Prova da disciplina História do Brasil I (diurno), com sugestão de gabarito. 2006.

August 6, 2017 | Autor: Guilherme Luz | Categoria: History, Colonial Brazil
Share Embed


Descrição do Produto

Sugestões de “Gabarito” da Prova (nº. 2) de História do Brasil I – Diurno Prof.: Guilherme Amaral Luz Questão 1 – O Diálogo sobre a conversão do gentio, escrito pelo Pe. Manuel da Nóbrega em meados do século XVI, e o Sermão XIV do Rosário dos Pretos, proferido pelo Pe. Antônio Vieira na primeira metade do século XVII, são paradigmáticos das posições defendidas pela Companhia de Jesus a respeito das possibilidades de salvação dos índios e dos escravos trazidos da África. Com base nesses textos, sistematize os argumentos teológico-políticos da Companhia de Jesus sobre os papéis das formas sociais e políticas da colônia na conversão de indígenas e africanos. A despeito das muitas diferenças de tratamento que os jesuítas deram aos processos de escravização indígena e africana na América portuguesa e apesar da distância de historicidade que separa os textos de Nóbrega e Vieira, muitos são os pontos em comum entre esses dois textos no que se refere à ética missionária que fundamentava os juízos teológico-políticos dos jesuítas sobre a colonização e a conversão. O primeiro ponto que pode ser levantado é sobre a concepção de humanidade implícita nos dois textos. Para os jesuítas, todo ser humano têm as mesmas potências de alma, a saber: memória, vontade e entendimento. Isso quer dizer que, como criaturas divinas, todos os homens são iguais em natureza, participando da possibilidade da salvação. Contudo, os homens diferem em criação, o que se dá aristotelicamente conforme o meio mais ou menos “político” em que vivem. Assim, o desenvolvimento das potencialidades universais da alma é qualitativamente distinto entre os grupos humanos, gerando camadas hierárquicas que vão dos mais civilizados aos mais selvagens e, proporcionalmente, daqueles que estão mais próximos aos que estão mais distantes da “verdade” da Revelação. Um corolário desta concepção de humanidade é o postulado de uma hierarquia de responsabilidades entre os homens para que se alcancem os principais objetivos da existência humana: a salvação. Nesse sentido, os mais “civilizados” (“políticos”) têm uma obrigação caritativa de gerar meios que possibilitem a salvação dos menos “civilizados”. Isso quer dizer, nos séculos XVI e XVII, no contexto da Reforma Católica, que os menos “civilizados” devem ingressar no Corpo Místico da Igreja sob a tutela do Estado e em posições sociais subalternas. A participação no Corpo Místico é condição para o desenvolvimento das potencialidades cristãs de africanos e indígenas. Assim, os padres da Companhia de Jesus reconhecerão na colonização da América pelos portugueses e em instituições como a escravidão a própria ação da providência divina e, logo, sinais da vontade de Deus de salvar africanos e ameríndios através da ação dos portugueses e, em especial, dos missionários jesuítas. Nesse sentido, tanto a tutela dos índios em aldeamentos quanto o cativeiro dos africanos ganham significados providenciais e são vistos como caminhos legítimos de introdução desses homens na promessa da salvação.

Questão 2 – A legislação colonial sobre a questão indígena na América portuguesa define dois tipos de índios com estatutos jurídicos distintos: índios aliados e índios “bravios”. Explique as políticas relativas ao trato com o índio “bravio” e compare as imagens associadas a este tipo de índio na legislação com os juízos negativos

sobre o índio que aparecem no Diálogo sobre a conversão do gentio, do Pe. Manuel da Nóbrega. A legislação colonial sobre a questão indígena define o “índio bravio” em contraposição ao “índio aliado”. Enquanto os aliados eram aqueles que se sujeitavam “voluntariamente” às políticas coloniais, aceitavam sua cristianização e serviam como mão-de-obra e homens de peleja a favor dos portugueses, o “índio bravio” era referido como hostil à presença portuguesa na terra, estorvando as atividades econômicas, lutando ao lado dos inimigos dos portugueses e impedindo a pregação dos missionários. De maneira geral, a legislação tratava o “índio bravio” como um potencial agressor, o que, muitas vezes, poderia justificar monções de “guerras justas” e, por conseqüência, escravização e extermínios. Embora as “gentilidades” e “maus hábitos” indígenas, como a poligamia, a antropofagia, a nudez ou a “feitiçaria” não pudessem justificar “guerras justas” contra os índios, essas práticas eram atribuídas com freqüência ao “índio bravio”, ajudando na sua caracterização como selvagens, bestiais, subumanos, soberbos e ferozes. Tais imagens são as mesmas que aparecem no Diálogo sobre a conversão do gentio, do Pe. Manuel da Nóbrega. No Diálogo, tais imagens aparecem para caracterizar as dificuldades da evangelização dos índios e para indicar sua falta de “polícia”, cuja reversão só poderia se dar através da sujeição do gentio americano às leis e autoridades civis e eclesiásticas.

Questão 3 – Antonil, em Cultura e Opulência do Brasil, lê o momento da busca do ouro das minas do Brasil como uma situação que coloca em risco a saúde moral e econômica do Império português. Interprete as representações que faz da emergente sociedade mineradora no século XVIII, seguindo insights sobre o conceito de representação fornecido por João Adolfo Hansen em seu texto sobre as festas coloniais. Para Antonil, a descoberta das minas de ouro na América portuguesa entre o fim do século XVII e o início do XVIII é entendida como punição divina aos portugueses e um ingrediente capaz de perturbar ou mesmo comprometer o equilíbrio da economia colonial e de todo o Império Ultramarino. A sociedade do ouro, a seu ver, vinha se constituindo rápida e desordenadamente como fruto da cobiça, da luxúria e da vontade de enriquecimento fácil. A forte migração de colonos e escravos para a região das minas comprometia outras economias da colônia (notadamente a economia açucareira), gerava problemas de abastecimento, inflacionava os preços e gerava uma ilusão de riqueza que, contudo, era bastante efêmera. A frágil presença do Estado na região, por sua vez, gerava vazios de autoridade que se preenchiam com disputas locais e grandes discórdias e favorecia a impunidade e a proliferação dos crimes. O enriquecimento dos mineradores, por sua vez, comprometia sua saúde moral, provocando ostentações desmedidas, deslocamentos de valores, devassidão e a dissolução dos limites visíveis da hierarquia social e política. Sendo assim, Antonil representa a sociedade do ouro como o reverso da ordem que a sociedade açucareira representava em termos teológico-políticos. Seus juízos altamente negativos sobre a sociedade que nascia nas minas reforçavam, por inversão, os valores atribuídos à colonização. Nesse sentido, sua representação prescreve modelos de conduta pública e formas de hierarquização social que não são estranhos àqueles que se apresentavam nas festas coloniais segundo a análise de João Adolfo Hansen. Pode-se,

assim, dizer que a imagem da sociedade do ouro fornecida por Antonil sugere uma crise de valores teológico-políticos da colonização e, logo, também de sua autorepresentação.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.