PUNIDOS POR DEUS E PELOS HOMENS: o degredo no Regimento do Santo Ofício de 1640 e nas Ordenações Filipinas de 1603

Share Embed


Descrição do Produto




60



DIAS (org.), apud COSTA, Emília Viotti da. Primeiros povoadores do Brasil: o problema dos degredos. Revista de História, São Paulo, ano VII, vol. XIII, julho-setembro, p. 3-23, 1956. p. 21.
NOBREGA, apud COSTA, Emília Viotti da, op. cit., p. 22.
COSTA, Emília Viotti da, op. cit., p. 3-23.
TOMA, Maristela. História, legislação e degredo em Portugal. Justiça & história, Porto Alegre, v. 10, n. 5, p. 51-92, 2005. p. 26 (paginação de acordo com a versão da internet).
Ibid., p. 25.
AMADO, Janaína. Viajantes involuntários: degredados portugueses para a Amazônia colonial. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. VI, p. 813-832, 2000.
SOUZA, Laura de Mello e. Inferno atlântico: demonologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000.
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 109.
CARDOSO, Ciro Flamarion (org); VAINFAS, Ronaldo (org). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 150-153.
BURKE, Peter (org.) A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora da Unesp, 1992. p. 12-13.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 17.
Cf. GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: _____. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
BURKE, Peter (org.) A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora da Unesp, 1992. p. 98-99.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 15-20 passim.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 498-499.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 25.
DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos: e outros episódios da história cultural francesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001. p. 15.
Peste negra é a designação por que ficou conhecida, durante a Idade Média, a peste bubônica, pandemia que assolou a Europa durante o século XIV e dizimou cerca de um terço de sua população.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 501.
Ibid., p. 501-502.
DAVIDSON, N. S. A Contra-Reforma. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 1-2.
MULLETT, Michael. A Contra-Reforma. Lisboa: Gradiva, 1984. p. 13-17.
DAVIDSON, N. S. A Contra-Reforma. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 10.
Conceito teológico que designa a passagem, sob o influxo da graça divina, do estado de pecado para o estado de graça, ou estado de justiça.
Sacramento é um conceito cristão que marca as várias fases de vida do crente. São sete os sacramentos adotados pela Igreja Católica: batismo, confirmação do batismo (ou crisma), confissão (ou penitência), eucaristia, ordem (sacerdotal), matrimônio e unção dos enfermos.
Estabelecimento escolar para a formação de eclesiásticos
O ensinamento ininterrupto da Igreja, do primeiro século até o presente.
DAVIDSON, N. S., op. cit., p. 12-13.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 500.
BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália: séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 338.
Ibid., p. 25.
NOVINSKY, Anita W. Cristãos-novos na Bahia. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1972. p. 27.
Ibid., p. 36.
BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 279.
BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália: séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 31.
BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália: séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 44.
Ibid., p. 46.
NOVINSKY, Anita W. Cristãos-novos na Bahia. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1972. p. 35.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 67.
BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália: séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 47.
Nome que se dá, a partir do século XVI, ao conjunto de textos compilados em meados do século VI sob ordem do imperador Justiniano, que encerravam todo o saber jurídico romano.
Modo como ficou conhecido o conjunto de coleções de textos elaborados e compilados ao longo dos séculos, a saber: o Decreto de Graciano, as Decretas, o Sextum, as Clementinas, as Extravagantes de João XXII e as Extravagantes comuns; vigorou até 1917, quando foi substituído pelo atual Código de Direito Canônico.
TOMA, Maristela. História, legislação e degredo em Portugal. Justiça & história, Porto Alegre, v. 10, n. 5, p. 51-92, 2005. p. 3 (paginação de acordo com a versão da internet).
TOMA, Maristela. História, legislação e degredo em Portugal. Justiça & história, Porto Alegre, v. 10, n. 5, p. 51-92, 2005. p. 19 (paginação de acordo com a versão da internet).
Ibid., p. 20.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, v.1 e 2.
Ibid., v. 2, p. 98.
Ibid., v. 1, p. 91.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 161, tít. 43, § 2.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 502.
NOVINSKY, Anita W. Cristãos-novos na Bahia. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1972. p. 52.
BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.p. 280.
MURAKAWA, Clotilde. Os Regimentos da Inquisição Portuguesa: um estudo de vocabulário. Revista Anthropológicas, Recife, v. 10, n.4, p. 37-51, 1999. p. 10. (paginação de acordo com a versão da internet).
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 101.
HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal - séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 495.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 501.
BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália: séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 49.
Ibid., p. 31.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 16.
Ibid., p. 61.
Ibid., p. 47.
PONTAROLO, Fábio. Degredo interno e incorporação no Brasil meridional: trajetória de degredados em Guarapuava, século XIX. 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. p. 11.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 23-24.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 29-35 passim.
Terras especiais, normalmente de fronteiras, que as leis do Reino não abrangiam. Os criminosos fugiam para lá para evitarem uma condenação pior ou eram mandados como degredados.
Terras que eram regidas pelos fidalgos seus donos, que antigamente as receberam como prêmios por seus serviços. Eram locais de refúgio ou de degredo em que as leis do reino não se aplicavam, por ser concedida liberdades ao fidalgo como retribuição ao seu serviço público permanente.
PIERONI, Geraldo M., op. cit., p. 24-27.
Pena muito antiga na qual os condenados eram usados na navegação, antes do desenvolvimento da vela. Com a difusão dessa nova tecnologia, os condenados a essa pena passaram a ser usados em trabalhos forçados nas obras públicas, mas manteve-se o nome antigo.
COSTA, Emília Viotti da. Primeiros povoadores do Brasil: o problema dos degredos. Revista de História, São Paulo, ano VII, vol. XIII, julho-setembro, p. 3-23, 1956. p. 4.
VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil colonial: 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 181.
SOUZA, Laura de Mello e. Inferno atlântico: demonologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 90.
Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SOUZA, Laura de Mello e, op. cit., 1993. p. 94.
Ibid., p. 89.
PIERONI, Geraldo M. No purgatório mas o olhar no paraíso: o degredo inquisitorial para o Brasil-colônia. Textos de História, Brasília, v. 6, n. 1-2, p. 115-142, 1998. p. 120.
CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y estado en Iberoamerica: el lenguaje político em tiempos de las independencias. Buenos Aires: Sudamericana, 2004. p. 64, tradução nossa, grifo nosso. "[...] Concepto éste, el de pueblo, por ló común sinónimo del de ciudad."
CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y estado en Iberoamerica: el lenguaje político em tiempos de las independencias. Buenos Aires: Sudamericana, 2004. p. 64-75.
Cf. MURAKAWA, Clotilde. Os Regimentos da Inquisição Portuguesa: um estudo de vocabulário. Revista Anthropológicas, Recife, v. 10, n.4, p. 37-51, 1999.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 58, tít. 2, § inicial.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 489, tít. 138, § inicial.
NOVINSKY, Anita W. Cristãos-novos na Bahia. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1972. p. 31.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 851, tít. XII, par. 4.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 848, tít. IX, § 6.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 59, tít. 2, § 1.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 489-490, tít. 138, § inicial e 1.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 847, tít. IX, § 1.
Ibid., p. 847, tít. IX, § 2.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 865, tít. XXI, § 2.
Ibid., p. 851, tít. XII, § 4.
Ibid., p. 872, tít. XXV, § 9.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 170, tít. 49, § 1.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 45.
LARA, Silvia Hunold (org.), op. cit., p. 22-23.
PIERONI, Geraldo M., op. cit., p. 45.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 838, tít. III, § 12.
Ibid., p. 838, tít. III, § 13.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 45.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 830, tít. I, § 5, grifo nosso.
PIERONI, Geraldo M., op. cit., p. 44-45.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: em casa de E. e H. Laemmert, 2 tomos, 1877. p. 179.
Ibid. p. 180.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 32.
COSTA, Emília Viotti da. Primeiros povoadores do Brasil: o problema dos degredos. Revista de História, São Paulo, ano VII, vol. XIII, julho-setembro, p. 3-23, 1956. p. 19.
Ibid., p. 19.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 91, tít. 13, § 1.
Ibid., p. 107, tít. 19, § inicial.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 873-874, tít. XXV, § 13.
Ibid., p. 837, tít. III, § 8.
LARA, Silvia Hunold (org.), op. cit., p. 496, tít. 140, § 3, grifo nosso.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 832, tít. I, § 12.
Cf. VAINFAS, Ronaldo. (Org.); FEITLER, B. (Org.); LAGE, L. (Org.). A Inquisição em xeque: temas, controvérsias, estudos de caso. 1. ed. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006. 
SIQUEIRA, Sônia (org.), op. cit., p. 870, tít. XXIV, § 4.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 870, tít. XXIV, § 4.
NOVINSKY, Anita W. Cristãos-novos na Bahia. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1972. p. XXI.
BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália: séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 343.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 345, tít. 111, § inicial.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 829, tít. I, § 1, grifo nosso.
Ibid., p. 852, tít. XII, § 8, grifo nosso.
Ibid., p. 833, tít. II, § 4, grifo nosso.
Ibid., p. 849, tít. X, § 6 e 7.
NOVINSKY, Anita W. Cristãos-novos na Bahia. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1972. p. 33.
BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 280.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 44.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 55, tít. 1, § inicial.
Ibid., p. 55-56, tít. 1, § inicial.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 829, tít. I, § 1.
Ibid., p. 871, tít. XXV, § 1.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 872-873, tít. XXV, § 9, grifo nosso.
Ibid., p. 833, tít. II, § 1, grifo nosso.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 61.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 63, tít. 3, § 1, grifo nosso.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 871, tít. XXV, § 1, grifo nosso.
Ibid., p. 854-855, tít. XIV, § 1, grifo nosso.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 57, tít. 1, § 4, grifo nosso.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 845, tít. VII, § 8, grifo nosso.
Ibid., p. 844, tít. VII, § 2.
Ibid., p. 845, tít. VII, § 8.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 185-186, tít. 54, § inicial.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 869, tít. XXIV, § 1.
LARA, Silvia Hunold (org.), op. cit., p. 187, tít. 54, § 1.
SIQUEIRA, Sônia (org.), op. cit., p. 870, tít. XXIV, § 2.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 170-172, tít. 49, § inicial-3, passim.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 865, tít. XXI, § 2.
LARA, Silvia Hunold (org.), op. cit., p. 67, tít. 3, § 3.
SIQUEIRA, Sônia (org.), op. cit., p. 855, tít. XIV, § 3.
LARA, Silvia Hunold (org.), op. cit., p. 496, tít. 140, § 2.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 865, tít. XXI, § 2.
SOUZA, Laura de Mello e. Inferno atlântico: demonologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 96-97. Cf. VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 497-498, tít. 140, § 7.
TOMA, Maristela. História, legislação e degredo em Portugal. Justiça & história, Porto Alegre, v. 10, n. 5, p. 51-92, 2005. p. 27 (paginação de acordo com a versão da internet).
COSTA, Emília Viotti da. Primeiros povoadores do Brasil: o problema dos degredos. Revista de História, São Paulo, ano VII, vol. XIII, julho-setembro, p. 3-23, 1956. p. 8-10.
SOUZA, Laura de Mello e. Inferno atlântico: demonologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 99.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 492, tít. 139, § 4.
COSTA, Emília Viotti da. Primeiros povoadores do Brasil: o problema dos degredos. Revista de História, São Paulo, ano VII, vol. XIII, julho-setembro, p. 3-23, 1956. p. 10.
PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 86.
NOVINSKY, Anita W. Cristãos-novos na Bahia. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1972. p. XVIII.
BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 281-282.
Ibid., p. 282.
HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal - séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 489.
SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. p. 830, tít. I, § 5.
Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 46.
Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 32.
BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália: séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 49.
NOVINSKY, Anita W. Cristãos-novos na Bahia. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1972. p. 32-33. Cf. Id. A inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1992. Coleção Tudo é História, v. 49.
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 39.
HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 39. Cf. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
HUNT, Lynn, op. cit., p. 140.
Ibid., p. 139.
PIERONI, Geraldo M.; MERCER, José Luiz; OLIVEIRA, Solange. História e linguagem. Análise de um processo inquisitorial: a bígama Maria Ferreira condenada pela inquisição no século XVII. Travessias, v. 6, n. 1, p. 124-136, 2012.
MURAKAWA, Clotilde. Os Regimentos da Inquisição Portuguesa: um estudo de vocabulário. Revista Anthropológicas, Recife, v. 10, n.4, p. 37-51, 1999.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA








RENAN DE OLIVEIRA BRANTES










PUNIDOS POR DEUS E PELOS HOMENS: O DEGREDO NO REGIMENTO DO SANTO OFÍCIO DE 1640 E NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS DE 1603












VITÓRIA
2013
RENAN DE OLIVEIRA BRANTES















PUNIDOS POR DEUS E PELOS HOMENS: O DEGREDO NO REGIMENTO DO SANTO OFÍCIO DE 1640 E NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS DE 1603






Monografia apresentada ao Curso de Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em História.
Orientadora: Profª. Drª Rossana Gomes Britto.














VITÓRIA
2013
AGRADECIMENTOS

Ao meu prof. José Cândido, a quem devo muito do que sou hoje pelo pequeno, mas muito importante, empurrão inicial. Como um bom "mestre", ajudou esse simples discípulo a soltar-se dos grilhões da Caverna, mostrando-me em um breve período e com poucas palavras as infinitas possibilidades da vida e, logo, do conhecimento humano.

Ao prof. Rogério Rosa, cujo olhar de "agora vocês vão ver..." jamais vou esquecer. Agradeço todos os dias por ter me dado o tema de seminário "que sobrou", "degredados e ciganos", que surpreendentemente, tanto para mim, quanto para ele, transformou toda a minha vida acadêmica.

À profa. Rossana Britto, que me tirou da solidão dos estudos coloniais em que estive a maior parte de meu tempo na Universidade, sem ter um guia para meus estudos dos colonos.

Aos profs. Geraldo Pieroni e Maristela Toma, cujos bons trabalhos sobre o degredo e a ótima divulgação deles em meios eletrônicos me permitiu o contato com o tema.

Aos meus colegas Ari, Edis, Lellison, Gustavo e Hugo "Bacalhau", por todo o auxílio dentro e fora da Universidade, cujas amizades carregarei para sempre.

Aos Dançarinos do Escalador Azul-Gelado, amigos ferozes (?) em toda e qualquer situação, há mais de dez anos. Em especial a "Igão", que, a seu modo, e com incessantes ligações, me incentivou a terminar meus estudos.

À Internet e aos Espíritos da Tecnologia, pois sem eles este estudo seria impossível.

A minha animada família e ao meu "Cachorro-Laila", que sempre esteve lá, aos pés de minha cama, a me observar com olhares filosóficos, sejam os dias bons ou ruins.

À Tália, musa da Comédia, a única que conseguirá me entender por completo.
RESUMO

Trataremos aqui de um tema ainda pouco estudado na história da colonização portuguesa: a pena do degredo nas leis do século XVII. Comparando dois importantes códigos legais desse período, as Ordenações Filipinas de 1603 e o Regimento do Santo Ofício de 1640, observaremos alguns pontos importantes desse tipo específico de exílio moderno: quem eram as pessoas degredadas e quais seus grupos sociais; em quais crimes era aplicado; quais os locais comuns de degredo; a estratificação social, os títulos de nobreza e a aplicação diferenciada das penas; seu uso para a colonização; comutação de penas e perdão real. Também serão destacados as confluências e conflitos entre as Justiças secular e inquisitorial. Tudo isso será feito pelo viés teórico da história cultural.

Palavras-chave: Degredo – Ordenações Filipinas – Regimento do Santo Ofício – colonização.


















ABSTRACT

This study will discuss about a theme poorly researched in history of Portuguese colonization: the punishment of degredo in seventeenth century. Comparing two codes of this period, the Ordenações Filipinas from 1603 and the Regimento of Santo Ofício from 1640, we note some important points in this specific kind of modern exile: who were the people banned and your social groups; what were the crimes that could result in this sentence; what were the usual places of degredo; the social hierarchy, the nobility's titles and the different applications of penalty; the usefulness for colonization; the change of penalties and the royal pardon. We will also show the junctions and conflicts between the secular and inquisitorial Justices. All these will be done through the ideas of the cultural history.

Keywords: Degredo – Ordenações Filipinas – Regimento of Santo Ofício – colonization.


















SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................6
INQUISIÇÃO, ESTADO E DEGREDO.................................................................12
COMPARAÇÃO ENTRE OS CÓDIGOS PUNITIVOS..........................................27
CONCLUSÃO.......................................................................................................52
REFERÊNCIAS....................................................................................................57
FONTES PRIMÁRIAS......................................................................................57
BIBLIOGRAFIA................................................................................................57
ANEXO A – GLOSSÁRIO..........................................................................................60
ANEXO B – CRONOLOGIA......................................................................................62























1. INTRODUÇÃO

É muito comum atualmente, em discussões sobre o caráter ruim do brasileiro e sua origem, ouvirmos o seguinte argumento: "O Brasil é desse jeito por ter sido colonizado por bandidos". Tal opinião tem seu sustento: muitos foram os protagonistas da história que testemunharam a favor dela. Por exemplo, o primeiro donatário da Capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira, disse em uma carta ao rei de Portugal de 1546 as seguintes palavras sobre os prisioneiros enviados: "[...] sertifico a V. A. e lho juro pella hora da morte que nenhum fruyto nem bem fazem na terra mas muito mal e dano [...] crea V. A. que são piores qua na terra que peste pello qual peço a V. Z. Que pollo amor de Deus tal peçonha ca não mande [...]". Mem de Sá, terceiro governador-geral do Brasil, também alerta ao rei sobre tais criminosos na Colônia em 1560: "Deve V. A. lembrar que povoa esta terra de degradados e malfeitores que os mais dêles merecem a morte e não tem outro oficio se não urdir males". Esses e muitos outros ao longo dos séculos se queixaram dos muitos exilados que eram mandados para as novas terras portuguesas.

Muitos continuaram propagando essa posição. Hoje, porém, vários estudiosos que voltam ao tema perguntam: mas quem eram esses horríveis criminosos? Que crimes teriam cometido para serem tão odiados? Foram essas mesmas dúvidas que motivaram este trabalho. A busca pelas respostas nos leva a um tema ainda obscuro na historiografia: a pena do exílio no império colonial português, ou seja, o degredo.

Os estudos sobre o degredo português são escassos e pouco conhecidos. Poucos são os historiadores que se dedicaram a escrever sobre esse importante castigo, tão citado pelas autoridades coloniais e tão recorrente nas leis do Império português. Emília Viotti da Costa deu grande contribuição para colocar os degredos em evidência. Em um de seus artigos, faz um importante levantamento de questões e um bom panorama do degredo pelas autoridades seculares, destacando vários títulos das Ordenações Filipinas, a mais duradoura das compilações de leis entre as Ordenações do Reino, e algumas cartas das autoridades da Colônia falando sobre os exilados. E uma das questões centrais desse artigo é se os punidos com o desterro português podem realmente ser considerados criminosos, no sentido atual da palavra. A partir daí, outros autores desenvolveram pesquisas mais elaboradas sobre as punições nos códigos do Antigo Regime em Portugal.

A autora Maristela Toma demonstra em um de seus artigos o destaque que o governo absolutista português deu ao degredo: o código de leis que vigorou durante todo o século XVII e XVIII, auge do período colonial, as Ordenações Filipinas, apresenta duzentas e sessenta e cinco condenações ao degredo. Constatando isso, podemos dizer que a "[...] peça central do sistema penal português era a pena de degredo [...]". Nesse estudo, a autora insere o degredo num contexto de mudança do meio jurídico europeu e centralização do poder pela Coroa portuguesa. Faz um breve histórico das Ordenações, para depois analisar as ocorrências do degredo nelas. Porém, não se prende a identificar as aparições nas leis, colocando também discussões de termos e interpretações sobre sua aplicação prática.

Porém, ambas as autoras tratam quase que exclusivamente da legislação, não observando os degredados efetivamente. Diferente delas, outros autores apresentam estudos mais concretos, não recusando a legislação, mas se concentrando no estudo de casos de pessoas condenadas a residir no Brasil. Uma delas é a pesquisadora Janaína Amado, que em seu artigo referente ao degredo para a Amazônia colonial se dedica aos degredados pela Justiça secular. Aborda então a situação destes indivíduos na região amazônica, fazendo inclusive uma pequena análise quantitativa dos registros dos degredados.

Tratando da feitiçaria e de outras práticas culturais que contribuíram para a formação da identidade brasileira, Laura de Mello e Souza dedica parte de sua obra Inferno Atlântico, ao estudo de algumas mulheres degredadas pela Inquisição. Neste texto, a autora conclui que o degredo foi fundamental, ao trazer para a Colônia diversas práticas religiosas que deram a tônica da formação cultural do Brasil.

Mas, ao tratar exclusivamente do degredo de mulheres, Laura de Mello não permite uma interpretação mais completa da participação do Santo Ofício no degredo colonial. Nesse sentido, importante são as pesquisas feitas por Geraldo Pieroni. Utilizando também da legislação, de registros de degredados pela Justiça secular e mesmo de cartas e outros documentos, as publicações de Pieroni fornecem grandes contribuições para o entendimento do degredo inquisitorial para o Brasil. Tendo como meio principal os processos inquisitoriais, apresenta diversas interpretações relevantes relacionadas aos condenados e à própria condenação ao degredo. E fornece ainda importantes explicações sobre o pensamento eclesiástico do período, mostrando como ele influenciou, por exemplo, na visão paradoxal do Brasil como local de purificação e, ao mesmo tempo, de perdição.

Ao confrontarmos essas e outras produções sobre o tema podemos constatar o seguinte: a nova visão sobre os criminosos banidos mostra que a noção de crime do período colonial é diferente da que temos hoje; a maior parte dos estudos apoia-se nas leis seculares. Diante disso, o presente trabalho pretende, além de divulgar a produção já feita sobre o degredo, inserir no debate um documento ainda pouco utilizado: o Regimento da Inquisição de 1640. Apesar de muito conhecido e citado nas pesquisas sobre o Santo Ofício, com as questões levantadas pelo recente tema do degredo um novo olhar pode ser lançado também sobre as leis inquisitoriais.

Assim, para este trabalho escolhemos para análise as duas maiores fontes legais que regeram a vida dos portugueses, sejam metropolitanos ou colonos, do século XVII, mais especificamente os seus livros que tratam dos crimes e suas respectivas penas. A primeira, a que trata das punições pela Justiça secular, é o Livro V das Ordenações Filipinas, por ser ela a última e de maior duração entre as Ordenações, sendo também o auge das condenações ao degredo para o Brasil. A segunda, o Livro III do Regimento do Santo Ofício de 1640, trata dos crimes e penas da Justiça inquisitorial, sendo o maior, mais detalhado e mais duradouro dos Regimentos criados pelos inquisidores em Portugal.

Para realizar a análise de tais fontes, usaremos do método comparativo conforme delineado por Marc Bloch. Para esse autor, a comparação é a base para se executar um trabalho de crítica textual de valor. Para não cair o historiador na armadilha da unilateralidade das fontes, esse precisa compará-las entre si, quando de uma mesma época e região, para que evite (ou pelo menos tente) adotar uma única visão como a verdade. Age, assim, como o detetive que investiga as diversas testemunhas de um fato, para só depois dizer com maior certeza o que "realmente" aconteceu. Precisamos para isso identificar em quais pontos os discursos se interligam e onde eles se afastam, podendo em nosso caso, a título de exemplo, a semelhança entre os códigos filipino e inquisitorial representar não uma equiparação pacífica de forças, mas, ao invés disso, uma disputa e uma confusão do poder de punir, com ambas as jurisdições tentando abarcar os mesmos crimes para sua área.

Nessa comparação das fontes, adotaremos a linha da história cultural, seguindo um dos modelos de análise histórica da cultura destacados por Ronaldo Vainfas. Em parte, nos guiaremos pelo autor Carlo Ginzburg utilizando de suas considerações sobre essa vertente teórica. Assim, serão pontos importantes em nosso estudo a valorização dos grupos populares e marginalizados, entendidos como agentes ativos nos acontecimentos históricos, e a estratificação social, ou seja, a desigualdade entre as classes sociais. Pretendemos, com isso, fazer uma "história vista de baixo", característica esta que permeia, como mostra Peter Burke, vários dos novos trabalhos historiográficos, sobretudo os da vertente da história cultural, opondo-se à antiga abordagem da "história vista de cima", preocupada apenas em mostrar a atuação das elites nos acontecimentos, e a uma concepção aristocrática de cultura, ambas marcantes nas produções historiográficas de tempos passados.

Para melhor compreender as relações entres os grupos sociais portugueses, principalmente a do grupo específico dos degredados, importantes serão as ideias sobre o relativismo cultural e a interdisciplinaridade. Nas novas análises sobre a cultura das sociedades na história, esta disciplina vem cada vez mais recorrendo a outras dentro das ciências humanas para melhor compreender seus objetos de estudo, sendo a busca deste auxílio muito mais frequente entre os historiadores do além-mar, devido à interação constante entre vários povos e regiões do globo no período das grandes navegações. Em vista disso, para enriquecer nosso estudo recorremos a pesquisas nas áreas de antropologia, sociologia e linguística.

Outro importante conceito no modelo de história de Giznburg é o de circularidade cultural. Segundo esse conceito, existe dentro da sociedade uma divisão cultural e social entre as elites e os populares, possuindo cada grupo uma cultura relativamente autônoma, mas que se influenciam mutuamente. Nessa interação entre as culturas muitos pensamentos se convergem, criando "sistemas mentais" cujas ideias são em muitos pontos compartilhadas por grupos sociais diferentes.

Aqui em particular, buscaremos essa confluência de posições nos limites entre o tolerável e o intolerável do "sistema mental" português. Como explica Sônia Siqueira, cada período da história é marcado por um "sistema mental", um conjunto de ideias e pensamentos sobre a vida. Cada visão de mundo dessas apresenta limites às opiniões e aos pensamentos das pessoas de seu tempo, podendo reprimi-los ou não, de acordo com sua disparidade em relação às crenças aceitas em sua época.

No entanto, essa "prisão da crença" não é tão firme quanto parece. Nas palavras do próprio Ginzburg temos o seguinte esclarecimento: "[...] Assim como a língua, a cultura oferece ao indivíduo um horizonte de possibilidades latentes – uma jaula flexível e invisível dentro da qual se exercita a liberdade condicionada de cada um [...]". Entendido dessa forma, o paradigma vigente de uma época não é tão rígido a ponto de determinar quais ações ou pensamentos os homens terão, mas os guiará a certas tendências comuns de seu meio social, podendo até impor a eles limites ou castigos severos, caso suas liberdades individuais se desviem além do tolerável socialmente. Como lidaremos neste trabalho com crimes e transgressões às leis, caminharemos exatamente nesse limiar do socialmente aceito; veremos o que era negado, logo, saberemos o que era exigido como o correto.

Importante também para nortear nosso olhar diante dos testemunhos históricos que usaremos é a estranheza que sentimos ao tentar entender as pessoas do passado. Como coloca Darnton, "[...] se queremos entender sua maneira de pensar, precisamos começar com a ideia de captar a diferença [...]". Dessa forma, é a estranheza que surge do choque cultural de nossa visão atual com as partes inicialmente incompreensíveis dos fragmentos do passado, que possibilita o historiador visualizar o caminho para desvendar certos aspectos do pensamento dos indivíduos da história, ou mesmo o universo mental de sua época.

Portanto, neste trabalho buscaremos entender como funcionou a pena do degredo no século XVII, em especial o degredo para o Brasil. Faremos isso através da comparação dos dois maiores códigos punitivos do império português: o Livro V das Ordenações Filipinas e o Livro III do Regimento do Santo Ofício de 1640,

Usaremos para isso a linha teórica da história cultural, analisando mais especificamente os limites do permitido pela justiça colonial portuguesa. Em meio a isso, vários outros pontos serão discutidos, como o incentivo ao degredo para auxiliar a colonização, o funcionamento conjunto das Justiças inquisitorial e secular, a flexibilidade e a desigualdade social no tocante ao estabelecimento das penas.



2. INQUISIÇÃO, ESTADO E DEGREDO

O final do século XV e todo o século XVI foi um período extremamente conturbado para os povos europeus. Transformações de proporções nunca antes vistas ocorriam em todas as áreas da vida humana, numa velocidade acelerada em relação ao pensamento medieval, ainda muito presente nas culturas europeias.

A peste negra, apesar de muito tempo passado, deixou uma grande cicatriz na demografia e na mente dos povos da Europa. O rebuliço religioso e social que causara ainda se fazia sentir em todo o continente. A guerra contra os islâmicos sofria uma reviravolta, agora com os reinos católicos retomando e dominando as terras dos mouros. Além de reaverem seus territórios após muitos anos em poder dos maometanos, os cristãos, sobretudo os da Península Ibérica, inverteram a situação: agora eles é que conquistavam terras dos "infiéis" e ampliavam seus impérios ao longo do Mediterrâneo e África. Os Estados passam a centralizar-se cada vez mais, concentrando-se todas as alianças em torno de indivíduos únicos ou de suas dinastias. Surgem, assim, os Estados monárquicos ou absolutistas.

Grandes transformações tecnológicas mudaram a dinâmica das guerras e das navegações. O desenvolvimento no uso da pólvora levou ao crescente uso de armas de fogo, em detrimento das armas brancas e armaduras, que eram pesadas e menos eficientes, dentro da nova lógica de luta à distância. As invenções da vela e de outros instrumentos de navegação possibilitaram a exploração de áreas distantes dos oceanos. Com isso, terras antes inacessíveis passam a ser frequentadas e colonizadas, passando a ser constante o contado dos europeus com as terras da América, África e Ásia. O acesso a esses domínios gera também a total transformação dos anseios e objetivos econômicos, com um crescente aumento do comércio, do tráfico de escravos e da busca de especiarias, pedras preciosas, e terras para o plantio de cana-de-açúcar.

Um enorme rebuliço também ocorre no campo das ideias. Os pensadores do Renascimento passam a contestar a tradição medieval. Por meio da recuperação dos textos clássicos gregos e romanos, várias ideias aparecem nos campos político, religioso, social e artístico; o secular passa a ser valorizado, em detrimento do divino, além de uma crescente separação dessas duas esferas na vida dos homens. Os dogmas da Igreja Católica Romana são contestados. A partir de Martinho Lutero em 1517, indivíduos e grupos passam a negar abertamente as ideias da religião cristã oficial, dando início a Reforma Protestante.

Com todas essas mudanças tem início a Modernidade. Esta foi uma época de crise, de dúvidas. "O descortínio de novos mundos e outros povos fora convite para repensar a condição humana [...] Mudava-se, gradativamente, nos diversos países da Europa, a própria maneira de encarar o mundo [...]". Sabendo que seu modo de viver e de pensar era um entre os muitos que encontrava nas novas terras, e mesmo entre os povos antigos que os renascentistas falavam, o homem europeu passa a questionar suas próprias tradições, seu próprio modo de vida, até mesmo suas relações com Deus. Com os ensinamentos da milenar Igreja Católica colocados em dúvida, ameaçada pelos próprios cristãos, esta também sofrerá transformações. Uma grade discussão se inicia entre os católicos.

É desse debate dentro dela que se tem inicio o movimento da Contra Reforma. Este nome é considerado por muitos como inadequado, pois sugere que as renovações tiveram o único objetivo de combater os protestantes. Ao afirmar isso, o outro lado desse movimento interno é esquecido, o da Reforma Católica, que teve início mesmo antes das contestações de Lutero. Logo, apesar de sugerir apenas um, o termo "Contra Reforma" engloba tanto uma reação própria da Igreja quanto uma derivada de problemas externos.

Além do movimento protestante, três fatores foram fundamentais para alavancar esse movimento: a peste negra, o Saque de Roma de 1527 e o Renascimento. Para discutir todos esses eventos, foi realizado o Concílio de Trento (1545-1563). Seu objetivo foi fortalecer o catolicismo nas áreas ainda não atingidas pelo protestantismo, além de finalizar o intenso debate sobre a justificação entre os eclesiásticos, que ocorriam desde antes da Reforma. Manteve-se os sete sacramentos, o culto aos santos foi reafirmado e foi definido que a missa continuaria a ser celebrada em latim. As várias reclamações de abusos e despreparo dos eclesiásticos foram ouvidas: foi ordenado que cada diocese deveria ter um seminário e foram estabelecidas várias exigências para se exercer o cargo de bispo. Respondendo às principais questões colocadas pelos protestantes, definiu-se que a Tradição e a Bíblia tinham a mesma autoridade e que a fé e as boas obras são ambos necessários para a salvação. Essas últimas determinações foram essenciais para a separação efetiva entre católicos e protestantes.

Com sua fé reestruturada, A Igreja italiana estabelece duas formas de fortalecer a fé católica: a expansão da fé para as terras recém descobertas e o combate aos transgressores dela nas regiões onde era forte. A primeira solução foi conduzida, sobretudo, pela ordem da Companhia de Jesus, principais religiosos a conduzirem missões, a catequese e, logo, o ensino dos princípios do catolicismo no ultramar. A segunda foi realizada pelo Tribunal do Santo Ofício. Junto com a criação do Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos), o Concílio de Trento reorganizou o Tribunal, inclusive incentivando sua criação em outros locais.

A Península Ibérica era um local muito propício para a instalação da Inquisição. Em Portugal, por exemplo, apesar da forte crítica e afastamento da Igreja que ocorreram com as ideias de secularização renascentistas, neste local, no entanto, todas as mudanças foram condicionadas pela forte crença que se manteve no catolicismo. Tudo deveria passar pelo "filtro" da fé e, de algum modo, servi-la. Esta servidão fervorosa dos ibéricos levou a acontecimentos impensáveis em outros países: em 1492 a Espanha expulsava todos os judeus do reino; Portugal, por sua vez, ordena que se convertam à força todos os seguidores da Lei de Moisés do reino, em 1497. Com todos os judeus convertidos ou expulsos, os que continuassem professando suas antigas práticas seriam considerados hereges e poderiam ser punidos pelas leis católicas, pois agora eram "cristãos", ou seja, estavam sujeitos aos castigos reservados aos que renegam os dogmas oficiais.

Ao ser instituído o Santo Ofício em Portugal no ano de 1536, com sede na cidade de Évora, estes transgressores passam a ser julgados pelo novo tribunal. Aliás, este foi o motivo central para a fixação dos tribunais lusitanos: acabar com os judaizantes.

Para tamanha empreitada ser posta em prática era necessário o apoio das autoridades seculares, portanto, da Coroa portuguesa. Muito importante foi o apoio, muitas vezes pessoal, do rei nas atividades da Inquisição ao longo de toda a existência dessa. Vemos, então, "[...] o envolvimento do rei desde o início, assumindo a responsabilidade da criação do tribunal e fazendo questão de estar presente na cerimônia de fundação da nova instituição [...]". Porém, tal postura a favor do Santo Ofício, logo, da perseguição dos judeus e seus descendentes, nem sempre foi a adotada pelo governo lusitano. Em tempos anteriores, pouco antes do fim do Medievo, os judeus não eram perseguidos; pelo contrário, as relações entre cristãos e judeus eram boas, havendo, inclusive, um número considerável de casamentos mistos. As medidas de segregação impostas aos judeus desde o Concílio de Latrão (1215), como o uso de símbolos distintivos e a moradia obrigatória em guetos, não eram levadas a sério em Portugal. Ao invés disso, existiam leis que os protegiam do preconceito. Mesmo após a conversão forçada de 1497 há uma preocupação régia em protegê-los, sendo criados vários decretos proibindo a discriminação e a investigação dos recém-convertidos por vários anos. A partir de 1530, no reinado de D. João III, a Coroa começa a mudar de posição em relação aos cristãos novos, incentivando a vinda do Tribunal para o reino.

Punindo os dissidentes da religião católica, a Inquisição se mostrava parte integrante dos meios de transformação idealizados por Trento. Mas sua missão não era apenas de corrigir os membros seculares da Cristandade, tendo também a obrigação de fiscalizar as ações dos membros eclesiásticos. Este direito antes era reservado às Ordens e aos bispos, tendo demonstrado grande resistência à mudança de jurisdição. Pretendia-se exercer um controle centralizado sobre o clero por meio da fiscalização do Santo Ofício, que, por ser um órgão novo, não estava preso aos jogos de interesse e vícios burocráticos, mostrando-se ideal para aplicar as reformas internas. Ao fazer isso, o Tribunal tornava-se vetor fundamental da Contra Reforma (entendida em seu sentido mais amplo), afinal era a principal frente contra os vícios tanto internos quanto externos da Igreja, além de satisfazer, assim, as críticas feitas sobre os abusos do clero.

Para regular uma instituição com tamanho poder, era necessário estipular regras para sua ação. Apesar de raramente mencionado pelos historiadores que dão base à essa pesquisa, os primeiros esforços nesse sentido foram agrupados numa série de instruções feitas pelos primeiros inquisidores portugueses em 1541. Este regulamento determinava que os processos dos réus fossem públicos e suas penas ainda não previam o confisco de bens (o uso dessa pena pelos inquisidores só tem início em 1563). Várias ações reservadas nesse período unicamente ao inquisidor-geral, logo se estenderiam aos juízes da Inquisição, a saber, a comutação de penas, a tortura e a decisão final de alguns processos.

Poucos anos depois, o primeiro código oficial da Inquisição em Portugal estava em vigor. O Regimento de 1552 estabelecia o segredo nas ações do Tribunal, sobretuno nos processos. Isso significava que os acusados não saberiam quem os acusou, nem quem eram as testemunhas interrogadas, não podendo alegar a inimizade com elas caso fosse o motivo da denúncia. As etapas do processo e os encargos dos funcionários são bem detalhados, bem como suas limitações. Estas regras serão complementadas por um regulamento datado de 1570. Outro novo regulamento, o Regimento de 1613, também terá grande repercussão, no qual vemos um esforço cada vez maior de detalhar e delimitar todas as ações da instituição. Nele, um complexo aparelho burocrático já é visível.

Apesar do rápido impulso inicial da Inquisição portuguesa ter como um dos motivos o aproveitamento da experiência inquisitorial espanhola, fundada em 1478, mais de cinquenta anos antes de sua vizinha, a prática do Santo Ofício lusitano alcançou conquistas únicas. Sua produção jurídica revela um desenvolvimento notável na prática da caça às heresias. Mesmo que continuassem usando dos manuais medievais, notamos nos Regimentos a preocupação dos inquisidores em centralizar e uniformizar a atuação do Tribunal em Portugal, em registrar e organizar as experiências adquiridas com a prática jurídica e, sobretudo, em atualizar essa prática conforme o passar dos anos. Tal esforço de renovação não foi tão grande nos tribunais espanhóis, que se mostraram muito mais presos aos manuais medievais.

Tudo isso vai culminar finalmente no Regimento de 1640. Este documento fora escrito no auge da Inquisição portuguesa: "[...] no século XVII, perto de cem anos após o seu estabelecimento em Portugal, já a encontramos perfeitamente integrada no sistema político e social do país [...]". Foi, por isso, o mais duradouro dos regulamentos, permanecendo em vigor cento e trinta e quatro anos. São algumas de suas características o regramento descomunal da conduta e obrigações dos funcionários, o detalhamento do processo penal, o estabelecimento de uma tipologia detalhada e organizada dos possíveis crimes associados com suas penas, maior organização administrativa, a sistematização dos ritos e a introdução da pureza de sangue para os cargos da instituição (ou seja, eram proibidos aos descendentes, mesmo que distantes, de negros, judeus ou mouros). Ao ler tal regulamento fica evidente o aperfeiçoamento da organização interna e de todo o processo em relação aos anteriores. As lacunas deixadas pelos regimentos anteriores que a prática jurídica identificava eram preenchidas no regimento seguinte, aumentando-o e tornando-o mais minucioso. Por ser o produto de todas as discussões e de todas as experiências da Inquisição desde sua fundação, o Regimento de 1640 é o maior, mais complexo e mais detalhado dos regulamentos, considerado pelos portugueses um "monumento jurídico".

É evidente que a Inquisição não atuava tão livremente como pode parecer. Todos os seus passos tinham o apoio do Estado. Melhor dizendo, os movimentos do Tribunal só foram possíveis por causa do auxílio constante que os governantes lhe davam.

A vastidão do domínio do Estado Moderno, não só sobre todos os súditos, mas também sobre todas as instituições, explica-se pelo seu êxito na concentração do poder jurídico em torno da figura do rei. Grandes foram seus projetos de unificação e organização das leis que perduravam desde antes da Idade Média.

A tradição jurídica europeia tem como base, podemos dizer, um conjunto de textos tidos como fundadores: o Corpus iuris civilis e o Corpus iuris canonici. A ambos se somavam os direitos locais, chamados Direitos Próprios. Ao longo do tempo, criou-se uma situação na Europa Ocidental caracterizada não pela integração, mas pela coexistência de ordenamentos jurídicos autônomos, cujas origens remontam à tensão entre a fidelidade (que não permitia aos juristas irem além do trabalho da exegese) e a inovação (que se impunha a partir da necessidade de atualizar as normas, a fim de adequá-las ao momento histórico vigente). Grupos como a Escola dos Glosadores (iniciada no século XII) e a Escola dos Comentadores (dos séculos XIV e XV) se dedicarão a estudar apuradamente os textos jurídicos romanos.

Aproximadamente no século XII ocorreu na Europa o desenvolvimento do poder judiciário, num processo onde a justiça passou a ser identificada como um poder exterior aos indivíduos. As ações penais, por seu turno, deixam de se reduzir a disputas entre indivíduos e famílias ou grupos e passam a ser públicas, tendo em vista que a reparação da parte ofendida tem de ser pública. Vemos também que ocorreu a consolidação da vitória do Estado na luta pela estatização da justiça, e se por um lado vemos a publicização da punição, vemos seu correspondente no plano legal na sistematização das penas. O Estado passou a reivindicar para si a exclusividade da aplicação das punições, combatendo assim as vinganças privadas (situação que em Portugal, durante o reinado de D. Afonso II, era quase endêmica). O Estado também passou a lançar mão de formas de violência reguladas juridicamente e socialmente aceitas, que normalmente eram executadas em público, visando desencorajar futuros criminosos. A encenação da punição e a encenação do poder do rei se confundiam.

Esses esforços feitos pelos Estados monárquicos modernos de tomar para si o uso da justiça, e consequentemente da força, e o de conter as manifestações particulares de vingança são o centro da análise de uma das principais obras de Norbert Elias. Iniciando sua análise na Idade Média, este mostrará como ao longo dos séculos nota-se um processo crescente de monopolização da força pelos Estados centrais; apenas os grupos representantes ou designados do poder central passam a possuir autoridade para usar de armas e da violência. Paralelo e integrado a esse processo temos outro, o de contenção das paixões e dos comportamentos considerados impróprios dentro das sociedades europeias. Teremos, assim, no período moderno, uma pressão social maior sobre os indivíduos para que se adaptem aos novos padrões comportamentais. Nesse sentido, temos num dos títulos das Ordenações Filipinas, Dos que fazem desafios, um exemplo dessa pressão por mudança de atitude, "E os que levarem escritos ou recados de desafio, por qualquer via que seja, incorrerão em pena de dez anos de degredo para o Brasil e perderão a metade de suas fazendas sem remissão".

Em Portugal, da história jurídica destacaremos três momentos marcantes: as Ordenações Afonsinas (concluídas em 1446), as Ordenações Manuelinas (que passam a vigorar definitivamente em 1521) e as Ordenações Filipinas (que entram em vigor em 1603); ordenações que correspondem aos três códigos oficiais promulgados pelos monarcas de Portugal.

No caso das Afonsinas, a obra segue a estrutura das Decretas de Gregório IX e está dividida em cinco livros, que contemplam as seguintes matérias: Livro I: versa sobre o que hoje é chamado de Direito Administrativo; Livro II: versa sobre assuntos relacionados à Igreja e sobre direitos régios e da administração fiscal, dos donatários, judeus e mouros; Livro III: versa sobre o processo civil; Livro IV: versa mais amplamente sobre o Direito Civil; Livro V: versa sobre Direito e Processo Penal. Sua hierarquização das fontes segue a doutrina dos Comentadores.

Com a chegada da imprensa em Portugal em 1487, o rei D. Manuel tencionou imprimir as Ordenações Afonsinas. Antes da impressão, quis que as Ordenações fossem revisadas e acrescidas. Porém, a promulgação posterior de um grande volume de leis fez com que o rei ordenasse uma nova reforma nas Ordenações, cujo resultado ficou pronto em 1521. As Ordenações Manuelinas seguem a mesma divisão das Ordenações Afonsinas, mas o estilo de redação muda bastante, sendo as leis em geral reescritas em estilo decretório, semelhantes a novas leis.

Logo após os primeiros anos do domínio espanhol, Felipe II encarregou uma comissão de juristas para revisar e compilar as novas leis promulgadas desde a entrada em vigor das Ordenações Manuelinas. Esse trabalho foi concluído em 1595 e o novo código, que ficou conhecido como Ordenações Filipinas, passou a vigorar em 1603. Seu objetivo fundamental era reunir num só texto as leis promulgadas nas Ordenações Manuelinas e as promulgadas depois delas. Seu estilo linguístico é mais impessoal e conciso, o que representa um progresso em termos de linguagem, mas sua estrutura é muito fiel às Ordenações Manuelinas, o que pode significar respeito pelas instituições portuguesas por parte de Felipe II. Este código foi o mais longevo, e serviu de base do direito português até o século XIX, vigorando até a promulgação do Código Civil em 1867.

Controlando as leis, então reorganizadas, e o uso da violência em seus domínios, o rei inicia uma nova empreitada para fortalecer ainda mais o controle sobre as pessoas. Pretendeu-se, além de controlar os corpos e os costumes, definir no que os homens do reino podiam crer, ou seja, controlar e uniformizar as mentes, as consciências. Foi pensando em evitar os problemas de divisões e disputas advindas do convívio entre vários credos que o rei D. João III incentivou a introdução da Inquisição em Portugal. Esta instituição seria o seu instrumento de controle religioso e cultural. Com ela "[...] poderia alargar seu poder sobre os portugueses, pois ela lhe daria, embora indiretamente, o controle das consciências [...]". O Santo Ofício seria a diretriz dos que não conseguiam seguir a única fé, a católica; usaria suas técnicas de persuasão e coerção para colocá-los no caminho correto para a salvação de suas almas. E tal instituição vinha pela vontade do próprio rei, sendo a ele subordinado; seguiria suas determinações, pois sua existência dependia de seu apoio.

É claro que essa dependência não era isenta de conflitos. É natural que o Tribunal crescendo reivindicaria mais autonomia e maior jurisdição. Muitas vezes essas conflitos eram ferozes e abertos, havendo até ameaças ao rei por parte dos inquisidores. Sua fama de arbitrariedade era tão grande que afirmam que "[...] o ramo português do Santo Ofício tornou-se literalmente uma lei em si, isento de toda interferência episcopal e reservando-se a posição de autoridade suprema em relação aos tribunais civis e eclesiásticos [...]". Outros, além de sugerir um poderio da Inquisição maior do que o estatal, dizem ter ele sobreposto este poder conforme se firmava no reino, "[...] numa flagrante manifestação da força do poder da Igreja, que [...] foi gradativamente ampliando sua jurisdição e competência [...]". Segundo esses argumentos, ambas as Justiças estariam sempre em conflito desde o aparecimento do Tribunal, numa tentativa da Igreja de impor as sua leis, em detrimento da Justiça secular.

Gostaríamos de deixar claro que, apesar de reconhecermos a importância dos inúmeros estudos que defendem esses conflitos, não partilhamos dessa opinião. Aqui defendemos a posição de que o Tribunal estava subordinado ao Estado, inserido em seu plano político de controle e uniformização das mentes.

Apesar do nome Absolutismo, esta forma de governo dos Estados Modernos não significava que os Príncipes administravam seus reinos sozinhos. Com as constantes disputas pelo poder e pelo domínio de terras acorridas ao longo da história, os grupos vitoriosos ou que buscavam proteção se juntaram em torno de um homem único, o rei, que comandava o monopólio das conquistas. Conforme as conquistas cresciam, era cada vez mais difícil o soberano controlar tudo sozinho, o que fez com que delegasse cada vez mais funções aos seus seguidores. Dessa dependência crescente nasce a burocracia e a administração do reino e, logo, o "Estado . Entendida dessa forma, a monarquia "absolutista" é plural, possui diversas instituições que são necessárias ao funcionamento do Estado; o rei é a cabeça de um grande corpo, seus membros são as autoridades públicas, que levam as ordens da Coroa a qualquer parte do reino e, desta forma, tornam possível o poder "absoluto" do rei.

Assim o Estado, ou seja, o rei, toma a frente da organização nacional como um todo, inclusive do que desrespeitava a Igreja. O soberano "[...] passou a ser o chefe administrativo da Igreja nacional [...]". Na modernidade, é o rei que ganha destaque, o secular que coordena a sociedade europeia, diferente do que acontecia no Medievo, em que a fé recebia uma atenção maior. Agora a Igreja perde poder e se submete as autoridades seculares.

O rei, então, por sua vontade e determinação, atribui a função de julgar os crimes de caráter moral e religioso ao Santo Ofício, pois são eles os especialistas em lidar com as heresias, logo, os únicos capacitados a auxiliar o reino a fortalecer a fé católica, como determinado por Trento. Era seu papel reconhecer as heresias e produzir conhecimento para tal, tanto em ralação ao dogma quanto das práticas culturais, em outras palavras, do pensamento e da cultura dos hereges. Este último encargo variou de região para região, de acordo com as práticas culturas dos povos ao redor que foram negadas pelo catolicismo, como em Portugal as dos judeus e islâmicos. Não é a toa que cada Tribunal tinha leis e organização próprias, adaptadas ao seu reino, seguindo a necessidade de cada local.

Devido a essa interdependência entre o braço secular e o clerical, notamos que os discursos elaborados por ambas as Justiças são semelhante. Às vezes estão de tal forma imbricados que um mesmo delito pode ser punido pelas duas Justiças. São os casos conhecidos como mixti fori, ou seja, de jurisdição mista, como por exemplo, a bigamia, a blasfêmia e a feitiçaria. Porém, não nos deixemos enganar. As Justiças, por mais que se confundissem, o que certamente gerava muitos conflitos de jurisdição, tinham papeis reservados a cada uma. Seus objetivos não se misturavam e "[...] Somente os crimes de teor religioso ou moral eram da alçada do Santo Ofício". Apenas os inquisidores podiam julgar a heresia e só os juízes civis julgavam, por exemplo, os crimes de lesa-majestade.

Cada Justiça sabia o que era de sua competência e o que era da outra, bem como suas próprias limitações. Quando não há penas específicas para os crimes que analisam, "[...] As condenações inquisitoriais moldam-se às leis da jurisdição secular. Os regimentos, de fato, são 'complementados' pelas 'disposições de direito' contidas nas ordenações [...]". Isso mostra, novamente, a dependência da Inquisição em relação ao Estado, sempre recorrendo às leis do reino quando as suas próprias não eram suficientes. Do mesmo modo, temos aí, mais uma vez, a confluência das Justiças, que se ajudam mutuamente quando, às vezes em um mesmo caso, uma envia o réu para que a outra continue o processo. Assim, não podendo os inquisidores executar os réus que condenavam à morte, por serem eclesiásticos, esses eram "relaxados ao braço secular" para que este aplicasse a pena capital.

Tanto nos regimentos quanto nas Ordenações, a pena do degredo é recorrente, sobretudo na legislação do século XVII, auge da expansão ultramarina. Esta punição

[...] consistia numa forma de expulsão penal prevista pela Justiça secular e eclesiástica da Coroa lusitana, onde o condenado era obrigado a sair do local onde cometera seu crime, sendo enviado para outro território pertencente ao reino, onde deveria permanecer por tempo determinado ou perpetuamente [...]

O condenado banido era mandado para uma das terras previstas em lei, variando de acordo com o crime cometido, podendo ainda ser trocado para outro equivalente, de acordo com os agravantes e atenuantes do caso. O período em questão, o século XVII, é de especial importância, pois os antigos locais indicados para degredo, em geral localidades internas de Portugal, são trocados pelas terras do além-mar.

O degredo correspondia a um tipo específico de expulsão penal, diferente de outras formas praticadas ao longo do tempo. Ele seguia uma lógica dupla: afastar o criminoso e seu aproveitamento racional dos condenados pelo Estado, pois eram vistos como mão-de-obra móvel. Assim, o degredo previa ao menos em teoria, que a vontade do rei permanecesse a reger a vida dos condenados, mesmo a distância, tendo em vista que os condenados eram utilizados como mão-de-obra.

O banimento de criminosos para regiões longínquas foi uma medida adotada por inúmeros povos ao longo da história. Na Grécia antiga, exilavam-se os homicidas perpetuamente, acompanhando a pena a infâmia e o confisco dos bens. O próprio criminoso podia exilar-se fugindo da cidade, não podendo nunca mais voltar. Havia também um exílio político temporário, o ostracismo, em que se afastavam da cidade os indivíduos que apresentassem ameaças ao governo da cidade, normalmente por um tempo de até dez anos. No Império Romano de Augusto, a deportatio era a pena que implicava no exílio perpétuo, com perda da honra, dos bens e dos direitos de cidadão, para áreas das fronteiras. A relegatio era também um afastamento político, perpétuo ou temporário, sem prejuízos para a honra ou para os direitos.

Muitos países também aproveitaram seus criminosos para povoar suas terras. A Inglaterra de 1600 determinou que todo prisioneiro condenado a mais de três anos de prisão seria enviado para as colônias da América do Norte. Após a independência dos Estados Unidos, era a Austrália o novo destino dos condenados. Mauricio de Nassau, em seu governo do nordeste brasileiro, após a invasão holandesa do Nordeste, incentivou as autoridades da metrópole holandesa a enviarem todos os seus prisioneiros.

Em Portugal, o degredo sempre foi muito utilizado pelos governantes para povoar as fronteiras do reino, mesmo antes da expansão marítima. Nesses limites, havia os coutos e as honras, que abrigavam criminosos fugitivos, também chamados homizios. Nestes locais, os que tivessem cometido algum crime em outras partes do país poderiam fugir para lá, onde poderiam permanecer sem ter medo de serem perseguidos pelas autoridades; os réus castigados com o degredo eram mandados cumprir suas penas nesses distritos. Quando as novas terras foram descobertas, a estas foi permitido também abrigar fugitivos da justiça, além de ser proibida a abertura de novos coutos na metrópole.

Eram vários os locais que recebiam os degredados. Antes da colonização do Brasil e da Ásia, os locais mais citados são, as galés, Castro-Marim, São Tomé, Ilha do Príncipe, e África. Os decretos feitos após as Ordenações Manuelinas comutam muitos dessas penas para as novas descobertas, principalmente para o Brasil, Angola e Ásia. Ir para cada um desses lugares dependia da gravidade do delito cometido, sendo Castro-Marim o mais brando entre os degredos e o Brasil o mais severo, vindo logo depois da pena de morte e das galés. Conforme aumentavam os delitos punidos com o degredo, aumentava-se o contingente de colonos, cujas penas eram cada vez mais comutadas em desterro para o ultramar. É por essa visível ligação entre o aumento da pena de degredo e o processo de colonização que concluímos que esta foi uma das principais estratégias do Estado para povoar seus recentes territórios, afinal, "[...] Nem mesmo as promessas miraculosas da possibilidade de descobrir riquezas: ouro e prata, conseguiram, estimular esse primeiro povoamento". Lembremos, por exemplo, do relato de Pero Vaz de Caminha sobre a expedição de Pedro Álvares Cabral; os primeiros colonizadores deixam aqui os primeiros degredados, a custo de muito choro de um dos criminosos. Degredo e Sistema colonial andavam juntos. Assim, "[...] O incentivo do Estado ao envio de degredados para o Brasil mostrou-se concomitante, portanto, à montagem do próprio sistema colonial [...]".

Mas a ideia econômica do aproveitamento da mão-de-obra dos prisioneiros nas colônias não é suficiente para entender todos os aspectos entorno do degredo. É preciso também adentrarmos no imaginário do período, saber como essas terras eram vistas pelos europeus. Muito já se falou dos mitos e maravilhas que os navegadores procuravam no mar, principalmente no Novo Mundo; o Brasil também foi visto como o Éden, o local onde havia riquezas, prazeres e nenhum pecado. Se tomássemos essa como a visão geral e única, eis a dúvida: por que então se mandariam os indesejáveis para um lugar tão maravilho? Pois outra visão andava paralela a do Brasil como Paraíso: a deste como lugar de sofrimento, de perigos e provações; um Purgatório.

A Colônia era vista como um local para se pagar os pecados cometidos. "[...] Para o Santo Ofício, enviar réus à Colônia das Américas era, em termos gerais, permitir que concluíssem aqui um longo processo purificador iniciado ainda nos cárceres [...]". O próprio sofrimento da viagem era uma penitência para purgar os males. Esta visão é derivada de uma longa discussão que começou na Idade Média entre os teólogos. Inicialmente, o Purgatório foi concebido como um "estado" espiritual, mas com o passar do tempo, na tentativa dos padres de passarem esse ensinamento para os fiéis populares, acabou-se construindo a ideia dele como um "lugar", no sentido físico; eruditos e populares, em suas interações ao longo de séculos, definiram o Purgatório como um ambiente terreno, um local específico. Transferida essa ideia para o contexto colonial, este era o consenso entendido por inquisidores e leigos: o Purgatório era uma região terrena, e esta era o Brasil ou outras terras de exílio, onde os desviados poderiam se redimir de seu mal.

Em meio a todos os pensamentos que circulavam sobre o degredo, a fé, os transgressores da lei e a forma de tratá-los, no final do século XVI e início do XVII, os estadistas e inquisidores portugueses pensam as regras mais adequadas para guiar ou corrigir a Cristandade. E este empenho conjunto, assim como suas intrigas, repercute em suas leis.


3. COMPARAÇÃO ENTRE OS CÓDIGOS PUNITIVOS

Para entendermos qualquer texto de qualquer época, devemos antes estar habituados às palavras utilizadas por eles. Em qualquer análise documental de "vestígios" históricos é fundamental que se tenha enorme preocupação com o significado exato das palavras. Ou seja, é preciso ter o cuidado de entender como as pessoas da época pensavam as palavras e entendiam seus significados, mudando a forma de usá-las e o sentido de todo o texto de acordo com as circunstâncias. Um bom exemplo disso é o uso da palavra pueblo pelos colonos da América Espanhola no período de sua independência da Espanha. Numa tradução simples, usaríamos a palavra "povo", porém, naquele contexto, o sentido em que era usado era diferente do atual: Sobre a palavra pueblo explica o autor Chiaramonte: "[...] Conceito este, o de pueblo, pelo comum sinônimo de cidade". Logo, a palavra em português "povo", que tem o sentido de conjunto de todas as pessoas de um país, alteraria o sentido pretendido pelos hispano-americanos, o de "cidade", mais especificamente uma cidade autônoma politicamente, semelhante à cidade-estado grega.

Em nosso caso, o da análise da linguagem jurídica, esse olhar deve ser ainda mais atento devido ao significado específico que as palavras usadas nos códigos têm, não apenas em relação ao nosso tempo, sendo diferentes também dos adotados usualmente pela sociedade em que foram escritos. Além disso, não só uma palavra pode ter vários sentidos, de acordo com a época, como, numa mesma época, um único sentido pode ter várias palavras que o sugerem ou definem. Assim, usando palavras diferentes, únicas ou um conjunto delas, é possível "acionar" um mesmo significado.

Apesar da importância do debate linguístico e vocabular para facilitar o entendimento da parte penal das Ordenações Filipinas e do Regimento de 1640, esse não será desenvolvido aqui. Mas para auxiliar o leitor na compreensão de alguns termos recorrentes nesses códigos, muitos deles estranhos ao nosso tempo, ao final deste trabalho estão sugestões de sentidos apreendidos por nós.

Uma primeira característica que é visível em qualquer parte de ambos os documentos é a clara divisão social. Em todos os títulos do Livro V das Ordenações Filipinas há penas específicas para cada grau dentro da hierarquia em que o punido se encontra. Logo no início desse último livro, em seu segundo título, Dos que arrenegam ou blasfemam de Deus ou dos santos, temos a separação da sociedade em três classes: os fidalgos; os cavaleiros e seus escudeiros; os peões. Esta é a classificação básica dos grupos sociais, porém, cada um deles sendo composto de várias profissões e títulos que diferenciavam os indivíduos uns dos outros. Num outro título, Das pessoas que são escusas de haver pena vil, há uma série de especificações sobre os títulos de nobreza que excluem os que os possuem de sofrerem as penas de humilhação pública, não podendo ser executadas

[...] nem em juízes e vereadores ou seus filhos, nem nos procuradores das vilas ou conselhos, nem em mestres e pilotos de navios de gávea [...] nem nos amos ou colaços dos nossos desembargadores ou cavaleiros de linhagem ou daí para cima, nem nas pessoas que provarem que costumam sempre ter cavalos de estada em sua estrebaria, e isto posto que a peões ou filhos de peões sejam [...].

Portanto, ter privilégios de "nobreza" na sociedade colonial vai além da ideia de que "[...] o pertencer ao rol dos privilegiados implicava no desprezo ao trabalho manual e ao comércio [...]", já que, mesmo se fosse peão, caso tivesse a profissão digna de criar ou cuidar de cavalos, o benefício dos nobres se estenderia a ele, escapando das penas de degradação pública. O próprio rei D. Manuel I assumiu o título de Senhor do Comércio, mostrando como o trato de mercadorias podia engrandecer ainda mais a nobreza, e não o contrário.

Ao verificarmos o trecho citado, outro mito que não se sustenta é o de que os benefícios de nobreza eram concedidos apenas aos parentes de sangue. Os criados, educadores e irmãos de criação que estavam de alguma forma agregados à família, seja de um fidalgo ou de um cavaleiro, também recebiam certos benefícios que eram restritos. Todos esses associados, como, por exemplo, os escudeiros, eram de origem popular, mas o direito de não receber castigos humilhantes era a eles concedido, fruto da relação que estabeleciam com seus senhores em uma sociedade do Antigo Regime.

Diferentes das leis seculares, o Livro III dos Regimentos de 1640 apresenta uma divisão mais simplificada das classes. Na parte que trata Dos blasfemos, e Dos que proferem proposições heréticas, temerárias, ou escandalosas, ocorre a separação das penas para "pessoa vil" e para "pessoa nobre, e honesta". Esta dualidade permeia todo o documento, nem sempre detalhando o tratamento dado a cada um dos dois grupos. Na maioria das vezes a legislação inquisitorial sugere a estratificação social, mas não a expõe tão claramente como as Ordenações, limitando-se a dizer que ao réu "[...] se lhe darão as penas, que parecer que convém, segundo a qualidade da pessoa, e circunstâncias da culpa". De todo modo, fica evidente que cada grau social tem um valor, uma "qualidade" inerente à posição ocupada pelo indivíduo na hierarquia social, que interfere diretamente nas penas recebidas dos juízes.

Era natural, portanto, a desigualdade entre os homens. Porém, ser privilegiado nem sempre causava uma suavização automática em qualquer pena. Nos delitos nos quais os condenados tinham de reparar os danos através do pagamento de multas, vemos também uma desigualdade social, só que inversa, sendo as multas dos abastados maiores que a das pessoas simples. A cada um dos graus dessa sociedade era esperado da pessoa que o ocupasse uma renda condizente com a sua posição; se nobre, supõe-se que tenha dinheiro suficiente para sustentar terras e criados, por exemplo. Então, a cada pessoa, quando multada, era cobrado um valor de acordo com o que se esperava que tivesse, sendo maior para os fidalgos e menor para os peões. Este aspecto é facilmente percebido no título já citado, das Ordenações, Dos que arrenegam ou blasfemam de Deus ou dos santos:

E arrenegando, descrendo, pesando ou dizendo outras blasfêmias a algum santo [...] pela terceira [vez], o fidalgo pague oito mil réis e seja degredado um ano para África. E o cavaleiro ou escudeiro pague seis mil réis e seja degredado um ano para África, e o peão pague quatro mil réis e seja degredado um ano para galés.

Por vezes, a pena é dada de uma forma mais equivalente para esses grupos, mas continuando com certas diferenças. Para alguns crimes, a pena ordinária prevista para os peões é, de certa forma, mais branda para os fidalgos e cavaleiros, no entanto, havendo uma "compensação". Como dissemos, as penas de caráter público e infamantes, sobretudo as corporais, não podiam ser aplicadas aos nobres e cavaleiros, por isso estas eram trocadas por outras de acordo com sua qualidade. Assim aparece no Código Filipino sobre a comutação das penas dos privilegiados:

E em lugar das ditas penas de açoites com baraço e pregão sejam condenados em dois anos de degredo para África com pregão na audiência.

E se além da pena de açoites for degredado para o Brasil, será o degredo, que em lugar de açoites lhe mandamos dar, de mais um ano para o dito lugar, e sendo o degredo para sempre, não lhe será dada mais pena em lugar de açoites.

1. E quando somente for condenado em degredo com baraço e pregão sem açoites, será em lugar do baraço condenado mais um ano de degredo, com um pregão na audiência, além do tempo em que vai condenado para o lugar para que vai degredado.

Constatamos, desse modo, que a opção mais favorável para não sofrer as vergonhosas penas físicas era, em geral, o aumento do degredo.

Em relação ao abrandamento e mesmo a essa "compensação", também os identificamos no Regimento. Em muitos de seus parágrafos as penas específicas para cada tipo ou ocasião do crime não estão acompanhadas de explicações de como serão aplicadas a cada nível social, como é comum nas Ordenações. Ao invés disso, logo ao iniciar os títulos afirma-se que serão consideradas as qualidades de cada réu, ficando isso subentendido para todas as considerações que vierem a seguir.

Em Dos fautores, defensores, e receptores, dos hereges, após a definição de que fautor de hereges é "[...] toda pessoa de qualquer qualidade, estado e condição que seja, que nas coisas contra a Fé, favorecer os hereges [...] e não manifestando as heresias que deles souber [...]", destaca-se que as penas serão aplicadas "[...] havendo respeito à qualidade da pessoa, e circunstâncias da culpa". Com essa observação já feita, as penas subsequentes derivadas da defesa dos hereges não precisam vir seguidas de detalhes sobre cada classe social, apenas são colocadas as penas ordinárias. Desta forma, em um dos parágrafos, ainda sobre os fautores de hereges, por exemplo, temos "E aquele, que por qualquer maneira impedir o castigo, e execução da justiça contra o herege [...] abjurará em lugar público [...] e será açoitado, e degredado para as galés pelo tempo que parecer aos Inquisidores". Não verificamos qualquer adendo sobre os homens mais qualificados, pois eles já foram feitos anteriormente.

Além da explicação anterior as penas, vemos outras formas dos inquisidores deixarem evidente que os nobres e cavaleiros não sofrerão penas infamantes. Algumas das vezes a legislação simplesmente excluí essas penas, caso estejam previstas na pena ordinária, como é feito em Dos que impedem e perturbam o ministério do Santo Ofício quando afirmam que o réu "[..] será degredado a arbítrio dos Inquisidores para as galés e açoitado publicamente, se na qualidade de sua pessoa pode caber esta pena". Não é prevista qualquer "compensação" para os que não podem ser açoitados, sugerindo apenas a supressão dessa pena sem aplicar outra no lugar.

Porém, em outras ocasiões são usadas penas "compensatórias". No referido título sobre as penas dadas pelo Santo Ofício aos blasfemos, o que for pessoa nobre e, portanto, honesta, "[...] em lugar da pena de açoites, e galés, será condenada em pena pecuniária, e em outro degredo, conforme sua qualidade, bens, que possuir, circunstâncias da culpa, e escândalo [...]". O açoite e as galés são ambos substituídos, por serem degradantes e não adequados aos que têm qualidades, ou seja, privilégios sociais.

Apesar de tudo, um dos modos mais comuns usados nas leis inquisitoriais de se excluir essas penas vis dos réus abastados era o aberto abrandamento da condenação. Na parte que discorre sobre os crimes de sodomia, aos réus que fossem condenados por serem relapsos nesse pecado, havendo provas suficientes sem sua confissão, está dito que "[...] serão condenados em pena pública extraordinária [...] sendo pessoa qualificada, ouvirá sua sentença na sala do S. Ofício, e terá pena de degredo; e se for pessoa ordinária será condenada em açoites, e degredo de galés [...]". Notemos que nesse trecho, logo após ser determinado que se aplicassem as penas públicas mais severas aos culpados, temos, ao contrário, um castigo secreto reservado para os nobres. Além disso, não é especificado o local de degredo para eles. Não estabelecer uma pena exata ou afirmar que esta será dada ao arbítrio dos inquisidores, é também uma forma de suavizá-las. Assim, os julgadores podem controlar e estabelecer as penas conforme julgarem melhor, não expondo os mais abastados aos castigos vergonhosos.

Assim, estavam os fidalgos, cavaleiros, escudeiros e todos os que tivessem este direito, livres de sofrer penas de humilhação pública e corporal, sendo as principais os açoites, as galés, o auto de fé, o hábito penitencial, o confisco de bens, o baraço e outros símbolos infamantes. Lembrando que o degredo para as galés, por seu caráter de trabalhos manuais forçados, também era considerado uma pena vil, portanto só aplicada aos comuns. Havia também outras penas físicas, como as de mutilação; uma delas era o corte da mão: "E qualquer pessoa que resistir contra algum corregedor [...] e na resistência o ferir, ser-lhe-á decepada uma mão e mais será degredado para o Brasil para sempre". Este tipo de pena foi amplamente usado pelas leis anteriores ao século XVII. Porém, a necessidade de usar os condenados nos trabalhos de colonização fez com que se tornassem mais raras, sendo várias delas trocadas pelo degredo.

A marca social da infâmia em certos casos era tão grande que causava a exclusão social do indivíduo. Esta, legalmente, era representada pela expressão morra por isso, que se acompanhada de outra expressão, morte natural, significava que a exclusão do condenado se daria pela morte física; seria executado. No entanto, se viesse isolada, a expressão morra por isso, ou por ello, poderia significar apenas a morte civil, uma diferenciação do indivíduo dos demais, com a retirada de seus direitos, benefícios, cargos e privilégios, tornando-o inferior e humilhado perante os outros. Essa morte civil por vezes era entendida, de fato, como uma exclusão. O penitente era afastado de sua terra e mandado para outra, podendo, assim, as palavras morra por isso serem entendidas como degredo.

Como foi dito, ser desonrado poderia acarretar limitações ou mesmo a perda de vários privilégios. O Regimento de 1640 determina as seguintes restrições aos infamados:

[...] os Inquisidores lhes mandarão, depois de abjurarem em público, que não tenham, nem possam ter ofícios públicos, posto que seja sem dignidade, nem jurisdição como são Procuradores, Advogados, Médicos, Cirurgiões, Boticários, Sangradores, Pilotos ou Mestres de navios, nem ainda bombardeiros, e que em suas pessoas, e vestidos não possam trazer, nem tragam ouro, prata, nem pedraria, ou vestido de ceda, nem andem a cavalo; salvo se forem caminhando, nem tragam armas ofensivas, posto que sejam obrigados a tê-las [...]

Todas elas estão previstas aos classificados como hereges confidentes segundo as leis inquisitoriais em Dos confidentes. Todos os tipos de distintivos, símbolos ou qualquer ostentação de riqueza eram vetados aos indignos, pois apenas os que ainda possuem qualidades podem demonstrar grandeza ou exercer os poderes de mando e da violência. O próprio andar de cavalo, que a nossos olhos parece algo banal, era visto como fausto, uma demonstração de riqueza e nobreza, já que apenas os mais ricos tinham condições de criar esses animais e aprender a cavalgá-los; por isso, então, proibido aos desonrados.

Se a infâmia fosse muito atroz, ela recaia sobre os parentes do condenado. No parágrafo seguinte às restrições acima citadas continua o Regimento de 1640:

13. E quanto aos filhos, cujo pai, ou mãe forem condenados pelo santo Ofício, por hereges, ou relaxados à Justiça secular, e bem assim aos netos, que por linha masculina descenderem de seu Avô relaxado, se mandará, que não sejam [...] de quaisquer outros ofícios que sejam, ou se possam chamar públicos [...] nem tragam sobre sua pessoa, nem em seus vestidos, e trajes cousa alguma, que seja insígnia de alguma dignidade, milícia, ou ofício Eclesiástico, ou secular.

A vergonha do feito nefando é tanta que ela se estende hereditariamente, permanecendo no sangue e na memória da família, prevendo as mesmas proibições, além de outras especificadas, aos descendentes do malfeitor.

Mas, se todas essas penas eram comumente comutadas em degredo para os socialmente elevados, chegamos à outra constatação: o degredo não era considerado uma pena infamante. Junto a ele temos também as penas pecuniárias (multas em geral), as penitências espirituais, a abjuração, o cárcere e a reclusão, todas elas não sendo tão humilhantes perante a sociedade portuguesa moderna. É claro que não ser infamante não quer dizer que não gerasse desonra ou estigma. Quanto maior o caráter público das penas, maior era a vergonha perante o corpo social, bem como a lembrança que este carregaria dos erros do condenado. Inclusive, muitas das penas não infamantes eram relevadas pelos inquisidores devido à repercussão pública que poderiam causar. Assim é dito, em Dos hereges, e apóstatas da santa fé católica apresentados, sobre os hereges que vão voluntariamente confessar suas culpas ao Santo Ofício:

[...] E isto mesmo se guardará com os apresentados fora do tempo da graça, que abjurarem na mesa do s. Ofício, aos quais se não fará sequestro em seus bens, nem lhes serão confiscados, por ser assim conveniente em ordem ao bem espiritual, e ao segredo, com que deve ficar suas confissões.

Por mais que estivesse previsto que certos bens fossem confiscados, ou que fossem aplicadas multas, isso poderia causar uma divulgação dos erros do réu, que segundo o julgamento dos inquisidores merecia ser secreto. Sendo os delitos do réu interiores, ou que ainda não houvessem corrompido nenhum outro fiel, e nem tivessem chegado aos ouvidos da comunidade, os juízes eclesiásticos achavam por bem manter o ocorrido em segredo, bastando a sua reconciliação perante a mesa do Tribunal. No caso do confisco e das multas, mesmo que os motivos não fossem divulgados, o fato de estar sendo a pessoa punida poderia causar desonra perante a sociedade, fazendo com que os juízes preferissem não aplicá-los a certos réus.

Podia-se também sofrer do estigma de ser desterrado. A frequência com que esta pena foi usada e a mudança de outras, consideradas mais severas, para ela, sugere que o degredo era a forma mais branda da Justiça punir a maioria dos casos. Afinal, muitos foram os nobres condenados a degredo para o Brasil, porém mantendo sua "alta qualidade" nas novas terras. Vasco Fernandes Coutinho, primeiro donatário da capitania do Espírito Santo, para colonizar as novas terras do Brasil que recebera "[...] angariou muitos colonos, entrando neste número vários nobres [...]". Entre eles vieram "D. Jorge de Menezes [...] e o seu companheiro D. Simão de Castel-Branco, ambos fidalgos condenados antes a degredo [...]", sabendo-se que o primeiro recebera uma sesmaria do donatário. Os colonos degredados conseguiam, portanto, assumir cargos importantes, sem sofrerem por isso grandes entraves.

Além dos três grupos que formam a base da sociedade colonial, o grupo das mulheres também recebe um tratamento diferenciado. Atualmente as leis são escritas pensando em todos os seres humanos como iguais, sendo as diferenças sociais consideradas exceções à regra de igualdade. Porém, na sociedade colonial portuguesa do XVII esta lógica é inversa: as diferenças sociais são a regra, o tratamento equivalente uma exceção. Dessa mesma maneira ocorre com as desigualdades de gênero. Sendo tal sociedade extremamente patriarcal, os homens naturalmente têm mais direitos que as mulheres. Tendo menos direitos, as mulheres terão também "[...] menores obrigações e deveres perante a sociedade".

Essa irresponsabilidade da mulher acaba refletindo-se nas leis do período. Quando confeccionadas, eram direcionadas aos homens e quando se aplicassem às mulheres, a forma de tratá-las era especificada. Sobre isso, afirma Emília Viotti da Costa: "[...] Sua personalidade jurídica era diversa da do homem. Quando aplicadas a mulheres as penalidades são, muito frequentemente, abrandadas. Isso quando elas não se apresentam totalmente isentas de responsabilidade jurídica [...]". A participação feminina é, então, excepcional, em termos legais.

No Livro V das Ordenações, temos a seguinte colocação sobre as mulheres, após as primeiras palavras do título Dos que comentem pecado de sodomia e com alimárias: "1. E esta lei queremos que também se entenda e haja lugar nas mulheres que umas com as outras cometem pecado contra natura, e da maneira que temos dito nos homens". Outro exemplo que especifica a igual aplicação de uma pena masculina às mulheres está em Do homem que casa com duas mulheres e da mulher que casa com dois maridos: "E esta mesma pena haja toda a mulher que dois maridos receber e com eles casar pela sobredita maneira [...]".

No Regimento de 1640, vemos o mesmo tratamento, uma separação entre as penas masculinas (postas de forma geral) e femininas (colocadas como um adendo). Ao final de Dos que cometem o nefando crime da sodomia, nos últimos dizeres sobre esse crime, destinam-se a elas os seguintes castigos:

13. E em caso, que alguma mulher compreendida no crime de sodomia, haja de ser castigada por ele no S. Ofício, ouvirá sua sentença na sala da Inquisição, pelo grande escândalo, e dano, que pode resultar de se levarem a Auto público semelhantes culpas, e será degredada para a Ilha do Príncipe, S. Tomé, ou Angola [...].

Percebemos nesse e em outros trechos que é muito frequente, principalmente nas leis inquisitoriais, o abrandamento das penas dadas ao grupo feminino. Por exemplo neste referente à Dos confessores: "[...] e sendo mulher, a condenação de galés, que nela não pode ter lugar, será para S. Tomé, Angola, ou partes do Brasil, por tempo de cinco até sete anos". Novamente fica claro que a suavização das penas acaba, geralmente, na comutação de degredo para locais mais próximos da metrópole ou mais fáceis de sobreviver.

O mesmo tratamento menos rigoroso se apresenta a crianças e idosos. As leis seculares, em Dos degredos e degredados, estabelecem que "[...] os que forem degredados para os lugares de África que forem de tão pouca idade ou de tanta que não sejam para cumprir os degredos nos ditos lugares [...] será mudado o degredo para Castro-Marim, dobrando-lhes o tempo". Aos que não tinham condições de sobreviver em locais difíceis por ser muito jovem ou muito velho, um degredo interno era preferível. E sobre as crianças ainda esclarece os inquisidores:

[...] declaramos, que o varão, que for menor de dez anos e meio, e a fêmea de nove e meios, não abjurarão [...] até os anos, que chamam de descrição, que são quatorze ao varão e doze na fêmea, constando [...] que tem entendimento, e são capazes de dolo [...] abjurarão na mesa [...] porque nestes termos a malícia supre a idade, conforme o direito; e tanto que a fêmea for de doze anos de idade cumpridos, e o varão de quatorze, farão abjuração em público, assim como a fazem os de maior idade.

Logo, as crianças também podiam ser condenadas por heresia, de acordo com sua idade e capacidade de discernimento. Antes da primeira idade, rapazes dez anos e meio e moças nove anos e meio, são consideradas ingênuas, não sendo seus erros considerados pecados. Quando atingem a juventude, indo da primeira até os quatorze anos do rapaz e os doze da moça, a malícia começa a aflorar, tendo que ser julgado cada caso para saber se o jovem tinha ou não a intenção (ou "tenção", como dizem os documentos), e a consciência de pecar. Após quatorze e doze, são considerados adultos em termos jurídicos e punidos como tais.

Os religiosos também são um grupo muito citado nas leis. Como era reservado aos tribunais eclesiásticos e inquisitoriais julgar os que carregam funções sacras, não há punições para eles nos código secular. No entanto, o Regimento está repleto de considerações sobre os eclesiásticos desviados. Eles são divididos em "Clérigos seculares" e "Religiosos". Os primeiros são irmãos leigos, membros de Ordens religiosas, porém não são ordenados como sacerdotes, logo, não podendo ministrar missas e outras funções. Cometendo o crime de testemunho falso, o clérigo falsário "[...] será suspenso para sempre das ordens, que tiver e inabilitado pelo [sic] poder receber as que lhe faltarem, e degredado para as galés, de S. Tomé ou Angola, pelo tempo que parecer [...]". Por serem considerados seculares para efeitos legais, esses poderiam sofrer penas vis e tinham que se retratar publicamente, ou seja, abjuravam em público nos autos de fé. Além disso, se usassem mal de seus benefícios divinos poderiam ser proibidos de exercê-los ou de ter outros no futuro. Seus irmãos ordenados, os religiosos regulares, também eram punidos por falsidade: "[...] será privado para sempre de voz ativa, e passiva, e suspenso das ordens, e terá reclusão até dez anos no mosteiro mais apartado de sua religião, e nele alguns anos de cárcere, com disciplinas, e jejuns de pão e água [...]". Assim, esses também eram privados de funções religiosas, podendo ser perpetuamente, mas seu degredo era em geral para mosteiros longínquos e isolados, com a exigência de jejuns, disciplina, afazeres humildes e penitências espirituais.

Como último grupo, muito marcante foi o dos cristãos-novos. Após as conversões forçadas de 1497, a sociedade portuguesa ficou dividida entre cristãos-velhos e novos. Apesar do termo inicialmente ter sido usado para designar os novos convertidos tanto do judaísmo quanto do islamismo, na prática ele foi usado apenas para os conversos judeus e seus descendentes, sendo os antigos seguidores do islã designados como mouriscos. Perseguir os cristãos-novos foi o motivo da criação da Inquisição em Portugal e seu principal objetivo até o final do século XVIII. Quase noventa por cento dos processos inquisitoriais portugueses são de judaizantes, em geral ligados aos cristãos-novos, ser cristão-novo era sinônimo de ser judaizante, assim como ser cristão-velho praticamente excluía a possibilidade desse crime.

Na legislação não há muitas referências diretas aos cristãos-novos, porém as punições para os que se apartam da fé e seguem a Lei de Moisés são frequentes. Nas Ordenações vemos essa menção direta:

Defendemos que nenhum cristão-novo que fosse judeu, se vá, nem passe de nossos reinos para terra alguma de mouros, sob pena de perder toda a sua fazenda, e ser cativo, sendo tomado no próprio ato de sua ida, ou em qualquer outro ato, por que conhecidamente pareça ele se querer ir ou fugir para as ditas partes contra esta defesa.

Aqui não há crime contra a fé e sim o da desobediência das leis, sendo ressarcido apenas o Estado e não a opinião pública. Porém no Regimento de 1640 notamos um ataque mais direto contra os judaizantes. O judaísmo na maioria das vezes vem destacado como um exemplo de heresia: "[...] todas as pessoas de qualquer estado, e condição que sejam, pelo crime de heresia, e apostasia [...] se vierem apresentar se na mesa do Santo Ofício [...] e confessarem nela culpas de judaísmo, ou de qualquer outra heresia [...]". O crime de praticar o judaísmo é enfatizado dentre as várias outras práticas religiosas correntes no período, mostrando que a preocupação dos inquisidores em combater essa religião se sobressaía em relação às outras. Em certos trechos, as crenças judaicas vêm associadas a termos pejorativos: "8. Se o réu confessar as blasfêmias, e juntamente afirmar, que as disse, por viver apartado da fé, e ter crença na lei de Moisés, ou em alguma ímpia, e danada seita [...]". Em Dos negativos, o local sagrado de reunião dos judeus, a sinagoga, em outras partes é usado para designar genericamente qualquer local de ensino de heresias: "4. E sendo os negativos Heresiarcas, ou Dogmatistas [...] as casas, em que se provar, que faziam sinagoga, e ajuntamento para ensinarem seus erros [...]". Além de tudo isso, em algumas partes a referência ao cristão-novo é feita indiretamente por meio do termo "pessoa suspeita". Isso é sugerido por essa expressão vir como uma oposição, ou mesmo uma categoria inferior, a da pessoa cristã-velha.

Com esses exemplos, vemos que os seguidores ocultos do judaísmo representavam uma ameaça constante e muito prejudicial à fé cristã, no pensamento coletivo colonial, e esse grande medo recaiu sobre os descendentes distantes dos antigos judeus ibéricos, os cristãos-novos. Estes,

"[...] como antes deles os judeus, foram acusados de serem 'diferentes' dos cristãos, diferentes na conduta e no caráter, devido a discrepâncias inatas. De nada adiantara a conversão, o cristão novo continuava marcado pelas características associadas aos judeus [...]".

Mesmo com a conversão e a expulsão, o preconceito contra o judeu não desapareceu, ele apenas foi transferido para os convertidos dessa religião. Porém, mesmo que a crença de que tais conversos continuaram a praticar o credo de seus ancestrais tenha persistido mais de dois séculos, é fato que as incessantes perseguições e o passar de longos anos tornou inviável que essa religião fosse ainda praticada na íntegra. Os poucos que continuaram com as práticas judaicas conheciam e perpetuavam apenas alguns rituais, afinal, não havia acesso a muitos anos a essa religião, não podendo ser eles conhecedores.

São inúmeros os atos considerados crimes nessa sociedade, e vários punidos com o degredo. Pelos exemplos citados, vemos que a blasfêmia, a heresia, o judaísmo, o islamismo, o testemunho falso, a bigamia, a feitiçaria, a sodomia, a negação dos crimes já provados, a fuga do reino sem autorização, ajudar os transgressores da fé, atrapalhar ou ofender os oficiais de justiça, todos esses e outros feitos poderiam, dependendo das circunstâncias, ser punidos com o degredo, "de qualquer estado ou condição que fosse" a pessoa. Esta gama enorme de limites impostos às ações dos indivíduos é para nós algo muito estranho e quase inconcebível de ser aplicado, tamanha é a severidade dessas leis para nosso olhar contemporâneo. Muito dos castigos são desproporcionais para nós; em nossa liberdade de expressão e da valorização das diversidades culturais, é muito difícil compreender como tantas ações que são hoje banais, e mesmo parte do princípio de liberdade, eram veementemente condenadas. Contudo, não podemos olhar para as ações passadas apenas no intuito de negá-las. Para não cair ou perpetuar esse anacronismo, precisamos, pelo contrário, humildemente tentar compreender seus motivos. Só assim enxergaremos a necessidade que essas autoridades viam no rigor de suas leis, único meio de manter intactos a ordem nacional, o poder real e a fé cristã.

E era a própria vontade divina que atribuía a cada um, Igreja e Estado, o poder de corrigir os erros que dissessem respeitos a suas respectivas áreas de atuação; ir contra a lei era ir contra Deus e toda a ordem que Ele planejou para os seres humanos. Cada Justiça sabia os crimes que cabia a sua jurisdição, porém existindo alguns deles que podiam ser julgados por ambas, seja em separado ou em conjunto. Essa interação entre os tribunais seculares e inquisitoriais foi fundamental para estender ao máximo o poder do rei sobre a vida de seus súditos.

A interdependência das Justiças é bem visível em vários pontos nas legislações punitivas. Nas leis filipinas, logo nas primeiras palavras do título inicial do Livro V, temos a seguinte explicação: "O conhecimento do crime da heresia pertence principalmente aos juízes eclesiásticos". Todos os suspeitos de "não se sentirem bem com a fé" e, por isso, levantarem presunção, seja leve ou veemente, de estarem se apartando da verdade cristã deveriam ser encaminhados aos julgadores capazes dessa análise, portanto aos religiosos, em especial aos inquisidores. As leis seculares em seguida continuam: "E porque eles não podem fazer as execuções nos condenados no dito crime por serem de sangue, quando condenarem alguns hereges, os devem remeter a nós com as sentenças que contra eles derem [...]". Mesmo que o processo tenha se iniciado na Justiça secular e enviado para melhor julgar o réu nos tribunais da Inquisição, esta não podia aplicar as penas de caráter material que julgassem necessárias para corrigir os erros do condenado, ficando isso a cargo do braço secular. Após determinar as penas de caráter espiritual, como o uso do hábito penitencial, a reclusão, o cárcere, a abjuração e a execução de penitências espirituais, o criminoso era reenviado aos juízes reais para que estes aplicassem as penas materiais, como as execuções dos castigos físicos, as condenações ao degredo ou a morte e o confisco de bens.

É justamente por essa necessidade de recorrer à Justiça real que as menções a esta são inúmeras nas leis inquisitoriais. Nunca vemos expressamente nessas leis que o réu deverá ser morto, mas sim que ele sofrerá "[...] relaxação na justiça secular [...]", ficando claro que este será entregue para ser executado segundo as leis do reino. Em outros pontos essa ação conjunta é ainda mais evidente, como nos crimes de sodomia: "[...] quanto às penas, poderão condenar, nas que merecerem por suas culpas, podendo também usar das que por direito civil; e ordenações do Reino estão impostas aos que cometem esse crime [...]". Aqui vemos com palavras muito claras que ambas as Justiças tinham determinações diferentes para um mesmo crime, devido às obrigações diferentes que tinham na correção da sociedade, mas que uma frequentemente recorria à outra no desenrolar do processo.

Isso ocorria principalmente quando uma das Justiças não tinha determinações sobre uma pena em especial ou não era de sua alçada regular sua aplicação. Um exemplo é o caso das multas ou dos confisco de bens determinados pelo Regimento: "[...] sejam relaxado à Justiça secular, e seus bens confiscados na forma da lei do reino". Como foi dito, não era encargo do Santo Ofício aplicar as penas que envolvem o mundo físico, sejam os corpos vivos, sejam os objetos, apenas determiná-las, como é feito no confisco de bens, em que não é estipulado um valor exato a ser confiscado, ficando isso a cargo do braço secular. Em outra parte, referente aos negativos, os inquisidores também direcionam a análise dos réus às leis seculares: "[...] será relaxado à Justiça secular, conforme a disposição de direito [...]". Vemos com os trechos citados que era comum o Tribunal recorrer às leis seculares, numa clara dependência da Inquisição em relação ao Estado, sobretudo usando a expressão anterior, "conforme as disposições de direito".

Da forma como colocamos até agora, essa relação judicial entre Inquisição e rei parece ser sempre equilibrada. No entanto, ela também apresenta inúmeros conflitos, que são igualmente identificados na legislação. No geral, para ser julgado pelo Santo Ofício o crime tinha que ser considerado herético, ou seja, apresentar alguma afronta à fé, aos dogmas ou à religião, e os casos vistos como supertições ou ofensivos à moral ficavam para os tribunais régios. Porém, essa divisão não é tão fácil na prática e mesmo nas leis vemos uma confusão. No título que trata Dos feiticeiros nas Ordenações é dito:

1. E isso mesmo qualquer pessoa que, em círculo ou fora dele, ou em encruzilhada, invocar espíritos diabólicos ou der a alguma pessoa a comer ou a beber qualquer coisa para querer bem ou mal a outrem, ou outrem a ele, morra por isso morte natural.

É fácil de imaginar uma situação em que essa linha tênue entre superstição e heresia possa causar conflitos de jurisdição com a pena de "invocar espíritos diabólicos": se alegassem que certo indivíduo estivesse numa seita herética, fazendo rituais de invocação de espírito diabólicos e pactos com o Diabo, muito mais provável é que fosse julgado pela Inquisição. Além disso, conforme crescia a Inquisição, maior era a sua reivindicação de julgar qualquer crime que tivesse a suspeita de heresia, mesmo que pequena. Tal fato expõem os inquisidores em Dos feiticeiros, sortilégios, adivinhadores, e dos que invocam o demônio, e tem pacto com ele, ou usam da arte de astrologia judiaria:

1. Ainda que conforme o direito, dos crimes de feitiçaria, sortilégios, adivinhações, e quaisquer outros desta mesma espécie, pudessem conhecer os Inquisidores somente quando em si continham heresia manifesta; com tudo pela Bula de Sixto V. lhes está cometido o conhecimento de todos estes crimes, posto que não sejam heréticos; assim porque ao menos não carece de suspeita de heresia, como pela superstição, que há neles tão contrária à Religião cristã. [...].

Estes dizeres deixam transparecer os conflitos entre as Justiças, cada uma exigindo para si o direito de punir certos tipos de crimes que julgavam ser de sua competência. As leis seculares dão vários exemplos de supertições e seus castigos correspondentes, todas elas, para os inquisidores, contendo heresia. Por isso, vemos no trecho citado uma flagrante tentativa do direito inquisitorial de sobrepor-se às determinações reais, usando como escudo às ordens papais.

No crime de heresia, encontramos esse mesmo conflito entre os direitos. Ao tratar dos que abandonam a fé cristã, são estas as palavras das Ordenações Filipinas:

4. Porém, se algum cristão leigo, quer antes fosse judeu ou mouro, quer nascesse cristão, se tornar judeu ou mouro, ou a outra seita e assim lhe for provado, nós tomaremos conhecimento dele e lhe daremos a pena segundo direito.

Porque a Igreja não tem aqui que conhecer se erra na fé ou não.

E se tal caso for que ele se torne a fé, aí fica aos juízes eclesiásticos darem-lhe suas penitências espirituais.

Nessa explicação o Estado reivindica o direito de punir os que desistem do cristianismo, entendendo-se que não são mais cristãos, portanto, não estariam sob a autoridade dos religiosos; o próprio governo tenta impor qual é sua área de atuação e qual a do clero. No Regimento de 1640, os eclesiásticos dão uma resposta legal a esse ataque secular no título Dos apóstatas, arrenegados, hereges estrangeiros, e infiéis, que delinquem neste reino, num visível embate entre jurisdições punitivas, causando incoerências e confusão no leitor:

8. E acontecendo haver provas contra os tais culpados de que arrenegaram exteriormente, de nossa santa Fé Católica, sem violência, medo, ou mau tratamento, antes que de sua livre vontade se passaram à seita de Mafoma, fazendo seus ritos e cerimônias; se procederá contra eles na forma em que se deve proceder contra os mais hereges, e apóstatas da nossa santa Fé.

Afirmando que todo arrenegado deve ser punido como são os hereges e apóstatas, os inquisidores exigem, ao mesmo tempo, que esses sejam julgados pela Inquisição, e não pela Coroa, como nas próprias Ordenações está posto. Outra observação fazem os juízes eclesiásticos nas leis do Tribunal: "[...] E se o arrenegado, depois de ser preso, ou remetido pela justiça secular ao S. Ofício [...]. Nesta frase os idealizadores do Santo Ofício deixam a entender que é de obrigação dos juízes da Coroa entregar os réus acusados de arrenegarem a fé que estiverem em seu poder para os investigadores capazes de analisar os crimes contra o catolicismo, ou seja, aos inquisidores; afinal, todo pessoa batizada é considerada, para fins punitivos, um fiel cristão, mesmo que desista de seguir essa religião.

Por vezes, o Regimento de 1640 não nega totalmente a punição dos crimes que possam conter heresia pela Coroa. Em alguns crimes apenas fazem um esclarecido de seu papel:

14. E quando os tais blasfemos heréticos, forem castigados pela justiça secular, serão outra vez examinados na mesa do S. Ofício [...] por razão da suspeita de heresia [...] mas estando os blasfemos suficientemente punidos pela Justiça secular, se lhes não dará de novo pena corporal, porém farão abjuração, e terão as penitências espirituais, que parecer que convém.

É reconhecida a autoridade secular de julgar os blasfemos, mas mesmo assim suas culpas devem ser analisadas pelo Santo Ofício para que recebam uma correção completa, com os devidos castigos sociais, pelo escândalo, e espirituais, pela ofensa à Deus e às coisas divinas.

Podemos dizer que as diferenças mais diretas entre os dois documentos que comparamos são as penas, em especial os locais de degredo previstos. Aqui temos os crimes denominados mixti fori, ou seja, que são regrados por ambos os códigos, e segundo os títulos por nós analisados, as penas ordinárias dadas pelas Ordenações são mais rígidas do que as do Regimento. As leis inquisitoriais, em geral, apresentam o degredo para as galés como pena padrão na maioria dos delitos, acompanhada pelos açoites, o auto de fé, a abjuração e outras, mas as variações dos locais de degredo não são grandes quando há atenuações. Na maioria dos casos ocorre apenas a diminuição do tempo de degredo ou é trocado para o Brasil, enquanto que nas Ordenações há uma gradação mais sistemática dos degredos, diminuindo-se o tempo ou mudando-se o local conforme as atenuações.

Apesar de ser difícil comparar as penas previstas pelas Justiças com critérios exatos, devido aos objetivos diferenciados, vemos alguns pontos em que essa interligação é mais forte. Para o delito de testemunhar falsamente, as leis filipinas determinam que os que dão tal testemunho ou induzem alguém a fazê-lo perante os oficiais de justiça, caso o crime do réu seja punido com a morte, os falsários terão a pena de morte natural. Já no Regimento, a pena ordinária para jurar falso na mesa do Santo Ofício ou corromper alguém a isso é de degredo para as galés de cinco a dez anos. Mas quando a corrupção da testemunha falsária envolve o suborno, as legislações se aproximam: o indivíduo que pagar outro para mentir a favor do réu em crime de morte, segundo as Ordenações, será degredado dez anos para África; segundo o Regimento, o degredo será para "um dos lugares das conquistas do reino" de cinco a dez anos. Degredos semelhantes, porém, no caso do Regimento, podendo ser a punição mais grave (se for para o Brasil) ou mais branda (se for para a África por cinco anos) que a das leis seculares.

No crime de resistir a oficial de justiça com injúrias, os degredos também são diferentes. O Código Filipino define que a resistência contra oficial de justiça, sem o uso de armas e sem causar ferimentos a esse, é punida com o degredo para a África e o tempo será de acordo com o cargo ofendido: dez anos para desembargador, seis para corregedor, quatro para juiz de fora e dois para juiz ordinário. Nas leis do Tribunal essa pena é mais generalizada: todo pessoa que atrapalhar o ofício dos ministros da Inquisição com palavras ofensivas será degredado para as galés a arbítrio dos inquisidores, não havendo especificações sobre situações diferenciadas que agravariam ou suavizariam essa pena, além, é claro, da frequente frase de que serão levados em conta a qualidade da pessoa e circunstâncias da culpa.

As comutações de degredo dos nobres também divergem. Nas leis seculares, as penas que envolvem açoites ou degredo para o Brasil, quando adequadas para os nobres, são, em geral, convertidas em degredo para a África, como em alguns delitos de feitiçaria: "E se for escudeiro ou daí para cima, seja degredado para a África por dois anos [...]". Verificamos no Regimento que os locais e tempos de degredo para os privilegiados são, na maioria, imprecisos: vão para Angola, São Tomé ou partes do Brasil, como nos casos dos feiticeiros confidentes.

Sobre as mulheres, temos nas Ordenações a expressa proibição de enviá-las para a África: "E as mulheres não serão condenadas em degredo para a África, por caso algum que seja, mas serão degredadas para outras partes [...]". Para essa sociedade elas eram frágeis para aguentar as dificuldades das terras hostis, por isso o degredo externo era muitas vezes relevado; eram mais enviadas para Castro-Marim, no interior de Portugal. Os degredos inquisitoriais previstos para as mulheres, assim como para os nobres, também são vagos: caso caíssem no "nefando crime da sodomia", eram enviadas para Ilha do Príncipe, São Tomé e Angola. Os inquisidores também comutavam muitas das condenações de mulheres para o Brasil por acharem a viagem e o local impróprios para elas. Não só eles como muitos pensavam dessa forma, inclusive as rés. Muitas imploravam para que não fossem para o Brasil, pois diziam que aquelas terras cheias de pecados só aumentariam os males dos degredados, ao invés de purgá-los. E muitas tiveram seus degredos mudados com esse argumento, ideia corrente entre os próprios inquisidores.

Apesar de toda sistematização das leis aqui analisadas, é preciso estar ciente de que na prática real de ambas as Justiças, eram vários os fatores que atenuavam ou agravavam as penas. Todos esses pontos que eram considerados no julgamento real dos réus, tanto seculares quanto inquisitoriais, são muito bem discutidos pelos estudos existentes que tem como base os processos individuais, ou seja, usam como fonte principal os registros que se preservaram do julgamento de pessoas perseguidas pelas instituições judiciárias, fazendo uma ótima analise de casos. Dois fatores nesses estudos são importantes para nós: a comutação das penas para incentivar a colonização; a presença do perdão real, ambos visíveis na legislação.

Com o aumento da incidência do degredo nas leis filipinas, criaram-se nelas títulos específicos para organizar essa prática. Neles vemos como a descoberta de novas terras, culminando com o Brasil, impulsionara o uso do exílio. Assim dizem em Dos degredos e degredados: "E navio algum não partirá de Lisboa para o Brasil sem o fazer saber ao regedor da Casa da Suplicação, para ordenar os degredados que cada navio há de levar [...]". Todo navio que fosse para terras brasileiras deveria obrigatoriamente levar degredados, podendo ser impedido caso desobedecesse. Uma clara demonstração de incentivo estatal ao envio de pessoas para viverem, mesmo que arbitrariamente, nas novas terras, tão ameaçadas pelos outros reinos interessados em povoá-las. Para desenvolver os vastos domínios coloniais, houve um "[...] aproveitamento racional dos condenados, vistos como mão de obra móvel, passível de ser colocada a serviço do reino sob as mais variadas formas".

Além dos inúmeros parágrafos que indicam diretamente o degredo como pena, muitas das condenações às galés ou à morte foram comutadas para o degredo externo. A grande necessidade de habitar o quanto antes as imensas terras do Brasil fizeram com que a Coroa relevasse muitas dessas condenações para, então, usar melhor do corpo desses súditos incorrigíveis como colonos; mesmo porque o exílio no Brasil era a punição mais grave depois dessas, podendo ser aplicado quando se atenuassem o envio para as galés ou a execução do réu. Até nos crimes em que a condenação ao degredo não era explícita, muitas vezes se usavam das brechas da lei para que em certa interpretação ela fosse possível.

A Inquisição também mudou a pena de muitos réus para o degredo para o Brasil. Como vimos, vários delitos não tinham o desterro para as terras brasileiras como fim e mesmo alguns inquisidores não tinham este local como o ideal para se purgar os desvios da fé. Apesar de tudo, o Estado português incentivou o Tribunal a utilizar dessa pena com mais frequência. Numa época de frequentes guerras, sobretudo pela manutenção dos novos territórios conquistados no além-mar, é muito provável que "[...] a Inquisição cedesse às pressões do Estado e concordasse em despejar sobre o solo colonial boa parte de seus penitenciados [...]".

Alguns aspectos dessa colonização forçada do Brasil não são tão evidentes num primeiro olhar. Nessa situação está o degredo por dívida. Sobre ele as Ordenações Filipinas determinam, no título Da maneira que se terá com os presos que não puderem pagar às partes o em que são condenados: "4. E sendo os ditos presos condenados em dinheiro somente por algum crime sem degredo [...] serão levados ao Brasil e lá estarão até que ganhem e paguem [...]". Os devedores, então, eram mandados para o Brasil até conseguirem pagar. Porém, é evidente que, se presos como devedores na metrópole, dificilmente conseguiriam esses degredados pegar na Colônia os custos da nova vida e da antiga, visto a situação difícil de várias capitanias, a maioria dada mais a subsistência do que ao enriquecimento. Assim, mesmo não tendo degredo em suas condenações, elas acabam equivalendo ao degredo perpétuo, pois muito provável é que não conseguissem pagar.

Outros degredados mandados para o Brasil temporariamente, sofreram desse mesmo dilema. Apesar da esperança de retornar após cumprirem o tempo de degredo, eles deveriam custear a sua volta, o que muitos não conseguiam. Problemas como a distância da metrópole, a dificuldade de transporte e o preço alto do embarque para a volta, desencorajavam muitos condenados a degredo temporário, fazendo sua estadia no Brasil se manter além do tempo previsto pela lei. Logo, o degredo inicialmente temporário acabava se convertendo em perpétuo.

Curiosamente, muitos degredados preferiam não voltar ou pediam para ir para o Brasil. A distância entre a metrópole e os governos periféricos fazia com certas regras não chegassem às terras recém-descobertas. Os cristãos-novos, vários deles degredados, viram nas colônias uma espécie de "Terra Prometida". Os impedimentos de "pureza de sangue" previstos por lei para vários cargos e privilégios eram frequentemente burlados no além-mar, o que atraiu muitos convertidos perseguidos em Portugal. Com a Inquisição foi semelhante, como conclui o historiador inglês Charles Boxer: "[...] A ação do Santo Ofício foi, portanto, relativamente branda no Brasil, que acabou se tornando, sem dúvida, um abrigo para milhares de cristãos-novos [...]". Não tendo no Novo Mundo a mesma estrutura e poder, suas ordens não eram seguidas a risca, deixando os dissidentes dos dogmas, sejam cristãos-novos ou velhos, livres para exercer suas práticas.

Outro fator marcante para a mudança das penas no Antigo Regime é o perdão real. Abrandar as penas ou perdoar inteiramente os condenados eram práticas constantemente usadas pela Justiça real no esforço de legitimar os regimes monárquicos. Ao tratar em especial das monarquias da Península Ibéria, o autor Hespanha faz importantes colocações sobre o direito de perdoar do soberano:

[...] a ordem penal legal era pouco efetiva, deixando escapar impunida ou perdoada a esmagadora maioria dos delitos. [...] Parece, então, que a função do ius puniendi se esgotava, sobretudo, no plano ideológico, promovendo uma certa imagem do rei: não tanto a imagem do rei disciplinador e justiceiro, mas antes a do rei misericordioso que, tal como Deus, ama e perdoa [...].

Esta seria a principal maneira de atuar da Coroa, baseando-se mais no perdão do que no castigo rígido e exemplar, dando a mercê do perdão aos que mereciam. Assim, a posição do rei é dupla na sua função de garantir a ordem: a de defensor das leis; a de superior a elas, podendo suavizar as penas quando julgar necessário.

Este superioridade real ante as leis aparece no Regimento de 1640. Assim dizem os inquisidores no caso do confisco de bens do herege:

[...] e se parecer aos Inquisidores que, vista a qualidade da pessoa, o tempo o modo, e circunstâncias da confissão lhes devem ser remetidos seus bens, ou alguma parte deles, farão sobre isso consulta, que enviarão com os autos ao Conselho geral, para nele se determinar, se convém pedir a sua Majestade, que lhe faça mercê ao réu de lhe perdoar os bens, que tinha perdido, ou alguma parte deles.

Mesmo o réu tendo culpas atrozes a ponto de perder seus bens, se fosse da vontade da Coroa estes poderiam ser devolvidos. O rei podia mudar a punição, principalmente dos nobres, mesmo que a legislação previsse uma pena mais grave.

Seguindo essas ideias, o perdão para os condenados à morte natural ou às galés muitas vezes se traduzia em degredo. Ser degredado pelo rei após a lei definir a pena capital era visto, tanto pelos que eram perdoados, quanto pela sociedade portuguesa como um todo, como um ato de misericórdia do soberano. Este era maior que as leis e, como um pai para seus súditos, perdoava seus erros ou suavizava seus castigos. Perdão afirmava e aumentava o poder do monarca, além de permitir o aproveitamento desses súditos como degredados.


4. CONCLUSÃO

Com a comparação feita por este trabalho entre as Ordenações Filipinas e o Regimento da Inquisição de 1640, junto às pesquisas já feitas sobre o degredo, constatamos a frequente interação das Justiças secular e inquisitorial dentro do sistema punitivo do império português. Durante todo o processo de punição dos criminosos, o réu transitava de uma Justiça para a outra, de acordo com a correção que merecia, ora espirituais (quando ameaçava os fundamentos da Igreja), ora sociais (quando ameaçava os padrões aceitos pela sociedade). De acordo com suas culpas, poderia, pelo mesmo delito, ser julgado por uma ou outra, ou ainda por ambas ao mesmo tempo, quando seus atos ofendiam tanto a sociedade como a religião. E dentro dessa articulação (conflitante, às vezes) entre Estado e Igreja, cada um tinha seu papel definido, mas os dois seguindo a vontade divina.

Nessa luta incessante, vemos embates entre autoridades religiosas e seculares. Em sua ânsia de ampliar seu poder por meio do direito de punir, o rei e a Inquisição entraram em vários conflitos de jurisdição, cada um tentando impor o seu modo de julgar os crimes mixti fori e, assim, fortalecer sua autoridade perante o corpo social.

Apesar dos conflitos, a confluência foi a característica desse sistema misto, cada Justiça recorrendo à outra quando o julgamento de certo delito não te dizia respeito. Mas o equilíbrio desses poderes não era exato: o Estado foi maior que a Inquisição, pois ela só existia pelo auxilio constante que os reis lhe davam, tendo que ceder muitas vezes às suas vontades. E isso se mostra claramente na colonização através do degredo, no qual a Inquisição muitas vezes teve que ceder às ordens do Estado de condenar mais pessoas ao degredo para o Brasil, que, embora fosse visto como local ideal para os corrompidos purgarem suas penas, era também visto por muitos como local de perdição e de pecado, impróprio para reabilitar os desviados da fé, posição compartilhada por muitos inquisidores.

Mas quem foram, então, esses culpados mandados para tão longe? Quem foram os degredados? Como vimos, foram várias as pessoas punidas, membros de todos os grupos sociais portugueses do século XVII: fidalgos, cavaleiros, escudeiros, pessoas comuns, crianças, idosos, mulheres e religiosos; não importava o grau social ou o título de nobreza, todos podiam sofrer e sofreram o degredo. Como afirma Pieroni: "[...] De uma maneira ou de outra, nobres e pessoas comuns, todos foram punidos. É verdade que os fidalgos escapavam do açoite, mas raramente conseguiram evitar o degredo [...]". Constatamos, com isso, que ninguém fugia do degredo. Por mais que os condenados fossem nobres, o degredo, dentro do sistema judiciário lusitano, era uma das penas mais brandas ou a saída mais suave para um crime grave, sendo, muitas vezes, a forma mais misericordiosa do rei perdoar um criminoso.

Outra conclusão que tiramos da análise das penas portuguesas é que a divisão e a desigualdade sociais eram naturais dentro dessa sociedade. Estabelecida por Deus e protegida pelas leis, esta era a regra que sustentava a ordem social: os indivíduos eram diferentes e, por isso, devem receber castigos também diversos. Para cada grupo eram reservadas punições específicas, de acordo com a posição que ocupasse o réu dentro da hierarquia social. Por isso, as penas são adaptadas conforme a "qualidade" da pessoa julgada, sendo, na maioria das vezes, mais leves para as "honradas" e mais severas para as "vis".

Porém, notamos igualmente que estes privilégios que os mais abastados tinham não eram tão inacessíveis. Muitos que se associavam com fidalgos e cavaleiros, como os escudeiros e os criados dos nobres, recebiam o direito de não sofrerem infâmia. O próprio critério de "nobreza" pode ser questionado, pois o privilégio de não ser humilhado se estendia, nessa sociedade, inclusive a peões que criassem cavalos.

Notamos que vários foram os crimes que tiveram o degredo como punição. Em conjunto ou em conflito, é fato que Estado e Igreja usaram largamente desse instrumento punitivo, que era acionado em vários delitos: blasfêmia, bigamia, sodomia, resistência aos oficiais de justiça, heresia, arrenegar a fé cristã, testemunhar falso ou induzir alguém a fazê-lo, judaísmo, islamismo, ajudar ou dar abrigo à herege ou fugitivo, sair do reino sem autorização, negar culpas já provadas pela justiça, feitiçaria ou qualquer prática mágica e muitas mais. Tais ações foram todas punidas por serem consideradas ameaças ao corpo social e religioso.

Observamos, com todas essas colocações, que o degredo foi fundamental dentro da política portuguesa setecentista, convertendo-se numa das principais punições. Crescendo o império, aumentou a necessidade de colonos para povoá-lo e o uso dos degredados para suprir essa necessidade foi cada vez maior. Temos, assim, um grande número de crimes que passam a ser punidos com o degredo. Com isso, duas características do degredo no século XVII se constroem ao mesmo tempo: o degredo passa a ser um castigo comum e seu uso foi direcionado pela colonização.

Sendo algo tão comum, mesmo que muito mal visto, voltamos à pergunta feita pelos estudos do degredo: seriam esses criminosos "[..] da mais vil e perversa gente do Reino [...]", como afirmou o padre Manoel da Nóbrega? Segundo nossas constatações, para o entendimento de nossa época, a maioria deles não seriam criminosos. Muitos eram degredados por praticarem religiões proibidas ou por tentarem expressar suas opiniões sobre os dogmas católicos, outros recebiam o exílio por ações que iam contra a moral social, muitas vezes relecionadas a vida afetiva e amorosa. Havia uma enorme restrição sobre a vida cotidiana, não existindo liberdade de expressão ou religiosa, nem eram respeitadas as práticas culturais diferenciadas. Mesmo as relações entre os indivíduos eram fiscalizadas, podendo alguém ser degredado por se envolver com outro do mesmo sexo, como ocorriam com os sodomitas. Desse modo, esse controle da sociedade parece aos olhos de nossa época, um tanto exagerado, punindo com o exílio feitos que hoje não são entendidos como crimes. Portanto, não são os degredados criminosos perigosos como hoje entendemos, mas sim pessoas de todos os tipos, sejam nobres ou comuns, todos transgressores das rígidas leis do século XVII.

Grande parte de todo esse sistema punitivo foi graças ao Santo Ofício, vetor da renovação do catolicismo e das ideias modernas. A missão da Inquisição foi dupla: conservar a fé católica e corrigir os vícios da Cristandade. Por um lado, foi uma das formas de manter a tradição católica. Mesmo sua maneira de entender seus inimigos foi tradicional, já que a classificação dos delitos pelo Tribunal continuou seguindo os manuais medievais sobre heresias, sempre seguindo a "[...] ideia de que não existem novas heresias, mas sim novos rostos de antigos erros [...]". De outro lado, vemos sua missão de reformar o povo cristão. Para tanto, tentaram corrigir os erros de todos os adeptos da fé romana, mesmo dos membros eclesiásticos.

Dessa missão de correção derivou-se a perseguição dos inimigos da fé, mesmo que muitos deles fossem supostos. Justificada por sua obrigação de perseguir, a Inquisição foi vetor também de uma intolerância que em tempos anteriores nunca havia atingido tamanha proporção. Cresce no Período Moderno um fervor religioso e sua associação direta com os Estados Modernos, nascendo disso uma política cada vez mais centralizada de perseguição aos contrários à fé, à moral e à ordem sociopolítica dos reinos. Institui-se, assim, o preconceito contra o "herege".

Ao final do século XVIII, toda essa conjuntura começará a mudar. Ambos os códigos são questionados e começam a cair em desuso. Quando o império português passa a ser regido pelo Marquês de Pombal, uma onda de reformas ocorre. A ideia geral desse período foi de eliminar as outras instâncias de poder que estavam presentes no Império e que eram autorizados a atuar livremente pelo governo real. Porém, essa política pluralista por vezes gerava muitos empecilhos ao Estado quando essas faziam frente a ele ou retardavam a eficiência de suas ações. Por isso, procurou-se centralizar ainda mais o Estado e eliminar os poderes paralelos, como os jesuítas e a Igreja como um todo, ao contrário do que fez o Antigo Regime.

Fruto da nova forma de pensar o governo, mais centralizado e secular, e da grande importância que ganham as ideias iluministas, tanto as Ordenações Filipinas quanto o Regimento de 1640 serão vistos como arcaicos e violentos. Pombal acabará com o apoio da Coroa à Inquisição e passa a suprimi-la cada vez mais. Visando acabar com seu amplo poder, ele ordena a elaboração de outro regimento em 1774. Com ele, têm fim os processos secretos e a divisão entre cristãos-velhos e novos, além de rebaixar a autoridade dos tribunais inquisitoriais e torná-la equivalente à de tribunais civis menores. Porém, a pena de degredo continuava a ser aplicada. A partir de então, a Inquisição portuguesa entra em declínio, tendo seu fim em 1821.

As leis filipinas se mostraram muito mais duradouras. Mesmo com muitas partes em desuso, outras continuaram sendo usadas pelo Império brasileiro, após sua independência. Somente em 1917, já no período republicano, "[...] que as últimas determinações das Ordenações filipinas deixaram finalmente de vigorar".

Por fim, a partir do século XVIII as formas de encarar as punições irão mudar. Os suplícios serão vistos como métodos cruéis de punir. Imersos num contexto de difusão do Iluminismo, de valorização das diferenças individuais e da crescente capacidade dos indivíduos se identificarem uns com os outros como iguais, as pessoas recusarão as penas violentas. Percebe-se nesse momento outra forma de pensar os castigos: antes encarados com o objetivo de livrar a alma do condenado e a comunidade do mal do pecado cometido, a punição, em parte pelas ideias da inviolabilidade dos corpos e de que se precisava retirar o grande caráter religioso das penas, terá a função de reabilitar e reintegrar o criminoso na sociedade. Logo, as condenações ao exílio também se tornam inadequadas, pois não tem caráter público, ou seja, não se pode ver se o indivíduo está realmente sendo reeducado.


5. REFERÊNCIAS

5.1 FONTES PRIMÁRIAS

LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

SIQUEIRA, Sônia (org.). Os regimentos da Inquisição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2013.


5.2 BIBLIOGRAFIA

AMADO, Janaína. Viajantes involuntários: degredados portugueses para a Amazônia colonial. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. VI, p. 813-832, 2000. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2013.

BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália: séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

BURKE, Peter (org.) A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora da Unesp, 1992.

CARDOSO, Ciro Flamarion (org); VAINFAS, Ronaldo (org). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y estado en Iberoamerica: el lenguaje político em tiempos de las independencias. Buenos Aires: Sudamericana, 2004.

COSTA, Emília Viotti da. Primeiros povoadores do Brasil: o problema dos degredos. Revista de História, São Paulo, ano VII, vol. XIII, julho-setembro, p. 3-23, 1956.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos: e outros episódios da história cultural francesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001.

DAVIDSON, N. S. A Contra-Reforma. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal - séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

MULLETT, Michael. A Contra-Reforma. Lisboa: Gradiva, 1984.
MURAKAWA, Clotilde. Os Regimentos da Inquisição Portuguesa: um estudo de vocabulário. Revista Anthropológicas, Recife, v. 10, n.4, p. 37-51, 1999.

NOVINSKY, Anita W. A inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1992. Coleção Tudo é História, v. 49.

NOVINSKY, Anita W. Cristãos-novos na Bahia. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1972.

PIERONI, Geraldo M. Banidos para o Brasil: a pena do degredo nas Ordenações do Reino. Justiça e História, Porto Alegre, v. 1, n. 1-2, p. 17-50, 2001. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2013.

PIERONI, Geraldo M. Documentos e historiografia: uma trajetória da Inquisição – Portugal e Brasil colonial. Tuiutí: Ciência e Cultura, Curitiba, v. 04, n.28, p. 187-206, 2002. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2013.

PIERONI, Geraldo M. No purgatório mas o olhar no paraíso: o degredo inquisitorial para o Brasil-colônia. Textos de História, Brasília, v. 6, n. 1-2, p. 115-142, 1998. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2013.

PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino. Brasília: Universidade de Brasília, 2000.

PIERONI, Geraldo M. Os excluídos do reino: a Inquisição portuguesa e o degredo para o Brasil-Colônia. Textos de História, Brasília, v. 5, n. 2, p. 23-40, 1997. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2013.

PIERONI, Geraldo M. Os profanadores do segredo: a Inquisição e os degredados para o Brasil-colônia. Varia História, Belo Horizonte, v. 22, p. 42-55, 2000.

PIERONI, Geraldo M. Vadios e ciganos, heréticos e bruxas. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2000.

PIERONI, Geraldo M.; MERCER, José Luiz; OLIVEIRA, Solange. História e linguagem. Análise de um processo inquisitorial: a bígama Maria Ferreira condenada pela inquisição no século XVII. Travessias, v. 6, n. 1, p. 124-136, 2012. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2013.

POLIAKOV, Leon. De Cristo aos judeus da corte: história do anti-semitismo I. São Paulo: Perspectiva, 1979.

PONTAROLO, Fábio. Degredo interno e incorporação no Brasil meridional: trajetória de degredados em Guarapuava, século XIX. 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2013.

SOUZA, Laura de Mello e. Inferno atlântico: demonologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

TOMA, Maristela. História, legislação e degredo em Portugal. Justiça & história, Porto Alegre, v. 10, n. 5, p. 51-92, 2005. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2013.

VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil colonial: 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

VAINFAS, Ronaldo. (org.); FEITLER, B. (org.); LAGE, L. (org.). A Inquisição em xeque: temas, controvérsias, estudos de caso. 1. ed. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006. 

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: em casa de E. e H. Laemmert, 2 tomos, 1877.

ANEXO A – GLOSSÁRIO

Em praticamente todos os autores encontrados que pesquisam o degredo e as leis antigas de Portugal, vemos uma calorosa discussão sobre as palavras frequentes usadas por juristas e inquisidores. Junto às considerações feitas nesses estudos, aqui colocamos algumas dessas palavras que podem trazer dificuldades num primeiro contato do leitor com esses documentos, seguidas de um possível significado. Para ter um breve contato com essa discussão, ver os artigos de: Pieroni, Mercer e Oliveira; e Murakawa.

Abjuração: juramento em que o réu reconhece seus crimes e jura não cometê-los mais, podendo ser público ou secreto.
Absoluto: absolvido, absolvição, não sofrerá a pena.
Apresentado: pessoa que vai espontaneamente confessar seus crimes no Tribunal.
Arbítrio: pena de cárcere por alguns meses.
Arrenegado: renegado, fiel que abandona uma religião para crer em outra.
Assento: que se assente, que se concorde, ratificação, reiterar o que já foi dito.
Baraço: corda que se colocava em volta do pescoço do condenado em desfile público, sendo símbolo de infâmia.
Cárcere: punição de confinamento domiciliar ou local, restrição de locomoção (não é prisão).
Colaço: criado que educa o filho de um senhor ou o irmão de leite desse filho.
Cometido: reservado, entregue, incumbido a alguém.
Confidente: réu que confessa após ser acusado e preso.
Conhecer: intervir, investigar.
Convencido: provado, confirmado.
Cristão-novo: judeu ou seu descendente convertido ao cristianismo.
Disputa: contestação, crítica, discussão.
Embargo: impedimento, proibição.
Escudeiro: auxiliar do cavaleiro que carrega seu escudo, além de outros afazeres.
Estrebaria: estábulo, curral, local onde se colocam estribos nos cavalos.
Fautor: que favorece, que auxilia.
Fidalgo: variação de "filho d'algo", pessoa com título de nobreza.
Gávea: navio grande, de alto bordo.
Hábito: roupa de penitência, sambenito.
Homizio: lugar de refúgio ou o ato de fugir de um criminoso em busca de um refúgio.
Libelo: informe oficial do crime pela mesa do Tribunal ao réu.
Mercê: favor concedido, graça, concessão piedosa.
Morra por isso ou por ello: morte civil, perda de direitos, infâmia, degradação; pode sugerir degredo.
Morte natural: pena de morte.
Mourisco: islâmico ou seu descendente convertido ao cristianismo.
Negativo: que nega seus crimes, mas que está comprovado que os cometeu.
Palavras de presente: assumir compromisso com palavras ditas naquele momento, promessa.
Peão: popular, plebeu, pessoa vil, pessoa das classes mais baixas ou comuns.
Penas pecuniárias: obras de beneficência (penitência pecuniária) ou confiscação de bens.
Prazo: aforamento, bem de outro no qual se concede o usufruto à alguém.
Pregão: anúncio da sentença do criminoso em local público, acompanhada da fixação dela com prego para sua divulgação.
Presunção: suspeita, pré-suposição.
Querela: denúncia, acusação, mal dizer sobre alguém.
Relapso: aquele que incorre mais de uma vez em um crime ou pecado.
Relaxar: conceder, mandar, enviar.
Sentir mal: não gostar, ter ódio.
Sodomia: sexo anal, considerado um grande pecado pelos cristãos do século XVII.
Tenção: intenção, vontade.
Tormento: tortura.




ANEXO B – CRONOLOGIA

Aqui estão algumas datas de acontecimentos relevantes para o estudo do degredo, sobretudo as consideradas em nosso trabalho.

1215 – Concílio de Latrão.
1446 – Ordenações Afonsinas.
1478 – Instalação da Inquisição na Espanha.
1487 – Aparição da imprensa em Portugal.
1492 – Judeus são expulsos da Espanha.
1497 – Conversão forçada dos judeus em Portugal.
1517 – Reforma Protestante.
1521 – Ordenações Manuelinas.
1527 – Saque de Roma.
1536 – Instalação da Inquisição em Portugal.
1545 a 1563 – Concílio de Trento.
1580 a 1640 – União Ibérica.
1603 – Ordenações Filipinas.
1640 – Regimento do Santo Ofício de 1640.
1773 – Marques de Pombal acaba com a discriminação dos cristãos novos e diminui o poder da Inquisição.
1774 – Regimento do Santo Ofício de 1774.
1821 – Fim da Inquisição em Portugal.
1834 – Fim da Inquisição na Espanha.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.