathons. Sínteses do resultado e conclusões destacam o poder do uso de novas culturas de apelo tecnológico no desenvolvimento de soluções urbanas que promovam o diálogo entre os setores público, privado e a sociedade civil participativa. O estudo reúne pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Design e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco, cujos projetos de pesquisa de dissertação de mestrado, em andamento, versam sobre Tecnologia e Cidade. Palavras-chave: Prototipagem Urbana; Cibercultura; Movimento Maker; Espaço Público. Abstract: This paper aims to identify new experiences and transdisciplinary approaches of public spaces activation, focusing on citizen-driven co-creation and rapid prototyping of intelligent and innovative urban elements. Moreover, it aims to check the impact of these approaches on public policy governance. The study also deals with some concepts related to cyberculture, maker movement and hackathons. Results and conclusions synthesis highlights the power of using new cultures with technological appeal in developing urban solutions, which promote a dialogue between the public and private sectors, and participative society. This paper brings together students from the Postgraduate Program in Design and the Post-graduate Program in Urban Development at Universidade Federal de Pernambuco, whose master's research projects focus on Technology and the City. Key-words: Urban Prototyping; Cyberculture; Maker Movement; Public Space. 1. INTRODUÇÃO Cidades contemporâneas passam por uma crise no enfrentamento de seus desafios, ao passo que a sociedade urbana e suas tecnologias reinventam-se rapidamente. Observando como o Urbanismo evolui com relativa lentidão (ASCHER, 2010, p. 17), é evidenciada a necessidade de um Neourbanismo reativo, flexível e convergente com a intervenção de uma multiplicidade de novos atores com lógicas diferenciadas, que ajudem a lidar com certos desafios e demandas não resolvidas das nossas cidades (ASCHER, 2010, p. 98). No entanto, a ideologia do arquiteto urbanista Le Corbusier, na qual atrelou o Urbanismo exclusivamente à Arquitetura no advento do Movimento Moderno, derrubou a pluridisciplinaridade e o histórico de autonomia do campo epistemológico da prática urbanística, centralizando-a no conhecimento de cunho científico do arquiteto (FIGUEIREDO, 2011). Independentemente dos limites propostos na perspectiva epistemológica defendida por Corbusier, a legitimação social do pensamento hegemônico corbusiano pela própria centralidade que a ciência assumiu na história ocidental a partir do século XVIII acabou gerando, no caminhar das décadas, um imaginário coletivo de que a 1 | 10

totalidade das iniciativas e proposições urbanas, assim como o dever geral para com a urbanidade, são prerrogativas do arquiteto urbanista – da ativação de tendências à produção social de micro-espaços. Como reação, o modo como a tecnologia vem transformando relações sociais em meio a uma crescente complexidade dos desafios políticos, econômicos e socioculturais na contemporaneidade vem quebrando certas barreiras construídas pelo pensamento corbusiano, e apontando a integração transdisciplinar entre o conhecimento teórico-científico de diversos especialistas e as experiências técnico-práticas do cidadão-comum como um potencial gerador de soluções urbanas inovadoras. Tal quebra fez emergir, na presente década, inúmeros movimentos de reativação de espaços públicos orientados pela participação cidadã, em diversas cidades do mundo. 1.1. Cibercultura e movimento maker Há um certo estranhamento ao tratarmos como “movimento social” alguns fenômenos relacionados à tecnologia, cujo caráter é habitualmente considerado como “técnico”. No entanto, como apontado por Lévy (1999, p. 125), é preciso reconhecer a existência de estreitas relações entre o desenvolvimento tecnoindustrial e fortes correntes culturais de apelo tecnológico, como a cibercultura, incluindo fenômenos sociais de inteligência coletiva — bastante explorados pelo ativismo hacker, ou hacktivismo. Essas relações foram observadas em movimentos hacktivistas californianos no final da década de 70, quando no intuito de lutar pela liberação dos computadores pessoais da tutela dos informatas e colocálos nas mãos dos indivíduos sem especialização técnica, transformaram por completo o significado social da tecnologia (LÉVY, 1999, p. 127). Lévy também ressalta, em seguida, que “a informática pessoal não foi decidida, e muito menos prevista, por qualquer governo ou multinacional poderosa”. Seu inventor e principal catalisador, ainda que a indústria tenha se recuperado e até mesmo realizado os objetivos dos hacktivistas, foi um movimento social que visava a reapropriação de uma técnica em favor dos indivíduos. Mas se considerarmos o significado das alterações técnicas para o homem, céleres, digitais, fluidas, mutantes e desprovidas de qualquer essência estável, a velocidade das alterações tecnológicas torna-se uma constante paradoxal da cibercultura, pois pode vir a criar, em maior ou menor grau, um estado de desapossamento pelos indivíduos (LÉVY, 1999, p. 27). Diante dessa possibilidade, visando modos de cooperação transversais nos processos sociais, a cibercultura teve seu programa orientado por três princípios básicos: a interconexão (imperativo categórico sempre preferível ao isolamento), a criação de comunidades virtuais (construir afinidades de interesses e conhecimentos sobre projetos mútuos), e a inteligência coletiva: “uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências”, e cuja base e objetivo são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas (LÉVY, 1998, p. 28). Para Lévy (1999, p. 134), o ideal da inteligência coletiva seria a perspectiva do espírito e grande finalidade da cibercultura, reconhecendo que a colocação dos saberes e imaginações em sinergia transforma as restrições que haviam ditado à filosofia política, às ciências da administração e às tradições de organizações em geral no leque habitual de suas soluções. Dentre os novos modos de conhecimento trazidos pela cibercultura está a simulação: tecnologia intelectual que permite a formulação e a exploração rápidas de grande quantidade de alternativas. Tais modos herdados da cibercultura são facilmente reconhecíveis em novos movimentos sociais de apelo tecnológico, como o Movimento Maker: movimento da “geração web” que faz uso de ferramentas de fabricação digital para o desenvolvimento e prototipagem de novos produtos físicos, com a cultura de compartilhamento e colaboração com comunidades online (ANDERSON, 2012, p. 24). O fascínio pelas novas ferramentas de fabricação digital e o desejo de estender o fenômeno online para o mundo real já iniciou, por sua vez, uma nova mudança cultural, atraindo os nativos da geração web que começam a ansiar pela vida fora das telas. Fazer algo que se inicia no virtual, mas que logo 2 | 10

se torna tátil e usável com a produção real tem gerado uma satisfação bem maior nesta geração (ANDERSON, 2012, p. 20). Mas Anderson ressalta que a maior transformação social do movimento maker não se situa na maneira como fazem as coisas, mas em quem as faz. Nesse caminho, o ideal “qualquer pessoa pode produzir” já pode ser sentido como uma nova tendência que se espalhou por diversos movimentos sociais contemporâneos — entre eles, os movimentos de cidadania participativa voltados para a temática urbana conhecidos como Urbanismo DIY (Do It Yourself – “faça você mesmo”), Urbanismo Tático, Pop-up Urbanism, Guerrilla Urbanism, City Repair, Placemaking, entre outros. 1.2. Das hackathons às makeathons Na última década, o conceito de side projects tornou-se popular na indústria de tecnologia e diversas empresas do setor passaram a considerar o apoio à liberdade de criação de seus funcionários como um importante fator para promoção da inovação, fornecendo tempo livre, dentro do horário de trabalho, para o desenvolvimento de projetos pessoais paralelos (SAFADI, 2014, p. 29). Em 2004, a empresa de tecnologia online Google implementou a política 20 Percent Time, pela qual funcionários eram encorajados a dedicar um dia por semana para projetos paralelos de seus interesses, gerando diversas criações de impacto como o Reader, AdSense, e até mesmo o popular correio eletrônico Gmail. A política virou prática recorrente no setor de tecnologia mundial, no entanto, diversas empresas não conseguiram torná-la adaptável às suas realidades econômicas. Com este entrave, a empresa australiana Atlassian transformou tal ideal da liberdade criativa dentro do ambiente corporativo em uma maratona de programação computacional de apenas um dia, onde seus funcionários atuavam colaborativamente na criação de projetos livres, apresentando-os na forma de protótipos rápidos de software contendo os elementos essenciais de suas idéias. Dessa forma, nascia o conceito de hack day ou, como neologismo surgido pouco após, hackathon (hack + marathon). Segundo Safadi (2014, p. 31, tradução nossa), as hackathons, portanto, seriam “a versão da 20 Percent Time colocada numa panela de pressão”, sendo utilizadas como método de criação em empresas de tecnologia como Yahoo, Ebay, Twitter e Facebook, transformando-se em um fenômeno global. Com a popularização e difusão de ferramentas de prototipagem desktop como as impressoras 3D, e o consequente crescimento do movimento maker, a criação de artefatos passa a assumir características do colaborativismo originado na internet, e a herdar de tal movimento a facilidade de engajar comunidades no desenvolvimento, e até financiamento, colaborativo de novos produtos (ANDERSON, 2012, p. 22). Diante disso, Levitas (2012) aponta como o encontro das hackathons de 48 horas focadas na criação de artefatos digitais com as ferramentas de prototipagem desktop levou ao surgimento de uma nova abordagem colaborativa de criação de artefatos físicos: a makeathon. De acordo com Levitas (2012, tradução nossa) o método makeathon passava, então, a necessitar de locais para ativação e exploração de sua eficácia, encontrando no espaço público “o mais poderoso local que temos à disposição, pois é o espaço no qual nos encontramos, é o espaço no qual interagimos, e é o espaço no qual há abertura e acessibilidade a todos”. O conceito de Prototipagem Urbana começa a ser, assim, modelado: Estamos enxergando um paralelo entre os mundos do Urbanismo DIY e do Hacktivismo Cívico DIY, então queremos colocar estas duas comunidades juntas para ver que possibilidades poderão surgir deste encontro. (LEVITAS, 2012 apud LYDON; GARCIA, 2015, p. 193, tradução nossa)

Dessa forma, aliada à cibercultura e ao participativismo cidadão emergente, a prototipagem urbana passa a ser a mais recorrente temática das maratonas de fabricação digital disseminadas pelo mundo.

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2. OBJETIVO  Identificar novas experiências e abordagens transdisciplinares de ativação de espaços públicos com foco na co-criação cidadã e prototipagem rápida de artefatos urbanos inteligentes e inovadores;  Verificar o alinhamento ou impacto de tais abordagens em políticas públicas de governança. 3. JUSTIFICATIVA Ao considerarmos o lento processo de transformação do quadro construído pelas teorias e práticas convencionais do urbanismo, evidenciado pela dupla temporalidade causada pelo descompasso diante das rápidas mutações da sociedade e de suas inovações tecnológicas (ASCHER, 2010), não é difícil perceber que as práticas urbanísticas aplicadas nas últimas décadas não estão dando conta da reversão da crise das cidades no enfrentamento dos novos desafios urbanos. Segundo Argan (2005, p. 257), a verdadeira crise da cidade manifesta-se quando há a perda do seu caráter original de organismo cultural e, neste sentido, uma de suas causas “é determinada pelo fato de que a cidade não é mais um bem e um instrumento da comunidade [...], mas um objeto de exploração por parte de uma minoria privilegiada”. A observação da cidade na contemporaneidade revela esta compreensão integrada entre fatores culturais e sistemas sociais numa decorrente produção de fenômenos urbanos que contribuem para a transformação dos espaços – sobretudo, o espaço de uso público e coletivo. Como consequência, o desenvolvimento urbano focado nas necessidades desta minoria desencadeou um severo esvaziamento e perda da qualidade, acessibilidade e atratividade no uso do espaço público, intensificado, inclusive, por um afastamento da dimensão urbana na interface da arquitetura com a cidade. Encontra-se em Harvey (2005, p. 24) que “a volta ao equilíbrio só pode acontecer por meio de um redespertar da consciência”, e ainda, em Argan (2005, p. 255), pela necessidade de partir de uma crítica da realidade social de fato e da vontade de mudá-la. A presente década acompanhou o advento de um grande redespertar: recentes mutações socioeconômicas, tecnológicas e culturais na nova sociedade mundial desencadearam diversos movimentos globais de cidadania participativa, incluindo os de “retomada da cidade”, de recomposição de sua textura coletiva e de reconstrução de sentidos sobre a melhoria da qualidade de vida urbana. As makeathons surgem, portanto, desse redespertar e coloca o movimento maker no cenário mundial não apenas de ressignificação e reapropriação do espaço público, mas, como procedimentos adequadamente democráticos às modalidades coletivas de ação,“do direito de produzir os seus próprios espaços de comunidade” (HARVEY, 2005, p. 326). É neste sentido que o conceito de prototipagem urbana propõe, através do colaborativismo e participativismo, pequenas revoluções com potencial gerador de grandes impactos sociais: a prototipagem de artefatos urbanos inovadores e micro-espaços públicos de convivência pelas mãos do próprio cidadão pode demonstrar que a criatividade pode ser consumada através da experimentação, de forma livre, da realidade do ambiente (ARGAN, 2005, p. 255), não apenas do cientificismo, como propuseram os arquitetos modernos. Portanto, a relevância da realização de uma investigação sobre abordagens que reconectem e reaproximem o cidadão e a cidade pode ser vista no ciclo apontado por Argan, cujos elementos integram, somados à tecnologia e à arte, as bases dos movimentos de prototipagem urbana – o objeto, a cidade e a sociedade: A cidade está para a sociedade assim como o objeto está para o indivíduo. A sociedade se reconhece na cidade como o indivíduo no objeto; a cidade, portanto, é um objeto de uso coletivo [...] e a crise da cidade é um dos fenômenos mais graves e perigosos do mundo moderno. (ARGAN, 2005, p. 255)

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Ainda é necessário afirmar o campo de ação do poder público e do alinhamento de suas políticas de governança diante de movimentos colaborativistas e participativistas cidadãos de modo mais efetivo. A produção de conhecimentos sobre soluções urbanas que fazem uso de abordagens transdisciplinares com foco em novas culturas de apelo tecnológico, em conexão com a geração web, pode tornar-se um dos meios para construir uma nova afirmação que promova o diálogo entre os setores público, privado, e a sociedade civil participativa. 4. MÉTODOS EMPREGADOS Os procedimentos metodológicos que nortearam este trabalho foram constituídos de três etapas: primeiramente, foi realizado o levantamento bibliográfico de contribuições científicas que abordam diversos conceitos necessários para o entendimento do tema estudado, tais como cibercultura, movimento maker, hackathons e movimentos de cidadania participativa voltados para a temática urbana. Em seguida, a partir de dados coletados na pesquisa bibliográfica, foi identificado um movimento participativista cidadão com forte cultura de apelo tecnológico e que faz uso de técnicas de fabricação digital, delimitando o recorte metodológico nesta experiência levantada e dando início à etapa de coleta de dados documentais de fontes primárias disponibilizadas na internet, incluindo a localização de informações sobre possíveis políticas públicas de governança e seleção de instituições e programas cujas atuações se encontravam no recorte delimitado. Ao final, foi realizada a análise comparativa propriamente dita do movimento, programas e políticas identificadas, visando às articulações necessárias para a confrontação entre a teoria estudada e o material coletado. 5. RESULTADOS OBTIDOS A pesquisa identificou uma nova abordagem de design transdisciplinar aplicado ao espaço público contemporâneo, representada pelo Urban Prototyping: movimento de escala global que vem explorando a integração entre Design, Tecnologia e Arte como ferramenta de participação cidadã para o melhoramento da qualidade de vida das cidades, através da ressignificação e reativação de espaços urbanos de uso público e coletivo. Em decorrência dos movimentos cidadãos de prototipagem urbana, foi desenvolvido o conceito das LIZ – Living Innovation Zones, como política pública em parceria com a cidadania participativa e a iniciativa privada. 5.1 O movimento Urban Prototyping Com uma abordagem tecnológica e colaborativa de criação participativista cidadã direcionada ao espaço público, nascia em 2012 o Urban Prototyping Festival, sob o lema “fazendo cidades melhores, mais rápido”. Ao contrário de outros movimentos de cidadania participativa voltados para a temática urbana como o Urbanismo Tático, que faz uso de técnicas de construção de baixa tecnologia, a prototipagem urbana apresentava o diferencial de desenvolver artefatos inteligentes através de ferramentas de fabricação digital como cortadoras a laser, fresadoras de precisão e impressoras 3D, e com uso de tecnologias de alta complexidade como das áreas de mecatrônica e robótica, além de incluir interfaces digitais com poder de atratividade e conexão com os interesses socioculturais da geração web. Ainda sob formato de festival, o conceito de prototipagem urbana se apresentava, enquanto proposta de ação, “como um complemento que age quando os processos convencionais de planejamento no setor público apresenta dificuldades”, realizando eventos e maratonas com o intuito de “desenvolver, prototipar, testar, reproduzir e rapidamente implementar soluções e artefatos urbanos inovadores para a melhoria da qualidade de vida nas cidades” (GAFFTA, 2013, p. 02, tradução nossa). A primeira maratona de fabricação digital do movimento, nos Estados Unidos, foi realizada em outubro de 2012 na cidade São Francisco, Califórnia: o UP: San Francisco 2012 (figura 1).

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FIGURA 1 – UP: San Francisco 2012. Fonte: Urban Prototyping (2012).

O festival UP: San Francisco 2012 consistiu numa makeathon com foco em intervenções urbanas físico-digitais reproduzíveis em escala global, explorando novas possibilidades de apropriação e ressignificação do espaço público através da cidadania participativa. Conforme disposto pela entidade organizadora GAFFTA (2013, p. 07, tradução nossa), cada projeto a ser desenvolvido na makeathon deveria atender a três requisitos básicos:  Físico + Digital: os projetos teriam que incluir tanto elementos físicos como digitais em sua composição, descobrindo novas possibilidades de mesclar as duas características de um modo diferenciado;  Documentado + Aberto: os projetos teriam que ser documentados durante o desenvolvimento e ter seus dados e códigos abertos (Open Source), produzindo um manual de instruções de reprodução posteriormente disponível a todo o público;  Acessível + Replicável: os projetos teriam que ser financeiramente acessíveis, objetivando um limite orçamentário de $1.000,00 para os insumos da fase prototípica e teriam que ser desenvolvidos para além de uma localidade específica, permitindo réplicas que se adaptassem em diversas cidades de todo o mundo. Mais de 100 projetos foram inscritos, 23 foram selecionados, e 75 designers, engenheiros, programadores, arquitetos, artistas e cidadãos-comum dos mais diversos perfis e níveis de especialidade integraram as equipes participantes. Após as 48 horas da fase prototípica da makeathon (figura 2), cerca de 5 mil cidadãos foram atraídos ao espaço público experimentando, testando e avaliando os protótipos expostos nas ruas do centro de São Francisco. Dentre eles, 5 protótipos finalistas foram selecionados para dar sequência ao projeto ao longo de 2 meses, junto a cidadãos interessados e com suporte técnico de órgãos do poder público municipal, chegando até a fase piloto dos artefatos urbanos e estando prontos para a reprodução em escala industrial e sua consequente implementação permanente nos espaços públicos.

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FIGURA 2 – Projeto Turn to Clean Vision. Fonte: Urban Prototyping (2012).

O modelo da makeathon Urban Prototyping foi rapidamente implementado em outras cidades nos anos subsequentes, como Londres, Berlim e Singapura. Neste momento, ele passa de um evento local para um movimento global e multiplica-se tanto em iniciativas diversas como o Market Street Prototyping Festival e o Makeweekend, como em edições temáticas com problemáticas urbanas específicas, como o desenvolvimento de artefatos para o empoderamento das mulheres nas cidades, para uma terceira idade mais ativa, ou para geração de energia limpa e redução do impacto ambiental. 5.2 As LIZ e o impacto no poder público O Urban Prototyping Festival foi uma iniciativa organizada e apoiada por entidades sem fins lucrativos ligadas às áreas de tecnologia e arte, como a Gray Area Foundation for the Arts (GAFFTA), grupos de design renomados como o Rebar Group e a IDEO, empresas privadas como a Adobe, Autodesk e Twitter, além da parceria com o poder público através do San Francisco Mayor’s Office of Civic Innovation, entre outros órgãos e agências da administração pública municipal. Como ressaltado por Lydon e Garcia (2015, p. 193), com os expressivos números de participação cidadã do Urban Prototyping Festival, o método colaborativo de desenvolvimento de artefatos urbanos inteligentes pelas mãos dos próprios cidadãos foi reconhecido pela prefeitura de São Francisco como um modelo de ação para a reativação do espaço público, posteriormente desenvolvendo o conceito do programa Living Innovation Zones (LIZ): zonas inovativas livres, no centro cidade, designadas pela prefeitura para que inovadores cívicos possam acessar e instalar seus protótipos para demonstração de soluções urbanas a serem experimentadas pelas pessoas (figura 3). Como definição pelo próprio Departamento de Planejamento de São Francisco: Uma LIZ é uma instalação temporária no centro cultural, cívico e econômico da cidade. O programa é estruturado para estimular colaborações transdisciplinares que resultam em experiências locais, servindo como oportunidade para testar novas idéias, projetos e tecnologias. As LIZ são destinadas à melhoria da esfera pública, encorajando pessoas a se conectarem umas com as outras, e com a cidade. Cada LIZ é uma colaboração entre a prefeitura, organizações criativas e culturais locais, e a comunidade onde a zona está instalada. (SAN FRANCISCO PLANNING DEPARTAMENT, 2015, tradução nossa)

Esta iniciativa condiz com a defesa de Manzini e Staszowski (2013, p. iv, tradução nossa) de que para promover soluções através da co-criação e da co-produção com diferentes atores, incluindo servidores públicos, os órgãos deveriam (direta ou indiretamente) criar “ambientes de experimentação”, ou espaços onde novas idéias e propostas podem ser testadas, pois transformações sistêmicas não

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conseguem ser conquistadas em ambientes normais e necessitariam de um ambiente especial para torná-las possíveis (ao menos nas fases iniciais de transformação).

FIGURA 3 – Living Innovation Zones. Fonte: InnovateSF (2015).

Manzini e Staszowski também defendem que a inovação social pode desencadear inovações no setor público, mas questionam: “o oposto também é possível?”. Neste sentido, as maratonas colaborativas de prototipagem urbana, bem como o crescimento do movimento maker, também têm direcionado investimentos e políticas públicas em torno dos laboratórios de fabricação digital, como MakerSpaces, FabLabs e TechShops, uma vez que estes são locais essenciais para a prototipagem rápida de artefatos inteligentes e inovadores, e portanto, para a realização de uma makeathon. Como um ciclo, a médio ou longo prazo, tais ambientes criativos levantados com recursos públicos também podem levar a uma cultura de inovação social cuja orientação parta do próprio cidadão. No Brasil, como um exemplo, a Prefeitura de São Paulo já anunciou a abertura de 12 FabLabs públicos, que terão a prototipagem urbana como um de seus objetivos: Os laboratórios oferecerão cursos de formação, desde a introdução às metodologias de produção dos “fab labs” e suas ferramentas, desenvolvimento de produtos personalizados, ao enfoque em design, fabricação digital, eletrônica e programação, tendo como objetivo a criação de equipamentos, máquinas, objetos e softwares que proponham soluções para desafios necessariamente relacionados a questões urbanas locais. (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2015)

O investimento no movimento maker também tornou-se política pública adotada pelo atual presidente norte-americano Barack Obama: Reconhecendo o poder do movimento, a administração Obama, no começo de 2012, lançou um programa de construção de makerspaces completos, em mil escolas americanas, nos próximos quatro anos, com ferramentas de fabricação digital, como impressoras 3D e cortadoras a laser. Sob certo aspecto, é como o retorno do ensino industrial e a reconstrução das oficinas escolares, com recursos da era Web. Só que agora o objetivo não é treinar operários de fábrica com baixa qualificação. Ao contrário, o novo projeto é financiado pelo programa avançado de atividades industriais do governo americano, com o objetivo de desenvolver uma nova geração de projetistas de sistemas e de inovadores de produção. (ANDERSON, 2012, p. 21)

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Em 2014, estes investimentos no movimento maker foram intensificados, resultando em diversas iniciativas governamentais como, dentre alguns exemplos, a Nation of Makers, programa nacional de acesso de estudantes, empreendedores e cidadãos a tecnologias de fabricação digital; a National Week of Making, iniciativa voltada a comunidades locais e cidadãos de todo o país; a White House Maker Faire, maior feira internacional de tecnologia e criatividade via prototipagem rápida em sua versão na Casa Branca; a Maker Cities, maratona de fabricação digital numa competição maker entre mais de 100 prefeituras inscritas em todo o território nacional. Em resposta às políticas de fortalecimento do movimento maker, inovadores cívicos de São Francisco transformaram o Urban Prototyping na rede Our City, um modelo de organização cidadã e empoderamento de moradores para levar a prototipagem urbana, na forma de projetos, workshops, feiras ou festivais, para cidades inscritas pela própria comunidade, incentivando a reativação de espaços públicos através da cidadania participativa. As políticas públicas de governança, aqui dispostas, também vão ao encontro de Manzini e Staszowski (2013, p. iv, tradução nossa), quando estes afirmam que mudar a natureza dos órgãos públicos significa mudar o seu papel de meros prestadores de serviço para parceiros realmente ativos das pessoas. Isso tornaria os órgãos capazes de darem suporte e, se necessário, incentivar e orientar o colaborativismo e participativismo cidadão. No entanto, afirmam os autores citados, ainda quando se discute inovação social e mudança institucional no setor público, a dimensão política destes temas emerge em controvérsia, pois tais propostas são mais facilmente reduzidas a pequenas políticas do habitual papel do poder público do que trabalhadas como uma mudança em sua natureza, de fato. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso de alta tecnologia em um movimento de cidadania participativa voltado para a temática urbana pode ser um fator de atratividade para os nativos da geração web pela possibilidade de interação com os artefatos físicos, criados com elementos digitais em sua composição, expostos para experimentação nos espaços públicos e, dessa forma, reativando tais espaços. Além do poder de atração ao espaço público, a prototipagem urbana com uso de ferramentas de fabricação digital também atrai essa geração, que passa a ter o interesse não apenas no uso e interação com os artefatos, mas também o de pensar, co-criar e modificar a realidade dos espaços nos quais serão experimentados — princípios herdados da cibercultura, como interconexão, criação de comunidades e inteligência coletiva. Observamos também que, com base nas abordagens da cibercultura e do movimento maker no recorte delimitado, as iniciativas participativistas cidadãs antecederam e pautaram, em um primeiro momento, a elaboração de políticas públicas de governança: o movimento Urban Prototyping consistiu em uma experiência orientada pelas pessoas, enquanto as LIZ foram uma política pública em resposta a este movimento social de Urbanismo DIY anteriormente iniciado, respeitando as características sociotécnicas culturais do movimento. No caso da relação Urban Prototyping / LIZ, a inovação social desencadeou uma inovação no setor público. No entanto, o oposto também pôde ser observado na relação entre as políticas públicas de governança de Barack Obama e a criação da rede cidadã norte-americana Our City, mostrando uma inovação social que partiu de um cenário previamente fortalecido pelo setor público. No Brasil, tais investimentos públicos no movimento maker já iniciam associados ao objetivo da criação e proposta de soluções para desafios necessariamente relacionados às questões urbanas locais, ou seja, associados à prototipagem urbana. Caberá aos cidadãos, diante deste cenário de ferramentas públicas que serão disponibilizadas, fazer uso do direito de produzir os seus próprios espaços de comunidade. Diante do exposto, foi possível observarmos que, no contexto global, o campo de ação de políticas públicas locais passa por arranjos institucionais com variação dos atores envolvidos e seus respectivos papéis — o que pode revelar indicativos de intensidade da real parceria entre o poder público e os cidadãos na origem da formulação dessas políticas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, Chris. Makers: a nova revolução industrial. Rio de Janeiro: Campus, 2012. ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ASCHER, François. Os novos princípios do urbanismo. São Paulo: Romano Guerra, 2010. FIGUEIREDO, Glória Cecília. O CAU e a farsa corporativa da vinculação exclusiva do urbanismo com a arquitetura. In: Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 128.00, jan. 2011. GAFFTA. UP San Francisco 2012: Festival Recap. 2013. Disponível em: . Acesso em: 30 jul. 2015. HARVEY, David. Espaços de esperança. São Paulo: Loyola, 2005. LEVITAS, Jake. The revolution will be prototyped. 2012. TEDxSoMa, São Francisco, 2012. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. ______. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998. LYDON, Mike; GARCIA, Anthony. Tactical Urbanism: short-term action, long-term change. Washington: Island, 2015. MANZINI, Ezio; STASZOWSKI, Eduardo (org.). Introduction: design schools and the public realm. In: ______. Public and Collaborative: exploring the intersection of design, social innovation and public policy. USA: Desis, 2013. PREFEITURA DE SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Serviços. Fab Lab amplia o programa de inclusão digital na cidade. 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2015. SAFADI, Yara. The Hack-Charrette: design a model for engaging teams in tech innovation. Philadelphia: MiD, 2014. SAN FRANCISCO PLANNING DEPARTAMENT. Living Innovation Zones. 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2015.

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