Psicopatologia da Ansiedade (revisado e atualizado)

August 28, 2017 | Autor: Hélio Tonelli | Categoria: Anxiety Disorders, Anxiety, Ansiedade
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Psicopatologia da Ansiedade

Psicopatologia da Ansiedade Hélio Tonelli Profissionais de saúde mental estão acostumados a ouvir seus pacientes dizerem que estão ansiosos. Como a ansiedade é um fenômeno que acontece tanto em pessoas saudáveis quanto em portadores de transtornos mentais, onde ela pode, ainda, apresentar-se clinicamente de formas distintas, é fundamental que estes técnicos estejam aptos a identificar com precisão todas as suas características. Pacientes também costumam dizer que se sentem “estressados” e que, por conta do “estresse”, têm múltiplas queixas de ordem mental e física. Às vezes é complicado diferenciar estresse de ansiedade, na medida em que são termos ambíguos, levando a confusões semânticas 1

. Estresse e ansiedade ocorrem em um continuum e são variações de um mesmo

fenômeno, além de componentes de uma mesma resposta 1. O estresse pode ser definido como um estado de tensão emocional ou mental automaticamente deflagrado por condições ambientais adversas; assim, alguém pode desenvolver este estado em razão de problemas de saúde ou de uma relação conjugal problemática, de falta de dinheiro ou de tempo, de excesso de trabalho ou de um chefe excessivamente exigente. Alguns indivíduos podem, inclusive, ficar física ou mentalmente doentes em razão destes estressores, mas nem todos, pois existe uma grande variabilidade individual na tolerância ao estresse. De fato, o estresse – particularmente o de grande intensidade, deflagrado por situações extremas como guerras, catástrofes ou sequestros – pode desencadear transtornos psiquiátricos, como o transtorno do estresse pós-traumático (ou TEPT) ou a depressão em indivíduos susceptíveis, embora ele mesmo não seja considerado um transtorno psiquiátrico. O termo ansiedade, por sua vez, designa um conjunto mais específico de respostas mentais ou psicológicas 1, vivenciadas com a qualidade subjetiva do medo e direcionadas para o futuro 2. Elas costumam ser descritas pelos pacientes como nervosismo, insegurança, temor, inquietação, estresse ou tensão. Apesar de seu caráter predominantemente emocional, a ansiedade cursa com diversas manifestações somáticas autonômicas, musculares, cenestésicas e respiratórias, resumidas no quadro 1. Além disso, a ansiedade é acompanhada de preocupações características, que distinguem o domínio cognitivo da ansiedade. De fato, cada transtorno ansioso parece ter um set mais ou menos definido e típico de preocupações. Pessoas sofrendo de 1

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Transtorno de Ansiedade Generalizada (ou TAG) são continuamente perturbadas por ideias de um futuro e de um mundo potencialmente perigosos em que, mais cedo ou mais tarde, acontecerá uma catástrofe; muitos daqueles que já tiveram um ataque de pânico desenvolvem apreensões a respeito do risco de terem outros ataques em situações onde não poderão ser prontamente atendidos; fóbicos sociais estão sempre pensando nas avaliações negativas que outras pessoas podem estar fazendo delas e indivíduos obsessivos sofrem continuamente com pensamentos intrusivos cujos conteúdos execráveis parecem não terem sido pensados por eles. Veremos que, segundo visões neuropsicológicas atuais, estes pensamentos constituem esquemas cognitivos deflagrados pela ansiedade, juntamente de outras ações automáticas, como a atitude de “congelamento” ou freezing e o comportamento de luta ou fuga (fight or flight).

Quadro 1: Principais manifestações clínicas da ansiedade

Somáticas Autonômicas: taquicardia, suor, aumento do peristaltismo, taquipnéia, midríase, piloereção. Musculares: dores, contraturas, tremores. Respiratórias: falta de ar, sensação de afogamento e de sufocação. Cenestésicas: parestesias, calafrios, amortecimentos. Psíquicas Tensão, nervosismo, apreensão, mal estar indefinido, insegurança, dificuldade de concentração, sensação de estranheza ou despersonalização/desrealização.

Nem toda a ansiedade é patológica. Alguma ansiedade é necessária para a vida. Se, por exemplo, não somos capazes de antecipar mentalmente as consequências de deixarmos de estudar para uma prova ou de não chegarmos na hora certa para o trabalho, possivelmente não nos moveremos para a realização destas obrigações e teremos de sofrer as consequências disso. E tais consequências costumam ser piores do que o sacrifício de fazermos o que é preciso, quando desejamos fazer o que queremos. A ansiedade fisiológica nos permite vencer este obstáculo. Ao nos preocupamos com o que temos de fazer no dia seguinte, geramos um estado emocional que propicia que nos organizemos para cumprir esta agenda. Todavia, algumas pessoas acabam desenvolvendo quadros onde existe um excesso de ansiedade, seja na forma de preocupações exageradas, seja na forma de medos desproporcionais, por exemplo.

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Dizemos que elas têm transtornos ansiosos, que são clinicamente caracterizados por diferentes tipos de ansiedade patológica. Diferenciamos a ansiedade normal – ou fisiológica – da patológica observando sua intensidade, duração, frequência e o quanto ela interfere no desempenho do indivíduo. Sujeitos patologicamente ansiosos têm ansiedades muito mais intensas do que se espera da maioria das pessoas em condições semelhantes. Indivíduos fóbicos sociais têm um desconforto maior que a média em contextos sociais. Por exemplo, numa festa em que não conhecem muito bem os outros convidados, eles são muito mais sensíveis aos sinais emocionais, físicos e cognitivos da ansiedade gerada em suas mentes por esta situação. Da mesma forma, a duração deste desconforto também é maior do que a que se observa em indivíduos saudáveis. Portanto, embora seja normal para pessoas mentalmente saudáveis não se sentirem imediatamente à vontade em ambientes onde não conhecem bem as outras pessoas, com o passar do tempo este incomodo inicial costuma melhorar. Fóbicos sociais podem ficar prolongadamente aflitos em situações como estas, sentindo-se incapazes de aliviar a tensão através da socialização, a ponto de passarem a evitá-las, o que interfere em seu desempenho social, com consequências potencialmente sérias para suas vidas. Imagine o impacto da ansiedade social na vida de um adolescente fóbico, em termos de prejuízos na construção de suas relações sociais e afetivas. Ou da fobia de voar na carreira de um homem de negócios do qual se exige uma extensa agenda de viagens internacionais. Da mesma forma, indivíduos sofrendo de TAG também padecem dos efeitos de viverem cronicamente tensos, preocupados, apreensivos e consequentemente irritados. É normal que se queixem de não conseguirem se concentrar no trabalho, bem como de serem incapazes de relaxar quando isso é possível e de terem ficado com fama de “estressados”, “chatos”, “medrosos”, “pessimistas” ou “rabugentos” diante da família e de amigos. Portanto, portadores de transtornos ansiosos sofrem tanto com seus sintomas ansiosos quanto com o estresse crônico causado por eles em suas vidas. O quadro 2 sumariza algumas semelhanças e diferenças clínicas e fisiológicas entre o estresse e a ansiedade. Ambos foram vastamente estudados, quanto aos aspectos físicos, neurológicos e comportamentais subjacentes. O sistema do estresse e sua regulação

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Um sistema do estresse

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integra funções fisiológicas somáticas e neuroquímicas,

envolvendo mecanismos complexos que promovem respostas comportamentais adaptadas às condições ambientais, as quais sofrem frequentes alterações ao longo do tempo.

Quadro 2: Diferenças entre estresse e ansiedade (adaptado de Bystritsky e Kronemyer, 2014)

Estresse

Ansiedade

Sintomas

Aumento da tensão e da excitabilidade.

Apreensão, medo e vigilância. Expectativa de uma ameaça. Sentimentos são, em sua essência, baseados no medo.

Sistema Nervoso Autônomo

Aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, taquipnéia, tensão muscular.

Palpitações, respiração irregular, aumento da pressão arterial, tensão muscular.

Sistema Nervoso Central

Regiões envolvidas incluem o hipotálamo anterior, ínsula, córtex órbitofrontal, partes rostrais do córtex cingulado anterior, córtex pré-frontal dorsomedial e córtex somatomotor.

Amígdala e sistema límbico, córtex pré-frontal ventromedial, córtex cingulado anterior, gânglios da base, ínsula e córtex órbitofrontal.

Neurotransmissores

Adrenalina, noradrenalina, cortisol e glicocorticoides.

Ácido gamaminobutírico (GABA), serotonina, adrenalina e noradrenalina.

Aspectos neurocognitivos

Inicia-se como uma adaptação automática ao meio ambiente, em seguida passa a ter um viés cognitivo e a ser uma resposta integral do cérebro aos eventos deflagradores. Esta resposta permite apreciação e reações, a fim de adequar a resposta comportamental.

O estresse pode gerar uma resposta de alta instabilidade e ativação, interpretada como ansiedade quando há forte intensidade de alarmes fisiológicos, crenças disfuncionais, emoções desreguladas e estratégias comportamentais pouco adaptativas.

Comportamentos

A resposta se segue a uma “provocação” ambiental.

O estresse se combina com variáveis cognitivas e afetivas, sendo interpretado como ansiedade.

Desencadeantes

Na maioria das vezes, eventos do ambiente.

Geralmente representações mentais ou deflagradores condicionados.

Alarmes

Geralmente a partir do eixo

Sistema límbico e sistemas de

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hipotálamo-hipófise-adrenal e ativação do sistema nervoso simpático.

processamento da informação relacionada a ameaças.

Crenças e pensamentos

Só existem quando o estresse é avaliado cognitivamente.

Fortes pensamentos e crenças negativas e catastróficas.

“Estratégias”

Geralmente ajustes automáticos de funções fisiológicas.

Incluem rituais e esquiva.

Um mediador crítico da resposta ao estresse é o Hormônio Liberador de Corticotropina (ou CRH, sigla em inglês para Corticotropin Releasing Hormone), uma substância da família dos peptídeos relacionados ao estresse, liberado pelo hipotálamo, uma região do cérebro muito ativa na resposta emocional ao estresse. Vertebrados mostram uma ampla expressão destas substâncias e de seus receptores no sistema nervoso central e periférico, pois elas são fundamentais para vários processos essenciais à vida, como a reprodução, o comportamento migratório, a metamorfose e outras adaptações críticas a um ambiente em constante mudança. Uma resposta aguda ao estresse envolve a ativação abrupta e autolimitada de uma cascata de eventos em resposta a riscos reais ou percebidos, levando a comportamentos de luta, fuga ou congelamento (fight, flight ou freezing), os quais são recrutados de acordo com a situação; por exemplo, frente à percepção de um predador posicionado à distância, pode ser melhor ficar parado, imóvel, para que ele não perceba sua presença. Por conseguinte, a adoção de uma atitude de imobilidade (“congelamento” ou freezing) pode ser “economicamente” mais vantajosa. Por outro lado, se você está muito próximo do predador, não sendo a fuga possível, um comportamento possível é gesticular bastante os braços e gritar bem alto, de forma a tentar afugentá-lo, na tentativa de, com este repertório comportamental, intimidá-lo por parecer maior e mais feroz do que se é, “dissuadindo-o” de atacar. É importante destacar que todos estes comportamentos são estereotipados e automáticos (ou inconscientes) em seres humanos e em outros mamíferos. Como discutiremos em seguida, a neurociência sugere que eles façam parte de esquemas comportamentais mais ou menos rígidos, deflagrados após a ativação de regiões subcorticais, tendo sido favorecidos pela evolução por produzirem comportamentos adaptados para situações de perigo.

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Por outro lado, um estado crônico de estresse sustenta prolongada e inadequadamente alterações neuro-humorais que incluem liberação de cortisol e ativação mantida do eixo hipotálamo-adrenal-hipófise, além de dessensibilização de sistemas de feedback, gerando elevação adicional de cortisol, down-regulation de receptores adrenérgicos e perda da normalidade do ritmo circadiano. Se estes efeitos se prolongam no tempo, há aumento da susceptibilidade a doenças mentais (particularmente depressão), imunes, metabólicas e cardiovasculares. O hipotálamo regula a liberação de hormônios do estresse pela hipófise, além de controlar o sistema nervoso simpático. O CRH hipotalâmico é liberado pelo núcleo paraventricular do hipotálamo para a hipófise anterior, onde estimula a liberação de adrenocorticotropina (ACTH). O ACTH é um potente estimulador da liberação de glicocorticoides (em humanos, principalmente cortisol) e androgênios pelo córtex das suprarrenais. Em situações de ameaça aguda, o cortisol mobiliza a glicose para uso pelo músculo esquelético nos comportamentos de luta ou fuga, energeticamente dispendiosos. Além do cortisol, as glândulas suprarrenais também liberam adrenalina e noradrenalina – substâncias produzidas na medula destas glândulas –, que mantém o estado de excitação necessária para responder aos estímulos estressantes. Os glicocorticoides também regulam a quantidade de CRH através de suas ações em receptores localizados na hipófise e no hipotálamo, que, por feedback negativo, inibem a liberação do CRH e, em consequência, diminuem a resposta humoral ao estresse. Estressores persistentes podem comprometer este feedback. Sabe-se que o estresse crônico promove liberação sustentada de cortisol, com impactos negativos sobre o tecido cerebral, associados ao comprometimento da produção de uma série de fatores de crescimento, como o BDNF (Brain-Derived Neurotrophic Factor) e prejuízos à plasticidade neuronal. Esta é uma das principais razões pelas quais os psiquiatras acreditam que a ansiedade patológica deva ser tratada. Além de ser um sintoma desagradável e potencialmente incapacitante, a ansiedade contínua age como um agressor, ativando prolongadamente o sistema do estresse, levando à liberação inadequada de cortisol, que, em longo prazo, é neurotóxico. Teorias neuropsicológicas sobre estresse e ansiedade As concepções contemporâneas de estresse e de ansiedade têm suas origens com as hipóteses de William James e de Carl Lange 4. Em 1884 William James rejeitou a visão 6

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tradicional de que as emoções são disparadas pela atividade cognitiva e, junto de Lange propôs uma hipótese alternativa, a de que a experiência consciente de uma emoção ocorre somente depois que o córtex recebe sinais comunicando sobre as mudanças fisiológicas deflagradas pelo evento estressante. Portanto, de acordo com este modelo, as emoções deflagram respostas cognitivas à informação que vem da periferia, mas não se resumem a estas respostas. Mais tarde, ao estudar as reações periféricas a intensas emoções, Walter Canon propôs que elas disparam uma “reação” de luta ou fuga em antecipação a respostas comportamentais adicionais, a qual seria mediada pelo sistema nervoso simpático. Junto de Philip Bard, Cannon sugeriu que o hipotálamo e o tálamo teriam um papel fundamental na regulação emocional, incluindo a recepção dos sinais da periferia e o abastecimento do córtex com informações requeridas para o processamento cognitivo das emoções 4. A Teoria de James-Lange foi refinada por Stanley Schachter, que sugeriu que o córtex realmente constrói a emoção a partir de sinais recebidos da periferia, mas que a “resposta cognitiva” cortical é consistente com as expectativas e com o contexto. Muitos autores contemporâneos complementaram ainda mais este modelo, em que a “identificação” e a “interpretação” do medo e outras emoções por estruturas filogeneticamente mais recentes seria requerida para que possamos apreciá-lo cognitivamente, na forma de “sentimentos”. Estudos conduzidos por Joseph LeDoux, Michael Davis e Michael Fanslow 4 indicam, ainda, que existe uma avaliação inconsciente da significância emocional de um evento, a qual já se inicia antes de seu processamento cognitivo, bem como que existam sistemas separados de armazenamento destes diferentes tipos de informação. Assim, a observação de que danos à amígdala comprometem a capacidade de um estímulo desencadear uma resposta emocional inconsciente, enquanto que lesões hipocampais afetam os comemorativos cognitivos da emoção levou a hipóteses de que estas estruturas medeiam diferentes tipos respostas ao medo. Estudos de medo condicionado realizados nas últimas décadas demonstraram que a amígdala está criticamente envolvida com a formação, consolidação e recuperação da memória associativa do medo, apesar de outras estruturas cerebrais também participarem deste processo, como o córtex do cíngulo, o hipocampo, a ínsula e o córtex pré-frontal ventromedial 5. Modelos mais modernos sugerem que a ansiedade faça parte da “caixa de ferramentas” com que chegamos ao mundo 6, isto é, já nascemos com capacidades inatas de sentir medo, as quais vão se sofisticando com o passar do tempo. Antônio 7

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Damásio afirma que emoções são programas automáticos de ações configurados pela evolução 7. Embora reconheça que estas ações possam ser complementadas por esquemas cognitivos, este autor afirma que o “mundo das emoções” compõe-se predominantemente de ações corporais, como alterações da postura e da expressão facial, além de alterações viscerais e da composição do meio interno. Para Damásio, as percepções de tais ações e mudanças deflagradas pelas emoções constituem os sentimentos. Sentimentos seriam as “imagens” ou “mapas” de todas as ações geradas pelas emoções e não as ações em si mesmas. Portanto, a ativação de determinadas regiões cerebrais, como a amígdala, gera um estado emocional, com todas as suas características de processamento mental automático. No caso do medo, todas as alterações físicas oriundas da ação do sistema nervoso autônomo e cognições específicas, distinguindo um verdadeiro “estilo” de processamento mental. O aprendizado permite associações de diferentes estímulos, que antes não provocavam uma resposta ansiosa, os quais passam, por exemplo, através da memória ou do condicionamento, a gerar uma resposta de medo. A conexão desta resposta a um objeto – externo ou interno – gera um sentimento. Por exemplo, o encontro com uma fera deflagra uma resposta emocional, composta pelas alterações centrais e periféricas decorrentes da ativação de estruturas como a amígdala e todas as suas consequências corporais. Esta resposta não é calculada, mas automática, incluindo não apenas aumento da frequência cardíaca, melhora das condições de irrigação da musculatura esquelética, midríase e outras alterações simpáticas, mas também esquemas altamente específicos de comportamento, como atitudes de luta ou fuga. Cognições características podem ser desencadeadas por estas emoções, mas elas são fortemente relacionadas ao estímulo deflagrador do medo. Quando percebemos – ou fazemos uma imagem ou mapa mental – de toda esta resposta somática, mental e comportamental, estamos construindo um sentimento correlacionado. Algumas regiões do cérebro envolvem-se com a construção de sentimentos, como o córtex da ínsula posterior e os córtices somatossensoriais. O neurocientista Jaak Panksepp

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propõe uma visão contrária à proposta por

vários autores, os quais tendem a valorizar a supremacia do neocórtex – a parte do córtex cerebral filogeneticamente mais recente – na construção do sentimento de ansiedade (e de outros sentimentos). Seu modelo – chamado de “neurociência afetiva” – sugere que existam “sistemas” cerebrais ancestrais gerando inputs de “paixões ancestrais” ao neocórtex. Panksepp afirma que compartilhamos destes sistemas com 8

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outros mamíferos e que estes circuitos constituem a base de nossa vida emocional, controlando tipos distintos de comportamentos associados a múltiplas alterações fisiológicas, que, muitas vezes, se sobrepõem. Este autor acrescenta, ainda, que tais sistemas geram diferentes tipos de “consciência afetiva”, na medida em que, quando estimulados pelo ambiente, acabam por gerar memórias, sentimentos, pensamentos e comportamentos peculiares. Os sete sistemas emocionais ou afetivos de Panksepp – descritos pelo próprio autor em letras maiúsculas – incluem os sistemas de procura ou expectativa (SEEKING), medo ou ansiedade (FEAR), raiva (RAGE), desejo ou excitação sexual (LUST), cuidado (CARE), pânico ou tristeza (GRIEF) e brincar (PLAY). Os circuitos afetivos de Panksepp estão concentrados em regiões cerebrais mediais e ventrais, filogeneticamente mais antigas, estendendo-se do mesencéfalo, especialmente de uma região denominada matéria cinzenta periaquedutal (ou MCP) e do hipotálamo e tálamo medial, para regiões mais cerebrais mais altas, conhecidas como o sistema límbico, bem como para regiões corticais frontais mediais e ventrais (as quais controlam a reatividade emocional). Panksepp defende a ideia de que ansiedade é gerada pelo sistema FEAR, localizado em regiões filogeneticamente antigas do cérebro e que abrangem a amígdala, o hipotálamo anterior e medial e a MCP. Ao contrário do que diz nossa experiência subjetiva, que parece nos garantir que primeiro temos de reconhecer um estímulo ansiogênico, tomar consciência dele, para então respondermos com os comportamentos de medo, Panksepp afirma que o medo e a ansiedade são inatos, causados pela excitação das estruturas filogeneticamente antigas que compõem o sistema FEAR. Ele argumenta que, se estimularmos eletricamente estas regiões em animais e em humanos, respostas típicas de medo são invariavelmente apresentadas, mesmo quando não há um estímulo gerador de medo no ambiente. Ao contrário, se estas regiões forem lesadas cirurgicamente, animais e humanos se tornam anormalmente calmos. Para Panksepp, as muitas formas de expressões instintuais ou não condicionadas de medo emergem diretamente do sistema FEAR, cuja ativação experimental em humanos dispara cenários de medo no córtex, as quais se baseiam em ocorrências reais do passado ou em estórias previamente ouvidas. Além da capacidade de sentirmos medo instintual ou não condicionado, nós e outros animais facilmente passamos a ter medo de uma ampla variedade de estímulos contextuais que estão presentes em experiências condicionadoras, isto é, aprendemos a 9

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ter medo de coisas novas (medo condicionado), e de associar eventos ambientais a riscos potenciais, isto é, passamos a prever a aproximação de ameaças. Assim, ratos de laboratório não só aprendem a temer sons ou luzes apresentados pouco antes de choques, como também aprendem a ter medo do odor do pesquisador que conduziu a experiência. Clinicamente, pessoas sofrendo de transtornos ansiosos desenvolvem medos condicionados: por exemplo, pacientes portadores de Transtorno de Pânico podem desenvolver sintomas ansiosos ao se aproximarem dos lugares onde já tiveram um ataque de pânico, um fenômeno denominado esquiva condicionada de lugar, estudado em animais experimentais, os quais passam a evitar a permanência em locais onde receberam estimulação do sistema FEAR. Boa parte da pesquisa neurocientífica sobre transtornos ansiosos tem como foco a capacidade de aprender – ou a de memorizar – sobre o medo. Portanto, aquilo que pesquisadores chamam de memória associativa do medo seria a raiz dos transtornos ansiosos, apesar destes transtornos não serem, em essência, somente a memória do medo, mas a persistência e a extensa generalização do medo a novos estímulos e contextos 5. Classificação clínica e fenomenologia da ansiedade Diferentes termos e expressões costumam ser usados pelos psiquiatras e psicólogos para descreverem os fenômenos ansiosos. Quando empregados precisamente, eles facilitam o diagnóstico e a comunicação entre os profissionais. Na imensa maioria das vezes os pacientes usarão termos inespecíficos; cabe ao profissional, através da entrevista e do exame do estado mental, encontrar a melhor definição clínica para uma queixa ansiosa, o que exige uma escuta atenta. Por exemplo, pacientes utilizam a expressão “pânico” de acordo com o léxico de sua psicologia intuitiva, isto é, ao lançarem mão desta expressão para descrever seu sofrimento, podem estar querendo se referir a um estado de grande pavor ou medo, ou a experiências psíquicas não ansiosas e, portanto, não necessariamente a um ataque de pânico. Muitos pacientes depressivos dizem que têm “pânico de pessoas” ou “fobia social” ao descreverem seus fortes desejos de isolamento social, muito comuns em depressões onde há importante anedonia (ou incapacidade de sentir prazer). Reconhecer precisamente os fenômenos ansiosos do ponto de vista clínico é fundamental para o diagnóstico das síndromes ansiosas, cujo tratamento pode ser muito distinto entre si.

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Alguns termos técnicos identificam fenômenos mais ou menos específicos auxiliando no raciocínio diagnóstico. Ansiedade episódica é um tipo de ansiedade costumeiramente associada a situações desencadeadoras. Assim, episódios de ansiedade podem acontecer em quadros fóbicos, no momento da exposição a um estímulo fóbico, ou quando um portador de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) se sente impedido de realizar um ritual. Mas também pode acometer pacientes deprimidos com severas ruminações de menos-valia e desesperança, ou pacientes psicóticos agudamente delirantes ou apresentando alucinose importante. Já a ansiedade livre flutuante não tem um fator motivador ou desencadeador. Não é, portanto, possível identificar um fator especificamente ligado a ela, que é comum em quadros depressivos ansiosos e em quadros psicóticos agudos. A ansiedade fásica ou paroxística é característica dos ataques (ou paroxismos) de pânico: repentina, intensa, às vezes espontânea, de curta duração, com múltiplas queixas somáticas e um intenso medo de perder o controle ou sensação de morte iminente. Em estudos experimentais, ela parece equivaler ao tipo de ansiedade desencadeada por ameaças imediatas, caracterizando-se por comportamentos defensivos de luta ou fuga bem estudados através do condicionamento por pistas. Neste tipo de condicionamento, uma associação entre um estímulo condicionado, por exemplo, uma luz ou som, é pareado a um estímulo não condicionado, como a dor, fazendo com que o animal desenvolva medo da luz ou do som, pois eles passam a ser preditivos (pistas) de risco 5. A ansiedade tônica ocorre em quadros onde existe um tônus ansioso, ou seja, um estado contínuo de ansiedade, característico do TAG. Este tipo de ansiedade ocorre em estudos de condicionamento contexto dependente, em que são apresentadas pistas mais difusas ou incertas de risco aos animais experimentais, desenvolvendo neles condições de medo sustentado 5. Todavia, apesar de parecerem fenômenos bem delimitados experimentalmente, ansiedade tônica e ansiedade paroxística estão presentes de forma variável em todos os transtornos ansiosos. Por exemplo, pessoas que sofrem de transtorno de pânico costumam ter paroxismos de ansiedade, mas elas também tendem a sustentar um estado ansioso contínuo na medida em que estão sempre receosas de que podem ter um ataque de pânico. Muitos clínicos ainda empregam os termos ansiedade neurótica e ansiedade psicótica para se referirem, respectivamente, à ansiedade presente em transtornos antigamente classificados como neuróticos (um termo atualmente impreciso englobando muitos transtornos relacionados ao estresse, mas que cursam sem sintomas psicóticos, 11

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como delírios e alucinações) e em transtornos psicóticos, como a esquizofrenia, a paranoia e a depressão psicótica. Sugere-se que, por aparecerem em condições clínicas tão distintas e sabidamente relacionadas a problemas em sistemas muito diferentes de neurotransmissão, ansiedade neurótica e ansiedade psicótica possam ter origens neurobiológicas diferentes. Outra nomenclatura diz respeito à etiologia da ansiedade; assim, ansiedade orgânica é o termo que designa os quadros ansiosos que têm sua origem em doenças clínicas de base, como a anemia, a asma brônquica, a intoxicação por drogas e o hipertireoidismo (e que são resumidas no quadro 3). Sempre que um paciente ansioso for avaliado é fundamental que causas orgânicas de ansiedade sejam descartadas. É importante notar que os conceitos psicopatológicos são dinâmicos e vão sendo continuamente reformulados ao longo do tempo, na medida em que a pesquisa científica evolui e agrega mais informação a respeito da fenomenologia da ansiedade, o que acaba por facilitar a identificação de casos novos. Por exemplo, por muito tempo o TOC foi considerado um transtorno raro, até que estudos epidemiológicos bem conduzidos, realizados com melhor caracterização psicopatológica para este transtorno ansioso, mostraram que se trata de uma condição mais comum que a esquizofrenia 8.

Quadro 3: Causas orgânicas de ansiedade

Hipotiroidismo ou hipertireoidismo Insuficiência cardíaca Arritmias cardíacas Doença pulmonar obstrutiva crônica Pneumonia Hiperventilação Deficiência de vitamina B12 Porfiria Neoplasias Encefalite Embolia pulmonar Feocromocitoma Hiperadrenalismo

A ansiedade pode se apresentar de formas muito diferentes nos diversos transtornos ansiosos. Estes transtornos, sua fenomenologia clínica e critérios diagnósticos são descritos detalhadamente nos manuais classificatórios em psiquiatria, 12

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como a Classificação Internacional das Doenças, 10 ª Edição (CID-10) 9 e o Manual de Diagnóstico e Estatística em Transtornos Mentais, 5ª Edição (DSM-V) 10, cujos critérios e definições podem variar consideravelmente, o que sempre gera alguma discussão. As definições psicopatológicas destes manuais também têm variado com o tempo, pois são continuamente influenciadas pela pesquisa científica, cujos dados adiciona aos critérios. Isso pode modificar as taxas de identificação dos transtornos arrolados, na medida em que em um dado momento estes critérios podem ser mais restritivos e em outro, mais amplos. É sempre importante lembrar que, apesar dos manuais classificatórios e suas progressivas sofisticações ao longo do tempo, identificar transtornos ansiosos (e quaisquer transtornos mentais) é uma atividade muito mais complexa e estimulante do que o mero exercício de enquadrar sinais e sintomas em listas de critérios. Discutiremos a seguir as características clínicas essenciais de cada fenômeno ansioso sem nos determos nos detalhes a respeito da construção destes conceitos ao longo do tempo. Essencialmente, uma fobia é definida como uma sensação de medo persistente e irracional de um objeto específico, atividade ou situação que não oferece perigo real, resultando em comportamento evitativo. Fobias são extraordinariamente comuns, podendo acometer até 60 % da população

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. No entanto a maior parte das fobias

experimentada pelas pessoas é subclínica, na medida em que não causam comprometimento do funcionamento. As principais fobias específicas incluem fobias de animais (cobras, aranhas, ratos, baratas e demais invertebrados), fobia social, fobia dental, fobia de água, fobia de alturas, claustrofobia e um cluster composto de fobias de sangue, feridas e contaminação. Os mecanismos de aquisição de fobias mais populares envolvem o aprendizado através de condicionamento clássico, isto é, uma fobia seria adquirida através da associação de um estímulo não condicionado, uma experiência traumática como a dor, a um estímulo condicionado, por exemplo, o dentista. Contudo, este mecanismo não parece explicar todos os casos, já que nem todo o fóbico viveu – ou se recorda de ter vivido – uma experiência traumática, bem como nem todos os que viveram este tipo de experiência desenvolvem fobias. Alguns autores sugerem que possam existir predisposições evolutivas para as fobias, já que a maioria dos “temas” fóbicos relaciona-se a riscos reais ou ancestrais, como água, alturas e animais peçonhentos. Um dos argumentos favoráveis às teorias evolutivas das fobias reside no fato de que é muito mais difícil condicionar classicamente o medo de coisas que não 13

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tenham significância evolucionária, como armas e automóveis, do que de estímulos que tenham, como serpentes e aranhas. No entanto, apesar de convincentes a priori, estes argumentos falham em explicar, por exemplo, por que não são comuns fobias clinicamente significativas de outros animais que, da mesma forma que animais peçonhentos, foram ameaças reais à vida de nossos ancestrais, como tigres e ursos

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.

Parece mais razoável aceitar que existam múltiplos mecanismos para a aquisição de fobias; assim, muitas fobias de animais, especialmente as de pequenos animais, parecem se relacionar mais ao nojo do que ao medo. O nojo é uma emoção cujo principal papel é evitar a disseminação de doenças e é possível que tenhamos desenvolvido mais fobias de insetos e outros invertebrados por conta de seu conhecido papel como disseminadores de doenças. Da mesma forma, alguns casos de fobias específicas, como as fobias de alturas, de água e claustrofobia parecem ter um forte componente de hipersensibilidade a sensações corporais, que são catastroficamente interpretadas, de maneira muito semelhante ao que acontece no Transtorno de Pânico e que discutiremos logo em seguida. Por exemplo, é comum, quando estamos à beira de uma sacada muito alta, sentirmos uma espécie de vertigem que acaba por nos afastar de aquele lugar. Indivíduos com fobia de altura podem ser ainda mais sensíveis a este tipo de sensação corporal, interpretando-a catastroficamente, o que faz com os torna mais suscetíveis a desenvolverem esquiva de lugares altos. A Fobia Social é um tipo tão corriqueiro de fobia (trata-se do quarto transtorno psiquiátrico mais frequente nos Estados Unidos, atrás apenas da Depressão Maior, transtornos por uso de substâncias e fobias específicas 12), que vale a pena ser estudado de forma mais detalhada. Fenomenologicamente é definida como o medo persistente da avaliação negativa por terceiros; assim, fóbicos sociais temem situações em que se sentiriam envergonhados ou humilhados, as quais podem incluir o receio de expressar sinais de ansiedade, como rubor facial, tensão ou sudorese. Existem dois subtipos de Fobia Social: a Fobia Social Generalizada, que abrange um amplo set de situações sociais temidas, e a Específica, cujos sintomas são circunscritos a determinadas situações, como falar em público. Fóbicos sociais parecem ter processos cognitivos disfuncionais contribuindo para a manutenção dos sintomas, que são ativados em antecipação à exposição a situações sociais. Estes processos incluem crenças de que se comportam de um jeito inaceitável nestas situações; por exemplo, de forma desajeitada, estranha ou ansiosa; além de uma propensão a recordarem de eventos passados 14

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negativos em que se veem agindo inadequadamente, antecipando um desempenho ruim. Estes pacientes tendem a acreditar que estão sendo ostensivamente avaliados e, pior ainda, de acordo com os rígidos critérios que adotam para se autoavaliarem, o que intensifica sua ansiedade. Além disso, fóbicos sociais têm certeza de que os sinais físicos da ansiedade como a tensão muscular, tremores e ruborização são mais salientes e, portanto, “aparecem” mais do que de fato acontece, bem como que estes sinais são muito mais negativamente avaliados pelos outros. Portanto, estes pacientes parecem ter déficits em diversos domínios cognitivos, incluindo a atenção, memória e interpretação. Tais déficits são resumidos no quadro 4. Agorafobia é um temor que muito frequentemente acompanha pacientes portadores de Transtorno do Pânico e consiste da sensação de medo de uma série de situações, as quais são ostensivamente evitadas, como ficar desacompanhado, entrar em determinados locais, abertos ou fechados, ou até de sair da própria casa, normalmente por temores de que neles não poderá ser adequadamente assistido, ou deles não poderá sair, caso se sinta mal, por exemplo, por desenvolver um ataque de pânico. Algumas atitudes comuns em pacientes agorafóbicos incluem evitar saírem de casa ou de saírem desacompanhados de casa ou permanecerem sozinhos em casa, esquiva de elevadores, pontes, viagens aéreas, ferroviárias ou rodoviárias e lugares cheios de gente. Muitos pacientes também temem desenvolver sintomas ansiosos em lugares onde possam ser vistos assim, sentindo-se envergonhados, o que aumenta o risco de comportamento de esquiva.

Quadro 4: Vieses cognitivos na Fobia Social (adaptado de Spokas e cols., 2007) Atenção Maior atenção à informação negativa do ambiente; Maior atenção a si mesmo; Menor probabilidade de levar em conta informações que não confirmem interpretações negativas. Memória Processos mnêmicos são altamente influenciados pela ansiedade fazendo com que haja maior facilidade e probabilidade de uso de memórias relacionadas a avaliações negativas do que positivas. Interpretação Maiores chances de interpretar informação ambígua como negativa; Tendência de interpretar catastroficamente a informação negativa; Falta do viés positivo comum em sujeitos não ansiosos.

15

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Um ataque de pânico se caracteriza por uma crise súbita (ou paroxismo) de ansiedade, acompanhado de vários sinais de hiperatividade autonômica (taquicardia, taquipnéia, desconforto abdominal, tonturas, tremores) e sensação de morte iminente ou de enlouquecimento. Ataques de pânico podem ser espontâneos ou inesperados, isto é, sem um desencadeante identificável (característicos do Transtorno de Pânico); ou situacionais, que, por exemplo, são precipitados em portadores de outras condições psiquiátricas, ansiosas ou não, por estímulos ambientais. Assim, fóbicos sociais podem ter ataques de pânico quando expostos às situações sociais que tanto temem, pacientes depressivos podem desenvolver sintomas pânico-like associados às suas ruminações niilistas ou de ruína, e até mesmo indivíduos sofrendo de esquizofrenia podem experimentar tais crises súbitas de ansiedade. Disto decorre que a ocorrência de ataques de pânico não implica, necessariamente, em um diagnóstico de Transtorno de Pânico. Um ataque de pânico pode ser considerado, do ponto de vista psiquiátrico, um sintoma inespecífico, que pode ocorrer em uma série de transtornos mentais. A etiologia precisa do Transtorno de Pânico ainda é desconhecida, mas evidências sugerem que nestes pacientes os ataques surgem ou são piorados a partir da interpretação errônea e catastrófica de sensações corporais

13

. Por exemplo, após uma

discussão com um colega de trabalho, um paciente sente um aumento da frequência cardíaca, que, apesar de uma ocorrência corriqueira em situações como esta, é interpretada erroneamente como o sinal de uma patologia cardíaca. Isso gera uma ativação de circuitos geradores de ansiedade, os quais, por sua vez, aumentam a intensidade das palpitações e favorecem outros sintomas, como sudorese, tontura, que agora passam a ser catastroficamente interpretados, aumentando ainda mais a magnitude da ansiedade e propiciando aos ataques de pânico. De fato, pacientes com Transtorno de Pânico parecem superestimar os riscos destas sensações corporais e sustentam falsas crenças disfuncionais a respeito delas. O círculo vicioso do pânico disparado por estas interpretações errôneas parece acontecer de forma automática, tanto após um “gatilho” contextual – por exemplo, uma desrealização induzida por fadiga – quanto por conta das falsas crenças em si. Em razão disso, portadores de Transtorno de Pânico apresentam diversos vieses cognitivos, como a tendência à hipervigilância para sensações corporais, particularmente palpitações, tonturas, desrealizações e demais sintomas vistos pelos pacientes como “perigosos” 13.

16

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Obsessões e compulsões são os sintomas nucleares do TOC. O TOC é um transtorno psiquiátrico muito heterogêneo clinicamente, etiologicamente, geneticamente e em termos de resposta terapêutica

14

. Uma obsessão pode ser definida como uma

ideia, imagem ou impulso que invade a consciência de forma involuntária, repetida e estereotipada, causando extrema ansiedade, por seu caráter ego-distônico e incontrolável. Diferentemente das experiências de passividade, comuns em portadores de esquizofrenia, que podem desenvolver ideias delirantes de que pensamentos são “inseridos” em suas mentes, as obsessões são reconhecidas como originárias da própria mente do paciente. Compulsões são comportamentos ou atos mentais estereotipados e repetitivos, executados para diminuir a ansiedade gerada pelas obsessões. Todavia, a heterogeneidade do TOC abrange os temas das obsessões e os tipos de compulsões e rituais, fazendo com que diferentes pacientes tenham apresentações clínicas e evoluções em longo prazo muito distintas. Infelizmente, alguns pacientes respondem bem ao tratamento farmacológico, enquanto outros apresentam pobres respostas terapêuticas, mesmo

quando recebem psicoterapia

cognitivo-comportamental associada ao

seguimento medicamentoso. Obsessões comuns no TOC incluem preocupações com contaminação por sujeira, germes, vírus, fluidos corporais, fezes, substâncias químicas e material perigoso, receios de riscos à integridade física (os quais geram, por exemplo, preocupações com travas de portas e registros do gás), preocupações com ordem e simetria, com o corpo ou sintomas físicos, pensamentos religiosos, blasfêmias e sacrilégios, preocupações sexuais (por exemplo, com dúvidas sobre a própria sexualidade ou pedofilia), pensamentos sobre colecionismo e acúmulo de objetos e preocupações com violência ou agressão

15, 16

. Embora pensamentos intrusivos sejam

relativamente comuns na população geral, uma característica psicopatológica pode diferenciá-los de um legítimo pensamento obsessivo: o excessivo senso de responsabilidade por um evento negativo e/ou por sua prevenção. Desta forma, um paciente pode acreditar que, ao não realizar uma checagem, pode ser responsável por uma catástrofe de proporções inimagináveis ou por um infortúnio afligindo um ente querido. Alguns vieses cognitivos comuns em obsessivos (mas não só a eles) que, combinados com o excessivo senso de responsabilidade, acabam por gerar ansiedade e comportamentos compulsivos, incluem a tendência a superestimar perigos, ideias de ser

17

Psicopatologia da Ansiedade

mais susceptível a eles, intolerância à incerteza, ambiguidade e mudança e necessidade de controle 15. As compulsões também são muito heterogêneas e podem assumir múltiplas formas. A checagem é a mais comum delas, seguida de rituais de limpeza e lavagem, atos repetitivos, compulsões mentais (por exemplo, repetição de palavras ou rezas), rituais de ordem e simetria, colecionismo e acumulação e contagem 16. Quando um portador de TOC é avaliado, seu exame deve levar em conta diversos aspectos de sua sintomatologia obsessivo-compulsiva. Assim, em relação às obsessões é importante avaliar seu conteúdo, o grau de insight associado à ideia ou imagem obsessiva (é muito comum encontrarmos pacientes com graus variáveis de egodistonia), a frequência de sua ocorrência, os fatores desencadeadores e as emoções a elas ligadas. Muitos pacientes se sentem profundamente envergonhados em relação a pensamentos obsessivos com conteúdo sexual e religioso, o que está por trás do longo período de tempo decorrido entre o início de seus sintomas e a procura por tratamento; outros desenvolvem uma forte angústia por sustentarem, por exemplo, pensamentos obsessivos de atos violentos dirigidos a um bebê indefeso, aumentada por uma fantasia comum de que podem “perder o controle” e cometerem tais atos “inconscientemente”. Quanto às compulsões, também é importante determinar seu conteúdo, a quantidade de estresse relacionada à não realização da compulsão, os temores relacionados às consequências de tentar resistir a uma compulsão e quais os critérios empregados para encerrar um comportamento compulsivo (medidas indiretas para a avaliação destes critérios podem incluir o questionamento a respeito da quantidade de sabão ou de papel toalha utilizados em rituais de limpeza ou o tempo gasto com checagens de portas, registros de gás ou interruptores antes de dormir). Como portadores de TOC também podem desenvolver esquiva – por exemplo, indivíduos obsessivos preocupados com limpeza podem evitar tocar em determinados objetos ou partes de objetos, como as solas de seus sapatos – é fundamental avaliar situações ou atividades evitadas e qual a quantidade de ansiedade associada à dificuldade para evitá-las. Alguns pacientes desenvolvem um estado ansioso sustentado, crônico e potencialmente incapacitante, característico do TAG, o mais “básico” dos transtornos ansiosos. O TAG é definido adicionalmente como um medo excessivo, difuso, difícil de controlar e acompanhado de uma série de comemorativos clínicos somáticos 18

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categorizados como pertencentes às esferas tensão muscular (por exemplo, dores e tensão muscular, além de outros sintomas associados, como fatigabilidade) e hipervigilância (que está por trás da sensação de constante inquietação, espera por um acontecimento catastrófico, irritabilidade, fatigabilidade e dificuldades para dormir). Antigamente incluía-se uma terceira esfera sintomática, a de hiperatividade autonômica (abrangendo sintomas como aumento da frequência cardíaca e respiratória), mas atualmente considera-se que os sintomas deste domínio têm menor expressão no TAG 17

. Transtorno de estresse pós-traumático e imageria mental nos quadros ansiosos

Imagens mentais anômalas são muito comuns em transtornos ansiosos, particularmente no Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), cuja discussão faremos nesta sessão pelo fato de que nesta condição psiquiátrica distúrbios peculiares da imageria mental são muito frequentes. Por “imageria mental” subentende-se nossa atividade mental de gerar representações mentais do mundo, que são “cópias” ou “mapas” mentais do mundo, muitas vezes experimentados de forma semelhante a uma percepção de qualquer modalidade sensorial ou a uma memória ou a um pensamento

18

. Muitos

autores referem-se à nossa capacidade de gerar imagens mentais como um equivalente a “ver como os olhos da mente” ou “ouvir com os ouvidos da mente”

19

. Portanto,

imagens mentais se referem mais às informações perceptuais vindas da memória do que dos órgãos do sentido. O TEPT se caracteriza por uma constelação de sintomas que se seguem à exposição a um ou mais eventos considerados traumáticos para a imensa maioria das pessoas, como sequestro, violência sexual, guerras ou desastres naturais. Os sintomas incluem ansiedade intensa, hiperexcitabilidade e memórias vívidas do ocorrido (também chamadas de flashbacks). Sintomas de hiperexcitabilidade envolvem dificuldades para dormir, irritabilidade, acessos de fúria, falta de concentração e sobressaltos frequentes. Normalmente os indivíduos com TEPT têm a experiência de reviver o evento traumático na forma de imagens, rememorizações, pensamentos ou até mesmo percepções,

bem

como

em

sonhos

e

fenômenos

dissociativos,

incluindo

despersonalizações e desrealizações. No TEPT, como em outros transtornos ansiosos, há esquiva de situações associadas ao trauma, bem como sintomas de “adormecimento” 19

Psicopatologia da Ansiedade

afetivo, como diminuição de interesses, distanciamento emocional, incapacidade de sentir emoções e desesperança em relação ao futuro. Entender fenômenos psicopatológicos como imagerias mentais disfuncionais é fundamental não somente para um diagnóstico mais preciso, mas também para a condução de um tratamento mais adequado, na medida em que imagens patológicas podem ser abordadas em psicoterapias cognitivo-comportamentais da mesma forma que pensamentos e crenças disfuncionais. O trabalho psicoterapêutico com imagens parece ser tão eficiente que, em condições com baixa quantidade de imagens mentais, como o TAG, cujas representações disfuncionais parecem ser predominantemente verbais, pacientes são estimulados a formarem imagens de seus medos ao invés de pensarem verbalmente sobre eles, e isso pode ajuda-los a adquirir uma perspectiva mais favorável sobre as probabilidades de suas convicções catastróficas acontecerem, resultando em melhora das queixas ansiosas 19. No TEPT, uma condição com uma importante carga de imagens disfuncionais, desencadeantes destas representações mentais anômalas incluem estímulos ambientais ou psicológicos que, conscientemente ou não relembram o evento traumático. Por exemplo, uma gargalhada inocente pode ser o gatilho para os flashbacks de um paciente que foi sequestrado e humilhado por um bandido. Este paciente pode, inclusive, desenvolver esquiva de situações que deflagrem sua imageria mental disfuncional, por exemplo, evitando situações onde possa ouvir gargalhadas. Imagens mentais disfuncionais são comuns em outros transtornos ansiosos. Na fobia social existem imagens negativas acerca de si mesmo, que são reforçadas pelos sintomas ansiosos. Como já vimos, fóbicos sociais “se enxergam” mentalmente como muito mais ansiosos do que, de fato, parecem aos outros: sua ruborização é “mais vermelha”, seus tremores são imaginados como muito mais grosseiros e ridículos. No TOC ocorrem imagens obsessivas egodistônicas, além de imagens compulsivas utilizadas para “neutralizar” imagens negativas. Algumas considerações sobre ansiedade na infância e na adolescência A partir do DSM-IV, a classificação da ansiedade passou a ter critérios específicos para crianças em apenas um transtorno ansioso, o Transtorno de Ansiedade de Separação (TAS). Os demais transtornos ansiosos são diagnosticados nesta faixa etária utilizando20

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se dos mesmos critérios dos adultos. O TAS se caracteriza clinicamente por ansiedade intensa frente à separação de uma figura importante com a qual a criança está vinculada. Este transtorno parece ter alguma diferença dependente da idade em sua expressão clínica. Assim, crianças mais novas (em torno dos 5 a 8 anos) apresentam predomínio de sintomas ansiosos, como pesadelos e temores do que possa acontecer de mal aos seus pais, irmãos ou cuidadores; crianças mais velhas (em torno de 9 a 12 anos) têm mais sintomas depressivos, como apatia, tristeza e diminuição da concentração e adolescentes apresentam mais queixas físicas e dificuldades escolares

20

. O TAS deve ser

diferenciado da fobia escolar, em que há esquiva da escola por conta de medo de situações especificamente envolvendo o ambiente escolar. Crianças com TAS podem apresentar recusa em ir à escola, mas este comportamento tem como principal motivação o receio de separação de figuras afetivamente importantes. Quando crianças com TAS que se recusam a ir à escola são comparadas com crianças com fobia escolar com o mesmo comportamento, as com TAS costumam ser mais novas, do sexo feminino, de famílias com poder aquisitivo mais baixo, têm outro transtorno comórbido e são filhas de mães com história de transtorno ansioso ou afetivo 20. Conclusões A ansiedade pode ser um fenômeno fisiológico ou patológico. É vivenciada subjetivamente como semelhante ao medo, dirigida para o futuro e pode ter componentes emocionais, cognitivos e orgânicos. Se em indivíduos saudáveis ela é adaptativa, quando sua intensidade e frequência passam de determinados limites, comprometendo a funcionalidade de um paciente, ela é considerada um sintoma ou uma doença. Profissionais de saúde mental devem estar preparados para fazer esta diferenciação, além de estarem aptos a diagnosticar as diferentes formas que a ansiedade patológica assume, além de realizarem o diagnóstico diferencial da ansiedade de origem orgânica. Cada transtorno ansioso tem suas características mais marcantes, embora nenhum sintoma ansioso seja patognomônico de um transtorno. Assim, pacientes com TAG são cronicamente apreensivos, hipervigis, tensos e irritáveis, fóbicos nutrem medos irracionais e têm comportamentos de esquiva, portadores de TOC sofrem com pensamentos obsessivos e rituais, paroxismos de ansiedade de forte intensidade invadem a mentes e os corpos de pessoas com Transtorno de Pânico a ponto de deixá-las agorafóbicas e imagens mentais invasivas e vívidas são a essência do sofrimento de quem tem TEPT. 21

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O sistema de estresse, composto por diversas estruturas centrais e periféricas, ativa uma cascata de eventos em resposta a ameaças ambientais e, em um nível central as alterações orgânicas desta resposta costumam ser traduzidas como sentimentos, sendo ali também gerados pensamentos e ações adaptados para a melhor resposta comportamental (luta ou fuga). Boa parte desta resposta tem sido extensivamente estudada em animais e em humanos, o que possibilitou grande sofisticação na compreensão da fisiopatologia dos transtornos ansiosos e também aprimorou nossa capacidade de compreendê-los e tratá-los. Longe de ser uma tarefa monótona, entrevistar, diagnosticar e ajudar pacientes ansiosos é um trabalho estimulante e altamente gratificante, o que geralmente exige constante prática e estudo sobre a neurociência e a psicopatologia destas condições tão comuns. Bibliografia 1. Bystritsky A, Kronemyer D. Stress and anxiety counterpart elements of the stress/ anxiety complex. Psychiatr Clin N Am 37 (2014): 489–518. 2. Gentil V. Ansiedade e transtornos ansiosos. In: Gentil V, Lotufo Neto F, Bernik M. Pânico, Fobias e Obsessões, 3ª Edição, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo (1997): 29 – 53. 3. Contoreggi C. Corticotropin releasing hormone and imaging, rethinking the stress axis. Nucl Med Biol (2014). Epub ahead of print. 4. Iversen S, Kupfermann I, Kandel ER. Emotional States and Feelings. In: Kandel ER, Schwartz JH, Jessell TM. Principles of Neural Science. 4th Edition (2000) Mc Graw-Hill USA: 982 – 997. 5. Kindt M. A behavioral neuroscience perspective on the aetiology and treatment of anxiety disorders. Behav Res Ther (2014) 62: 24 – 36. 6. Panksepp J, Biven L. The Archeology of Mind. Neuroevolutionary origins of human emotion. WW Norton & Company, New York, London. 7. Damasio A. Self comes to mind. New York, NY: Pantheon Books. Random House (2010). 8. Simpson HB, Janardhan Reddy YC. Obsessive-compulsive disorder for ICD-11: proposed changes to the diagnostic guidelines and specifiers. Rev Bras Psiq (2014) 36: S3 – S13. 22

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