PUBLICIDADE AUDIOVISUAL E CINEMA: A arte publicitária do entretenimento 1

June 5, 2017 | Autor: Marcelo Ribaric | Categoria: Cultural Studies, Advertising, Entertainment, Advertising and Marketing Communications
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PUBLICIDADE AUDIOVISUAL E CINEMA: A arte publicitária do entretenimento 1 RIBARIC, Marcelo Eduardo (Mestre) 2 Universidade Tuiuti do Paraná - UNIBRASIL/Paraná

Resumo: Desde os primórdios do cinema, o filme publicitário estava presente, sendo parte fundamental no desenvolvimento do espetáculo cinematográfico. Filmes comerciais e publicidade fílmica se assemelhavam tanto na produção quanto nos seus conteúdos, adotando uma forma narrativa análoga, trabalhando o tempo de forma a prender a atenção do espectador. Isto foi possível dado ao fato de que ambos refletiam o cotidiano que, como afirmava Walter Benjamin, é a realidade vivida pelo homem com a qual o cinema mantém uma relação indissolúvel. Esta comunicação é uma parte da pesquisa de doutorado, onde buscamos entrelaçar os conceitos do cinema, da publicidade e do entretenimento como campos de conhecimentos dependentes e abertos e, mesmo partindo de princípios distintos, tais como narrar uma história, distrair, provocar uma satisfação pessoal ou estimular o consumo de um produto/serviço/idéia, mostrando que seus objetivos e modos de produção convergiam desde o surgimento das primeiras imagens em movimento, para uma única forma percepção por parte do espectador Palavras chave: cinema; publicidade; entretenimento; hibridização, cultura.

Introdução Se as empresas usavam do meio filme como um recurso para a publicidade, por sua vez também os produtores de filmes se utilizavam da publicidade como um recurso para construir suas histórias. Durante a era pré-nickelodeon 3 , os filmes eram curtos e não possuiam um alto grau de coerência interna. Os produtores dependiam então dos exibidores que, usando de palestrantes ou de diálogo acompanhado para fornecer as informações que faltavam aos filmes. Cineastas escolhiam imagens, temas e histórias familiares para o público,

1 Trabalho apresentado no GT de História da Publicidade e da Comunicação Institucional integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Professor pesquisador na UNIBRASIL de Curitiba, Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo, Doutorando em Comunicação e Linguagem – Linha de Pesquisa de Estudos em Cinema pela Universidade Tuiutí do Paraná, Publicitário e documentarista. 3 Nickelodeons salas de cinema do início do século XX que exibiam sessões contínuas de filmes cuja duração variava entre os quinze e os vinte minutos a o preço único de 5 centavos.

como o ready-made de campanhas publicitárias conhecidas. Thomas Edison no seu filme The Great Train Robbery, dirigido por Edwin S. Porte em 1903, baseou sua famosa imagem de um ladrão disparando sua pistola diretamente para o público no cartaz de Sam Hoke " Highwayman” para limpador de pó da Gold Dust . Este tiro intensificou a reação do público, associando o filme com uma imagem publicitária que era controversa por seu suposto poder de hipnotizar quem a olhasse por muito tempo. No filme Romance dos trilhos (Romance of the Rail)de 1904, Edison se apropriou de uma campanha popular de publicidade feita para estrada de Ferro Lackawanna criada pelo famoso redator publicitário Earnest Elmo Calkins. A ferrovia procurava diferenciar seu serviço de transporte de passageiros, usando o slogan "queima limpa", pois suas locomotivas à vapor utilizavam o carvão de antracite, enquanto o serviço dos concorrentes usavam carvão betuminoso que produzia uma grandes nuvens de fuligem que se agarravam na roupa dos passageiros. Para personificar a distinção, Calkins criou a personagem Phoebe Snow, cujo vestido e chapéu brancos permaneciam impecáveis ao longo de suas muitas viagens pela estrada de Ferro de Lackawanna, apelidada de "Estrada de antracite". Klenotic (2005) conta que no filme Romance dos trilhos, Snow e um novo personagem se apaixonam e se casam no percurso de uma viagem única. A marca da Lackawanna aparece com destaque na sala do pretendente e nos vagões baú. No final do filme, dois vagabundos rastejam debaixo de um vagão do trem e repelem um camareiro que tenta escovar suas roupas, um gesto desnecessário na "Estrada de antracite". Esta pratica publicitária, que produzia uma simbiose entre um filme de entretenimento e uma campanha publicitária, na contemporaneidade é denominada por advertainment ou branded content. As empresas de cinematográficas também se utilizavam da publicidade para obter novas idéias sobre como comercializar o filme em si. Os primeiros exibidores mostravam continuamente programações de curta metragens, muitas vezes, trocados diariamente e mas tinham pouco conhecimento prévio sobre as datas e os conteúdo dos lançamento de novos filmes. Isso dificultava anunciar filmes individuais. No entanto, com o desenvolvimento de um sistema de distribuição confiável, exibidores recebiam mais informações sobre os lançamentos e os produtores do filme começaram a

diferenciar suas marcas, fornecendo cartazes litografados e outros materiais para promover as marcas de suas empresas e anunciar títulos de filmes. Os produtores de filmes contratavam agências de publicidade para desenvolver campanhas de marketing organizadas. Cartazes de cinema tornaram-se altamente artísticos, como muito da publicidade em geral, porque as agências acreditavam que a beleza e o estilo estimulava o interesse visual e o desejo do consumidor. O gênero do filme, o espetáculo e o Star System (sistema de estrelas) tornaram-se cada vez mais importantes como elementos vinculados a outros produtos como por exemplo marcas de roupas. A principal fonte de renda dos exibidores, no início do cinema, eram slides projetados, por meio de lanternas mágicas, usados para exibir mensagens publicitárias de uma grande variedade de bens e serviços.Eles eram usados para construir a marca dos estúdios, gerar expectativa para os próximos lançamentos e promover as estrelas. Em 1915, surge um novo tipo de publicidade, o trailer do filme, desenvolvido para ajudar a estimular e controlar a demanda por filmes individuais que cada vez mais podiam ser concebidos e produzidos pensando no seu potencial publicitário. Com sua emergência como uma nova forma de comunicação de massa e prática de cinematográfica, as imagens em movimento foram percebidas como um meio dinâmico para a publicidade e a promoção. Fabricantes de filme cultivaram o mercado da publicidade, criando filmes de relatos de viagem, filmes industriais e outros tipos de curtas-metragens para estimular a demanda por bens de consumo e serviços e promover marcas, produtos e empresas, ao mesmo filmes eram percebidos pela audiência como produtos de entretenimento que se mesclavam com as outras produções fílmicas. Mesmo que a idéia de usar imagens em movimento para a publicidade não fosse totalmente nova. Ela se ampliou e sintetizou formas existentes de publicidade e práticas de tela. Por mais de uma década antes do desenvolvimento do cinema, os anunciantes personalizavam e animavam um mundo de objetos anônimos produzidos em massa, dando vida e movimento a commodities, inserindo suas marcas comerciais nas imagens efêmeras e narrativas fugazes de flipbooks e mutoscópios. O mutoscópio segue o mesmo princípio do flipbook, contendo uma seqüência de fotografias, mas estas estão colocadas ao longo do perímetro de um tambor. Ao fazer rodar este tambor, os cartões fotográficos sucedem-se permitindo a ilusão de

movimento. ele não necessitava de uma fonte de iluminação e os espectadores controlavam o ritmo ao rodar a manivela, podendo, inclusive, rodar no sentido inverso vendo a história ao contrário. Quando as projeção cinematográfica foram lançadas e os filmes capturavam imagens comerciais e paisagem de diversões, os anunciantes estavam lá. Disputando a atenção de espectadores, os filmes publicitários eram projetados como parte do cinema de atrações, atingindo um público pagantes e relativamente imobilizado que provávelmente não iria desviar sua atenção. Este aspecto "cativo" do público de cinema tem intrigado os anunciantes desde então. Os filmes publicitários se tornaram um fenômeno internacional. Na GrãBretanha, o especialista em animação, Arthur Melbourne Cooper, foi contratado em 1897 pela alimento em pó Bird’s Custard para fazer um filme baseado em um dos cartazes de publicidade da empresa. Algumas empresas adquiriam equipamentos para fazer seus próprios filmes publicitários, como quando Nestlé e Lever Bros., em conjunto, produziram o concurso The Sunlight Soap (1897) entre outras propagandas. Cineasta francês Felix Mesguich criou os "cartazes de animação" em 1898, que eram projetados em um outdoor a céu aberto no terceiro andar de um prédio de Montmartre, em Paris. Georges Méliès foi um produtor de filmes publicitários inovadores. Estes foram, por vezes, mostrado numa tela acima da entrada do Théâtre Robert-Houdin. Entre seus clients estavam a mostarda Bornibus, o chocolate Menier, os chapéus Delion, o whisky Dewar, os espartilhos Mystère, a cerveja Orbec, a cera Veuve Brunot, e a loção capilar restauradora Xour. Nos EUA, em 1897, a Sociedade Internacional de Cinema contratou Edwin S.Porter para projetar uma mistura de filmes de publicidade (Haig uísque, cerveja Pabst, chocolate Maillard do) entre assuntos de atualidades, em um show ao ar livre em Nova York. Quando Porter projetou os filmes em uma grande tela no topo do edifício Pepper na 34th Street e Broadway, supostamente teria sido encarregado de criar uma perturbação da ordem pública ao incitar a multidão de pedestres nas calçadas abaixo. Embora o número de filmes publicitários fossem uma considerável percentagem da produção total do filmes, ela atingiu seu pico entre 1896 e 1900, esses filmes foram produzidos durante todo o período do primeiro cinema e indo para além. Os esforços na Alemanha de Julius Pinschewer, na década de 1910, foram

especialmente significativos. Ele encomendou e distribuiu internacionalmente filmes publicitários feitos por artistas de animação da avant garde como Lotte Reininger, Walter Ruttmann e Guido Seeber. Outra tendência na década de 1910 foi a produção de filmes de ficção que escondia sua intenção de publicidade dentro de uma narrativa divertida. Assim, a solução dramática do filme “O amigo do estenógrafo” de Thomas Edison (1910) era articulada sobre a eficácia do fonógrafo de negócios da empresa, enquanto a dona de casa atormentada em “O pote de família”, de 1913, resolvia a indigestão crônica de seu marido, oferecendo-lhe o bacon Beech-Nut da "Pure Food". Um exibidor reconheceu a intenção publicitária por trás do filme “A terra de Chew Chew”de 1910, queixou-se ao jornal da industria cinematográfica Moving Picture World que era injusto "tratar como diversões e educação uma imagem enfeitada com marcas de fabricantes de mercadorias que se deseja anunciar." Embora ninguém sabia se os filmes publicitários estimulavam a demanda, tampouco ninguém podia afirmar com certeza que não o fizesse. Assim os anunciantes continuavam a usar os filmes como meio publicitário. Na década de 1910, patrocinadores estavam dispostos a pagar cerca de US $5.000. Mesmo sendo um preço muito elevado para a época, o valor compensava para os anunciante, estima-se que um desses filme, distribuído nos cinemas dos EUA durante sete meses, chegava a ser visto por 15 a 25 milhões de pessoas. Cinema como entretenimento e publicidade Enquanto

alguns

filmes

eram

produzidos

pensando

diretamente

nos

espectadores, muitos outros tomaram uma abordagem indireta. Servindo como objeto para patrocínio de empresas e outras organizações. Empresas de transporte, a indústria pesada, militares e câmaras de comércio subsidiavam os custos de produção do filmes para que sutilmente promovessem seus interesses e os nomes de suas marcas. Entre 1896 e 1900, quase a metade de todos os filmes de do Estudio Black Maria, de Edison, eram financiados desta forma. Estes filmes apresentados pelos exibidores como entretenimento, eram filmes de viagem emocionantes e educativos oferecendo vislumbres da vida em lugares distantes e, às vezes exóticos que estavam cada vez mais abertos aos turistas por via férrea ou por navios à vapor. Filmes militares retratavam o cotidiano de soldados e marinheiros, e

proporcionava vistas privilegiadas do campo de batalha, assim, visualmente pontuando os esforços de recrutamento. Um filme industrial demonstrando a produção de vinho na Califórnia educava o consumidor, promovendo a indústria do vinho, e também a operadora de turismo West Coast tourism. Outros filmes empresariais apresentavam uma visão atraente de produção de vinho, um processo seguro, limpo e bem organizado. Além de seus apelos encobertos, os patrocínios de filmes foram usados por equipes de vendas para fazer lançamentos mais direto e específicos, como quando clientes em potencial foram tratados com uma “seleção de premeeting” do filme de um patrocinador em um teatro local. Com o desenvolvimento de ações de filme de segurança em torno de 1908, agentes de vendas podiam até usar projetores portáteis para visualizar filmes em seus escritórios ou levar filmes para Reuniões de estrada. Por volta dos anos de 1915 a 1920, marcas americanas de anunciantes descobriram o “efeito halo” produzido pela vinculação a produtos de consumo, tais como sabão ou automóveis, com os nomes e a semelhanças de estrelas de cinema como Clara Bow, Gloria Swanson e Jackie Coogan. Esta estratégia tem sido, geralmente, considerada como parte da emergência da celebridade na sociedade de massas. No entanto, este fenômeno pode ser abordado sob o ponto de vista da publicidade em vez da celebridade, olhando para o produto de consumo de maneira tie-ups 4 , com as duas, estrelas e filmes evoluindo a partir de práticas de exploração do entretenimento de massa, prática esta que remete ao circo. Segundo Jane Gaines (1990), “entre1896 e1927 o negócio do cinema teve a sua própria maneira de distinguir entre a publicidade, divulgação e exploração, e para os historiadores o rearranjo destas funções fornece ainda uma outra maneira de ler a expansão do controle de mercado na indústria”. Desde a invenção do cinema em 1896 até por volta de 1907, o período da Casa de shows e do Nickelodeon, a promoção era nada além de banners, panfletos, e o piano mecânico que atraia o transeunte na rua. Durante este período de trabalho independente de agências, que durou até 1915, o uso de estratagemas, iscas, e cenas encenadas, assim como cartazes e folhetos impressos era sempre referenciado como "publicidade" ou "divulgação". Esses termos continuaram a funcionar indistintamente para se referir ao esforço promocional de qualquer tipo de tarefas envolvidas na campanha e começaram a mudar e a se especializar, "publicidade" 4

Tie-up, tie-in ou product placement sào termos que designam a colocação de um produto ou marca em uma produção de entretenimento.

passou a se referir ao trabalho de colocar para fora os anúncios de exibição e cópia da escrita para promoção paga em jornais e revistas e "divulgação" tornou-se o trabalho do agente de imprensa, que "agarrava" o espaço em vez de pagar por ele. Segundo Eppes Sargent (1931) definiu, "exploração" inclui todas as formas de promoção, mas, geralmente, o termo era usado no início deste período para se referir a acrobacias na frentes das casas de espetáculos, além dos panfletos e jornais. "Exploração" e "exploiteer" surgiram como termos do setor, com a criação de um departamento de exploração da Paramount nos anos 1915 a 1920. Neste momento, coincidente com a construção dos palácios de cinema, exploração incluía a exibição nas ante-salas das casas, o dublê de rua 5 , e os produtos cooperados tie-up. Ao final dos anos 1930, no entanto, a exploração passou a significar a cooperação comercial quase que exclusivamente, e o dublê de rua em suas formas amplas e cacofônicas tinha desaparecido. A arte do entretenimento Desde o princípio, os Estados Unidos aclamaram o cinema como um meio independente das tradição artísticas, afastado da cultura européia. Glaber (1999), afirma que o meio foi recebido entusiasticamente desde o pré-cinema pela sua aptidão de excluir os “guardiões da cultura”, oferecendo uma possibilidade de afastamento da noção de cultura destinada ao deleite das elites. “Enquanto na Europa os filmes atenderam de imediato ao gosto da classe média como maravilha tecnológica, aqui eles atenderam ao gosto da classe operária como arma cultural” (Glaber 1999, p.51). Se a arte falava aos níveis mais altos de cultura dando como certo que as coisas boas eram coisas sérias, o entretenimento dirigia sensações de alegria e prazer para o maior número possível de pessoas das classes mais populares. Máquina de diversão, passeio de emoção, passeio de alegria, passeio selvagem, montanha-russa são clichês superlativos dos filmes. Jose Ortega y Gasset já lamentava na década de 1920: A nota característica de nossos tempos, uma triste verdade, é que a alma medíocre, a mente rasteira, sabendo-se medíocre, tem o descaramento de reivindicar seu direito à mediocridade e sai por aí se impondo onde consegue (2002 p. 48) 5

Dublê de rua era um artista performático que se vestia como os personagens de filmes e andava pelas proximidades dos cinemas para divulgar os filmes.

No século XIX, a ideia de entretenimento passa a ser vista de forma negativa se opondo às definições da arte. Para Gabler (apud Márcio Serelle 2012, p.p. 47-62. ), de acordo com os “elitistas”, a arte proporciona o ekstasis, palavra grega que significa “deslocamento”, “movimento para fora”, enquanto o entretenimento, do latim inter tenere, nos confina em nós mesmos, submergindo-nos e negando-nos perspectivas por meio de um efeito narcotizante, o entretenimento entorpece a mente e fala ao corpo. Neste ponto de vista, a arte trata cada receptor como um indivíduo, com respostas únicas a cada interação; o entretenimento lida com a audiência como se fosse uma massa disforme. Sociedade francesa na belle epoque e o filme publicitário. La modernité, c'est le transitoire, le fugitif, le contingent, la moitié de l'art dont l'autre moitié est l'éternel et l'immuable. (Charles Baudelaire ) 6

Walter Benjamin, em sua obra “Paris, Capital do Século XIX”, analisa a transição pela qual passou a sociedade européia. Usando como objeto desta sua análise a cidade de Paris e as novas experiências por ela produzidas. Um novo estilo de vida emergiu a partir do surgimento dos grandes centros urbanos modernos e Paris era a cidade que melhor representava essas mudanças, com todas suas complexidades e contradições, fazendo surgir novos intérpretes da vida urbana. Paris, começou a despontar culturalmente a partir da 1880, nem os aparentes escândalos vividos pelo poder abalaram a burguesia que procurava os prazeres da vida. É durante esse período a França se torna uma sociedade moderna, consolidando uma imprensa de massa, uma literatura dirigida ao povo, fazendo surgir a cultura do entretenimento. A Belle Époque pode ser considerada como o “abrir os olhos” para as esperanças e decepções que explodirão nos tempos modernos (ORTIZ, 2001, p. 54). O alto desenvolvimento do país, produziu uma sociedade que buscava

6

Charles Baudelaire, Le peintre de la vie moderne (1863), in Critique d'art, Paris, Gallimard, 1992,

p.355.

ansiosamente pelo entretenimento. Tudo o que era vivido se transformou em uma representação, em um espetáculo, em uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens. O espetáculo era, então, a reprodução do não-vivido, do sonho, uma projeção daquilo que o povo necessitava. Enquanto as indústrias produziam um desenvolvimento econômico, a especutalização da vida e do que era vivido produzia um desenvolvimento daquilo que o ser humano necessitava para o seu prazer e deleite. As pessoas se tornaram espectadores que contemplavam os acontecimentos, enquanto projetava-se nas imagens oferecidas. Podese dizer que, na sociedade, o espetáculo correspondia a uma fabricação concreta de alienação (DEBORD, 1997, p. 13-15). A valorização do espetáculo, da arte e da vida de prazeres e riquezas tornaram-se as características da sociedade francesa na Belle Époque. A França refletia uma força acima de qualquer outro país quando se tratava de arte. As vanguardas artísticas também visavam a espetacularização, artistas plásticos e pintores buscavam inspiração no espetáculo cotidiano, emprestando seu talento para a publicidade que, não mais vai visava apenas a sua função mercantil mas também era parte do espetáculo da modernidade na qual, arte, publicidade e entretenimento se mesclavam, criando novas formas de ver e viver o mundo. Artistas reconhecidos como Toulouse-Lautrec, Jules Chéret e Alphonse Mucha se destacando com seus cartazes para casas de shows, exposições, bebidas etc. E foi por intermédio das peças publicitárias destes artistas que podemos conhecer hoje os lados não excluídos da vida parisiense da Belle Époque, como por exemplo, o interior do Moulin Rouge, os hábitos de consumo de produtos, os desejos, necessidades e a própria aparência do cotidiano e das pessoas. A Paris de Georges Méliès Falar sobre cinema, entretenimento, publicidade e a belle epóque é obrigatoriamente ter que falar sobre Marie Georges Jean Méliès, ou simplesmente Georges Méliès, o “pai do cinema espetáculo”, como é conhecido, que, ao sair da histórica exibição cinematográfica dos irmãos Lumierè em 28 de dezembro de 1895, maravilhado com o espetáculo afirma; O cinema, que maravilhoso veículo de propaganda para a venda de produtos de todas as espécies. Bastaria encontrar uma idéia original para atrair a atenção do

público e, no meio do filme, se passaria o nome do produto escolhido 7 . (MÉLIES in MATTELART, A., 1991)

Ele foi, provavelmente, o primeiro cineasta a pensar na publicidade no seu formato cinematográfico com a obra Dfense d'afficher, rodado em março de 1896 para divulgar um de seus espetáculos e exibido em uma tela do lado externo do teatro Houdini. De acordo com Thierry Lefebvre (1982, p.24) Méliès nunca escondeu seu interesse pela publicidade. Aos 20 anos, a lei de 29 de julho de 1881 que liberou os displays de rua, foi o evento que mais o impactou, preferindo-o a liberdade de imprensa. A partir desta data, exibir, seja comercial ou não, era um direito. Alain Weill (1982) afirma que "os muros das cidades foram invadidos pelos cartazes publicitários e os locais de maior visibilidade eram negociados o preço do ouro em 1884” 8 . Méliès produziu vários filmes publicitário e usou a publicidade de diversas formas em seus filmes, como o patrocínio e as diversas formas de product placement, como nos filmes Les Affiches en Goguette , com vários produtos sendo divulgados ou Barbe Bleue, onde a marca de champagne Mercier, mostrando uma garrafa gigantesca, foi introduzida durante uma das cenas da história. Sociedade norte-americana do século xix e o filme publicitário. Stephen Fox (1997) conta que durante a primeira metade do século XIX, a natureza do mercado empresarial americano começou a mudar de forma dramática. No século anterior, o constante crescimento da indústria e a formulação de uma economia de mercado - alimentada pelo trabalho assalariado, em vez do tradicional sistema de aprendizagem-, bem como a formulação de normas do sistema bancário criou a base para uma economia capitalista moderna. Em uma paisagem cada vez mais industrializada e urbanizada, nasce, em torno de 1840, o conceito da moderna publicidade, emergindo da sociedade americana. Predominantemente sedutor para as mulheres, que eram vistas como o alicerce das famílias americanas e, portanto, mais propensas a fazer uso de bens de consumo, as empresas começaram a anunciar em jornais, folhetos e outdoors. Esta nova forma de anúncio é construída por fotografia em cartazes nos calçadões, onde os nomes dos 7 8

A citação de Georges Melies é um epigrafe na introdução do livro de Armand Matellert. Tradução livre da obra de Alain Weill, O cartaz francês, Paris, PUF, 1982, p. 24.

produtos cobrem, literalmente, toda a paisagem urbana. O hábito de anunciar em jornais era uma tradição da sociedade americana, no entanto, as técnicas de publicidade e estratégias que se formaram em meio à última parte do século XIX adquiriram um caráter diferente, como afirma Jackson Lears (1994). Tradicionalmente, as empresas postavam pequenas avaliação de seus produtos nas seções de publicidade dos jornais, apenas fornecendo uma lista do que estava disponível para venda ao público. Os novos anúncios, por outro lado, focavam-se na criação de slogans exclusivos para que os clientes se lembrassem em uma luz de otimismo.

A Revolução Industrial viu uma série de inovações em tecnologia e

medicina, e essas inovações alimentaram a crescente indústria da publicidade. Produtos semelhantes começaram a competir entre si. Por volta de 1880, a propaganda parecia assumir um aspecto de condução própria e focada na criação de "desejos" e "necessidades" da crescente população de consumidores.

A fim de criar um mercado para determinados itens, empresários

anunciavam seus produtos em linguagem concebida para influenciar compradores potenciais. Nesta mesma década os aparatos do pré-cinema encantavam as pessoas com o vislumbre da modernidade. Empresários e publicitários desde seu surgimento já percebiam nesses aparatos uma nova e poderosa forma de construir e transmitir mensagem publicitárias de uma forma mais persuasiva e, como no caso dos mutoscópios e kinematoscópios, uma maneira de anunciar seus produtos e ainda ser pago para isso. As bases do capitalismo e a economia moderna - embora influenciada por vários fatores - foram em grande parte, fortalecido pela ascensão da propaganda e sua criação de uma cultura de consumo americano. Considerações finais No início deste ensaio partimos do pressuposto que o cinema, o entretenimento e a publicidade não eram campos autônomos e independentes, mas sim, campos abertos e que apesar obedecerem a lógicas distintas, como narrar uma história, distrair e provocar uma satisfação pessoal ou publicizar o consumo de um produto/serviço, mostrando que apesar da autonomia de seus objetivos e modos de produção, o cinema e a publicidade

fílmica convergiam, desde o surgimento das primeiras imagens em movimento, para uma única forma percepção por parte da audiência, uma recepção entretenimentista do meio de comunicação audiovisual. Em seu ensaio “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica” (1986), Walter Benjamin explica a Belle Époque, período histórico do aparecimento do cinema e do filme publicitário, por meio de alegorias como a do desaparecimento da aura dos objetos de arte que passaram a possuir novos sentidos frente a uma modernidade que surgia, freneticamente, com a contínua circulação de imagens e de objetos produzidos em série. Nesta modernidade destacada por Benjamin, as populações urbanas se transformaram em uma nova cultura, uma audiência, uma grande massa disforme que incorporou o fetiche do consumo e do entretenimento, denominada cultura de massa que, conforme afirma Jean Yves Mollier, (1998, p.128) “a cultura de massa é uma formação cultural original, que não tem origem nem na cultura letrada nem na cultura popular tradicional e que redefine [as práticas culturais em termos de lazer e de mercado] 9 ”. Nos primórdios do cinema, filmes comerciais e publicidade fílmica se assemelhavam tanto na produção quanto no conteúdo dos produtos, adotando uma forma narrativa análoga, trabalhando o tempo de forma a prender a atenção do espectador em prejuízo da absorção da narrativa como um todo. As cenas que não permitiam ao receptor identificá-las ou até mesmo distingui-las. A novidade das imagens em movimento encantava e fazia com que as narrativas se mesclassem, adquirindo um novo significado mais sutil e mais digerível às massas. Charles Baudelaire, que vive e capta profundamente esse momento em que a modernidade, através do capitalismo industrial e dos fetiches mercadológicos, molda a vida urbana das grandes cidades e das pessoas, estabelecendo um novo olhar perceptivo, afirma na época que: “Esta é uma bela ocasião para estabelecer uma teoria racional e histórica do belo, em oposição à teoria do belo único e absoluto; para mostrar que o belo inevitavelmente sempre tem uma dupla dimensão, embora a impressão que produza seja una [...]. O belo é constituído por um elemento eterno, invariável, [...] e por um elemento relativo, circunstancial, que será, e quisermos, [...] a época, a moda, a moral, a paixão” (1995, p. 852).

E é nesta possível teoria racional e histórica do belo, citada por Baudelaire, que 9

Paul Bleton, introdução à organização do Colóquio "Cultura de Massa e Texto Para-literário", Universíté de CergyPoinloise, 22-24 maio 1996.

este ensaio buscou sua validação histórica, a partir da dualidade do belo constituído pelas naturezas, narrativa do cinema e persuasiva da publicidade e pela junção de ambas no entretenimento, por diferentes sociedades durante a Belle Époque. Referências ABEL, R. (ed.). Encyclopedia of Early Cinema. New York: Routledge, 2005. BAUDELAIRE, Charles. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. BARBOSA, Marialva. Paradigmas de construção do campo comunicacional. In: WEBER, Maria Helena; BENTZ, Ione; HOHLFELDT, Antonio (orgs.). Tensões e objetos da pesquisa em comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2002. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e a história da cultura. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986 _______________. Paris, capital do século XIX, in KOTHE, Flávio R. (org.). Walter Benjamin. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1985. BAUDELAIRE, Charles. Le peintre de la vie moderne, in Critique d'art. Paris: Gallimard, 1992, pp. 354-355 CHARTIER, Roger. História Cultural: Entre práticas e representações. Lisboa: Difel,1990. _________________ (org.). Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. COSTA, Flavia Cesarino. O primeiro cinema. São Paulo: Scritta, 1995. DUPEYROT, Gérald. Flip Story. London, Ontario: BAT –Bon a Tirer No.33, março1981, p.p. 33-35. FLAUSINO, Márcia Coelho e MOTTA, Luiz Gonzaga. Break comercial: pequenas histórias do cotidiano. Narrativas publicitárias na cultura da mídia. Revista comunicação, mídia e consumo. Vol. 4, N. 11, p. 159-176, 2007. FOX, Stephen. The Mirror Makers: A History of American Advertising and Its Creator. Urbana, IL: University of Illinois Press, 1997. GABLER, Neal. Vida, o filme: como o entretenimento conquistou a realidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. GAINES, Jane. From Elephants to Lux Soap: The Programming and 'Flow' of Early Motion Picture Exploitation. Velvet Light Trap , no. 25, Spring 1990. 29–43. GLICKMAN, Lawrence B. (ed.). Consumer Society in American History: a Reader. Ithaca, Cornell University Press , 1999.

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