Punch-drunk love - Encontro do vermelho com o Azul, rodeado de flashs coloridos

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Descrição do Produto

Embriagado de Amor, de Paul Thomas Anderson

Análise: EMBRIAGADO DE AMOR
Paul Thomas Anderson. Punch-drunk love. EUA. 2002
por Cesar Fernando de Oliveira
Encontro do vermelho com o Azul, rodeado de flashs coloridos
"Eu não gosto de mim às vezes", essa é uma das frases de Barry Egan, protagonista de Embriagado de Amor (Punch-drunk love), de Paul Thomas Anderson. Definido como uma "comédia romântica", o filme é muito mais que isso, já que traz experimentações estéticas e psicológicas que extrapolam facilmente os limites desse tipo de classificação. A não rotulação seria uma das melhores opções para essa obra, um misto de várias nuanças, humor, drama, suspense e mistério.
O início do filme é uma apresentação do protagonista, em seu mundo, isolado e distante dos outros. Na primeira cena, vemos Barry sentado na mesa de seu escritório, um galpão, de onde tenta dirigir seu negócio, uma loja de desentupidores de pia. Ao mesmo tempo que tenta ganhar milhas aéreas de uma promoção em potes de pudim. A fotografia é marcante e de composição admirável, a parede, em duas cores, emoldura o personagem e o uso da perspectiva através das linhas que dividem as cores reforça nossa atenção, além de criar profundidade. O plano utilizado nessa cena é muito mais aberto do que o necessário, mostrando espaços vazios, denotando a idéia de isolamento em que Barry se encontra.
Durante um período do filme, somente vemos Barry e coisas que ele observa. Ele chega mais cedo que os demais em sua loja, mas não para organizá-la, e sim para descobrir um modo de poder sair daquele lugar, como se ele nunca estivesse satisfeito com o que faz e quisesse ir pra bem longe. Na verdade ele não está satisfeito consigo mesmo, como afirma na frase citada no primeiro parágrafo. A calmaria do amanhecer é mostrada no filme, Barry aparece em planos abertos, demonstrando claramente o sentido de solidão. Também observamos como essa calma e solidão podem ser transformadas em tensão e ansiedade, acompanhando acontecimentos através de seu ponto de vista: um grave acidente de automóvel, com o carro capotando várias vezes, logo após um carro de entrega freando bruscamente e deixando um pequeno piano sobre a calçada sem nenhum endereçamento. É o mundo de Barry Egan, onde as coisas não tem muitas razões para acontecer, simplesmente acontecem.
Uma ação se repete no filme, a saída de Barry do seu escritório para olhar a rua. Os planos são rodados da mesma maneira, só que com outra iluminação, nos passando a idéia de um sonho, como se a primeira ação não tivesse existido. Mas na verdade é a demonstração da rotina em que Barry se encontra, que logo após é quebrada com a chegada de uma estranha mulher, posteriormente identificada como Lena Leonard(Emily Watson), que será seu "par romântico". Dessa vez, diferente da primeira cena, a luz vaza pela lente da camera propositadamente, marcando a tela com um facho colorido(flare), que irá se repetir várias vezes durante o filme, a camera a segue como havia seguido Barry até a saída da loja, vemos estilhaços de vidro no asfalto da rua e o piano na calçada, reforçando a posteridade dos acontecimentos.
O filme é bastante azulado, sendo que o vermelho é inserido algumas vezes. É como a vida que o personagem leva, triste e solitária(Azul) que é cortada por uma paixão arrebatadora (vermelho). Quando o protagonista passa por fatos que te tocam, a luz vaza na lente da camera manchando a imagem. Isso é bem demarcado no filme, principalmente nos momentos que Barry está com Lena.
A montagem do filme mostra momentos calmos justapostos com momentos de ação exacerbada, transferindo o nervosismo do protagonista para os espectadores, como na cena em que ele está olhando o piano calmamente na calçada e passa um caminhão em alta velocidade bastante próximo, o som do caminhão somente é inserido quando ele já está na tela, e não desde a sua aproximação, é como se o protagonista estivesse num transe e não observasse cuidadosamente as coisas ao seu redor, e nós entrássemos e saíssemos juntos com ele nessa "viagem".
A trilha sonora é inserida cuidadosamente quando Barry está mexendo no piano e começa a tocá-lo, a partir daí acompanhará o protagonista até o final do filme, principalmente quando passa por momentos de stress e nervosismo. Ela tem uma função de nos inserir na diegese, já que em alguns momentos incomoda, nos deixando também nervosos e inquietos.
Um fato bastante interessante, é que num dado momento do filme, que parecia reservado para os créditos iniciais, aparecem imagens coloridas, como pinturas e fachos de luz. Imagens abstratas e brilhantes, acompanhadas de uma trilha sonora fantasiosa, como se nos dissesse que uma fábula está para começar.
Barry é uma pessoa com características estranhas, com tiques e tremedeiras, sua ansiedade nos passa a impressão que está sendo perseguido, sempre se assustando com facilidade. Seu figurino também realça isso, já que ele aparece quase sempre com um paletó(Azul), para estranhamento dos outros personagens, já que no seu trabalho não necessitaria desse tipo de roupa. Ele nos passa uma sensação de sempre estar pronto para algo, mesmo quando não precisa(inseguro, indeciso). Veremos depois que essas características são o resultado de sua criação, dominado por sete irmãs que o zombam desde a infância, ele é um ser atormentado, que não consegue se expressar adequadamente e que perde o controle com facilidade.
Devido a uma dificuldade em se relacionar com outras pessoas, Barry faz uma ligação para um "disque-sexo" e conversa durante um longo período com uma atendente. Esta cena é muito bem filmada em vários planos seqüências, de maneira que acompanhamos sem cortes todo o processo da conversa. Além de um belo trabalho de interpretação de Adam Sandler, que nos passa a impressão de aguardar um verdadeiro encontro no lugar de um encontro virtual, se preparando para a conversa, fechando as persianas, caminhando nervoso de um lado para outro. A movimentação de camera reforça isso, já que várias vezes vemos Barry(Sandler) enquadrado e logo depois esse enquadramento é "corrigido", mostrando ele sentado com o telefone em uma cadeira e outra cadeira vazia do lado oposto da mesa, trazendo assim o que está fora(talk-girl) para dentro da tela. As irmãs sempre tentam fazer com que alguém se aproxime dele, e é dessa forma que Barry começa a se envolver com Lena, colega de trabalho de Rhonda, uma de suas irmãs. Emily Watson, que está muito bem no papel, sempre com vestidos vermelhos ou em cores quentes, falando pouco e com uma voz suave, demonstrando a timidez e a calma de sua personagem. Assim Lena se transforma numa luz no fim do túnel para Barry, uma esperança onde não havia nada. Quando Barry vai ao seu encontro no Hawaí, surgem elementos que frisam isso, como as roupas vermelhas das atendentes no aeroporto em contraste com as cores azuladas do resto da cena, a lâmpada bastante forte no fim do entroncamento entre o aeroporto e o avião e ele caminhando em slow ao em sua direção, e a luz que se acende na cabine de telefone público quando ele consegue falar com ela, todas essas cenas acompanhadas do refrão "Pela primeira vez na vida/ Eu finalmente senti/ Que alguém precisava de mim" da música "He Needs Me", referência ao filme "Popeye" de Robert Altman e se encaixando perfeitamente no contexto, já que passa a idéia de um amor inocente, puro. É como se tudo se tornasse mágico quando ele estivesse ao lado dela.
Se observamos com cuidado nota-se que até a cor gravata de Barry é usada para indicar suas emoções durante o filme, o que pode passar despercebido ou parecer um erro de continuidade se olhado sem a devida atenção. As cores variam entre o vermelho( no início, antes de conhecer Lena, mas já indicando para uma paixão que irá surgir), amarelo(quando está no avião, indicando seu nervosismo, atenção) e branco (Quando encontra Lena no Hawaí, também de Branco).
No momento de encontro entre Barry e Lena há uma ação que aparece duas vezes, é a chegada de Lena. Ela aparece para nós, espectadores, e logo após, aparece novamente, mais de perto, para Barry, reforçando sua chegada. Há uma quebra do clichê de encontros românticos onde os personagens estão isolados, num lugar deserto. Quando eles se encontram, aparecem várias pessoas caminhando de um lado para o outro, entre eles. Existe a beleza da cena (somente observamos as silhuetas das pessoas) mas algo é diferente das cenas usuais de encontros românticos (eles não estão sozinhos).
O filme é construído a partir de detalhes e como esses detalhes são filmados. É uma obra cinematográfica sobre solitários e apaixonados vistos de muito perto, demonstrando as loucuras de cada um. É um filme do encontro do vermelho com o Azul, rodeado de flashs coloridos.
Trecho de diálogo do filme:
Barry
"Estou olhando seu rosto e tenho vontade de amassá-lo.
Quero amassá-lo com um martelo e esmagá-lo,
você é tão linda"
Lena
"Seu rosto é tão lindo…
Quero mastigá-lo, arrancar seus olhos e…
Quero comê-los, mastigá-los e chupá-los"


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