Psicologia dos Comportamentos Online (já saiu, está nas bancas)

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Introdução

Em 2008 encomendei para a biblioteca da instituição onde trabalho o Oxford Handbook of Internet Psychology, publicado em 2007. Como qualquer bom manual aborda as várias temáticas dos comportamentos online e os resultados mais conclusivos da investigação realizada até à data de publicação. Este trata, entre outros tópicos, das redes sociais e das comunidades online, da comunicação mediada por computador (CMC) e da construção de identidades sociais, do problema da confiança nas relações mediadas por computador, da expressão e autorrevelação do ‘eu’ na Internet, do engano online ou porque mentem as pessoas na Internet. Como a minha formação de base é em psicologia, estes assuntos começaram a interessar-me cada vez mais e procurarei informar-me sobre estes e tópicos afins como, por exemplo: o que leva a maioria das pessoas a sentirem-se atraídas por estabelecer relações de amizade, amorosas e de trabalho online? Como gerem estas relações? Que ligações existem entre o online e o presencial? Que papel desempenham as redes sociais na socialização dos jovens (e adultos)? Que contributos dão para a construção da identidade pessoal? Como se expressam as emoções online? A revisão da literatura que fui fazendo levaram-me a descobrir uma nova realidade que, em muitos casos, não é compreendida por grande parte das pessoas, mesmo de aquelas que usam estes meios para se relacionar. Algumas desconhecem que a sua privacidade pode ser violada, que podem ser prejudicadas na sua vida pessoal e profissional, que o que se coloca online tem tendência e ficar registado para sempre. Outros têm comportamentos que não seriam permitidos no mundo presencial ou se o fossem seriam considerados prejudiciais à sociedade ou mesmo criminosos. Outros descobrem facetas de si-próprios que desconheciam. Este livro tem como objetivo proporcionar aos leitores uma visão abrangente sobre a sociedade em rede em Portugal: Que tipos de comportamentos adotam as crianças e jovens portugueses quando usam a Internet e como percecionam os pais estes comportamentos? O que se passa com os comportamentos indesejáveis feitos online pelos adolescentes portugueses, como o cyberbullying? Como exprimem e gerem as emoções os adultos que fazem cursos de formação a distância? Como se caracterizam os novos casos que chegam aos consultórios de psicólogos, que procuram apoio por comportamentos tidos online ou que foram divulgados na rede?

Este livro tem ainda o contributo de investigadores internacionais que abordam assuntos como: a expressão do ‘eu’ online, as dimensões psicológicas da ação coletiva e o engano e a mentira nas relações online.

Sabemos que, como em quase todos os assuntos, existem os otimistas e entusiastas das redes e das relações online, os indiferentes, os pessimistas e os realistas. Do que tenho observado, grande parte dos jovens são otimistas, pois encontram mais vantagens do que desvantagens no uso da Internet e sobretudo das redes sociais. Ver a este propósito o interessante e ilustrativo livro de danah boyd “It’s complicated: The social lifes of networked teens”, publicado no início de 2014, já traduzido para português. Muitos adultos, porque desconhecem grande parte do que se passa nesses ambientes, são pessimistas e vêm mais os perigos e as desvantagens, havendo mesmo alguns que, pouco ou nada utilizadores, tomam a árvore pela floresta e emitem juízos pejorativos e por vezes mesmo insultuosos face aos que as usam. Existem ainda os indiferentes, i.e., os que tanto lhes faz: não emitem juízos, não usam ou usam pouco estes meios de informação e comunicação. Por fim temos os realistas que adotam uma atitude de ‘envolvimento distanciado’, de procura de compreensão destes novos fenómenos sociais que têm repercussões na psicologia dos seres humanos e que são por ela moldados. Têm uma atitude mais consonante com a investigação, i.e., tentam estudar para descrever e explicar estes comportamentos e se possível compreendê-los, elaborando teorias que quebrem com o senso-comum. Este livro é um contributo nesse sentido e integra oito capítulos. No primeiro, Gustavo Cardoso e Tiago Lapa dão-nos uma visão abrangente do que se alterou na vida social e psicológica dos seres humanos com o surgimento da Internet. Analisam ainda como a investigação multidisciplinar sobre estes fenómenos se foi gradualmente desviando do ter como centro da pesquisa a tecnologia em si e seus efeitos na vida humana, para se preocupar com o modo como os seres humanos a usam e modelam o seu uso às suas motivações e interesses, sejam eles económicos, financeiros, sociais ou emocionais. Ou como referem os autores “De um modo geral, os Estudos da Internet têm vindo a contextualizar esta nova tecnologia, considerando os antecedentes históricos, económicos e culturais específicos a cada sociedade, na pesquisa do seu desenvolvimento, disseminação e apropriação social”

No capítulo 2, Cristina Ponte e José Alberto Simões, tendo como base os dados mais recentes recolhidos junto de crianças e jovens portugueses dos 9 aos 16 anos de idade, dão-nos a conhecer os seus hábitos digitais e a importância da Internet e das tecnologias móveis na socialização e na construção da identidade. Ou nas palavras dos autores “Com base em investigação europeia sobre acessos, usos e perspetivas de riscos e de oportunidades da Internet por parte de crianças e adolescentes (9-16 anos), o propósito deste capítulo é dar a conhecer comportamentos digitais de crianças e adolescentes portugueses, o que têm de particular e de semelhante a outros países, tanto no que se refere ao seu acesso como nos usos da Internet para diversas finalidades, entre as quais as vivências nas redes sociais” No capítulo 3, João Amado e Armanda Matos, abordam o problema do cyberbulling, comparando-o com o do bullying, descrevendo as suas principais diferenças e analisando as manifestações do primeiro. Evidenciam ainda as principais conclusões da investigação sobre estes fenómenos, comparando os resultados de pesquisas internacionais com os de investigações nacionais, mormente uma em que ambos estão envolvidos. Por fim referem o que se pode fazer para prevenir este problema e intervir junto da família, da escola e das crianças e jovens tendo em vista diminuir ou mesmo ‘abolir’ estes comportamentos antissociais. No capítulo 4, Ana Runa e Guilhermina Lobato Miranda, abordam diferentes teorias e resultados da investigação sobre as emoções humanas e ainda os resultados mais conclusivos sobre a expressão das emoções na comunicação mediada por computador (CMC). Depois descrevem uma investigação sobre a expressão das emoções online, desenvolvida no âmbito das provas de doutoramento da primeira autora, junto de uma amostra de estudantes adultos portugueses que frequentavam cursos em regime de blearning. Referem o problema e as questões que orientaram a pesquisa empírica, o método e os instrumentos de recolha e análise dos dados e por fim os resultados mais importantes, interpretados à luz da revisão teórica realizada. No capítulo 5, Telmo Batista, dá-nos a conhecer as ‘vozes’ de alguns homens e mulheres que procuram o seu apoio psicológico em consultas de psicoterapia, motivados por ‘perda de confiança’, ‘mentira’, ‘denúncia’ e ‘chantagem’ decorrentes de mensagens ou imagens encontradas nos dispositivos móveis dos seus atuais parceiros. No capítulo 6, escrito por Jeffrey T. Hancock, estes problemas singulares são descritos numa perspetiva mais abrangente. O autor diz que a deceção é um dos fenómenos mais significativos e generalizados do nosso tempo e que alguns estudos

sugerem que as pessoas, em média, dizem uma a duas mentiras por dia, que podem oscilar entre a pouca e a muita importância. Outro fenómeno muito generalizado é o uso da comunicação mediada por computador. Daí que seja natural que as pessoas usem os novos meios tecnológicos para fazer o que já faziam antes: mentir. Mas como se caracteriza este fenómeno da ‘deceção digital’? O que o distingue da deceção presencial? Por exemplo, será que Internet pode facilitar a deceção através da manipulação da identidade? Mentimos mais em presença ou através de certos meios de comunicação? Como detetamos as mentiras? Será mais fácil identificar mentiras feitas em presença ou online? Estas são algumas das questões a que este capítulo tenta dar resposta. Mas nem tudo é negativo na comunicação mediada por computador. No capítulo 7, Katelyn McKenna explica como o uso da Internet pode facilitar a expressão do ‘verdadeiro eu’, devido ao anonimato e à ausência da presença física. A apresentação do ‘eu’ tem dimensões conscientes e outras automáticas, facetas privadas e públicas, que podem ser manipuladas pelo próprio e que vão afetar a perceção que os outros vão formar de nós. Segundo esta autora a Internet pode facilitar, em certas condições, a exploração e expressão das dimensões mais profundas do ‘eu’, que Carl Rogers designou de ‘verdadeiro eu’. Por fim, no capítulo 8, Tom Postmes analisa as dimensões psicológicas da ação coletiva, começando por referir as perspetivas clássicas sobre o surgimento de ‘multidões’ e os efeitos sociais da comunicação mediada por computador. Depois identifica os processos chave envolvidos na ação coletiva: o sentido de injustiça, o sentido de eficácia e o sentimento de uma identidade social partilhada e como a Internet alterou estes processos, embora de uma forma não radical mas adaptada às limitações e sobretudo possibilidades oferecidas por este novo meio de partilha de informação e de comunicação a distância.

Esperamos que após a leitura de todos ou alguns dos capítulos, os leitores sintam que ficaram mais informados sobre o mundo das relações online, entendam melhor as vantagens e desvantagens do uso da Internet e das redes sociais, sabendo que, como refere Postman (2002) “… a tecnologia cria novos mundos, para bem e para o mal” e que não interessa ser-se “contra a tecnologia, como não faz sentido ser-se ‘contra a comida’, visto que não podemos viver sem qualquer uma delas” (p. 219). Mas esta atitude não significa que toda a comida e todos os hábitos alimentares sejam bons e, do mesmo modo, de que todas as tecnologias e todos os hábitos de consumo e uso das tecnologias sejam

adequados. Interessa analisar as mudanças provocadas pelas tecnologias digitais na vida social e psicológica dos seres humanos com um olhar crítico e analítico. E embora nunca nenhuma sociedade se tenha oposto à introdução dos avanços técnicos produzidos pelas sociedades mais desenvolvidas, a não ser em casos hoje remanescentes motivados pela oposição frontal de ideologias, poderá acontecer que se esteja a fazer a transição de uma ‘sociedade sólida’, construída com base em modelos económicos, sociais e de relacionamento interpessoal e amoroso que perduravam no tempo e se desejavam estáveis, para uma ‘sociedade líquida’, onde o que se valoriza são os estados fluidos, transitórios e flexíveis, pouco estáveis e duradouros, como tão bem têm vindo a analisar Zygmunt Bauman (2006, 2007) e Richard Sennett (2007, 2009) nas suas obras.

Referências Bauman, Z. (2006). Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. (C. A. Medeiros Trad.). Lisboa: Relógio d’Água Editores (Obra original publicada em 2003). Bauman, Z. (2007). Liquid times. Living in a age of uncertainity. Cambridge, UK: Polity Press. boyd. d. (2014). It’s complicated. The social lives of networked teens. USA: Yale University Press. Joinson, A., McKenna, K., Postmes, T., & Reips, U-D (Ed.) (2007). Oxford handbook of Internet Psychology. Oxford: Oxford University Press. Postman, N. (2002). O fim da educação: Redefinindo o valor da escola. (C. Alcobia, Trad.). Relógio d’Água Editores (Obra original publicada em 1995). Sennett, R. (2007). A cultura do novo capitalismo. (C. C. M. Oliveira Trad.). Lisboa: Relógio d’Água Editores Sennett, R. (2009) A corrosão do carácter. Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo (14.ª ed.) (M. Santarrita, Trad.). Rio de Janeiro: Editora Record (Obra original publicada em 1998). Lisboa, 1 setembro de 2014 Guilhermina Lobato Miranda

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