Qualidade da promoção da saúde nos media em Portugal: o caso do Ébola

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7392 | Livro de Atas do 1.o Congresso da Associação Internacional das Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa

Qualidade da promoção da saúde nos media em Portugal: o caso do Ébola Inês Aroso [email protected]

Resumo: Nos últimos anos, os media tornaram-se numa das principais fontes de informação sobre saúde para o público em geral. Por isso mesmo, os media são, cada vez mais, elementos essenciais das estratégias de prevenção e promoção da saúde pública, desenvolvidas pelas mais diversas entidades. Nesta investigação, o principal objetivo é aferir a qualidade da promoção da saúde realizada nos media em Portugal, a partir da observação de um caso concreto de saúde pública internacional – o Ébola. Deste modo, o percurso metodológico passa pela análise da cobertura noticiosa do Ébola na imprensa portuguesa. Através deste diagnóstico, poderse-á obter uma reflexão crítica sobre a promoção da saúde nos media portugueses e traçar linhas orientadoras para a sua otimização. Palavras-chave: promoção da saúde; comunicação de risco; jornalismo de saúde; Ébola.

1. Os media como fonte de informação sobre saúde O cidadão detém, na atualidade, várias fontes de informação às quais recorre para se inteirar sobre temáticas relacionadas com a saúde: os médicos e outros profissionais de saúde, os familiares e amigos, a Internet e os meios de comunicação social. Na verdade, são vários os meios que veiculam informação sobre saúde ao cidadão comum, podendo este assumir uma postura ativa ou passiva perante os mesmos. As fontes de informação pessoais – médicos e profissionais de saúde, familiares, amigos – “foram suplantadas pela informação obtida através dos media. Isto tem incluído as notícias obtidas na imprensa (por exemplo, revistas e jornais), as notícias obtidas pelos media eletrónicos (por exemplo, rádio e televisão, além de vários livros de autoajuda na área da saúde” (THOMAS, 2006: 37). De facto, entre as várias fontes de informação existentes, múltiplas pesquisas têm mostrado que os media são uma importante fonte de informação sobre saúde para o público em geral (Cf. GLIK, 2004). Naturalmente, “as notícias/ informação sobre saúde transmitidas pelos media afetam o que o público em geral pensa sobre saúde em sentido lato e os serviços de saúde em particular (Brodie et al., 2001; Turow, 2002)” (ESPANHA, 2009: 48). Assim, a saúde assume um papel de destaque, tanto ao nível dos produtos jornalísticos, como em campanhas divulgação e até na ficção televisiva ou no cinema. No caso do jornalismo, é assinalável a presença das notícias sobre saúde nos mais diversos suportes e formatos. Por exemplo, na imprensa proliferam em: revistas especializadas em saúde para o público em geral, revistas de informação geral e política, revistas para pais e educadores, revistas masculinas, revistas femininas, jornais de referência e também jornais sensacionalistas. Na televisão, surgem reportagens, notícias, entrevistas, debates, espaços de consultório e programas específicos sobre saúde. Também na rádio os temas médicos são alvo de tratamento noticioso, bem como de programas interativos, sendo este último caso um dos múltiplos formatos que a internet oferece.

1.1 Media como promotores da saúde Diversas entidades de saúde passaram a utilizar os media com objetivos de prevenção e promoção da saúde pública. Uma das premissas nas quais assenta este desígnio é relativa à tendência da medicina das últimas décadas em considerar que, mais do que ter uma função curativa, “o serviço de saúde deve ser preventivo” (GUERRA, 1961: 91). Existe até um conceito associado a esta ideia, o “apoio dos media”, ou seja, uma utilização inovadora dos meios de comunicação numa estratégia para promover a saúde pública (Cf. WALLACK

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et al., 1993: 2). Mais concretamente: “é o uso apropriado dos media, de forma agressiva e eficaz para apoiar o desenvolvimento de políticas de saúde pública” (WALLACK et al., 1993: 25). É importante entender que “o objetivo deste apoio não é a cobertura mediática, mas sim a mudança de política. O apoio dos media é uma ferramenta maravilhosa, mas ainda assim, apenas uma ferramenta” (WALLACK et al., 1993: 51). Deste modo, a comunicação da saúde através dos media é aceite como uma ferramenta válida para a promoção da saúde pública. De acordo com Rita Espanha, os media podem desempenhar papéis específicos neste campo, tais como: melhorar o conhecimento e a consciência das questões de saúde (problemas ou soluções); influenciar as perceções, crenças, atitudes e normas sociais; incentivar para a ação; demonstrar ou ilustrar capacidades e possibilidades; mostrar os benefícios da mudança de comportamentos; incrementar a procura de serviços de saúde; reforçar conhecimentos, atitudes e comportamentos; refutar mitos e preconceitos; facilitar o relacionamento entre instituições; proteger ou salientar uma questão de saúde ou um grupo populacional (ESPANHA, 2009: 40). Referindo-se, em particular, às problemáticas ligadas às doenças oncológicas, Maria do Rosário Dias declara: “os meios de comunicação social desempenham um papel decisivo na divulgação pedagógica da informação que circunda a doença oncológica, constituindo-se como verdadeiros agentes de promoção de saúde” (DIAS, 2005: 19).

1.2 Críticas à mediatização da saúde Uma das críticas ao tratamento jornalístico das questões ligadas à saúde é a falta de rigor científico do mesmo. “A apresentação de descobertas científicas ou procedimentos em termos de cuidados de saúde ao público, pelos media, é ‘atravessada’ por todos os ruídos presentes na ‘tradução’ dos cientistas para os jornalistas”, acusa Schwitzer (Cit. in ESPANHA, 2009: 51). O mesmo autor reprova também que, nas notícias sobre novos tratamentos, testes e produtos e procedimentos médicos, “a abordagem mais frequentemente realizada pelos jornalistas não considera nem discute aspetos muito relevantes tais como: custos, qualidade da evidência, existência ou não de opções alternativas, verdadeira magnitude das vantagens e desvantagens da notícia apresentada” (Cit. in ESPANHA, 2009: 51). Outro comentário depreciativo frequente é respeitante ao sensacionalismo dos media nesta temática. Aliás, o sensacionalismo nas notícias de saúde, já há mais de três décadas, era realçado por Hillier Krieghbaum, reportando-se a “um grande número de informações dadas pelos jornais, especialmente quanto a novos medicamentos, propagando com grande estardalhaço as descobertas médicas como ‘curas’ de algumas doenças bem comuns” (KRIEGHBAUM, 1970: 182). “O sensacionalismo nas histórias sobre a ciência médica é um produto da colaboração cúmplice entre jornalistas e cientistas, uma vez que os jornalistas consideram ser mais fácil conquistar a atenção para as suas histórias, e os cientistas veem aqui o valor prático da atenção dos media para uma carreira científica de sucesso”, acusa Schwitzer (Cit. in ESPANHA, 2009: 52). Há um exemplo caricato: “nada se iguala à aspirina, café e vinho tinto no que se refere à quantidade de pesquisas médicas com destaque nos media. Ora enfocando os aspetos positivos, ora negativos, essa é a tríade mais comentada na área da saúde” (FALCÃO, 2006: 91). Além dos problemas já referidos, podem apontar-se outros perigos no tratamento jornalístico da saúde, tais como: a criação de expectativas ilusórias de cura de determinadas doenças nalguns pacientes e seus familiares; a estigmatização de algumas doenças; o tratamento da doença como um espetáculo, particularmente no caso de pessoas famosas; ser um alvo fácil de empresas com objetivos de marketing, sejam elas empresas farmacêuticas, instituições de saúde, estética ou outras.

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1.3Comunicação de risco e com risco Por vezes, cabe ao jornalismo na área da saúde fazer comunicação de risco, isto é “noticiar perigos – potenciais, eminentes ou existentes – que podem colocar em risco a saúde de alguns dos leitores ou espectadores” (WILLIS e OKUNADE, 1997: 1). A comunicação de risco pode envolver questões ligadas à saúde, ciência, crimes ou ambiente, mas na área da saúde, o número de casos parece ser infinito (Cf. WILLIS e OKUNADE, 1997: 5). O problema é que os jornalistas tanto podem ignorar ou minimizar riscos reais para a saúde como, num outro extremo, causar desnecessariamente o pânico no público, alertando-o para um perigo que é diminuto ou até inexistente (Cf. WILLIS e OKUNADE, 1997: 4-5). É melhor informar o público, apesar do possível pânico que vá causar, ou mantê-lo às escuras sobre o que pode ser uma ameaça real? Este é o dilema ético com que o jornalista se depara nos casos de potenciais riscos para a saúde (Cf. WILLIS e OKUNADE, 1997: 163) Para Willis e Okunade, a solução passará por não cair num extremo nem noutro, ou seja, encontrar uma situação intermédia, de modo a fazer uma notícia balanceada entre manter o público às escuras ou causar-lhe pânico (Cf. WILLIS e OKUNADE, 1997: 166). Alguns autores têm investigado os possíveis efeitos nefastos dos media em matéria de saúde pública. Em 1965, Mário Cardia já afirmava que: “muitos dos artigos e notícias que a imprensa leiga publica podem considerarse mal feitos, nefastos, mesmo, mas outros são indubitavelmente úteis e contribuem para a tão necessária educação sanitária das populações” (CARDIA, 1965: 28). Com uma visão mais radical, Francisco Mercado Martínez chama a atenção para a existência de estudos que “contradizem os efeitos positivos da imprensa em matéria de saúde, doença e atenção médica” (MARTÍNEZ, 2000: 40). Correia acusa mesmo que “os media foram, por diversas vezes, os responsáveis pela divulgação de erros que prejudicaram as campanhas de saúde pública” (CORREIA, 2006: 4). Um outro problema é relativo ao facto de as pessoas presumirem que deter informação veiculada pelos media sobre saúde, bem como sobre outros assuntos, as torna especialistas nessa matéria. Esta ideia encontra eco nas palavras de Philippe Breton, quando este diz que “uma das perturbações provocadas hoje pelos media é o facto de o homem moderno julgar ter acesso ao sentido dos acontecimentos simplesmente porque está informado” (BRETON, 1994: 31). “Os próprios media, ao difundirem certas informações, aumentaram, apesar de tudo, a nossa ignorância do mundo real, pois a ignorância não tem melhor aliado do que a ilusão do saber” (BRETON, 1994: 132), conclui. “A imagem dos cuidados de saúde disseminado pelos media pode criar desinformação e, consequentemente, induzir a práticas desnecessárias, excessivas ou perigosas por parte dos cidadãos” (ESPANHA, 2009: 51). Rita Espanha dá o exemplo do exagero do culto do corpo jovem e perfeito, a negação do envelhecimento e da morte (Cf. ESPANHA, 2009: 51). Os valores-notícia utilizados nesta área também são alvo de estudo, sendo que alguns deles são mesmo criticados. Susan Moeller verifica que as epidemias que receberam maior atenção mediática nem sempre foram as mais graves, sendo prevalentes valores-notícia como a proximidade, ou população demograficamente semelhante à audiência daqueles media (Cit. in PONTE, 2004: 13-14). Além disso, referindo-se à cobertura das epidemias pelos media norte-americanos, a investigadora constata que estes “cobrem as epidemias como cobrem outros tipos de crise: uma cobertura estereotipada, uma linguagem sensacionalista e referências ao país” (Cit. in PONTE, 2004: 14). Mais: quando ocorre uma epidemia “as histórias dos media assentam no medo do público” (PONTE, 2004: 14).

4. O Ébola nos media A doença por vírus Ébola tem marcado, nos últimos meses, a agenda mediática dos órgãos de comunicação social de todo o mundo. Tal não será de estranhar, pois, como afirmava a 13 de outubro de 2014, Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Ébola é a “mais grave emergência dos tempos modernos”. Aliás, a revista Time escolheu os combatentes do ébola como a “Pessoa do Ano para 2014”, uma distinção feita anualmente pela publicação norte-americana, “pelos incansáveis atos de valentia e piedade, por fazerem o mundo ganhar tempo para que melhore as suas defesas, por arriscarem, por persistirem, por se sacrificarem e salvarem”.

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Num estudo do sistema de monitorização Cision1, entre maio e outubro de 2014, foram detetadas mais de 1 milhão e meio de referências ao vírus Ébola em conteúdos noticiosos online, em 190 países. Dos 30 países que mais destacaram o vírus Ébola nos media online globais, 25 são africanos. A América é o segundo continente com maior destaque em termos editoriais ao ébola, seguindo-se a Europa, a Oceânia e a Ásia. Portugal é o 88º país que mais relevância editorial deu ao Ébola, aparecendo em 15º lugar no continente europeu, mas com uma percentagem acima da média europeia. Espanha, devido aos motivos amplamente divulgados nos media relativos à contaminação da enfermeira Teresa Romero, aparece em 3º lugar nos países com mais destaque editorial dado ao Ébola. O tratamento mediático do Ébola não tem sido isento de algumas críticas, tais como: o exagero, o alarmismo e o choque. Fala-se mesmo nalguma “histeria mediática” causada pelos media nalguns países, inclusivamente nos Estados Unidos, levando ao ponto de a Associated Press, em outubro de 2014, aconselhar os editores a “não cobrirem casos suspeitos de Ébola” (apud LEETARU, 2014). Tal como constatam os especialistas mais críticos, sempre que alguém tem febre depois de ter estado em África, os media reportam-no, de imediato, e erradamente, como caso suspeito de Ébola (Cf. WALTON, 2014). Na mesma linha de pensamento, vários investigadores desta área defendem que, quando possíveis casos de Ébola são mencionados na imprensa, é crucial pô-los em contexto e sublinhar que o risco real é muito baixo. Outra das críticas é relativa ao critérios de noticiabilidade do Ébola, que fazem com que maior ou menor cobertura noticiosa dependa da proveniência e localização das pessoas afetadas pelo vírus. Por exemplo, é dado muito mais destaque nos media a um doente americano ou europeu do que a centenas ou milhares de africanos com o vírus. Esta crítica à desigualdade no tratamento mediático dos casos de Ébola é ilustrada por um cartoon (Figura 1) que foi amplamente difundido a nível internacional, da autoria de André Carrilho, do Diário de Notícias. Figura 1: Cartoon alusivo à cobertura mediática do Ébola, da autoria de André Carrilho.

Fonte: Diário de Notícias, 10-08-2014.

1 Disponível em: http://www.cision.com/pt/2014/10/ebola-nos-media-o-panico-esta-a-espalhar-se-mais-depressa-doque-o-virus-2/ [consultado em 30-10-2014].

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Neste cartoon, mais do que retratar a violência do vírus, o autor sublinha a diferença com que os casos registados em África e no Ocidente são tratados pela comunicação social. André Carrilho explica: a atenção que se dá às epidemias nos media ocidentais não tem a ver com uma medida universal de sofrimento humano, mas com a maior ou menor possibilidade de nos atingirem. Os meios de comunicação social tendem a passar de alguma indiferença para a sobreexposição e pânico, sem nunca deixarem de tratar o assunto numa perspectiva que opõe ‘eles’ [África] a ‘nós’ [EUA e Europa]2. De facto, as notícias sobre o Ébola aumentaram drasticamente quando este saiu de África para o Ocidente. Durante meses, o Ébola não era uma história dominante nos Estados Unidos, mesmo com a doença a ser devastadora em África, onde se encontra o foco da mesma, especialmente na Serra Leoa, Guiné e Libéria. Mas quando dois americanos contraíram a doença em julho, na Libéria, e regressaram aos Estados Unidos, os media dirigiram grande atenção sobre a doença. Apesar de tudo, a ideia é consensual: a história do Ébola não será esquecida pelos media nos próximos tempos, sendo que apresenta um grande desafio e uma maior oportunidade para os media, embora possa trazer ao de cima os piores instintos jornalísticos (Cf. RIEDER, 2014). Por isso, Rieder afirma: “o Ébola é uma grande história internacional que exige uma cobertura intensa, mas não em demasia. O desafio é manter alguma perspetiva, informar sem colocar a população em pânico” (Cf. RIEDER, 2014). Muitas vozes se elevam contra esta política do medo transmitida pelos media: “our fear of Ebola has become many times worse than the problem” (WALTO, 2014).

4.1 O que é o Ébola? O Ébola é a doença resultante da infeção pelo vírus Ébola e cuja taxa de mortalidade ronda atualmente os 70%. Encontra-se em alguns países africanos em reservatórios naturais, e foi descoberto pela primeira vez em 1976 no antigo Zaire (atual República Democrática do Congo) perto do rio Ébola ao qual se deve o seu nome3. A transmissão da doença por exposição primária acontece numa zona endémica do vírus Ébola e tudo indicia que os morcegos da fruta serão o reservatório natural do vírus. Pensa-se que os primatas podem ser infetados através da ingestão de frutos contaminados pelo vírus Ébola (contaminação através da saliva de morcegos). A partir de primatas e/ou de outras espécies de animais infetados, pode verificar-se transmissão ao ser humano. A doença pode ser contraída por contacto direto com sangue e outros fluidos corporais de animais selvagens infetados, mortos ou vivos, como macacos, antílopes e morcegos. Além disso, a doença é transmitida por contacto direto com o sangue ou outros fluidos corporais (como saliva, urina e vómito) de pessoas infetadas, mortas ou vivas. Pode ser transmitida por contacto sexual não protegido com doentes até três meses depois de estes terem recuperado da doença. Um método comum de transmissão na África Ocidental são os rituais fúnebres que envolvem contacto com o corpo de vítimas mortais através dos seus líquidos e fluidos corporais. Também especialmente expostos estão os prestadores de cuidados de saúde que manuseiam diretamente fluidos de doentes e materiais médicos contaminados. Os sintomas após a exposição ao vírus, a doença podem manifestar-se subitamente, com febre, dores musculares, debilidade, dores de cabeça e dores de garganta. A fase seguinte da doença carateriza-se por vómitos, diarreia, manchas na pele e insuficiência hepática e renal. Alguns doentes apresentam igualmente hemorragias internas e externas abundantes e insuficiência de vários órgãos.

2 Em entrevista ao jornal Público, disponível em: http://www.publico.pt/sociedade/noticia/o-cartoon-de-andrecarrilho-1673140 [consultado a 20-10-2014]. 3 Baseado nas informações fornecidas pela DGS, disponível em: http://www.ebola.dgs.pt/o-que-e-o-ebola.aspx [consultado em 20-11-2014].

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De acordo com os dados da OMS, a epidemia de 2014 na África Ocidental é o surto mais devastador desde o aparecimento do vírus, em 1976. A sua gravidade está relacionada com as características do vírus e com as condições socioeconómicas e sanitárias dos países afetados. Esta epidemia terá começado na Guiné-Conacri em dezembro de 2013 e, depois, alastrou-se à Libéria, à Serra Leoa e à Nigéria. Até 6 de dezembro de 20144, contabilizaram-se 6.331 mortes entre os 17.800 casos de contágio detetados nos três países mais afetados da África Ocidental – Serra Leoa, Libéria e Guiné-Conacri. Existem alguns casos importados e secundários para os Estados Unidos e para a Europa que não formaram cadeias de transmissão. A Nigéria e o Senegal também foram afetados, mas atualmente são consideradas zonas livres de vírus Ébola. Em agosto de 2014, a OMS decretou o estado de emergência de saúde pública internacional. Afirmou tratarse de uma situação “extraordinária” e “um risco” para outros países. Alertou ainda para o agravamento da propagação, que pode ter sérias implicações. Para conter o risco, a OMS apelou a uma ação coordenada a nível global e apresentou várias recomendações, que passaram a ser seguidas em Portugal pela Direção-Geral da Saúde (DGS).

5. O Ébola na imprensa portuguesa Sendo os media uma das principais fontes de informação sobre saúde para o público em geral, com potenciais benefícios, mas também alguns perigos, faz sentido acompanhar a cobertura jornalística de uma doença com o grande impacto que tem o Ébola. Na medida em que o a cobertura noticiosa do Ébola tem sido muito significativa a nível nacional e mundial, importa saber como é que esta está a ser feita e se, por exemplo, está a contribuir para acalmar as pessoas ou para aumentar o pânico. Além do mais, é um caso evidente de comunicação de risco, na área da saúde, e interessa analisar o papel desempenhado pelos media e pelo jornalismo nesta situação em concreto. Neste sentido, a presente investigação tem como objetivo perceber qual o tratamento noticioso da doença por vírus Ébola nos media em Portugal. Interessa procurar responder a várias questões sobre este caso de comunicação de risco no âmbito da saúde: 1. Os media portugueses são utilizados para educar sobre a doença e promover a respetiva prevenção? 2. Quais as principais temáticas abordadas nas notícias relacionadas com o Ébola? 3. Qual o tom (positivo, negativo ou neutro) predominante nas peças jornalísticas? 4. Quais as principais fontes de informação utilizadas? 5. Quais os géneros jornalísticos destas peças?

5.1 Metodologia Para atingir os objetivos desta investigação, foi necessário, perante o universo dos media portugueses, selecionar o foco da pesquisa, que recaiu numa amostragem por conveniência. Deste modo, procedeu-se à análise de conteúdo de jornais portugueses com edição online, entre os meses de setembro e outubro de 2014. Mais concretamente, as publicações estudadas foram os jornais diários Correio da Manhã e Diário de Notícias e os semanários Sol e Expresso. Nestes meios, foram estudadas todas as peças jornalísticas sobre o Ébola publicadas nestes meios, durante o período em análise, perfazendo um total de 325 peças. Estas foram analisadas de acordo com as seguintes categorias: fontes de informação utilizadas, género jornalístico, tema central, função da peça jornalística (informativa ou formativa) e tom predominante da peça (positivo, negativo ou neutro).

4 Dados da OMS, disponível em http://www.who.int/csr/disease/ebola/en/ [consultado em 6-12-2014].

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Esta análise foi ainda complementada com uma entrevista a Paulo Andrade, médico do Hospital de São João, no Porto, especialista em doenças infeciosas.

5.2 Resultados 5.2.1Análise dos media Relativamente aos géneros jornalísticos utilizados por estes meios para noticiar o Ébola, é notória a preponderância das breves (51,2%) e das notícias (46%), consoante se pode observar no Gráfico 1. Gráfico 1 – Géneros jornalísticos Géneros Jornalísticos 60,0%

51,2% 46,0%

50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0%

1,2%

0,9%

0,3%

Infografias

Artigos de opinião

0,3%

0,0% Breves

Notícias

Entrevistas

Outros

Fonte: própria Quanto ao tom predominante nas notícias, 50% são de tom negativo, 26% assumem um tom positivo e 24% podem considerar-se neutras, como se verifica no Gráfico 2. Gráfico 2 – Tom noticioso

Tom Noticioso Tom positivo

Tom negativo

24%

Tom neutro

26%

50%

Fonte: própria No que diz respeito à função desempenhada pelas peças jornalísticas, representada no Gráfico 3, verificase que estas têm quase sempre (90%) um objetivo de informar, sendo uma minoria (10%) as que têm por finalidade ensinar algo sobre o Ébola ou até auxiliar à prevenção da doença.

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Gráfico 3 – Função noticiosa

Função Noticiosa Função Informativa

Função formativa

90%

10%

Fonte: própria Acerca das fontes de informação utilizadas nestas notícias, destacam-se claramente as instituições e autoridades internacionais (28%) a par das agências noticiosas nacionais (27%). Seguem-se as agências noticiosas internacionais (13%), a DGS e o Ministério da Saúde (11%), os órgãos de comunicação social internacionais (11%) e os médicos e instituições de saúde nacionais (6%). Existem ainda outras fontes de informação, mas com pouca relevância, como se pode confirmar no Gráfico 4. Gráfico 4 – Fontes de informação

Fontes de Informação Indústria Farmacêutica

0,2%

Pacientes

0,5% 2%

Revistas científicas

3%

Internet e redes sociais

6%

Médicos/Instituições de Saúde Portuguesas OCS Internacionais

11%

DGS/Ministério da Saúde

11% 13%

Agências noticiosas internacionais

27%

Agências noticiosas nacionais

28%

Organizações/ autoridades internacionais 0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

Fonte: própria Em relação aos temas abordados nas notícias, o grande destaque vai para os casos de Ébola internacionais (38%), seguidos pelos acontecimentos diversos (políticos, económicos, sociais ou outros), relacionados com o Ébola a nível internacional (30%) e em Portugal (17%). As informações sobre a doença são o mote de 7% das notícias, sucedendo-se a investigação científica sobre a doença (6%), por vezes incidindo, em potenciais tratamentos para a mesma e, por fim, os casos suspeitos de Ébola em Portugal, em apenas 3% das peças.

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Gráfico 5 - Temas

Temas 3%

Casos suspeitos de Ébola em Portugal

6%

Investigação científica sobre o Ébola

7%

Informações sobre a doença

17%

Acontecimentos relacionados com o Ébola - Portugal

30%

Acontecimentos relacionados com o Ébola - Internacional

38%

Casos de Ébola internacionais 0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

Fonte: própria

5.2.2Entrevista a especialista Para o médico especialista em doenças infeciosas do Hospital de São João, no Porto, Paulo Andrade5, “os media portugueses não estão a fazer uma cobertura adequada do Ébola, do ponto de vista clínico e de saúde pública”. Questionado sobre a existência de demasiado sensacionalismo ou alarmismo em relação a esta doença, Paulo Andrade respondeu que “Sim e não. Embora as noticias referentes à situação na África Ocidental sejam até algo comedidas, no que toca à Europa e Estados Unidos da América tem existido alguma alarmismo”. Para o mesmo médico, “os media podem ter um papel fulcral na prevenção da doença, ao informarem adequadamente a população sobre quem se encontra efetivamente em risco de infeção por vírus Ébola e sobre o que fazer nessa situação”. O infeciologista acrescentou que “as principais informações veiculadas pelos media deveriam incidir sobre o modo de transmissão do vírus (e sobre o modo como ele não se transmite), sobre que situações perfazem um caso suspeito de infeção por vírus Ébola e sobre quem contactar em caso de suspeita de infeção”. Na atividade clínica, Paulo Andrade tem constatado que, devido aos media, “a maioria dos doentes está atenta e informada (mal ou bem) relativamente ao vírus Ébola” e, por vezes, referem mesmo “artigos que leram em jornais, noticias da rádio ou televisão”.

6. Conclusões Face a estes resultados, pode concluir-se que, em parte condicionado pelo facto da amostra ser composta apenas por publicações online, as breves e as notícias são os géneros jornalísticos predominantes na cobertura noticiosa do Ébola, ou seja, apresentam-se informações pouco aprofundadas. Porém, é importante salvaguardar, que existirá, noutro tipo de meios, não estudados, mais algum espaço para reportagens e entrevistas. Quanto ao tom das notícias, pode observar-se que há um certo equilíbrio entre as notícias com um tom negativo e as outras, ou seja, neutras e positivas. Isto vai ao encontro de alguns estudos internacionais (Cf. LEETARU, 2014) que apontam para que a evolução da cobertura noticiosa do Ébola tem sido no sentido cada vez menos negativa, passando da descrição gráfica dos sintomas da doença para notícias sobre investigação, possíveis curas e histórias de sobrevivência, pelo que o tom geral desta cobertura noticiosa é cada vez mais positiva.

5 Em entrevista realizada por email, a 22-11-2014.

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Relativamente às funções que cumprem as peças noticiosas, há uma clara preponderância das notícias informativas, propriamente ditas, em relação às peças jornalísticas destinadas a auxiliar a prevenção da doença e educar sobre a mesma. Existe, então, uma lacuna, neste papel mais pedagógico e de promoção de saúde que se defende que os media deveriam ter, nomeadamente numa situação de risco e de grande impacto na área da saúde, como é o caso. A nível de fontes de informação utilizadas pelos media, o grande destaque vai para as fontes internacionais, sejam organizações de saúde, políticas ou outras, agências noticiosas e órgãos de comunicação social. Tal justifica-se, em parte, pelo facto dos principais acontecimentos relatados nas notícias acontecerem a nível internacional. As informações de agência e as fontes oficiais portuguesas (DGS e Ministério da Saúde) são também relevantes. Tudo isto indicia uma grande dependência da informação externa aos meios de comunicação e pouca investigação própria dos mesmos, o que se deverá, em parte, à complexidade do tema. A corroborar esta ideia, pode observar-se que todas estas fontes de informação ficam à frente dos médicos e instituições de saúde e investigação portuguesas, que são pouco ouvidos. Também não é de negligenciar que a Internet e as redes sociais, embora com menor valor, são também fontes utilizadas pelos media portugueses, suplantando as revistas científicas na área médica. Por fim, quanto aos temas que dão origem às notícias analisadas, destacam-se os casos de Ébola ocorridos internacionalmente. São também bastante destacados os acontecimentos políticos, económicos e sociais relacionados com o Ébola que ocorrem, principalmente, a nível internacional, mas também em Portugal. As informações sobre a doença, embora não sejam muitas, surgem mais vezes do que dados sobre a investigação científica sobre o Ébola e potenciais tratamentos. Em último lugar, surge a alusão a casos suspeitos de Ébola em Portugal. Este último facto é, claramente uma questão temporal, noutro período em análise, poderia chegarse a resultados diferentes, com maior destaque para estas situações suspeitas.

7. Considerações finais Os media têm, hoje em dia, um papel fundamental na literacia em saúde das populações. Isto faz com que, apesar dos obstáculos e dificuldades que se colocam ao tratamento jornalístico das questões de saúde, os media sejam ferramentas cada vez mais utilizadas para a promoção da saúde, prevenção da doença e comunicação de risco, como é o caso de epidemias e doenças graves, como o Ébola. A presente investigação sobre o tratamento mediático do Ébola nos media portugueses, em termos metodológicos, cruzou a análise de publicações da imprensa portuguesa com a entrevista a um médico especialista na área. Isto permitiu chegar a algumas conclusões importantes: A cobertura jornalística do Ébola realizada pelos media portugueses incide mais em casos clínicos e acontecimentos diversos relacionados com este problema do que nas explicações e informações que contribuam para o conhecimento e prevenção da doença. O foco noticioso está muito direcionado para a realidade internacional, quer em termos de temas tratados nas notícias, quer em termos de fontes de informação utilizadas. As peças jornalísticas são pouco extensas e desenvolvidas e há um certo equilíbrio na forma como estão divididas as que apresentam um tom negativo e as outras – notícias positivas e neutras. Numa situação de risco grave para a saúde, como o Ébola, a atuação dos media pode ser fundamental, pelo que é essencial que estes ajam em conformidade não só com as indicações das autoridades e entidades competentes, mas também que assumam o papel de agentes privilegiados na prevenção e luta contra a doença. No entanto, devem fazer isto sem caírem na tentação do sensacionalismo e do alarmismo, não alimentando uma espiral de medo e da desinformação, que podem ser mais perniciosos do que a própria doença.

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