QUANDO O NINHO FICA VAZIO: A MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DE CONSUMO NA PÓS-PATERNIDADE

August 2, 2017 | Autor: Carolina Meneguz | Categoria: Consumer Behavior, Choice Architecture, Trend Analysis
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CAROLINA FACCHIN MENEGUZ

QUANDO O NINHO FICA VAZIO: A MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DE CONSUMO NA PÓS-PATERNIDADE

Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do curso e obtenção do título de bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Me. Ilton Teitelbaum

Porto Alegre 2014

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CAROLINA FACCHIN MENEGUZ

QUANDO O NINHO FICA VAZIO: A MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DE CONSUMO NA PÓS-PATERNIDADE

Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do curso e obtenção do título de bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovada em:____de___________________________de______.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Orientador: Prof. Me. Ilton Teitelbaum – PUCRS

______________________________________________ Prof. Me. André Cauduro D‟Angelo– PUCRS

______________________________________________ Prof. Me. Cassio Sclovsky Grinberg – PUCRS

Porto Alegre 2014

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Dedico esta monografia àqueles que me ensinaram a lutar pelo que eu acredito – meus pais.

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AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente aos meus pais, que sempre tiveram a certeza de que eu conseguiria fazer qualquer coisa que me propusesse. Agradeço pelo incentivo, pelo apoio, pelo amor e pela sabedoria em reconhecer quando um filho precisa caminhar sozinho. Este trabalho me mostrou o quanto um pai e uma mãe precisam abrir mão por amor, que essa é uma função sem data de validade e que, não importa o quanto a gente mude, sempre vai ser filho de alguém. À minha mãe, Silvia, agradeço por sempre me ouvir e compartilhar suas experiências, me fazendo ver que tudo na vida é passageiro. Ao meu pai, Lucindo, pelos abraços que sempre me fazem querer voltar e por entender que um filho às vezes voa porque precisa. Agradeço aos meus irmãos, Gio, Gian e Adamo, por simplesmente serem a melhor companhia e serem os melhores presentes que meus pais poderiam ter me dado. Ao meu irmão Gian, um agradecimento especial por dividir o apartamento e as angústias comigo e entender essa fase de bagunça – física e mental. Agradeço ao Mark, for all the times you stood up for me and told me I was going to be ok. Thank you for the wake up calls, for the endless moral support and for showing me that love knows no distance. Agradeço aos meus amigos por me lembrarem que nenhuma situação, por mais intensa que seja, deve ser motivo para deixar de estar junto de quem a gente ama. Rodrigo, obrigada por me deixar sem palavras suficientes pra te agradecer. Fernanda, obrigada por me deixar ter uma pessoa tão fantástica quanto tu na minha vida. Labella, obrigada pela amizade e pelas cervejas pré-entrega, que sempre me acalmaram. Graciliano, por me dizer verdades e me mostrar o valor uma amizade sincera. Anna, Rae, obrigada pelos três cliques que mudaram tanta coisa. Agradeço ao mestre Ilton Teitelbaum, meu grande orientador, por me incentivar a experimentar e compartilhar sua experiência comigo, enriquecendo este trabalho e me ajudando a manter o foco no resultado final. Agradeço ao querido Jayme Paviani, por abrir sua casa para conversas inspiradoras e por ter me mostrado que eu não precisava brigar com o texto. Por fim, agradeço a todos os colaboradores da Famecos e da Biblioteca da PUCRS pela disponibilidade, pela paciência e pela alegria – uma Universidade é feita de muita gente e essas pessoas, no dia a dia, certamente fizeram a minha vida acadêmica muito mais feliz.

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The whole equation has been shaken up. Consumers feel so much more in control. They have all the power, and they are wielding that power (YARROW, 2014).

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RESUMO A presente monografia consiste em um estudo exploratório sobre o consumidor na fase da pós-paternidade e sua relação com as ideias de felicidade, de tempo livre e de autoimagem. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, buscando autores que fundamentassem os principais conceitos sobre comportamento do consumidor, ciclo de vida da família e as relações entre consumo, felicidade e construção da autoimagem. O trabalho procura, também, compreender os principais fatores que interferem no consumo dos casais na pós-paternidade, bem como analisar

as

principais

exigências

do

consumidor

contemporâneo.

Como

procedimento, foram realizadas entrevistas em profundidade com seis casais em diferentes momentos da fase pós-paternidade. Foi, posteriormente, feito um cruzamento entre o levantamento de experiências e a pesquisa bibliográfica, em que a autora faz a análise dos resultados obtidos no sentido de identificar padrões de comportamento e relações entre a teoria e a fase prática. As considerações finais desta pesquisa mostram que, enquanto consumidor, o indivíduo na pós-paternidade busca o conforto e tem flexibilidade de tempo, o que lhe permite tomar decisões mais simplificadas e consumir com menos culpa. Além disso, percebe-se que a felicidade está diretamente relacionada ao bem-estar dos filhos, o que sugere uma permanência da função da paternidade mesmo após a saída dos filhos de casa.

Palavras-chave: Comportamento do consumidor. Pós-paternidade. Ninho vazio.

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ABSTRACT This paper is an exploratory study of how the consumer lives during the post paternity phase – called empty nest –their perception towards happiness, free time and self-image. A bibliographic research was carried out based upon secondary data. It aimed to gather authors that could ground the main concepts about consumers‟ behaviour, family life cycle and the relationship between the main topics of this paper: consumption, happiness and self-image. This research also aimed to understand the main changes in consumption for empty nest couples, as well as analyse modern consumer´s main requirements. The procedure used was in-depth interviews with six empty nest couples. Subsequently, the results of the interviews were combined with the bibliographic research. As a result the author found that as a consumer, the empty nester looks for comfort and is time-flexible, which allows them to make simpler decisions and feel less guilty when purchasing things for themselves. Furthermore, it was possible to perceive that the feeling of happiness is strongly attached to the paternity, which suggests that the empty nesters still feel, to some extent, the obligation to care for their children, even after they have left the nest.

Keywords: Consumer‟s behaviour. Post Paternity. Empty Nest.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1– Pirâmide das Necessidades de Maslow, 1943 ......................................... 16 Figura 2 – Fatores de influência no comportamento de compra ............................... 22 Figura 3 – Ilustração do processo de decisão de compra ......................................... 23 Figura 4 – Quadro das principais variáveis de segmentação de mercados .............. 26 Figura 5 – Quadro comparativo da autoimagem ....................................................... 30 Figura 6 – Crescimento do acesso da população com mais de 50 anos à internet... 37 Figura 7 – A interação entre pais e filhos do Whatsapp ............................................ 38 Figura 8 – A nova família brasileira ........................................................................... 40 Figura 9 – Papeis dos indivíduos nas compras familiares ......................................... 42 Figura 10 – Quadro do ciclo de vida familiar ............................................................. 43 Figura 11 – Quadro do perfil dos entrevistados......................................................... 50 Figura 12 – Quadro comparativo Trabalho x percepção do tempo ........................... 54 Figura 13 – Quadro de preferência de viagens ......................................................... 55 Figura 14 – Quadro comparativo das preferências na internet ................................. 61 Figura 15 – Quadro da autoimagem .......................................................................... 63 Figura 16 – Quadro comparativo sobre a Felicidade ................................................. 65

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SUMÁRIO 1

INTRODUÇÃO .......................................................................................... 10

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ENTENDENDO O CONSUMIDOR ........................................................... 13

2.1 A HISTÓRIA DO CONCEITO DE CONSUMO .......................................... 13 2.2 NECESSIDADES, DESEJOS E ESCOLHAS: COMO DECIDIMOS ......... 16 2.3 O PROCESSO DE DECISÃO DE COMPRA ............................................ 19 2.4 AS INFLUÊNCIAS DE ESTILOS DE VIDA .............................................. 25 3

AS INTERFACES DO CONSUMO ........................................................... 29

3.1 O CONSUMO E A CONSTRUÇÃO DO EU .............................................. 29 3.2 O CONSUMO E A FELICIDADE .............................................................. 32 3.3 O CONSUMO E O MUNDO DIGITAL....................................................... 34 3.3.1 O perfil do brasileiro ............................................................................... 36 4

A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA .......................................... 39

4.1 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA E O CICLO DE VIDA FAMILIAR ....................................................................................................... 39 4.2 OS CASAIS E O NOVO CONSUMIDOR .................................................. 45 5

ENFIM, SÓS: A PÓS-PATERNIDADE NA PRÁTICA .............................. 49

5.1 METODOLOGIA ....................................................................................... 49 5.2 PERFIL DOS RESPONDENTES ............................................................. 50 5.3 VISITANDO O NINHO VAZIO .................................................................. 51 5.3.1 O tempo ................................................................................................. 51 5.3.2 O consumo ............................................................................................ 57 5.3.3 O Eu .................................................................................................... 63 6

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 69

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 74 APÊNDICE A – roteiro de entrevista ........................................................... 76

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INTRODUÇÃO A pós-modernidade traz consigo a evolução da ideia de consumo e de

consumidor, que passa a representar um papel mais ativo e, consequentemente, importante no desenvolvimento de novos produtos e campanhas de comunicação. Tanto para marcas bem estabelecidas quanto para novos entrantes, o mercado oferece o desafio da alta concorrência e da volatilidade da preferência do consumidor, que, independentemente da idade, tornou-se mais impaciente e imediatista. Com isso, crescem os empreendedores focados na oportunidade de mercado, ao passo que diminuem os empreendedores focados em sua própria necessidade financeira. Isso demonstra não apenas que o foco está no consumidor, mas também que as empresas estão atentas às constantes mudanças no perfil dos consumidores, bem como no surgimento de novos padrões de consumo. Uma das questões que tem se tornado alvo de preocupação no país é o envelhecimento da população, que há a previsão de ser 30% acima de 60 anos até 2050 (BLOOM, 2014). Tal questão já chegou a outras regiões, como nos Estados Unidos e diversos países da Europa. Embora para os governos essa seja uma preocupação grande em função da baixa mão de obra e consequente diminuição do consumo, existe uma fase situada entre a paternidade e a diminuição da renda (aposentadoria) que representa um grande potencial de consumo. A póspaternidade é caracterizada pela saída dos filhos da casa dos pais, o que é reconhecidamente uma mudança no comportamento do casal, pois não apenas deixam de ter movimento em casa, como também passam a consumir apenas para dois, após um longo período pensando no consumo familiar. Tal período é marcado pelo sentimento de ninho vazio, o que pode afetar alguns casais mais do que outros. No entanto, é na repercussão que esta fase tem nos hábitos e nos padrões de consumo que esta pesquisa irá se focar. Poucas décadas atrás, os casais ninho vazio eram vistos como pessoas já velhas, que não representavam grande impacto na economia e cuja principal função era ater-se ao cuidado dos netos (LIPOVETSKY, 2007). Estudos e publicações mais recentes demonstram que, na verdade, esses casais tendem a prolongar sua vida econômica e socialmente ativa, mantendo-se independentes por mais tempo, se comparado às gerações passadas. Porém, ainda fica em aberto a verdadeira

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mudança no comportamento dos casais e como eles reagem a isso na forma de consumo. No decorrer do desenvolvimento deste estudo, será possível compreender a evolução de consumo e o papel da família nesse contexto. Dessa forma, tanto o objetivo quanto o problema da pesquisa que é desenvolvida nessa monografia se detêm a identificar as principais mudanças no comportamento dos casais durante a fase pós-paternidade e como isso influencia o seu comportamento de consumo. Dos objetivos específicos, destaca-se investigar as relações do indivíduo com o tempo livre, com o consumo e com a sua autoimagem durante essa fase. A realização desse trabalho possibilita, portanto, o desenvolvimento de um diagnóstico preliminar da fase pós-paternidade do ciclo de vida familiar. Para sustentar as argumentações desse trabalho, os procedimentos metodológicos são baseados em pesquisa bibliográfica, em que são coletados dados secundários sobre os principais tópicos relacionados ao tema

e,

posteriormente, é feita uma análise a partir de entrevistas em profundidade com casais que enquadram-se na fase da pós-paternidade do ciclo de vida familiar. Para a construção da análise foi utilizado como base um roteiro de entrevista com questões abertas, a partir do qual as informações foram compiladas e agrupadas conforme similaridade de comportamento. Dessa forma, este estudo é dividido em quatro capítulos, cada qual oferecendo uma segmentação do problema de pesquisa. O primeiro capítulo trata das principais definições conceituais acerca de consumo, bem como uma contextualização sobre o processo de decisão de compra. Concomitantemente, é feita uma abordagem sobre os estilos de vida e as variáveis que influenciam o comportamento do consumidor. O segundo capítulo tem como objetivo oferecer um panorama sobre as relações do consumo com outros aspectos da vida do indivíduo, compreendendo o impacto que o ato de consumir exerce sobre a construção da autoimagem, bem como sobre a ideia e a busca de felicidade. Além disso, será abordado o mundo digital e suas interferências nas formas de consumo e comportamento. No terceiro capítulo será explorada a evolução do conceito de família, contextualizando as novas formas de organização familiar e os diferentes papeis que os membros da família exercem durante o processo de decisão de compra. Em

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seguida, será abordado o universo de consumo dos casais na fase pós-paternidade e suas relações com consumo, com o envelhecimento e com o mundo digital. Por fim, no quarto capítulo serão abordados com mais profundidade os procedimentos metodológicos, seguidos de análise e exposição dos resultados obtidos, que serão observadas à luz da teoria dos principais autores citados nos capítulos anteriores. Este trabalho, para o mercado, pode contribuir para a compreensão do comportamento e aspirações do consumidor maduro. Pode, também, servir como base para análise de oportunidades de ações de marcas e estudo de novos negócios focados nesse público. Para a academia, esse estudo contribui com um cruzamento entre o comportamento do consumidor, o ciclo de vida da família e a comunicação social, escolhendo uma temática pouco retratada no âmbito da comunicação e pouco explorada no país. Para a autora, é a união de diferentes interesses profissionais e a possibilidade de compreender um nicho pouco explorado e iniciar, assim, uma nova fase acadêmica.

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ENTENDENDO O CONSUMIDOR Tendo presente a seguinte monografia, que tem como objetivo compreender

os hábitos de consumo dos casais após a mudança da estrutura do grupo familiar, este capítulo inicia retratando as relações entre os hábitos e o consumo. A abordagem do comportamento humano com relação ao consumo, apresentada através das teorias de diferentes estudiosos, é fundamental para a compreensão da sociedade moderna. Será apresentada a evolução deste campo de estudo, desde suas raízes na sociologia e na psicologia do século XX, até teorias sobre as necessidades e o processo de decisão de compra. Os principais autores citados neste capítulo serão estudiosos sobre o comportamento do consumidor, tais como Leon Schiffman e Leslie Kanuk, Michael Solomon, Gilles Lipovetsky e Ernesto Giglio.

2.1

A HISTÓRIA DO CONCEITO DE CONSUMO Nos anos 60, o estudo deste campo partia das áreas da sociologia,

antropologia, psicologia social e economia (SCHIFFMAN e KANUK, 2000). Com a percepção da importância desta área pelas empresas, foi-se criando um campo de estudo específico. Ao explicar o pensamento dos sociólogos no decorrer do século XX, Lipovetsky (2007) constata que, conforme as sociedades enriquecem, surgem novas vontades de consumir. O autor apresenta que, na concepção dos estudiosos de 1960-1970, o consumo servia como uma diferenciação social, em que o indivíduo buscava, através da ostentação de seus bens, obter prestígio, reconhecimento e integração social. No entanto, o autor afirma que, já em 1964, Ditcher contradizia este pensamento e mostrava que o status não era motivação primária na compra de carros, por exemplo. Embora existisse uma ligação forte entre o consumo e a imagem social do indivíduo, o consumo também era pautado pela busca de uma vida confortável, exaltando os ideais da felicidade privada. Atualmente, o campo vem sendo amplamente estudado e sabemos que são inúmeras as variáveis que influenciam o comportamento de consumo de um indivíduo, como, por exemplo, fatores tão cotidianos quanto a expressão facial de um amigo quando alguém experimenta uma roupa em uma loja (SCHIFFMAN e KANUK, 2000). Outro aspecto importante e recente sobre o comportamento do

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consumidor é que ele é visto como um processo que não termina com uma transação financeira em troca de produtos e mercadorias (SOLOMON, 2002). Tratase, na verdade, de um ciclo contínuo sobre o qual diversos atores terão a possibilidade de exercer algum tipo de influência. Outros autores também abordam o assunto, como é o caso de Giglio (1996), que define o ato de consumir como um processo dinâmico de escolha. O autor reforça a questão da continuidade apresentada por diversos autores e separa o consumo em cinco momentos: o questionamento sobre a necessidade e o objetivo; a busca pela melhor opção para saciar esta necessidade; a aceitação dos outros quanto ao seu consumo; o momento da compra, envolvendo a busca física pelo produto ou serviço; e uma reflexão sobre o pós-consumo, que inclui um questionamento sobre objetivos atingidos. A complexidade das relações e o envolvimento do consumidor fazem com que, caso o ato de consumo não atinja as expectativas do consumidor, ele poderá sentir-se insatisfeito com todos os envolvidos na prestação deste serviço, independente do grau de responsabilidade de cada um deles. Tal reflexão é que irá, no futuro, criar no indivíduo um hábito, pois “clientes relatam que acabam se lembrando daquelas empresas/produtos que resolveram suas expectativas, tornando-as mais aptas a ser escolhidas” (GIGLIO, 1996, p. 45). Desta forma, entende-se que o processo de memória e aprendizagem representa um potencial para que uma escolha se repita ou não. Giglio (1996) reforça a importância de reconhecer o consumo como um reflexo das escolhas e do estilo de vida, bem como uma relação imediata com o plano de vida do indivíduo. O ato de escolher é uma constante no consumo. Para exemplificar isso, o autor aponta que, por menor que seja a complexidade da situação, como beber um café, o indivíduo reflete escolhas: é preciso escolher o tipo de café, o ambiente que o faz sentir mais à vontade, o momento em que opta por fazer uma pausa, além, obviamente, dos objetivos ao beber um café, podendo ser causados por necessidades utilitárias (acordar-se) ou hedônicas (apreciar uma música em um café). Tendo em vista estas duas possibilidades, Campbell (2001) acrescenta que a interação entre a ilusão (plano de vida) e a realidade é a chave para compreender o consumismo e o hedonismo moderno, pois é a tensão entre as duas que transforma o anseio em um costume permanente. Sobre esta afirmação, pode-se entender que

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o indivíduo estabelece uma relação entre a vida atual e o plano de vida que está, em grande parte, fundamentada no consumo e na possibilidade de consumir. Ao abordar a temática do comportamento, faz-se necessário compreender que diferentes estudiosos aceitam uma ou outra corrente sociológica, e isto interfere na forma como se trata o comportamento do consumidor, pois cada forma de pensar representa uma maneira diferente de entender o ser humano. Solomon (2002) apresenta o positivismo (também chamado de modernista) e o interpretativismo. O primeiro enxerga apenas uma verdade objetiva e afirma que a razão humana é suprema, considerando o mundo como um lugar racional e ordenado. Já o segundo entende que o mundo social e cultural não cabe dentro da visão racional e ordenada do positivismo, que o significado das coisas se constrói dentro da interpretação de cada um e estará sujeito a culturas únicas e compartilhadas. De uma forma mais mercadológica, Schiffman e Kanuk (2000) apresentam a segunda fase como o experimentalismo, momento em que os pesquisadores estavam mais interessados no ato de consumo do que na compra em si, representada pela tomada de decisão. Os autores trazem um exemplo dos métodos de pesquisa nesta área para elucidar esta questão: a pesquisa motivacional, defendida por positivistas, consiste em entrevistas pessoais e técnicas projetivas, tendo enfoque quantitativo e buscando prever as ações do consumidor; enquanto a pesquisa interpretativista utiliza a etnografia e as pesquisas pessoais, apoiando-se na metodologia qualitativa e buscando compreender o comportamento – se, por exemplo, ao comprar um carro, um consumidor vai sozinho ou acompanhado. Através da experimentação, as empresas descobriram que, na verdade, as duas técnicas não se anulam, e passaram a utilizar uma combinação das duas, conforme os objetivos da pesquisa. Percebe-se, assim, que o antigo conceito de consumo era entendido como algo passivo e objetivo, o que na verdade provou-se mais complexo à medida que as sociedades e as relações de consumo evoluíram. Atualmente, o estudo do comportamento do consumidor engloba não apenas os fatores imediatos que levam um indivíduo a comprar ou não algum produto, mas também as diferentes influências e necessidades, desejos e motivações que interferem no comportamento humano.

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2.2

NECESSIDADES, DESEJOS E ESCOLHAS: COMO DECIDIMOS Assim como novos produtos são desenvolvidos o tempo todo, as

necessidades e os objetivos do consumidor mudam constantemente (SCHIFFMAN e KANUK, 2000). Estudar o comportamento do consumidor requer compreensão de que, à medida que necessidades são saciadas e objetivos são cumpridos, novos são criados – o consumidor não fica parado. Quando o indivíduo não está mais preocupado com suas necessidades básicas e psicológicas, dedica sua atenção e seus objetivos a outros níveis de necessidade. A respeito destas necessidades, é possível identificar diferentes hierarquias, pois elas coexistem, mesmo que algumas sejam mais emergenciais que outras. Identificam-se quatro principais teorias sobre o assunto, sendo uma delas a Hierarquia das Necessidades de Maslow, apresentada por Karsaklian (2000) e ilustrada na figura abaixo, a partir da qual percebe-se a existência de cinco níveis básicos de necessidades humanas. O indivíduo busca satisfazer sempre as mais básicas (necessidades fisiológicas/biogênicas), que estão na base da figura, antes das necessidades mais complexas (psicogênicas), que estão no topo. Um exemplo que pode facilitar a compreensão da hierarquia das necessidades é uma escada, na qual somente se passaria de um nível a outro mais alto quando o nível anterior fosse satisfeito, conforme mostra a figura a seguir.

Figura 1 - Pirâmide das Necessidades de Maslow, 1943

Fonte: Google images/pousadamente.blogspot.com (2014)

Por exemplo, se um homem está faminto, encontrar comida será sua única prioridade e, neste momento, ele não estará preocupado com realização profissional. Quando esta e outras necessidades biogênicas estiverem satisfeitas, as

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necessidades de segurança e proteção irão emergir. A segurança, no entanto, não é apenas física (SCHIFFMAN e KANUK, 2000), e pode ser representada através da rotina, da familiaridade e do controle sobre a vida. Segundo os autores, a forma de satisfazer a necessidade de segurança é investir em poupanças, seguros e equipamentos de defesa pessoal. Esta necessidade pode ficar mais evidente em momentos de incerteza, como quando a cidade em que o indivíduo vive torna-se mais perigosa. O próximo nível de necessidade é relacionado ao ambiente social, como amor, afeto e aceitação. Considerando que a aceitação social é extremamente importante

no

convívio

em

sociedade,

marcas

de

diversos

segmentos,

principalmente de cosméticos, utilizam este conceito atrelado a seus produtos. Quando estes três primeiros níveis de necessidades estão satisfeitos, o indivíduo passa a ter necessidades egoístas, como de autoafirmação, sucesso e status. Por fim, Maslow propõe a necessidade de realização, em que o indivíduo busca ser aquilo que deve ser, e se ele não satisfez as necessidades anteriores, dificilmente terá esta necessidade evidente, pois “A insatisfação, e não a satisfação, é que motiva o comportamento” (SCHIFFMAN e KANUK, 2000, p. 70). Esses cinco níveis propostos por Maslow são pertinentes quando se fala sobre necessidades, pois classificam as carências segundo sua complexidade e urgência, no entanto, alguns autores discordam parcialmente das hipóteses propostas. Giglio (1996, p. 40) identifica uma falha na explicação mercadológica desta teoria, tratando-a como “Um sistema voltado para o presente do sujeito, quando o que nos interessa é o seu futuro”. O autor também considera que, quando fala-se sobre a teoria, não se retrata as condições nas quais ela foi criada, isto é, durante o movimento utilitário pós-guerra. Solomon (2002) também faz duas ressalvas com relação à teoria de Maslow, pois ela pode estar restrita à cultura ocidental, uma vez que a cultura oriental é focada no bem-estar coletivo e isso, de alguma forma, poderia interferir na pirâmide de Maslow. A segunda ressalva é que uma mesma atividade pode perpassar todos os níveis de necessidades, como destaca o autor neste exemplo: Um estudo descobriu que a jardinagem pode satisfazer todos os níveis da hierarquia. Fisiológicas: Gosto de Trabalhar com a terra. De segurança: Sinto-me seguro no jardim. Sociais: Posso compartilhar meus produtos com outras pessoas. De estima: Posso criar algo belo. Autorrealização: Meu jardim me dá uma sensação de paz. (SOLOMON, 2002, p. 100)

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Existe outra forma de categorizar as necessidades, como sugere Solomon (2002) ao dividir as necessidades como biológicas e aprendidas. Seguindo a mesma orientação, Schiffman e Kanuk (2000) propõem a nomenclatura de necessidades primárias ou secundárias. Necessidades primárias são os requisitos mais básicos para manter a vida, sendo eles água, ar, abrigo, comida, roupa e sexo. As secundárias são as necessidades que foram adquiridas pelo indivíduo e que resultam de uma relação com a sua cultura e com os outros, como a carência de autoestima, de afeto e poder. Os três autores concordam que as necessidades adquirem mais complexidade conforme os objetivos que estão ligados a elas. Tais objetivos sofrem variações conforme a experiência pessoal do indivíduo, sua mobilidade, cultura e valores, e são muitas vezes percebidos sem que o indivíduo esteja ciente de suas necessidades. Necessidades, no entanto, precisam de outros componentes para que se efetive um comportamento ou atitude e, para isso, operam a motivação, os desejos e os objetivos do consumidor. Solomon (2002) define motivação como processo intermediário entre a necessidade e o consumo. Schiffman e Kanuk (2000) oferecem uma segunda definição, em que a motivação “é a força motriz interna dos indivíduos que os impele à ação” (Idem, Ibiden, p. 60) e identificam que podem existir motivos racionais – peso, preço – e motivos emocionais – orgulho, afeição, status. Uma terceira definição vem de Karsaklian (2000), que explica que a motivação não pode ser observada e, portanto, utiliza a definição de comportamento motivado, cujo principal indicador é a persistência. Mesmo abordando o tema sob perspectivas diferentes, os três autores reforçam a relação entre motivação, necessidade e objetivo. Para aprofundar a compreensão da interação entre os três elementos citados, Solomon (2002) apresenta que, sob o ponto de vista mercadológico, as necessidades podem ser separadas segundo os benefícios que serão trazidos pelo consumo, sendo utilitárias ou hedônicas. No primeiro caso, o consumidor está focado nos benefícios funcionais e práticos, enquanto no segundo está focado na experiência que terá. Independentemente da natureza da necessidade, a motivação é o que levará o consumidor a passar de seu estado atual para seu estado ideal. Um exemplo apresentado pelo autor é a fome, que pode ser saciada com uma infinidade de alimentos, cuja escolha dependerá do estado (individual e coletivo) do indivíduo.

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Enquanto Solomon (2002) entende o desejo como um intermediário entre a necessidade e o consumo, outros autores atribuem a este tema um papel mais decisivo, como é o caso de Giglio (1996, p. 27), que define o desejo como “a consciência de que podemos mudar nossas vidas, nossos rumos”. O autor demonstra que esta mudança pode ser buscada de formas simples ou complexas; por exemplo, viagens, cursos de especialização e carros de luxo simbolizam a vontade de superar nossa vida atual, enquanto o consumo cotidiano, como um sapato novo, se relaciona com expectativas mais imediatas, o que, neste caso, é se sentir elegante em uma festa. Estudos iniciais do comportamento de consumo sugeriam que a motivação era uma consequência do instinto e de padrões inatos, porém, hoje entende-se que utilizar o instinto para explicar o comportamento de consumo seria limitante e difícil de ser cientificamente comprovado (SOLOMON, 2002). O que o autor oferece são duas teorias que abordam o tema da satisfação das necessidades. A Teoria do Impulso trata sobre os estados desagradáveis que são produzidos a partir de uma necessidade fisiológica. Segundo essa teoria, o grau de motivação de alguém varia conforme a distância entre seu estado atual e o objetivo. A segunda explicação sobre a motivação é a Teoria da Expectativa, a qual sugere que nosso comportamento é influenciado pelas expectativas – segundo ela, a escolha de um produto em detrimento de outro é feita de acordo com a expectativa de consequências positivas que o mesmo irá trazer. 2.3

O PROCESSO DE DECISÃO DE COMPRA A partir da compreensão das necessidades, motivações e desejos de uma

pessoa, é possível falar sobre a consequência esperada: a decisão compra. As escolhas que o indivíduo faz, seja para suprir necessidades ou desejos, são chamadas de decisão de compra. Ao conceituar o processo de decisão, Schiffman e Kanuk (2000) ressaltam que ele acontece tanto em escolhas novas quanto repetidas e que, para poder haver decisão, é necessário haver mais de uma opção. Os autores identificam quatro modelos de visão sobre o processo de tomada de decisão, porém, iremos nos ater apenas a dois, considerando que os dois primeiros, contendo a visão econômica e a visão passiva, são tidos como simplistas por não

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abrangerem as compras por impulso e os valores, objetivos e autonomia do consumidor. A visão cognitiva coloca o consumidor na posição de solucionador pensante de problemas, que busca informações para resolver suas questões e finda sua procura quando entende que já tem dados suficientes (SCHIFFMAN e KANUK, 2000). Já a visão emocional engloba a compra por impulso e sentimentos, como o medo, a felicidade e a fantasia associados a algumas compras e posses (este assunto será tratado com mais profundidade no capítulo 3, quando falaremos sobre o autoconceito e o consumo emocional). Ao fazer uma compra emocional, o lado racional do consumidor está menos ativo e ele sente menos necessidade de fazer pesquisa pré-compra. Sobre esta visão, os autores indicam que o humor torna-se um fator muito importante durante a tomada de decisão e que os lojistas buscam criar um estado de humor em seus ambientes que complemente/melhore o humor preexistente do consumidor. Os autores utilizam uma combinação das duas visões quando abordam as teorias sobre o processo de decisão. Atendo-se à visão cognitivista neste momento, Solomon (2002) separa a tomada de decisão em dois tipos. O primeiro, chamado de solução ampliada de problemas, refere-se a compras que envolvem maior risco, relacionadas a preços mais altos e ao autoconceito do consumidor. Ao enfrentar uma solução ampliada, o indivíduo busca um grande volume de informações e faz uma avaliação dos atributos da marca, de forma que fique de acordo com suas expectativas. De natureza mais direta e simples, o segundo tipo, a solução limitada de problema, requer menos busca de informação e está atrelada a produtos de baixo custo e compra frequente. Porém, se o consumidor precisasse buscar informações para todas as suas compras, o processo de tomada de decisão seria desgastante. Por isso, o autor definiu como automaticidade aquelas decisões feitas com pouco ou nenhum esforço consciente e que envolvem um risco muito baixo. Considerando todas as influências a que um indivíduo está sujeito (consciente e inconscientemente) quando decide fazer uma compra, Schiffman e Kanuk (2000) apresentam três fases pelas quais o consumidor passa para tomar uma decisão: os inputs, o processo e os outputs. Os inputs são fatores externos que influenciam a tomada de decisão, como, por exemplo, os esforços de marketing no que diz respeito à embalagem, garantia e publicidade. Todos esses fatores estarão sujeitos à percepção que o consumidor tem deles, enquanto o input sociocultural é definido

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por uma variedade de influências não comerciais, como a classe social, a cultura e a utilização – ou não – do produto por familiares e amigos. Assim, os autores demonstram que a tomada de decisão não depende apenas do processo, que será abordado a seguir, mas também das influências de marketing e influências socioculturais. Da mesma forma, Kotler e Keller (2006) tratam sobre os fatores que influenciam o comportamento de compra e a tomada de decisão, separando quatro categorias que variam dos fatores mais amplos e externos aos mais específicos e intrínsecos do indivíduo. Os fatores culturais são determinados pelos aprendizados adquiridos ao longo da vida e são determinantes no comportamento e desejos de uma pessoa. Os autores indicam que uma criança que foi educada nos Estados Unidos terá entre seus valores o conforto material, o individualismo e a juventude, o que pode ser diferente de muitos países asiáticos, por exemplo. Neste grupo também entram as religiões, grupos raciais e regiões demográficas. No próximo nível estão os fatores sociais, que englobam a influência proveniente dos grupos de referência, família, papel social e status. Os grupos de referência exercem uma influência direta no comportamento do indivíduo e representam as afinidades, as aspirações e dissociações de uma pessoa, no entanto, é a família que representa “A mais importante organização de compra de produtos de consumo na sociedade, e seus membros constituem o grupo de referência primário mais influente” (KOTLER e KELLER, 2006, p. 177). No próximo nível, os fatores passam a ser mais ligados às características mais próximas ao sujeito, chamados de fatores pessoais, e cujas principais características são a idade e o estágio no ciclo de vida, a ocupação, os estilos de vida e a autoimagem. No nível mais intrínseco do sujeito estão os fatores psicológicos, para os quais os autores trazem questões como a motivação, as necessidades e percepção, já abordados neste capítulo, como fortes influências na decisão de compra. Na figura a seguir fica clara a hierarquia e proximidade dos níveis, sendo que o nível nuclear representa os fatores mais intrínsecos. À medida que afasta-se do núcleo, os fatores se tornam mais amplos.

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Figura 2 - Fatores de influência no comportamento de compra

Fatores culturais Fatores sociais Fatores pessoais Fatores psicológicos

Fonte: a autora, com base na categorização de Kotler e Keller (2006)

Em uma constante relação com os fatores apresentados na figura acima, Schiffman e Kanuk (2000) separam três fases do processo de decisão de compra: reconhecimento de necessidades, a busca pré-compra e a avaliação das alternativas. Os autores indicam duas formas de reconhecimento de necessidades: estado real/estado desejado ou modo simples/complexo. No primeiro caso, há consumidores que tomam decisões com base em seu estado atual, enquanto outros terão sempre o estado desejado como orientação para compra. No segundo caso, a decisão pode ser simples como comprar comida de uma vending machine quando se reconhece a fome, ou complexa, quando uma pessoa passa anos com o mesmo celular e pensa em trocá-lo quando ele não satisfaz as atuais demandas de comunicação. A busca pré-compra, o segundo momento de uma tomada de decisão, começa a partir da constatação de que a necessidade pode ser satisfeita através de uma compra e consumo de um produto. Os autores reforçam o que Solomon (2002) define como compras de risco, e consideram que alguns fatores podem influenciar a quantidade de informação que um consumidor irá reunir antes de efetuar uma compra, como a falta de familiaridade com o assunto e o tipo de uso/desempenho que o produto precisará ter (ligado, também, ao objetivo do consumidor). Após buscar informações sobre produto e marcas, o consumidor fará uma avaliação das alternativas – o terceiro momento, conforme mostra a figura a seguir.

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Figura 3 – Ilustração do processo de decisão de compra

Reconhecimento das necessidades

Busca pré compra

Avaliação das alternativas

Fonte: a autora, com base no processo de compra de Schiffman e Kanuk (2000)

A partir da observação da ilustração acima, percebe-se que o processo de decisão é interminável, sempre havendo uma nova busca para iniciar um novo processo. Segundo Schiffman e Kanuk (2000), é no terceiro momento que as pessoas categorizam as marcas e produtos disponíveis. É feita uma separação entre os produtos ou marcas que são inertes, ineptos e evocados. Os inertes são indiferentes ao consumidor, os ineptos estão excluídos de sua consideração e os evocados são aqueles que o consumidor irá considerar, que estão presentes em sua memória ou são predominantes no ambiente. Esta lista pode cruzar informações recolhidas, memórias de infância ou características que remetem à personalidade do consumidor. Para os autores, cada categoria de produto possui atributos que, possivelmente, serão comparados, como por exemplo os smartphones (qualidade da câmera, preço, tamanho de tela) e tênis para corrida (estilo, preço, absorção de impacto). Com base nestes critérios e nas informações recolhidas, o consumidor compara as marcas à luz de seus objetivos para efetuar uma compra. Para Solomon (2002), a última fase demanda muito esforço do consumidor, considerando que o número de alternativas disponíveis no mercado atualmente é amplo não apenas em números de marcas, mas também em variações dentro de uma mesma marca – o autor traz o exemplo do batom, que terá muitas opções dentro de uma mesma marca. Para facilitar este processo, os consumidores aplicam

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regras de decisões anteriores, chamadas heurísticas, em que evocam decisões bem sucedidas para decisões futuras, criando regras como 1) produtos mais caros têm maior qualidade, 2) repetição da marca consumida na última compra e 3) comprar marcas que já eram consumidas pela família. Kotler e Keller (2006) entendem que o consumidor pode mudar seus planos no decorrer do processo e por isso adicionam duas etapas ao modelo: a decisão de compra e o comportamento pós-compra, o que Schiffman e Kanuk (2000) classificam como outputs. A decisão de compra pode ser afetada por fatores de interferência, como uma mudança de emprego e consequente revisão de prioridades de consumo ou até mesmo o negativismo de uma atitude alheia. Já o comportamento pós-compra é dividido pelos autores em satisfação, ação e utilização pós-compra, que levarão os indivíduos a utilizar aquele consumo como forma de aprendizagem. Outros autores não descartam o processo de decisão de compra, no entanto, trazem uma abordagem mais complexa sobre o consumidor e questionam a adaptação da publicidade e do marketing para o mundo atual. Davis (2003) defende que o consumidor está exigente com relação à satisfação de suas necessidades: O consumidor do século XXI está trancado dentro de si mesmo, consciente ou inconscientemente preocupado com novas questões. A velha arenga da publicidade, que antes o fascinava – os velhos slogans que um dia o convenceram a comprar – perdeu seu poder (DAVIS, 2003, p. 253).

Apesar de apresentar um consumidor complexo e exigente, que busca produtos que solucionem sua vida, e não seu consumo, a autora oferece uma visão simplificada sobre o processo de decisão, classificando apenas três situações com que o consumidor se preocupa ao fazer compras: desempenho de produto, custo/benefício e seu estado de espírito. A autora propõe um consumidor que identifica que seus problemas têm relação com a vida, e não com produtos, e enxerga que a visão que as empresas têm sobre seu consumidor muitas vezes baseia-se em pesquisas como grupos focais, prática que ela critica por não refletir um verdadeiro entendimento das necessidades e desejos do consumidor. Para contextualizar, a autora traz o exemplo de uma marca de cereais que percebe, através de grupo focal, que seus clientes querem um cereal mais saboroso, mais nutritivo – mas não escuta o chamado silencioso, que basicamente diz “Cereal uma ova. Preciso é de uma razão realmente boa para me levantar da cama de manhã”

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(DAVIS, 2003, p. 259). Portanto, a falta de uma interpretação e apropriação do que o consumidor diz, segundo a autora, pode conduzir a uma lacuna de comunicação entre marca e público. 2.4

AS INFLUÊNCIAS DE ESTILOS DE VIDA Embora de extrema importância para compreender o consumidor, seu

comportamento e a formação de hábitos, as necessidades e as motivações do indivíduo não satisfazem a total complexidade do comportamento de consumo – fatores como gostos, valores e hobbies são, também, determinantes no comportamento do indivíduo. Para facilitar a compreensão da diversidade de grupos de consumo, introduziu-se o conceito de estilo de vida, o que alguns autores sugerem como uma solução para trabalhar com mercados diferentes, em que cada agrupamento tem preferência ou tendência a preferir diferentes tipos de consumo. A existência de mercados pouco homogêneos e diversificados fez com que as empresas buscassem a segmentação de mercado em contrapartida ao mercado de massa. Para segmentar, profissionais de marketing agrupam seus consumidores de acordo com suas características (KOTLER e KELLER, 2006) e, a partir disso, criam uma base de segmentação. No entanto, os autores alertam para a ilusão de se criar um segmento fechado, pois nem todas as pessoas que parecem semelhantes estão à procura da mesma coisa. Como resultado, os autores apresentam dois grupos principais: o primeiro inclui variáveis geodemográficas e psicográficas, enquanto o segundo trata de questões comportamentais. Dentre as características que serão mais importantes para a compreensão desta pesquisa, destacam-se as variáveis demográficas e psicográficas e, de forma mais específica, o ciclo de vida da família e as gerações, bem como o estilo de vida. No quadro a seguir, são identificadas as principais características de cada um dos grupos.

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Figura 4 – Quadro das principais variáveis de segmentação de mercados MODALIDADE

CRITÉRIOS

GEOGRÁFICA

País, região, porte da cidade, área urbana ou rural

DEMOGRÁFICA

Idade, tamanho da família, ciclo de vida da família (jovem, casado, com filhos, sem filhos, outros), sexo, renda, ocupação, grau de instrução, religião, raça, geração (baby boomer, geração x), nacionalidade e classe social

PSICOGRÁFICA

Estilo de vida (orientado para cultura, esportes, outros), personalidade (autoritário, ambicioso, compulsivo, outros)

COMPORTAMENTAL

Ocasião comum ou especial, benefícios (qualidade, economia, rapidez), fidelidade à marca, índice de utilização, atitude em relação ao produto (entusiasta, indiferente, hostil, outros) Fonte: a autora, com base em Kotler e Keller (2006)

A segmentação de mercados permite que as empresas não desperdicem tempo e recursos buscando atingir as grandes massas, e para isso especificamente separam-se os consumidores conforme seus diferentes modos de viver e ocupar o tempo. A noção de estilo de vida foi originada nos anos 1970 (KARSAKLIAN, 2000) e é resultado da interação entre três níveis: estável, sendo os valores e a personalidade; intermediário, formado pelas atitudes; e o nível periférico e efêmero, composto pelos comportamentos efetivos. Quando diferentes grupos apresentam similaridade nestes três níveis, identifica-se um estilo de vida, que, segundo Lazer (1994, apud Karsaklian, 2004, p. 132), “É determinado por elementos como a cultura, o simbolismo dos objetos e os valores morais. Em um certo sentido, o conjunto das compras e dos modos de consumo reflete o estilo de vida de uma sociedade”. Tal definição não apenas reflete a forma como um indivíduo vive, mas, também, serve como referência para segmentações de mercado e posicionamento de marcas. No entanto, apesar de inúmeros modelos de estilos de vida estarem disponíveis para referência, esses são mutáveis e não podem ser definidos com

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precisão, diferentemente de fatores mais objetivos, como classe social, idade e gênero. Outros autores também abordam o estilo de vida como um fator primordial para a segmentação de mercado, como Schiffman e Kanuk (2000), que apresentam os hábitos de leitura, lazer, investimento e vida doméstica como características que podem ser frequentemente repetidas numa determinada classe social em um perfil sociodemográfico. Os autores trazem modelos de grupamentos geodemográficos utilizados nos Estados Unidos que têm como finalidade solidificar a percepção de um segmento, pois os grupamentos precedentes (classes sociais) têm uma tipologia rígida e não mostram a complexidade do indivíduo. De maneira mais objetiva, outros autores definem o estilo de vida como uma representação da “pessoa por inteiro” (KOTLER e KELLER, 2006, p. 181) e destacam, por exemplo, que pessoas que buscam um estilo de vida com saúde e sustentabilidade não buscam apenas alimentos orgânicos, mas eletrodomésticos, carros e viagens que lhes passe a percepção de serem melhores para o ambiente e para a sociedade. Os autores afirmam que as restrições contribuem para a formação dos estilos de vida, sendo duas as principais: a restrição monetária e a restrição de tempo. Consumidores com restrição de tempo tendem a realizar duas ou mais tarefas simultaneamente, priorizar a terceirização de atividades – pois a eles o tempo é mais valioso que dinheiro – e ter refeições rápidas. Um aspecto que se torna importante na relação entre o consumo e o estilo de vida das pessoas é que um indivíduo pode se identificar com diferentes grupos. Ser, por exemplo, vegetariano e comer em redes de fast food parece uma contradição, no entanto, o sujeito não tem obrigação de ser fiel – nem às marcas, nem ao seu estilo de vida. Tal flexibilidade permite que uma pessoa frequente diferentes grupos de consumo, de acordo com a multiplicidade de seus eus, que, como veremos a seguir, podem ser múltiplos e adaptáveis. Por essa razão, estudiosos orientados para o mercado desenvolveram e utilizam categorias para compreender como as pessoas gastam seu tempo e seu dinheiro. Para isso, podem ser utilizadas as chamadas medidas AIO, apresentada por Blacwell, Miniard e Engel (2011), que descrevem as atividades, os interesses e as opiniões de um indivíduo. Através da intensidade de cada item e a relação entre as três categorias, é possível compreender a estrutura básica do estilo de vida de uma pessoa.

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Outra forma de classificar os estilos de vida dos consumidores é o sistema VALS (em português: Sistema de Valores e Estilos de Vida), que separa os consumidores conforme o quanto eles concordam ou discordam de frases relacionadas a seu modo de viver e enxergar a si mesmos. Esta escala permite que se identifique o comportamento e os objetivos aos quais os consumidores aspiram, sendo possível separar três auto-orientações principais, sendo elas a orientação por princípios, pelo status ou pela ação. Posteriormente, foi lançada a VALS2, estabelecendo 8 tipos de consumidores (BLACKWELL, MINIARD e ENGEL, 2011). O que se pode perceber é que todas as diferentes formas de categorizar os estilos de vida buscam classificar diferentes perfis com o intuito de facilitar a comunicação das marcas e a compreensão dos diferentes mercados existentes. No entanto, a existência de múltiplos sistemas evidencia a dificuldade em restringir o consumidor a um estilo de vida único, uma vez que nada o impede de pertencer a diferentes grupos e/ou se relacionar com pessoas de diferentes estilos de vida – o que, muitas vezes, pode influenciar o seu consumo. Tendo visto isso, pode-se, neste momento, aprofundar o estudo das relações do indivíduo com o consumo, bem como especificar de que formas o ato de consumir e desejar consumir opera para a construção da autoimagem e da ideia de felicidade.

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AS INTERFACES DO CONSUMO Com o intuito de compreender as relações do papel do consumo na vida

individual e em sociedade, este capítulo servirá como um apoio para as interfaces mais subjetivas do consumo. Nele, será abordada a função atribuída ao consumo no processo de construção da autoimagem, seja ela real ou ideal. Para explicar tal relação, será apresentado o hiperconsumidor, conceito trazido por Lipovetsky para explicar o consumidor da sociedade contemporânea. Também serão debatidas as diferenças entre prazer, conforto e felicidade, a fim de compreender como o consumo opera como um mediador entre o indivíduo e sua felicidade. Por fim, serão exploradas as influências e as mudanças sofridas pelos indivíduos em um mundo digital, no que se refere a sua forma de consumir online, e como isso se repercute em seu comportamento offline. Os principais autores deste capítulo são Richard Thaler e Cass Sunstein, Kit Yarrow, Gilles Lipovetsky e Roger Blackwell, Paulo Miniard e James Engel. 3.1

O CONSUMO E A CONSTRUÇÃO DO EU A construção do Eu é um processo constante e está atrelada a uma forte

relação com o consumo. Porém, para falar sobre o papel no consumo na formação do autoconceito, é primordial fazer a distinção entre papel social e identidade. O papel pode ser identificado como mãe, trabalhadora, militante política, todos ao mesmo tempo. Tais papeis podem exercer influência sobre a identidade do indivíduo em algum dado momento, ao exemplo de uma mulher que se torna mãe e entende que essa é sua autodefinição mais importante naquele momento (CASTELLS, 1999). A identidade e o autoconceito, por outro lado, resultam de uma combinação de fatores, como a história do indivíduo, sua interação com a sociedade e sua essência. Nesse sentido, o consumo serve como um apoio para que uma pessoa construa a imagem que gostaria de transmitir e, da mesma forma, a imagem que gostaria de ter. Um indivíduo não se porta da mesma maneira em diferentes situações, por isso, Schiffman e Kanuk (2000) apresentam a ideia de múltiplos Eus, que baseia-se na necessidade de desempenhar diferentes papeis sociais. Uma mesma pessoa precisa adaptar-se a diferentes situações sociais e projetar o seu eu

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de acordo com a necessidade do momento: não é esperado que um indivíduo se porte da mesma forma em uma entrevista de emprego e em uma festa com os amigos, e isso não o torna menos autêntico – isso, na verdade, reflete uma necessidade de incorporar diferentes Eus. A forma como o indivíduo se relaciona com essas diferentes dimensões de si mesmo vai definir o seu autoconceito. Assim, o próprio sentimento de estima pessoal é influenciado pela relação entre o Eu real e o Eu ideal (SOLOMON, 2002), e ambos são um resultado único da experiência e história de cada pessoa (SCHIFFMAN e KANUK, 2000). Dentro da percepção do eu, os autores mostram quatro tipos de autoimagem, sendo elas:

Figura 5– Quadro comparativo da autoimagem REAL

IDEAL

Autoimagem

como o consumidor vê a si mesmo.

Autoimagem Social

como o consumidor sente que os outros o veem.

como o consumidor gostaria de ver a si mesmo. como o consumidor gostaria que os outros o vissem.

Fonte: a autora, com base nas ideias de Schiffman e Kanuk (2000)

Como se vê no quadro acima, a relação que o indivíduo estabelece entre seu eu real e seu eu ideal influencia em seu comportamento de consumo, de forma que alguns produtos podem ser consumidos para reforçar o Eu real e, outros, para alcançar ou se aproximar do Eu ideal (SOLOMON, 2002, p. 118), pois “Alguns acessórios são tão importantes para os papeis que representamos que podem ser vistos como uma parte da extensão do eu”. O apego resultante da interação com o consumo para formar uma auto-imagem cria o que Solomon (2002, p. 118) chama de “você é o que você consome”: os produtos consumidos não apenas reforçam o Eu social, como também são utilizados para manter o autoconceito: Os objetos podem agir como uma espécie de proteção, reforçando nossas identidades, principalmente em situações desconhecidas. Por exemplo, estudantes que decoram seus dormitórios têm menos probabilidade de abandonar a universidade (SOLOMON, 2002, p. 118).

Tal apego na construção de autoimagem pode gerar um sentimento exagerado quando há perda das posses valorizadas, as chamadas extensões do Eu. Outros autores complementam que tal apego tem tanta intensidade que a perda de tais posses pode fazer com que o indivíduo se sinta diminuído, afirmando que “A

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perda de uma posse pode levá-lo (o indivíduo) a se ofender e experimentar uma variedade de emoções como frustração, perda de controle, o sentimento de ter sido „violado‟” (SCHIFFMAN e KANUK, 2000, p. 98). Thaler e Sunstein (2008) vão mais além nesta questão e apresentam estudos sobre o comportamento do indivíduo quando exposto a situações específicas, como, por exemplo, a perda de um objeto. Os autores fazem uma comparação sobre perdas e ganhos e indicam que, de forma geral, o sentimento de infelicidade ao perder algo é duas vezes maior que o sentimento de felicidade ao ganhar este mesmo objeto, o que leva os autores à afirmação de que as pessoas têm aversão à perda. Tal sentimento produz inércia, levando o indivíduo a querer ficar com seus pertences atuais quando ele percebe que há um risco de perdê-los em uma negociação. Para corroborar com a ideia de posse valorizada proposta por Schiffman e Kanuk (2000), Karsaklian (2000) traz como exemplo a venda de um carro usado, situação em que comprador e vendedor terão uma percepção diferente sobre preço e valor durante a negociação devido ao apego emocional que o atual dono teria com o seu bem. Schiffman e Kanuk (2000, p. 61) indicam que “os produtos que uma pessoa possui, gostaria de possuir ou não gostaria de possuir são muitas vezes percebidos em sua forma de refletir (são coerentes com) a autoimagem de uma pessoa” e, por isso, é difícil que o consumidor aceite não ter algo que acostumou-se a ter – seria como se, ao mesmo tempo, ele deixasse de ser. Outros autores entendem que o consumo emocional está relacionado à experiência de consumo, como é o caso de Lipovetsky (2007), que utiliza a definição para representar produtos e ambiências que mobilizam os cinco sentidos do consumido para despertar o sentimento de pertencimento, nostalgia e valores como o respeito ecológico, por exemplo. O autor apresenta como resultado um consumidor mais focado em si e menos dependente de outros, mas alerta que o consumir para sentir não é, de forma alguma, uma substituição do consumir para parecer. O consumo emocional não enfraquece as aparências, pois ao depender menos da opinião de outros para fazer suas decisões de consumo, o indivíduo tornase mais dependente da dimensão imaginária das marcas. O autor vai mais além quando fala sobre consumo emocional e traz observações sobre o consumo hedonista e voltado para as experiências:

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A civilização do objeto foi substituída por uma „economia da experiência‟, a dos lazeres e do espetáculo, do jogo, do turismo e da distração. É nesse contexto que o hiperconsumidor busca menos a posse das coisas por si mesmas que a multiplicação das experiências, o prazer da experiência pela experiência, a embriaguez das sensações e emoções novas: a felicidade das „pequenas aventuras‟ previamente estipuladas, sem risco nem inconveniente (LIPOVETSKY, 2007, p. 63).

Quando fala sobre o hiperconsumidor, Lipovetsky (2007) não se refere ao excesso de consumo, e sim a um consumidor dos tempos hipermodernos, momento em que o autor indica que vivemos. O hiperconsumidor possui princípios fortes de individualização, uma busca intensa pelo luxo e pela experiência, apresenta um vazio existencial e tem suas relações dominadas pelo mercado e pelo hedonismo. O hiperconsumidor tem o desejo de reapropriar-se de seus prazeres, explorando seu modo pessoal e independente do mercado. Isto gera nele uma busca pelo espetáculo e por estímulos hiper-reais, ao mesmo tempo em que busca algo que seja mais parecido com seu mundo íntimo. Todas essas relações conflitantes que acontecem dentro do próprio indivíduo e sua relação com a sociedade fortalecem a busca pelo consumo hedonista, não o consumir para distinguir-se, mas sim para “Espairecer, conhecer a pequena alegria de mudar uma peça na configuração do cenário cotidiano” (LIPOVETSKY, 2007, p. 68). O autor apresenta o consumismo como uma tentativa de fugir à repetição do cotidiano e rejeitar a rotina.

Logo, pode-se estabelecer uma relação entre o consumo e a

infelicidade, dentro dos tempos hipermodernos, quando o autor reforça que quanto mais o indivíduo está isolado ou frustrado, mais ele irá buscar a felicidade imediata no consumo. Aqui, as decisões de consumo não são apenas tomadas quando se percebe uma necessidade, mas também como um consolo imediato. 3.2

O CONSUMO E A FELICIDADE A busca pela felicidade nunca deixou de estar no plano de vida das pessoas

que vivem em sociedade. E, também, as pessoas nunca foram totalmente independentes quanto à felicidade – elas continuamente se perguntam quão felizes estão em comparação com os outros (WOLF apud YARROW, 2014). A recente massificação da internet e da redes sociais fez com que, por meio de uma constante exposição, os indivíduos estejam em constante estado de comparação e manutenção do seu status de felicidade. Nesse sentido, conquistar o que se quer

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não traz felicidade (YARROW, 2014), uma vez que o indivíduo rapidamente se adapta à novidade e não sente mais a felicidade inicial da conquista. Essa renovação constante na relação entre consumo e felicidade encontra sua fonte no embate entre o eu real e a obtenção de um eu ideal. O eu ideal não está, no entanto, necessariamente ligado a um eu ideal possível de ser alcançado. Lipovetsky (2007) entende que a sociedade contemporânea tem uma vontade incessante de rejuvenescer e, igualmente, não envelhecer e não aproximar-se da morte. Tais ideias, embora impossíveis, uma vez que o envelhecimento é uma certeza, fomentam tipos de consumos que diminuam a sensação de finitude do ser humano. Atividades de consumo emocional, como viagens e espetáculos, operam como um agente de esquecimento da idade. A consequência, destaca o autor, são jovens com pouca pressa para assumir uma vida adulta e adultos que têm a liberdade de experimentar e vivenciar novamente consumos da infância, numa busca por revolver os sentimentos da época. Apesar da conotação positiva trazida pela disposição à experimentação, o autor aponta que há um déficit de felicidade, pois “a sociedade do hiperconsumo é aquela em que as insatisfações crescem mais depressa que as ofertas de felicidade” (LIPOVETSKY, 2007, p. 158). O autor completa que a sociedade hipermoderna foi acompanhada por um aumento das incivilidades e delinquências, no entanto, também trouxe uma popularização das atividades voluntárias e associações para melhorias da vida comunitária. Segundo o autor, isso ocorre porque, mesmo que existam muitas formas de sermos indiferentes uns aos outros, somos receptivos à infelicidade dos outros, o que desperta um desejo de tornar-se útil aos outros – como se existisse um prazer em ajudar. Neste assunto, Scitovsky (apud LIPOVETSKY, 2007) especifica duas formas diferentes de prazer, aquele que vem do conforto e aquele que vem da eliminação do desconforto, exemplificado na necessidade de experimentar o frio para apreciar o calor de uma lareira. Desta maneira, é inevitável que se estabeleça um conflito entre conforto e prazer, pois o conforto permanente não permite que se consolide o prazer, e o prazer significa a não existência de um conforto permanente. A consequência deste conflito é a constante vontade de interromper a rotina, utilizando o consumo como um escape para o tédio. Assim, a geração, satisfação e descarte da felicidade tende a ser um ciclo constantemente renovado. Tomemos como exemplo duas atividades diferentes, que são passíveis de expectativas, felicidade e satisfação: comer e instalar um sistema

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de aquecimento na casa. O primeiro, por ser um bem não durável, pode ser infinitamente renovável e gerar constante satisfação, enquanto alguns bens duráveis, como o segundo exemplo, representam uma alegria na hora da compra, mas após este momento são tidos como um conforto ao qual o indivíduo se acostuma, não gerando mais nenhum prazer. Com base nestas diferentes relações entre felicidade e consumo, Lipovetsky (2007) afirma que tanto o prazer quanto a decepção não têm durabilidade, pois vive-se um momento em que os bens são rapidamente substituídos pelas suas versões mais recentes e, da mesma forma, busca-se cada vez mais estímulos para manter-se o nível de conforto e prazer. 3.3

O CONSUMO E O MUNDO DIGITAL A tecnologia trouxe para o consumidor atual uma nova composição de

problemas e necessidades emocionais, bem como novas formas de interagir com marcas, produtos e com o mercado. Dessa forma, a busca pela felicidade evoluiu (YARROW, 2014), com múltiplas possibilidades a poucos cliques de distância e uma necessidade cada vez menor de interagir com intermediários. Os impactos, tanto positivos quanto negativos, da tecnologia para uso pessoal na vida do indivíduo afeta a forma como ele se relaciona com seus pares, com marcas e com o consumo. Os estímulos constantes e a abundância das possibilidades de escolha afetam o processo de decisão, levando-nos a fazer escolhas de maior risco quando há muitas opções. A autora destaca que uma pesquisa do Psychonomic Bulletin & Review 20 revelou que, quando enfrentam um processo de decisão para o qual têm um elevado número de escolhas, as pessoas fazem menos pesquisa e são mais influenciáveis a fazer escolhas de risco. Por isso, a autora ressalta que marcas que simplificam o processo de decisão de seus clientes têm 115% mais chances de ser recomendadas (YARROW, 2014, p. 28). Essa mesma ideia é defendida por Thaler e Sunstein (2008), que mostram que consumidores tendem a dar preferência para marcas que compreendem seus gostos e sugerem produtos e serviços que estão nesta categoria. Os autores vão além, e dizem que serviços como Netflix (serviço de filmes online por assinatura) ganham a preferência das pessoas porque permitem um filtro colaborativo, em que recebem-se sugestões de filmes assistidos por pessoas de perfis semelhantes aos delas. A esse processo de eliminação de entraves os autores chamam de

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“arquitetura das escolhas” (THALER e SUNSTEIN, 2008, p. 96) e que, na verdade, hoje as pessoas precisam de mais ajuda para escolher do que precisavam antigamente. Isso acontece porque o aumento das possibilidades de consumo, trazido pelo mundo digital, fez com que a procura pela felicidade evoluísse (YARROW, 2014). Como consequência, a autora explica que os consumidores ficam entediados mais facilmente. Durante o ato da compra, por exemplo, a ausência de website, a necessidade de inserir muitos detalhes e falta de opiniões de outros consumidores pode desmotivar consumidores online. Já em lojas físicas, as filas, a espera e a falta de estoque são os principais fatores que incomodam os consumidores. Entretanto, o consumidor não faz a distinção entre loja física e loja virtual, pois enxerga a si mesmo como um único consumidor. Desta forma, o comportamento no mundo digital influencia, sem que o indivíduo perceba, o comportamento no mundo offline. A impaciência, a necessidade de poupar tempo (ou ser multitarefa) e o sentimento de urgência são alguns exemplos que evidenciam dita influência. Lipovetsky (2007)

traz como exemplo a instantaneidade da

fotografia, em que faz-se a foto, transmite-se e apaga, e utiliza este exemplo para reforçar o hábito o senso de urgência da sociedade hipermoderna. Em uma tentativa de otimizar o tempo, indivíduos que vivem sob influência da sociedade hipermoderna tendem a juntar duas tarefas em um momento só, como é o caso dos supermercados em metrôs (elimina-se a espera), dos aplicativos de relacionamento (que podem ser utilizados em trânsito) e os escritórios home office (que nunca fecham). Como parte desse sistema conectado, o indivíduo quer poder comunicar-se e estar disponível para ser contatado o tempo todo e em toda parte. Por outro lado, esse mesmo consumidor, orientado pela pressa e pela eficiência, não encontra problemas em realizar tarefas lentas e que envolvem espera – desde que seja uma escolha do próprio consumidor -, como é o caso da popularização do slow food1, da meditação e da contemplação da cidade, atividades que se caracterizam pelo seu significado sensorial. Nesse contexto, é pertinente distinguir as gerações e as suas características principais, uma vez que indivíduos nascidos nos anos 1960, por exemplo, cresceram em uma sociedade diferente da atual. A geração baby boom, nascida entre o final

1

Movimento contrário ao fast food que defende um estilo de vida com menos pressa.

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dos anos 1940 e início dos anos 1960, é considerada analógica – ou seja, cresceu com acesso à televisão e discos de vinil (VOLLMER e PRECOURT, 2010). Os baby boomers nasceram na sociedade pós-guerra e entre seus valores estão o trabalho duro e a estabilidade, tendo vivido o movimento hippie e a ditadura no Brasil. A geração X veio em seguida, entre meados dos anos 1960 e o começo dos anos 1980, e é caracterizada por ter crescido com mais direito à individualidade que a geração anterior. Cética e pragmática, a geração X foi a primeira geração com acesso a computadores de uso pessoal e videogames. A próxima geração é chamada de Y ou Millenials e está sempre conectada. Os jovens Y nasceram entre o final dos anos 1980 e o começo dos anos 1990. Segundo os autores, os Millenials são filhos dos baby boomers e são sonhadores, estão sempre conectados e querem instantaneidade. Devido à natureza de sua educação e aos diferentes tempos em que nasceram, cada uma das citadas gerações comporta-se de forma diferente e tem diferentes prioridades, facilidades e valores. Enquanto para os baby boomers é importante poder desfrutar de sua aposentadoria com tranquilidade (VOLLMER e PRECOURT, 2010), para a geração Y, seus filhos, é importante trabalhar com o que têm paixão e ver o Brasil mudar2. Tal diferença também se reflete na forma que consumem internet, uma vez que a geração Y teve acesso à internet e ao mundo globalizado ainda jovem, enquanto seus pais precisaram adaptar-se e aprender a utilizar um computador enquanto os filhos estavam crescendo. 3.3.1 O perfil do brasileiro O perfil do brasileiro acompanha as mudanças de comportamento no ambiente digital, porém, é necessário entender que cada região demográfica possui suas especificidades. Por exemplo, com o desenvolvimento de uma nova classe média, empoderamento dos jovens no mercado de trabalho e planos de internet no celular em que se paga por dia, acessibilidade é a palavra-chave dos últimos 15 anos. Segundo o IBGE (2011), entre 2005 e 2011 houve um grande aumento no número de brasileiros conectados à internet. Considerando a população jovem, entre 15 e 19 anos, uma média de 70% têm acesso frequente a internet. No entanto, a mudança mais significativa ocorreu no grupo de consumidores mais velhos: as

2

Pesquisa “O sonho brasileiro”, realizado com jovens de aé 24 anos. Disponível em . Acesso em 14/11/2014.

37

pessoas com mais de 50 anos representaram um aumento de 222,3% de crescimento no acesso à internet apenas nos últimos 6 anos (considerando 2011 como base final). Em outra pesquisa, também de 2011, realizada pelo Somatório Pesquisa, destacam-se as principais atividades realizadas por este público na internet, sendo notícias, bancos, e-mail e sites de viagens, com 78%, seguidos pelo e-commerce (72%). Tais dados sugerem que o público maduro esteja à procura de funcionalidade e entretenimento na internet e que, na verdade, a idade não opera como uma barreira para o acesso, uma vez que 84,% dos internautas brasileiros acima de 55 anos tem perfil no Facebook3.

Figura 6 - Crescimento do acesso da população com mais de 50 anos à internet

Fonte: IBGE e Revista Veja (2011)

A possibilidade de estar próximo dos filhos pode ser a motivação inicial para que o público maduro se familiarize com a internet. Solomon (2002) defende que a comunicação rápida e gratuita, como por exemplo o Skype, é um dos principais chamativos para este público. Porém, quando falamos sobre o mundo digital, é preciso reforçar o caráter renovador do próprio meio – em poucos anos, novos aplicativos podem mudar a forma como as pessoas se conectam e, considerando a intuitividade da internet, não deve-se deixar o público maduro fora disso. Como exemplo, o aplicativo Whatsapp para smartphones, que tem 38 milhões de usuários no Brasil (DIAS, 2014), se popularizou entre o público mais velho através de conversas com a família, mas eles logo se tornaram independentes, apropriando-se 3

Pesquisa da comScore publicada em . Acesso em 17 outubro 2014.

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da ferramenta e gerenciando seus contatos. Muitas vezes, este público é responsável por criar grupos de conversa da família na plataforma, e a variação na faixa etária é que permite que o usuário interaja de formas diferentes e se aproprie desta forma de comunicação (WENZEL, 2014). Portais de notícias e entretenimento como Buzzfeed, ClicRBS, Diário Catarinense e Jesus Manero reúnem situações cômicas envolvendo a descoberta da ferramenta, como mostra a figura abaixo. Figura 7 – A interação entre pais e filhos do Whatsapp

Fonte: Buzzfeed.com (2014)

Reunindo screenshots4 enviados por leitores, os portais citados acima mostram que os pais do público leitor (que podem pertencer à geração X e baby boom)

estão aprendendo a lidar com novas tecnologias e ferramentas

(UNDERHILL, 2009). Tendo visto as principais diferenças comportamentais entre gerações e as principais interfaces do consumo, o próximo capítulo terá como cerne as relações familiares e como elas operam como uma influência no comportamento de consumo do indivíduo.

4

capturas de tela de computadores ou celulares.

39

4

A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA A sociedade e o consumo não evoluem sozinhos: o conceito inicial de família,

“Duas ou mais pessoas ligadas por sangue, casamento ou adoção, que moram juntas” (SCHIFFMAN e KANUK, 2000, p. 245), não é simples, pois ocorre uma transição permanente tanto da função e composição da família, bem como dos papeis desempenhados por seus membros. A antiga compreensão de que um domicílio representava uma família também está em transição, devido às diferentes conjunções de um lar que não as tradicionais formações familiares (casais casados, família nuclear e família estendida). Como exemplo, podemos citar os casais homoafetivos, os casais com filhos do parceiro, pais solteiros e casais que permanecem sem filhos, os chamados DINC (em português, dupla renda, nenhuma criança). Diante desta transição constante, este capítulo terá como cerne as diferentes fases da vida da família e a compreensão das prioridades e o comportamento de cada fase, com foco principal na fase da pós-paternidade. Os principais autores abordados neste capítulo serão Leon Schiffman e Leslie Kanuk, Gilles Lipovetsky, Paco Underhill e Roger Blackwell, Paulo Miniard e James Engel. 4.1

A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA E O CICLO DE VIDA FAMILIAR Se por um lado falamos sobre a evolução do conceito de consumidor, que

teve no século XX sua eclosão, é preciso considerar que a família, grande influenciadora do comportamento de consumo, é uma instituição milenar e que já passou por inúmeros processos evolutivos, principalmente a partir do século XV (ARIÈS, 1981). Até o século XX a família não era um espaço para vínculos sentimentais, mas sim vínculos sociais: os pais eram responsáveis por mandar os filhos para tutores que os ensinassem a trabalhar. E isso não significa que não os amassem, mas o espaço para que isso acontecesse não existia, as casas eram silenciosas e as próprias nomenclaturas para dirigir-se aos pais eram formais. Segundo o autor, a partir de 1760, saúde e educação passaram a ser as duas principais preocupações dos pais quanto aos filhos, e a partir daí as crianças passaram a exercer maior poder dentro das famílias. Foi durante o último século, porém, que os papeis dentro da família passaram por recolocações – a forte entrada das mulheres no mercado de trabalho, a

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proibição do trabalho infantil e busca pela igualdade de gênero, desencadeadas no século anterior, afetaram a forma como as famílias se configuram e exercem suas funções. Segundo Castells (1999), foi a conscientização da mulher e do trabalho feminino que introduziu a queda ao patriarcalismo, em que o homem possui autoridade sobre a mulher e os filhos na família. O autor aponta que tal sistema está em crise, e uma simples observação da sociedade moderna nos mostra que, a partir do momento em que o divórcio tornou-se uma prática aceitável, o modelo de formação familiar tornou-se mais variado e com menos formalidades. A exemplo disso podemos citar as uniões sem casamento, que, de certa forma, enfraquecem a centralização do homem, social e psicologicamente. A figura a seguir, que teve como base o Censo Demográfico de 2010, ilustra a formação dos lares no Brasil e confirma que os lares com formação deixam de ser maioria no país5.

Figura 8- A nova família brasileira

Fonte: Jornal O Globo (2012)

A figura mostra que o lar brasileiro vem ampliando as suas formações e reitera a crescente importância da mulher, que, no momento do censo, era chefe de família de 38,7% dos lares. Para reforçar a importância representada pela mulher na mudança da família, Schiffman e Kanuk (2000, p. 246) mostram que “a maneira 5

Publicação de 26/08/2012, no Jornal O Globo. Disponível em < http://oglobo.globo.com/infograficos/familias/> . Acesso em 14/11/2014.

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como a família divide as responsabilidades do fornecimento do bem estar econômico mudou consideravelmente nos últimos 25 anos”, pois os papeis do homem provedor e da mulher dona de casa não se confirmam como padrões contemporâneos. Como consequência, o comportamento dos filhos também passa por mudanças. Como exemplo, podemos perceber o comportamento dos adolescentes com relação à vida financeira da família: muitos começam a trabalhar ainda muito jovens, sem precisar contribuir nas despesas de família, mas para pagar seu lazer e pequenos luxos. A vida financeira de uma família, na verdade, faz parte das quatro funções básicas da família: o bem estar econômico, o apoio emocional, o estabelecimento de estilos de vida adequados e a socialização dos membros da família. Esta última função é responsável por transmitir valores e comportamentos, pois é a partir da observação e da socialização com diferentes gerações que as crianças aprendem ao longo da vida

a

se

posicionarem

diante

das

marcas,

eventualmente

tornando-se

consumidoras (ou não, de acordo com a experiência) quando adultas. Para compreender como as famílias funcionam, Blackwell, Miniard e Engel (2011) definem três variáveis sociológicas que podem interferir nas decisões de consumo de um grupo familiar. A primeira delas é a coesão, que representa as relações e a proximidade emocional entre os membros. A segunda variável é a adaptabilidade, que reflete a capacidade de adaptação de poder em situações de mudança. A última variável, de comunicação, diz respeito a quão abertos os membros da família estão para dar e escutar opiniões. Estas três variáveis continuam existindo ao longo de toda a vida familiar e determinam o relacionamento e o comportamento de consumo do grupo ao longo dos anos. À luz destas variáveis, é relevante questionar quem, de fato, determina a compra em uma família. Blackwell, Miniard e Engel (2011) separam cinco papeis individuais básicos que podem ser assumidos por diferentes membros e que irão influenciar a forma como uma família aloca sua renda. Os autores mostram que a pessoa que consome o produto não será, necessariamente, o tomador de decisão ou o influenciador. As decisões de compra podem ser tomadas tanto de forma coletiva, com cooperação entre os membros, como individual, geralmente tomada por aquele que possui autoridade financeira na família. A figura a seguir torna claro os diferentes papeis desempenhados – a ressalva é que um mesmo membro pode desempenhar múltiplos papeis.

42

Figura 9 – Papeis dos indivíduos nas compras familiares

Fonte: a autora, com base em Blackwell, Miniard e Engel (2011)

Assim como o indivíduo busca facilitar seus processos de decisão através de crenças e aprendizados, dentro do núcleo familiar há uma organização dos consumos de forma que um dos membros é mais dominante em uma ou outra decisão. Por exemplo, Blackwell, Miniard e Engel (2011) mostram que há diferentes escalas de influência dos cônjuges em diferentes compras, sendo que em algumas categorias de produtos o marido tomará a decisão sozinho, em outras a mulher terá mais influência e, em outras, as crianças é que tomarão a decisão. Os autores apresentam a possibilidade de haver um padrão ou categorias de produtos/serviços em que a tomada de decisão caiba mais a um ou a outro cônjuge. No entanto, com a mudança dos papeis familiares, citada anteriormente, torna-se difícil utilizar tais modelos sem confirmar se eles são adequados à família moderna, uma vez que “Os papeis não são determinados pelo sexo, mas sim pelas experiências sociais que ensinam

aos

homens

e

mulheres

atividades

diferentes

do

consumidor”

(BLACKWELL, MINIARD e ENGEL, 2011, p. 386). Indo além da influência dos papeis no consumo dentro do grupo familiar, é possível perceber que, ao longo da vida, a família prioriza diferentes consumos. Diversos autores apresentam o ciclo de vida da família (CVF) como um conceito que categoriza as evoluções do consumo não apenas por faixa etária, mas

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principalmente pelo momento em que estão vivendo. A constituição da família e do lar é dividida em seis etapas básicas por Schiffman e Kanuk (2000), conforme o quadro a seguir, embora outros autores adicionem mais subfases em decorrência das mudanças sofridas dentro de uma mesma fase. Figura 10 – Quadro do ciclo de vida familiar

ESTÁGIO

FASE

PRIORIDADES

PROPENSÕES

Jovens solteiros estabelecendo domicílio longe dos pais.

Aluguel, móveis básicos, viagens e diversão.

Preocupação com namoros, encontros e casamento.

Entre o casamento e o primeiro filho.

Montar e decorar a nova casa.

Escutar experiências de casais mais experientes.

CELIBATO

LUA DE MEL A partir do primeiro filho por até mais de 20 anos. PATERNIDADE PÓSPATERNIDADE

DISSOLUÇÃO

Consumo voltado Progressão na aos filhos. Restrições carreira, educação no consumo do dos filhos. casal.

A saída dos filhos de casa.

Indulgência, viagens e novos hobbies.

Mais renda disponível, menos privações.

A morte de um dos cônjuges.

Segurança, afeto, saúde.

Buscar ser mais econômico.

Fonte: a autora, com base no CVF de Schiffman e Kanuk (2000)

Sobre este quadro, Solomon (2002, p. 455) resume os principais fatores que indicam as prioridades de cada fase, “Dois fatores importantes que determinam como um casal passa o tempo e gasta o dinheiro são: (1) se tem filhos; e (2) se a mulher trabalha”. A fase pós-paternidade, foco desta monografia, segundo Blackwell, Miniard e Engel (2011) pode ser dividida em duas fases, sendo Ninho Vazio I e Ninho Vazio II. No primeiro estágio do Ninho Vazio, momento em que o casal se vê pela primeira vez sem os filhos no “ninho”, entende-se que os filhos conquistaram a independência financeira. Por isso, o casal fica confortável para fazer investimentos em uma nova ou segunda casa, itens de luxo e férias. É relevante apontar que, segundo os autores, o casal investe mais em si e deixa de pensar nos filhos, assumindo que exista uma independência financeira. Devido às mudanças familiares

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e à saída tardia dos filhos de casa, pode tornar-se necessário, no decorrer do estudo, averiguar se, de fato, os filhos tornam- se independentes financeiramente ao saírem de casa. Outros autores entendem que a renda extra não é unicamente consequência da independência dos filhos, mas também da menor necessidade de investimentos na casa. Consumidores mais velhos gastam mais per capita em itens de luxo, como comidas especiais e móveis de primeira linha. Além disso, muitas compras que devem ser feitas quando as pessoas são mais jovens não precisam ser repetidas com frequência. Por exemplo, há a tendência de acumularmos bens duráveis, como grandes aparelhos e somente substituí-los quando necessário” (SOLOMON, 2002, p. 456).

O autor deixa evidente que, ao atingir a fase Ninho Vazio, o casal tem pouca necessidade de renovar grandes aquisições, o que o deixa livre para investir seu dinheiro em consumo de lazer e de luxo sem a recorrência de que há consumos mais importantes. Já durante o segundo estágio do Ninho Vazio, Blackwell, Miniard e Engel (2011) demonstram que o casal está mais focado em gastos com a saúde e o que caracteriza esta fase é a aposentadoria, que representa uma diminuição da renda. É comum que um ou ambos os cônjuges permaneçam trabalhando após aposentar-se, com o intuito de manter o estilo de vida e a vida social ativos. Mas, para entender por que o luxo e as férias (consumo hedônico) passam a ser tão importantes durante o Ninho Vazio, é importante entender a fase anterior a esta: a paternidade. Segundo Solomon (2002, p. 552), durante esta fase os casais “Estão „cobrindo seus ninhos de penas‟ ”. Mais precisamente, entre os 35 e 44 anos os casais contribuem com 40% de todo o dinheiro gasto com mobília e equipamentos domésticos. Num segundo momento da paternidade, adentrando o Ninho Vazio, os consumidores entre 45 e 54 anos de idade gastam 30% acima da média em alimentos, 38% acima da média em roupas e 57% acima da média em planos de aposentadoria. Assim, torna-se claro que, após anos dirigindo o consumo para os filhos e a manutenção da casa, os casais podem, finalmente, dedicar tempo e investir seu dinheiro em si mesmos. Para esse consumidor maduro e ainda ativo socialmente, a independência e a autonomia têm grande importância, “Os consumidores maduros querem levar vidas ativas e serem autossuficientes. [...], valorizam os laços com os amigos e a família. [...] querem retribuir ao mundo de alguma forma” (SOLOMON, 2002, p. 555). Pode-

45

se entender, a partir desta reflexão, que os hábitos de consumo de uma pessoa madura podem estar orientados para o sentimento de estar perto de suas famílias e praticar atividades altruístas, que lhe deem a sensação de estar contribuindo de alguma forma para a sociedade. A necessidade de ocupar o tempo, antes direcionado para a criação da família, pode resultar em projetos totalmente novos ou retomar algo que foi abandonado. Ao se aposentar, existe um “renascimento de identidade do consumidor” (SOLOMON, 2002, p. 557), em que a pessoa madura busca restabelecer laços com a família e fortalecer a auto expressão, em que existe uma vontade de recuperar uma atividade para a qual nunca se teve tempo para dedicar-se, podendo ser atividades culturais, novos hobbies ou até mudar-se para uma outra região. Durante esta busca e recuperação da identidade em fase madura, as pessoas podem enxergar-se mais jovens do que realmente são e apresentarem hábitos de consumo de gerações mais novas: são os “Idosos da nova era” (SCHIFFMAN e KANUK, 2000, p. 325). Na percepção deste consumidor, viver é uma aventura e ele sente que tem mais controle sobre sua própria vida e isso se reflete na sua forma de consumir: possui autoconfiança e apresenta menos preocupação em errar na hora de comprar. Neste estágio, o consumidor procura experiências novas e desafios pessoais, em vez de acumular posses. Devido à independência (parcial ou total) financeira dos filhos, sente-se financeiramente confortável e sabe fazer escolhas sem medo do julgamento dos seus pares. Pessoas nesta fase tendem a se comportar de uma forma levemente juvenil, mas sem as inseguranças típicas da fase jovem. 4.2

OS CASAIS E O NOVO CONSUMIDOR A fase da pós-paternidade, quando não há separação, é o momento em que,

pela primeira vez após um ciclo de aproximadamente vinte anos, o casal está sozinho novamente. Isto significa deixar de pensar no consumo direcionado para os filhos, implicando em uma reorganização do tempo livre. Antigamente, entendia-se que, ao atingir esta fase, os casais tornavam-se aposentados, alheios a mudanças e tinham como função principal cuidar dos netos (LIPOVETSKY, 2007). No entanto, hoje sabe-se que estes indivíduos foram criados na sociedade de consumo e que exploram cidades e museus, participam de diferentes cursos e são

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adeptos da tecnologia e serviços personalizados que surgiram a partir dela, como câmeras digitais, aluguel de filmes por internet e aplicativos de mensagens instantâneas. O autor afirma que este momento da vida é marcado pelo hedonismo, sendo a batalha contra o envelhecimento a maior motivadora para o consumo de produtos para o corpo e a saúde, viagens e prazeres privados. O consumo, neste momento, exerce a função de terapia para “Conjurar o sentimento de inutilidade, a angústia da solidão e do tempo que passa” (LIPOVETSKY, 2007, p. 122). Tal comportamento deve-se à soberania da juventude, entendendo que envelhecer é ruim e deve ser (como for possível) evitado. Além da vasta categoria de produtos anti-aging, existe também uma falta de direcionamento da comunicação para o público sênior. Por exemplo, 95% do investimento em publicidade, na França, é direcionado a jovens e donas de casa abaixo de 50 anos, segundo o autor. Outros autores tratam a questão do envelhecimento e o consumo, entre eles destacamos Underhill (2009), que entende que o mundo não foi desenhado e nem adaptado para o público mais velho. O autor indica que a tecnologia pode ser amigável para o público maduro, acima de 50 anos, enquanto a idade ainda não representa uma barreira para o consumidor. No entanto, o autor alerta para os próximos anos, em que o envelhecimento dos olhos e dos músculos fará com que este público, acostumado à tecnologia e independência, perceba que nem os próprios celulares e eletrodomésticos possuem um design amigável para o público mais velho. O autor argumenta que “O próprio produto é hostil aos usuários mais velhos, dos teclados minúsculos às letrinhas nos sites, [...] e os botões de ligar e desligar[...] (que) ficam atrás dos aparelhos” (UNDERHILL, 2009, p. 160). Assim, fica evidente que, embora o público baby boomer hoje consiga utilizar a tecnologia sem dificuldades, é possível que no futuro, com o desenvolvimento de novos produtos e as degenerações trazidas pela idade, este público necessite produtos mais adaptados à sua situação. No entanto, o autor não limita o seu questionamento para novos produtos, mas na verdade sugere uma necessidade de adaptação geral, a começar pelo design de embalagens que possuem fontes em corpo muito pequeno e ilegíveis para pessoas acima dos cinquenta anos. A contrariedade sobre tais reivindicações do autor se faz clara quando argumenta-se que o envelhecimento é uma constante na sociedade, e que a próxima geração será apenas mais uma. O autor completa que “Os idosos atuais suportam essa pequena forma de discriminação sem reclamar,

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como seu destino na vida. Mas os velhos do século XXI, acostumados a ter a própria existência adaptada às suas especificações, decerto se rebelarão” (UNDERHILL, 2009, p. 150). De uma forma sutil, o autor sugere que esse consumidor será mais exigente e demandará atenção das marcas para o fato de que ele “envelheceu”. Já Lipovetsky (2007) entende que o consumidor mais velho irá, cada vez mais, tentar identificar-se com os produtos destinados a jovens, no intuito de alterar ou adiar o a percepção do envelhecimento. Os dois autores concordam, porém, sobre o atendimento a este público: empresas começam a empregar pessoas mais velhas (em contraste aos funcionários cada vez mais jovens), pois o consumidor maduro sente-se mais confortável ao ser atendido por um vendedor da mesma idade (LIPOVETSKY, 2007; UNDERHILL, 2009). Essa preferência evidencia a obrigação que as empresas têm, hoje, de demonstrar empatia pelos seus consumidores. O “novo consumidor”, defendido por Yarrow (2014) e Lipovetsky (2007), não necessariamente cresceu com tecnologia, mas adaptou-se a ela, busca o prazer no consumo e é fortemente emocional. Yarrow (2014) explica que o lado emocional do consumidor está mais evidente devido a cinco fatores principais: (1) as notícias ruins são mais intensas por causa da forma que as recebemos, (2) a velocidade da mudança deixa o mundo mais imprevisível, (3) há muitas escolhas para se fazer, todos os dias, (4) o movimento da autoestima elevou nossas expectativas e, (5), as expectativas de felicidade trazem infelicidade. É necessário, assim, identificar modos de diminuir ou neutralizar os reflexos negativos destes cinco fatores na experiência com as marcas. A autora aponta que, para lidar com esse consumidor emocional, deve-se considerar que ele irá se identificar mais com marcas que o façam (1) sentir mais controle da situação, (2) reduzir o medo de errar, (3)

simplificar o processo de decisão, (4) ter claro e

imediato benefício emocional e (5) sentir-se mais livres de obstáculos. Tais constatações apontam que, mesmo quando têm tempo e disponibilidade financeira para fazer suas escolhas, as pessoas tendem a facilitar seu próprio processo de decisão. Outros autores abordam a simplificação das escolhas para o consumidor, como é o caso de Thaler e Sunstein (2008), que argumentam que um dos meios para simplificar a vida do consumidor é reestruturar as chamadas escolhas padrão, que são as configurações iniciais de produtos e serviços. Como exemplo, pode-se recorrer às configurações de fábrica de um celular (tom e volume de chamada, cor

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da tela) e aos portais de notícias que possuem a opção “desejo receber informações a respeito” sempre marcada: de uma forma simples, empresas que fazem isso estão ditando um comportamento que esperam ser o padrão, que podem ser muitas vezes mais benéficas para a própria empresa do que para o consumidor. Outro exemplo que demonstra como o uso consciente das escolhas padrão pode afetar o comportamento é a doação de órgãos, pois o cidadão não nasce doador, mas sim deve registrar-se ou fazer opt in6, como os autores definem. Demandar que um indivíduo faça opt in gera menos adeptos do que pedir que faça opt out 7. Desta forma, fica evidente que o comportamento do indivíduo é complexo e a sua relação com o consumo está sujeita a variáveis subjetivas, como a sua percepção sobre si mesmo e seu ideal de felicidade. Identificou-se, também, que é necessário considerar que o consumidor moderno tem pouca paciência para esperas e burocracia e, portanto, as empresas devem facilitar a experiência do usuário. Isto posto, é o momento de investigar como todas essas variáveis influenciam o comportamento do objeto de estudo desta pesquisa: os casais na fase da pós-paternidade.

6 7

Cadastrar-se em algum serviço. Descadastrar-se de algum serviço.

49

5

ENFIM, SÓS: A PÓS-PATERNIDADE NA PRÁTICA O presente capítulo irá abordar os procedimentos metodológicos utilizados

para estudar as mudanças de comportamento dos casais na fase pós-paternidade. Posteriormente, serão apresentados os resultados desta pesquisa que, por fim, será analisada à luz da teoria exposta nos capítulos precedentes. 5.1

METODOLOGIA A primeira técnica utilizada neste projeto foi a pesquisa bibliográfica, que

serviu como fundamentação teórica para a construção de hipóteses e sustentação de argumentos. Foram estudados autores de diversas etnias e áreas de atuação, como comportamento do consumidor, sociologia, filosofia, psicologia e marketing. Além disso, foi utilizada a Entrevista em Profundidade com inspiração etnográfica, uma técnica da metodologia qualitativa com questões abertas e semiestruturadas, o que permite que o pesquisador tenha liberdade durante a entrevista para explorar os assuntos com uma abordagem dinâmica (DUARTE e BARROS, 2011) e utilizar as próprias respostas dos entrevistados para gerar novas perguntas. A inspiração etnográfica é resultado de uma combinação dos métodos Entrevista em Profundidade e Etnografia, sendo que a segunda consiste na observação do entrevistado em seu próprio lar, o que o deixa mais à vontade e também possibilita ao entrevistador compreender o meio em que vive o seu objeto de pesquisa. A metodologia qualitativa é adequada a este projeto, pois permite que se explore o tema amplamente, enquanto a técnica adotada permite atingir o principal objetivo do projeto (compreender as principais mudanças de consumo dos casais na pós-paternidade), pois permite ao entrevistador explorar com profundidade as percepções de cada casal entrevistado. Dessa forma, podem ser investigadas questões que não estavam previstas no roteiro de pesquisa e pode-se, também, aprofundar-se em questões específicas. Como razão final para a escolha desse método, convém reforçar que a entrevista em profundidade facilita a delimitação do tema e também a compreensão e análise das relações de consumo no presente e no passado. O objetivo das entrevistas era compreender como os entrevistados se posicionavam diante de questões abordadas nos capítulos anteriores, tendo desta

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forma sido apresentadas em três pilares que serviram como um guia para a elaboração do roteiro de pesquisa: a) Relações com o tempo, b) Relações com o dinheiro e c) Relações com o Eu, conforme apresentado no Apêndice A. As perguntas foram apresentadas de forma que respeitassem a sequência de assuntos mais genéricos para os mais específicos e, ao mesmo tempo, seguissem ordem cronológica: passado, presente e perspectivas para o futuro, a fim de compreender as variações de comportamento entre casais com idades diferentes ou em momentos diferentes da fase Ninho Vazio (momento I ou momento II, conforme discutido no capítulo 4). As entrevistas foram realizadas entre 26 de outubro e 05 de novembro de 2014. 5.2

PERFIL DOS RESPONDENTES A seleção dos respondentes foi feita através de contatos da própria autora e

recomendação de conhecidos, cujos pais ou familiares enquadravam-se na fase pós-paternidade. Foram entrevistados 6 casais, de faixa etária variando dos 55 aos 71 anos, com maior concentração abaixo dos 60 anos. Todos os respondentes possuíam casa e veículo próprio, bem como uma vida financeira estável. Além disso, observa-se que houve diferenças quanto às fases que cada casal estava vivendo: houve casos em que o filho havia saído de casa há 10 anos, assim como houve casos em que o casal estava no primeiro ano de Ninho Vazio.

Figura 11- Quadro do perfil dos entrevistados ID

Idade



de

Saída dos

filhos

filhos

Cidade

Casal 1

M.E, 60; A.E, 64

2

2 anos

Bento Gonçalves

Casal 2

S.M, 56; L.M, 65

4

1 ano

Bento Gonçalves

Casal 3

J.O, 71; P.O, 69

1

7 anos

Porto Alegre

Casal 4

D.B, 55; D.B, 60

3

3 anos

Porto Alegre

Casal 5

H.S, 61; L.S, 64

2

14 anos

Novo Hamburgo

Casal 6

H.G, 58; E.G,62

2

1 ano

Dublin

Fonte: A autora (2014)

51

5.3

VISITANDO O NINHO VAZIO Para permitir que os respondentes ficassem mais à vontade, as entrevistas

foram agendadas por telefone e realizadas na casa dos próprios casais, em horários variados. A entrevista, composta por três blocos principais – tempo, consumo e o Eu –, iniciava com perguntas mais subjetivas que permitiam que os casais refletissem e conversassem sobre a transição e adaptação durante a mudança dos filhos. Aos poucos, criou-se uma total imersão na temática. Já nos momentos iniciais foi possível perceber que os casais emitiam constantes sinais de seu estilo de vida, o que contribuiu para a interpretação das respostas posteriormente. Por exemplo, casais física e socialmente mais ativos demonstravam mais abertura e simplicidade ao lidar com a transição para a pós-paternidade, enquanto casais menos ativos tendiam a falar dos filhos, mesmo quando a pergunta era direcionada a eles. 5.3.1 O tempo A percepção sobre o tempo e a forma como os casais o utilizam parece seguir um padrão que vai muito além da paternidade: quando realizam atividades juntos durante todo o casamento, o casal demonstra tranquilidade em lidar com a saída dos filhos de casa, assim como tende a ocupar seu tempo de forma variada. A maioria dos entrevistados afirmou estar mais relaxado com o tempo e com as obrigações. Atividades que haviam perdido seu encanto devido ao seu caráter repetitivo, como cozinhar, conquistaram um novo lugar na vida dos casais: quase a totalidade dos respondentes busca novos ingredientes e novas receitas para testar em casa. Além disso, também destaca-se uma forte aderência a cursos de técnicas culinárias. É o caso de S.M, 56, e L.M, 65, que por meio dos filhos descobriram a plataforma Eduk8 e passaram a se programar para poder assistir a algumas aulas. A finalidade, porém, não é meramente experimentar novos sabores; a gastronomia desempenha um papel de aproximar pessoas, uma vez que a vida social do casal tende a ficar menos ativa com a idade. Dessa forma, os casais buscam na descoberta culinária o encontro de novas amizades ou o reforço de laços antigos, pois o ambiente colaborativo da cozinha permite uma interação que não encontram em outras atividades de lazer, como, por exemplo, o cinema. 8

Plataforma com cursos online, pagos separadamente, sobre os mais variados assuntos, de fotografia a culinária. http://www.eduk.com.br/

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Para esses consumidores, não basta apenas ocupar o tempo livre, é necessário que isso traga algum benefício. Bem-estar, socialização e retomada de antigos hobbies figuram entre as principais motivações para escolher as atividades de lazer. As mulheres demonstram mais abertura e disposição para aventurar-se em atividades novas e recomeçar a aprender, enquanto os homens precisam, na maioria dos entrevistados, de um incentivo da parceira. Para H.G, 58, mulher, cantar em um coral proporciona não apenas contato constante com mulheres da sua idade, mas também lhe permitiu “Retomar de onde parou”. De forma similar, H.S, 61, expressa um sentimento de liberdade quando diz que “Comecei a fazer tudo que é tipo de curso de arte que eu quis fazer a vida toda”. Percebe-se que a mulher, muito mais que o homem, entende que está vivendo um momento muito bom de sua vida, o que Solomon (2002, p. 557) chamou de “renascimento da identidade do consumidor”. Através da busca e ampliação de interesses anteriores, a mulher explora a fase da pós-paternidade. Apesar da busca pelos hobbies determinar como o casal investe parte do seu tempo e dinheiro, identificou-se nesta pesquisa que é o trabalho, e não o lazer, que exerce maior influência no comportamento do casal durante a adaptação à póspaternidade. Dentre todos os casais entrevistados, apenas um estava totalmente aposentado. Os demais, mesmo com a perspectiva da aposentadoria, planejavam um segundo trabalho não apenas para ocupar o tempo, mas também para manter o estilo de vida conquistado por mais alguns anos. Ao postergar a aposentadoria, este consumidor permanece ativo física, social e financeiramente por mais tempo do que a geração precedente, prolongando sua independência. O tempo livre, portanto, não aumenta; há, na verdade, uma adaptação na forma como ele é preenchido. Devido à maturidade e à consequente evolução profissional, os casais que ainda trabalham afirmaram ter flexibilidade para em seus horários de trabalho. Com menos rigidez na rotina, os entrevistados ressaltaram a importância de dar-se ao luxo de usar o tempo a seu favor, como H.G, 58, que aproveitou a ocasião de um casamento para ter um final de semana prolongado com o marido em outra cidade. Outros casais também afirmaram que lidam com o tempo, hoje, com muito mais tranquilidade em comparação com dez anos atrás. Devido à continuidade da vida profissional, o tempo junto do casal ainda está, majoritariamente, restrito a refeições, finais de semana e férias. Mesmo passando pouco tempo junto dos parceiros, todas as mulheres entrevistadas ressaltaram a importância da individualidade e do tempo

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para si mesmas durante a semana. Enquanto o marido trabalha no escritório, H.S, 61, divide-se entre o seu ateliê, que fica na própria residência do casal, e os reparos e manutenção da casa. Aposentada há 12 anos, H.S faz parte do perfil de mulheres que Solomon (2002) identificou que busca nas artes e na recuperação de antigos hobbies uma segunda ocupação: Isso não é solidão, é solitude. Eu lido muito bem (com isso), porque minha cabeça tá sempre funcionando. Ou eu estou no computador, ou fazendo um projeto em cerâmica que depois eu vou executar, então eu estou sempre inventando. Antigamente, era sempre “O que eu produzi hoje?” e hoje eu estou um pouco mais light.

Em vista disso, percebe-se que a fase da pós-paternidade traz para o casal uma relação mais harmoniosa com o tempo, permitindo decisões mais espontâneas e com menos culpa. D.B, 55, que estava vivendo a transição para a aposentadoria no momento da entrevista, diz que “Viramos adolescentes de novo. Somos indisciplinados, acordamos quando dá, comemos o que tem e se queremos sair, saímos. A gente ficou mais espontâneo”. Identifica-se, assim, que D.B, de forma semelhante aos outros casais, tem um processo de decisão simplificado, o que retira o peso associado ao ato de fazer escolhas. Sobre essa simplificação, Schiffman e Kanuk (2000) dizem que os baby boomers são os idosos da nova era e passam a fazer escolhas sem medo do julgamento dos seus pares. H.G, 58, que está na póspaternidade há menos de um ano, entende que é a possibilidade de pensar o tempo integralmente para si, e não em lacunas entre as atividades dos filhos, que permite que o casal seja flexível. Observa-se, no entanto, um contraste na percepção sobre o tempo, conforme mostra o quadro a seguir.

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Figura 12- Quadro comparativo Trabalho x percepção do tempo ID

Trabalham

Segunda ocupação

Palavra utilizada para definir o tempo

Casal 1

Sim, ambos

Planejam

Escasso

Casal 2

Sim, ela

Sim, ele

Flexível

Casal 3

Não, ambos

Não

Monótono

Casal 4

Sim, ambos

Planejam

Espontâneo

Casal 5

Sim, ele

Sim, ela

Bem Aproveitado

Casal 6

Sim, ambos

Planejam

Flexível

Fonte: a autora (2014)

Mediante a observação do quadro, identifica-se que a maioria dos casais busca ou planeja buscar uma segunda ocupação ao aposentar-se. O Casal 3 destaca-se não pela fase do Ninho Vazio em que estão, mas pela sua relação com o trabalho. Ambos estavam aposentados quando o filho saiu de casa e, conforme visto no quadro comparativo, foram os únicos que não fizeram uma associação positiva à palavra tempo. Além disso, J.O, 71, disse ter sentido muito a saída do filho de casa, Pra mim foi um choque, uma tristeza quando ele decidiu sair de casa. O apartamento seria dele um dia, mas a gente não esperava que ele saísse tão cedo, com 18 anos. [...] O meu tempo ficou monótono. Eu não faço nada. Ele [o filho] acha que eu tenho que fazer uma academia, aprender alguma coisa. Te confesso que pra ter coragem de ir fazer alguma coisa é difícil.

O contraste fica claro quando P.O, 69, finaliza o que a esposa disse, “A gente deixa pra amanhã, ou depois, e vai passando o tempo. Acomodou, mesmo”. Embora o casal tenha mais tempo livre para realizar diferentes atividades, não o faz, pois a total liberdade, nesse caso, transforma-se numa limitação: por não ter a urgência de ocupar o pouco tempo livre que têm (como os casais que trabalham), o casal aposentado não busca hobbies ou atividades de lazer. O casal apresenta um contraponto ou uma exceção à teoria de Lipovetsky (2007), que aplica-se aos demais casais entrevistados nessa pesquisa. O autor afirma que o público maduro, criado na sociedade de consumo, não cessa suas atividades ao deparar-se com a aposentadoria; pelo contrário, torna-se mais aberto ao consumo de viagens, cursos e esportes.

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As viagens, na verdade, foram um tema recorrente para a maioria dos casais, que apontaram uma preferência em viajar pelos estados do Brasil, principalmente a Região Nordeste. Entre as principais motivações para escolher essa região, identificou-se que os casais procuram um destino que lhes permita afastar-se do frio, viajar com simplicidade e com poucas horas de viagem. Considerando-se as preferências em viajar, têm-se o quadro a seguir. Figura 13 – Quadro de preferência de viagens ID

Companhia

Destino

Motivo

Casal 1, mulher

Amigas e irmãs

Praias

Passear e aproveitar a companhia

Casal 1, homem

Esposa

Viaja pouco

Pouca disposição

Casal 2, mulher

Marido, filhos

Nordeste, Capitais

Passear ou visitar os filhos.

Casal 2, homem

Esposa, filhos

Nordeste, Capitais

Passear ou visitar os filhos

Casal 3, mulher

Filho

Rio Grande do Sul

Aproveitar companhia do filho

Casal 3, homem

Filho

Rio Grande do Sul

Aproveitar companhia do filho

Casal 4, mulher

Casal 4, homem

Casal 5, mulher

Marido, filhos

Marido, filhos

Marido, sozinha

Estados Unidos,

Passear ou visitar os

Nordeste

filhos

Estados Unidos,

Passear ou visitar os

Nordeste

filhos

Capitais, Nordeste,

Aproveitar a

Canela

companhia do marido, visitar museus

Casal 5, homem

Esposa, sozinho

Variados

Trabalho, aproveitar a companhia da esposa

Casal 6, mulher

Marido

Países Europeus

Fugir do frio, aproveitar a companhia do marido

Casal 6, homem

Esposa

Países Europeus

Fugir do frio, aproveitar a companhia da esposa

Fonte: a autora (2014)

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O quadro evidencia que, embora a maioria dos entrevistados viaje na companhia do cônjuge, há uma parcela que aproveita as viagens para explorar sua individualidade e reforçar sua auto expressão. Como o caso de M.E.,60, O A. não me acompanha muito nas viagens, mas eu gosto. Nessa próxima viagem que eu vou, vão todas as irmãs, a sobrinha, toda a mulherada. A sobrinha vai ter nenê e a gente passa também em Miami pra fazer umas compras do enxoval, aí tu já viu.

A mulher aceita que o marido não queira acompanhá-la, pois isso lhe dá a oportunidade de adaptar-se a qualquer programação das irmãs. A individualidade do casal é reforçada quando A.E., 64, complementa “Um monte de mulher viajando junta, o que tu acha que elas vão fazer? E o que vai sobrar pra mim? Carregar sacola, não, obrigado”. Devido à flexibilidade, todos os casais preferem viajar em épocas de baixa temporada, entre março-maio e agosto-outubro, quando os preços são mais acessíveis e há menos turistas na região, M.E., 60, entende que “Se você tem tempo, qualquer época é época de viajar”, o que denota uma tendência a procurar destinos mais calmos. No entanto, percebe-se que, embora esteja mais livre para ir e vir, sem a preocupação dos horários dos filhos, o casal planeja as suas viagens pensando em um terceiro elemento: o animal de estimação. Todos os respondentes tinham um ou mais animais de estimação e demonstraram que, de alguma forma, havia interferência na forma com que o casal programa não apenas suas viagens, mas também suas atividades fora de casa. Antes, havia uma família inteira para revezar o cuidado e os passeios com o animal. Agora, o casal fica mais dependente um do outro e, como consequência, passa a procurar por hotéis para cachorro e babás de animais que façam uma visita diária para que possa viajar tranquilamente, quando não pedem a amigos e parentes. O cuidado com cães e gatos passa a ser, então, uma segunda modalidade de paternidade para o casal. As implicações práticas que isso traz para a vida dos cônjuges é, inicialmente, fazer viagens mais curtas, mesmo que mais numerosas. E, de uma forma menos direta, o casal tende a aproveitar o seu tempo em casa. É evidente, porém, que outros fatores exercem influência sobre essa escolha, tais como a praticidade, o conforto da casa e a apreciação da companhia do parceiro. Os respondentes demonstraram clara preferência pelo ambiente do lar quando se trata de fazer refeições e assistir filmes, com a exceção do Casal 3. Por isso, percebeu-se que

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muitos dos hobbies citados como favoritos aconteciam no lar. Todos os casais citaram a jardinagem, a gastronomia, a reocupação do quarto dos filhos como salas de estudos ou quartos de hóspedes e o cuidado dos animais de estimação como principais atividades. Deste modo, compreende-se que torna-se importante para o casal fazer pequenas mudanças de hábito, dentre as quais assimilar um novo padrão de consumo é primordial, pois o consumo, antes pensado para a família, precisa ser para apenas duas pessoas. Muitos casais não percebem que estão exagerando no consumo (principalmente o consumo cotidiano, como alimentação), sendo que os homens demonstram mais dificuldade para assimilar a necessidade de mudar o consumo. O tópico do exagero inicial foi uma unanimidade entre os respondentes, como pode-se perceber quando S.M, 56 disse que: O L. demorou para perceber que os filhos não estavam aí. Toda vez que íamos ao supermercado, ele voltava com quatro quilos de maçã, seis cachos de banana e por aí vai. Como sempre teve muita fruta em casa, foi onde mais a gente exagerou.

Tal exemplificação evidencia que, embora seja gradual e natural, a transição para o Ninho Vazio repercute nos hábitos de consumo do casal. 5.3.2 O consumo Durante todo o período de crescimento dos filhos, o consumo é orientado para a coletividade, visando o bem estar geral da família. Ao longo desse tempo, o dever de prover para os filhos impede que o casal pratique, de forma contínua, o consumo individual. Após a transição, os entrevistados apresentarão um padrão: o exagero inicial nas compras, principalmente as de consumo diário, como a alimentação. Posteriormente, todos os casais perceberam que poderiam manter seus gastos, diminuindo a quantidade e elevando a qualidade. Isso aconteceu com S.M, 56, Pra nós, não tem tanta obrigação de ter todos aqueles pratos, pra nós às vezes basta uma sopinha, pouca coisa, não temos a mesma necessidade, não precisa tanta carne. Precisa de bem menos quantidade e talvez mais qualidade, um peixinho, um prato mais especial, mas só para duas pessoas.

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Itens e atividades que antes eram consideradas um luxo dispensável, devido à necessidade de focar o consumo na coletividade, passam a ser considerados possíveis. A maior disponibilidade de renda permite que o casal fique atento a novidades e às pequenas porções gourmet. Isto posto, há uma unanimidade entre os casais ao dizer que as necessidades diminuem drasticamente quando deixam de se preocupar com o sustento dos filhos. Com a casa mobiliada, apartamentos e carros quitados, os casais percebem que não há urgência para nenhum consumo. H.G, 58, reflete sobre a natureza de suas necessidades, Você não tem tanta necessidade por coisas, mas pensa em como você pode fazer sua vida mais fácil e melhor, o que muitas vezes não dava pra fazer enquanto os filhos estavam por perto. Era a necessidade deles, Hoje a gente pode pensar em conforto e design, que por muito tempo não se pensou.

Porém, ao longo das entrevistas identificou-se que, com a exceção de um casal, todos os casais contribuíam financeiramente com o consumo dos filhos. Em alguns casos, os pais disseram ajudar os filhos principalmente no consumo diário, enquanto outros financiaram apartamentos e carros. Há, contudo, uma unanimidade: nenhum casal aceita ver os filhos com dificuldades financeiras. Ou, segundo M.E., 60, “passar necessidade”. Esta, aliás, é uma questão recorrente em todos os momentos desta análise. A preocupação com o bem estar dos filhos, em maior ou menos instância, perpassa a forma como os casais ocupam seu tempo, direcionam seu consumo e percebem sua autoimagem. Percebe-se isso no consumo cotidiano, como relata S.M., 56, Quando a gente vê uma liquidação interessante, um produto no supermercado que está com preço muito bom, a gente não compra um ou dois, a gente compra dez logo de uma vez, nem olha quanto vai dar ou se preocupa com preço. E dá pros filhos. A gente não se preocupa porque sabe que vai ser consumido.

Da mesma forma, H. S., 61, percebe uma mudança entre sua geração e a geração de seus filhos como uma motivação para ajudá-los, pois Se for esperar pra alguém conseguir se manter, ter seu espaço, até um aluguel, é difícil. Como o L. sempre foi de fazer investimentos em imóveis, não foi difícil. [...] Volta e meia, quando precisa um equipamento, o L. [marido] financia. Há um acordo mútuo.

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Tal observação aponta que a maioria dos casais entrevistados ainda possuía vínculo financeiro com os filhos, contrariamente ao que foi abordado no capítulo anterior sobre a fase do Ninho Vazio (BLACKWELL, MINIARD e ENGEL, 2011). Assim, o comportamento de consumo dos casais ainda é parcialmente direcionado aos filhos: não há a obrigação do sustento, há, porém, um sentimento de dever e querer ajudar. O Casal 1 foi o único que disse não contribuir financeiramente com os filhos, porém, percebeu-se uma situação atípica, em que o filho morava com a namorada e que ela, sim, recebia ajuda dos pais. Nesse caso, o casal demonstra desconforto e M.E., 60, diz “Eu falo pra ele „Que feio, é isso que você quer? Ser sustentado pelo sogro?‟”. Entende-se que não é apenas a contribuição financeira que incomoda o casal, mas também o impacto que tal atitude tem na autoimagem do casal (SCHIFFMAN e KANUK, 2000). A permanência de um vínculo financeiro com os filhos, porém, não impede que os casais voltem-se para o consumo hedônico. Um dos principais fatores que interessa os casais é o conforto. Uma vez que podem despender mais recursos para si mesmos, eles passam a planejar o consumo e as mudanças a longo prazo. H.G, 58, afirma que isso nunca foi possível enquanto os filhos estavam em casa, “Toda a semana, eu e E. nos olhávamos e dizíamos: essa semana a gente consegue arrumar tudo, a gente vai voltar ao normal e a vida vai se estabilizar. Eu estou esperando essa semana até hoje”, o que reflete um longo período de restrições (SOLOMON, 2002) pelo qual o casal passou durante o crescimento dos filhos. Nessa fase, os casais realizam mudanças e reformas na casa, com o único intuito de melhorar o conforto e a acessibilidade. Planejando uma reforma completa na cozinha, H.G., 58, diz que Estamos planejando para o futuro, no sentido que o que fizermos hoje, é isso, nunca mais precisará ser pensando de novo. Começamos a fazer alguns investimentos na casa, agora que não temos grandes compromissos com os filhos. Aquecimento central, essas coisas, estamos pensando para quando ficarmos mais velhos.

Da mesma forma, H.S., 61, disse planejar mudanças visando o conforto e a acessibilidade, “A gente pode, no futuro, se mudar para o apartamento em Canela, porque não tem escada e essas dificuldades. Ou, também, vender a casa aqui e comprar um apartamento menor, e ter a casa principal em Canela”. M.E., 60,

60

recentemente reformou a casa e planejou quartos no andar térreo, também pensando na reforma como um benefício a longo prazo. A busca pelo conforto não fica restrita à casa: a maioria dos entrevistados possuía ou estava em vias de comprar um carro de câmbio automático. Uma grande parte dos homens apresentava sinais iniciais de dificuldade de mobilidade, como dores nas pernas e nos braços, o que servia como uma motivação para investir mais em um carro. A decisão, para M.E., 60 foi no momento, “ A gente chegou lá pra trocar o carro e eu quis um automático, porque o A. tem problema na perna e isso já facilita. Na hora, pegou ele de surpresa, mas depois acostumou bem fácil, né?”. Isso confirma o que Lipovetsky (2007) fala que a constante busca por conforto, uma vez que o indivíduo acostuma-se logo com ele e precisa de novas comodidades para sentir prazer. O conforto como uma prioridade, afinal, pode ser percebido nos novos hábitos dos casais. H.G., 58, reflete sobre seu consumo cotidiano, Essa chaleira, por exemplo. Antigamente, se ela tivesse algum problema, a gente iria repor muito rápido com uma chaleira barata. Não necessariamente a mais barata, mas definitivamente bem perto disso. Agora, a gente já pensa em comprar uma chaleira que seja bonita, combine com a casa, que pule e dance.

A consumidora expressa o desejo e o poder de escolher segundo suas próprias vontades. Sobre viagens, ela afirma que “A gente tinha que escolher um destino de férias que, de um jeito rápido, fácil e barato, nos desse algumas horas de sol. Agora a gente pode ir para os lugares que realmente quer ir”. Isto posto, não pode-se dizer que ela passou a querer coisas novas; na verdade, passou a poder realizar aquilo que antes tinha vontade. Todos esses confortos conquistados não podem ser perdidos, segundo Thaler e Sunstein (2008), pois o indivíduo é averso a perdas. M.E.,60, confirma o que os autores dizem ao relatar uma situação em que precisou trocar de carro com o filho, um ano depois de ter adquirido o novo veículo. O casal se sentiu como “adolescentes aprendendo a dirigir” e diz que não voltaria para um carro de câmbio manual. Para não perder tais confortos, todos os casais mostraram-se dispostos a gastar mais: seja em roupas, em equipamentos para a casa ou viagens. Além disso, houve unanimidade quanto à independência de consumo de cada um dos cônjuges. Todos os entrevistados prezam pela individualidade e

61

autoexpressão e, como consequência, há um processo de decisão de compras variável. Na maior parte das vezes, é a mulher que aponta o desejo de consumir algo,

chegando

a

efetuar

o

consumo

(desde

roupas

até

mobiliário

e

eletrodomésticos) sem a consulta do marido. Os homens, da mesma forma, pesquisam o que querem, mas tendem a compartilhar com a esposa as informações antes de finalizar a compra. A maoria dos casais utiliza a internet para reunir informações sobre produtos, entre outras finalidades de uso, como mostra o quadro a seguir. Figura 14 – Quadro comparativo das preferências na internet ID

Uso da internet

Preferências

O que não gosta?

Casal 1

Sim, ele. Lazer, pesquisa produtos.

Facilidade. Comparação de preços.

Se tem alguma dificuldade, desiste.

Casal 2

Sim, ambos. Redes sociais, pesquisa, trabalho, reserva viagens, entretenimento (Netflix) e contato com filhos (skype)

Facilidade, rapidez, compras.

Dinâmica de alguns sites, quantidade de informação confunde.

Casal 3

Não.

Utilizaram skype quando o filho morou no exterior.

Acham difícil aprender a usar.

Casal 4

Sim, ambos. Entretenimento (Netflix), contato com os filhos (Skype e Whatsapp), trabalho, viagens.

Proximidade dos filhos.

Nada em específico.

Casal 5

Sim, ambos. Trabalho, pesquisa, viagens.

Facilidade, disponibilidade, compras.

Publicidade.

Casal 6

Sim, ambos. Trabalho, pesquisa, Facilidade, variedade, viagens, contato com os filhos (Skype comunicação. e Whatsapp) Fonte: a autora (2014)

Publicidade. Dinâmica de sites, principalmente bancos.

O quadro evidencia três pontos principais: a) que a maioria dos casais que utiliza internet adere a ferramentas de comunicação para manter-se próximo dos filhos; b) que a dinâmica dos sites e a publicidade figuram entre os principais aborrecimentos e c) que este público quer acesso fácil à internet. Sobre estas questões, é relevante considerar que a maioria dos casais mostrou-se atualizado e utilizava diversos serviços online, como Internet banking9,

9

Controle de contas bancárias pela internet, podendo ser feito pagamento de contas, transferências, etc.

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Netflix, escolas online e compra produtos. Entre as vantagens de comprar online, H.S., 61, destacou que é a disponibilidade que mais a satisfaz, Eu não preciso mais sair andando de loja em loja pra saber se eles têm ou não um produto. Porque até corria o risco de ligar lá e eles terem. Daí chegava na loja, só podia comprar dois metros [de material de mosaico]. Pela internet, compro quanto eu quero e sem me incomodar.

A percepção de H.S. vai de encontro ao que foi inicialmente apontado por Yarrow (2014), que entende que o consumidor hoje está muito emocional e que situações de compra em lojas físicas o deixam impaciente e irritado. É o que acontece com S.M., 56, diz que faz várias compras de utilidades para a casa, mas quando foi reservar passagens e ingressos para um show em São Paulo, não foi tão simples, “É muito chata a internet para pesquisar essas coisas”. Nos capítulos anteriores, abordou-se a acessibilidade da internet para consumidores da geração baby boomer (UNDERHILL, 2009), o que se comprova como um verdadeiro problema, especialmente para o Casal 6, que se aborrece com a dinâmica de alguns sites, especialmente bancos, restaurantes e negócios locais. H.G, 58, disse que Alguns dos sites são muito difíceis de navegar. Parece que a pessoa que desenhou aquilo nunca precisou usar o serviço e não percebe que ela sabe sobre o negócio, mas nem todo mundo sabe. Com o banco, eu fico louca! A única razão pela qual eu vou ao site do banco é fazer login na minha maldita conta, mas o botão de login está no canto inferior esquerdo, escondido. Eles acham que você perdendo tempo no site vai ver outros produtos. E você diz Não!, só coloque o botão de login no topo, bem 10 grande!

O consumidor não quer perder tempo e a vantagem da internet para este público é justamente simplificar os processos que antecedem o consumo ou facilitar atividades cotidianas. Quando o consumidor vê-se insatisfeito, tem a tendência de não retornar a consumir (GIGLIO, 1996). H.G., nesse caso, vê-se obrigada a adaptar-se à interface de seu banco atual, no entanto, caso ela tenha mais insatisfações, pode sentir que é o momento de trocar de prestadora de serviços. O 10

Tradução da autora. Texto original: Some of the banks drive me nuts! The only reason I

bloody go to their websites is to log onto my accont, yet the log on button is on the left hand side, you kinda have to roll down the page, scroll the menu and suddenly it says log on. They think you can waste your time and see the other products. And you say No! Just put the log on button on the top, giant!

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marido, E.G, 62, concorda com a sensação de que a internet dificulta algumas coisas, “Parece que eles tentam dificultar as coisas quando oferecem muitas opções e dificultam o processo”. O problema que ambos relatam está ligado à forma como os designers de experiência e de interface projetam a experiência do usuário na internet. Thaler e Sunstein (2008) relatam que problemas como esses são frequentes quando a arquitetura das escolhas e a forma como o usuário se comporta não são estudadas profundamente. 5.3.3 O Eu A construção do Eu, bem como a busca e o entendimento da felicidade, de acordo com a experiência dos entrevistados, pode passar por um processo de simplificação ao longo da vida. Ao passo que, durante a juventude, os indivíduos sentiam necessidade de aprovação de seus pares, na fase da pós-paternidade as pessoas sentem-se mais relaxadas e despreocupadas com a imagem social. Isto não implica, no entanto, infelicidade e alienação – muito pelo contrário, os casais estão mais felizes. A diferença é que precisam de menos coisas e estímulos para se sentirem felizes. Para facilitar o entendimento desta parte da pesquisa, a autora segmentou o último momento da análise em três pontos principais: a autoimagem, a felicidade e o futuro. Para compreender a autoimagem dos casais, observa-se o quadro a seguir, que contém as principais percepções dos entrevistados sobre si mesmos. Figura 15 – Quadro da autoimagem ID Casal 1

Percepção “Me vejo tendo que trabalhar muito agora, para que todo o trabalho fique feito antes de aposentar”

Casal 2

“Tua melhor obra sempre vão ser teus filhos”

Casal 3

“Não vou dizer que eu tenha me deixado, mas eu não sou mais a mesma”

Casal 4

“Estamos tranquilos. A preocupação maior sempre foi e sempre vai ser os filhos”

Casal 5

“Eu me vejo como uma mulher de 60 anos que faz só o que gosta e está tendo de mudar alguns padrões”

Casal 6

“Você percebe que você é uma pessoa em sua totalidade, mesmo que seja parte de um casal” Fonte: a autora (2014)

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Percebe-se que a maioria dos casais tem uma percepção positiva sobre si mesmo, algumas vezes relacionando a própria autoimagem ao bem-estar dos filhos. O Casal 2 entende que, independente do que conquistem em sua vida, o maior sucesso é que os filhos estejam bem. Assim sendo, a percepção que o casal tem sobre si sofre variações quando os filhos não estão bem. Ou seja, a função da paternidade tem um vínculo forte com a identidade, deixando de ser só um papel social, como indica Castells (1999), e integrando a totalidade do ser. Isto não significa dizer que os pais têm sua autoimagem e felicidade totalmente ligada aos filhos, mas sim que a função de pai e mãe nunca deixará de ser parte da vida do casal, independentemente de sustentarem os filhos ou não. Para H.S., 61, experimentar a vida sem a função de cuidado dos filhos trouxe uma sensação de liberdade nunca antes experimentada, Eu tô vivendo uma época extremamente feliz, porque eu faço só o que eu gosto e na hora que eu gosto. É muito prazeroso ter ideias e chegar na execução dessas ideias. Hoje em dia eu posso dizer que estou vivendo a melhor época da minha vida

Embora gostaria de interferir no passado e dar mais qualidade de tempo aos seus filhos, H.S. entende que a função de mãe a deixou mais rígida e responsável. Para H.G., 58, “Você é, definitivamente, mais gentil com você mesmo quando chega a este estágio”. Neste caso, a mulher deixa de cobrar horários e performance de si mesma e passa a aproveitar os momentos com menos cobranças. A mesma coisa acontece com as demais entrevistadas, que afirmam terem deixado muitas coisas para trás quando tornaram-se mães. Talvez por isso é que as mulheres, dentro dos casais, sejam as precursoras da mudança: são elas que sugerem atividades, buscam viagens e recuperam hobbies. Os homens são, muitas vezes, influenciados pelos hobbies das parceiras e, por motivação delas, começam a ocupar seu tempo livre de forma ativa. Tal atividade traz, na verdade, o choque da percepção com a realidade: com a exceção de um, todos os casais sentem-se mais jovens do que realmente são. É unânime a sensação de que o tempo passou mais rápido do que gostariam, para H.S., 61, “É meio difícil a gente se dar conta que já está nos sessenta, porque na cabeça da gente esse tempo não passou”. Da mesma forma, H.G., 58, afirma que “Todos nós nos sentimos com trinta anos! Na nossa cabeça, esse tempo não passou. Só que a gente começa a perceber as limitações físicas”. Lipovetsky (2007),

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nesse sentido, afirma que o consumidor maduro procura produtos e experiências que alimentem a ilusão de que ainda são jovens. Para o público entrevistado, no entanto, é importante que as experiências reforcem o sentimento de juventude que ainda sentem, mas oferecendo adaptabilidade para as limitações físicas, conforme sustentado por Underhill (2009). A maioria dos entrevistados afirmou, também, que a saída dos filhos permitiu que se libertassem do sentimento de culpa. As obrigações da paternidade impediram que o casal investisse em pequenos luxos, pois sentiam que “Estaríamos deixando de dar algo para os filhos para comprar coisas para nós”, H.G., 58. Foi unânime o sentimento de liberdade para ser e para consumir, “Liberdade é uma palavra nova. Eu fumava Free: ninguém mais ansiou por liberdade do que eu”, H.S., 61. Apesar de estarem vivendo um momento de redescoberta do Eu, é evidente o vínculo que os casais têm com os filhos quando o assunto é felicidade, conforme mostra o quadro a seguir. Figura 16 – Quadro comparativo sobre a Felicidade ID

Percepção

Casal 1

“Recuperar o contato com um filho e manter com o

Palavra-chave Presença dos filhos

outro. Estão demorando pra vir os netos!” Casal 2

“Tudo se direciona praticamente aos filhos. É uma

Relações dos filhos

alegria ver todos eles juntos e ver que se dão bem e se respeitam” Casal 3

“Ver meu filho ser completo. Ser alguém, e se formar.

Sucesso do filho

Tenho orgulho de ele não ser drogado, não ser mentiroso” Casal 4

“A gente precisa ver que os filhos estão bem e não

Bem-estar dos filhos

estão passando necessidade” Casal 5

“Eu faço só o que eu gosto, na hora que eu gosto”

Casal 6

“O que faz a gente feliz é ver os filhos felizes, e ter

Liberdade pessoal Felicidade dos filhos

saúde pra acompanhá-los” Fonte: a autora (2014)

O quadro acima evidencia que a maioria dos casais relaciona a sua felicidade, de alguma forma, a uma atitude dos filhos. Embora tenhamos visto que as pessoas passam a explorar sua individualidade e valorizar sua liberdade, quando falam sobre felicidade, os casais não mencionam seu próprio sucesso. As

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conquistas e a felicidade são descritas como uma extensão da felicidade dos filhos. De acordo com o estilo de vida, cada casal valoriza um aspecto da vida dos filhos. O Casal 1, por exemplo, enfrentou um distanciamento do filho, por isso, felicidade é recuperar a proximidade. Já o Casal 4 tem uma situação diferente: todos os filhos moram nos Estados Unidos, por isso, saber que os filhos não estão enfrentando problemas financeiros é primordial para a felicidade dos pais. O Casal 3, por outro lado, valoriza a integridade e o caráter, por isso, suas percepções de sucesso e bem-estar do filho estão ligadas a esses valores. A felicidade, que é subjetiva, não depende da geração de desejos, consumo e satisfação dos mesmos (LIPOVETSKY, 2007), pois nesta fase há uma simplificação do consumo e da felicidade. Sentir-se feliz está intrinsecamente ligado ao desejo de ver os filhos atingirem aquilo que os casais procuraram prover e incentivar durante o seu crescimento. Isso demonstra que, de uma forma geral, há menos projetos acontecendo na vida dos casais. Sobre o futuro, há três principais aspectos que os casais consideram importantes. O primeiro é a aposentadoria, o segundo é a moradia e o terceiro é a socialização. A maioria dos respondentes não estava aposentado no momento da entrevista, ou, se aposentado, já possuía uma segunda ocupação. A perspectiva de deixar de trabalhar e passar a ter um convívio mais frequente com o cônjuge representava um medo da maioria dos casais. Enquanto mantêm-se ocupados e têm suas próprias amizades e horários, os casais entendem que o relacionamento não enfrenta grandes dificuldades. Na verdade, entendem que até melhorou após a saída dos filhos, pois não há mais uma terceira opinião a todo o momento. No entanto, quando pensam sobre o avanço da idade e aposentadoria, os entrevistados revelaram preocupação, “A gente vai começar a brigar, pensando bem!”, M.E., 60. Quanto à questão financeira, os respondentes começaram a guardar dinheiro no momento em que os filhos deixaram de representar um gasto muito grande. Assim, entendem que poderão manter um estilo de vida semelhante ao atual. Porém, nenhum dos casais demonstrou interesse em aposentar-se logo. Sobre a moradia, não houve unanimidade. Enquanto alguns casais fizeram grandes reformas na casa e pretendem ficar na mesma residência, outros casais pretendem mudar-se para cidades menores ou mais quentes. Houve, no entanto, um ponto em comum em todos eles: a acessibilidade. Seja movendo os quartos para a parte térrea da casa, seja buscando apartamentos sem escadas, ou reformando a

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cozinha para que os armários sejam mais acessíveis, em maior ou menor instância, todos os entrevistados demonstraram consciência sobre as limitações e priorizam possibilidades que os permitam ter mobilidade a longo prazo. Como constatado por Underhill (2009), estes casais querem continuar sendo independentes por muito tempo. Prolongar a independência, por outro lado, faz com que os casais tenham o desejo de não isolar-se, O estilo de vida não é tão rápido como costumava ser. Não há grandes projetos acontecendo na nossa vida agora, porque muito já foi conquistado. [...] É fácil se acomodar, a gente precisa gerar constantes ideias para se manter ocupado depois da aposentadoria e buscar contato social. (E.G., 62)

Com a redução das atividades sociais, o desafio para o futuro é buscar novas formas de socialização. Em alguns casais, a família e principalmente os filhos são grande parte desse contato. Casais com famílias menores ou filhos morando fora buscam hobbies e exercícios que proporcionem interação social. Com o avanço da idade, H.S., 61, diz que “Na condição de mulher, tu fica mais invisível. O que pode ser bom, também, porque te dá direitos de fazer tudo que tu bem entende”. A constatação de que a sociedade não percebe o público maduro (UNDERHILL, 2009) fica clara quando os entrevistados preocupam-se com o futuro. Todos os casais concordaram que, de forma geral, não há grandes planos para o futuro, e J.O, 71 diz que se plano é “Envelhecer bem”, enquanto outros respondentes têm uma perspectiva mais ativa, como S.M., 56, A gente está começando o plano de reformar a casa, ampliar as áreas de jantar e estar, porque a família é grande. Por enquanto só tem uma neta, mas com os quatro filhos que temos, daqui a pouco os netos todos não cabem no espaço que tem hoje.

Mesmo que a reforma só traga vantagens em ocasiões especiais, em que toda a família se reúne, o casal entende que é um investimento que certamente trará benefícios para eles – ver a família unida, afinal, é o que traz felicidade para o casal (Figura 15). Entende-se que apenas um dos casais tinha netos no momento da entrevista. Desta forma, a função de avô e avó não fazia parte da rotina dos respondentes, porque os seus filhos, pertencentes à geração Y, tendem a pensar na paternidade depois mais tardiamente (CASTELLS, 1999).

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Isto posto, identifica-se que os casais começam a buscar hoje formas de socializar no futuro, preocupando-se tanto com seu bem-estar físico quanto com seu bem-estar emocional. Para concluir a presente monografia, serão apresentadas a seguir as considerações finais sobre a realização desta pesquisa, momento em que a autora fará uma conclusão, bem como implicações práticas e mercadológicas do resultado da pesquisa e sugestões para futuros estudos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final da presente monografia, que incluiu pesquisa bibliográfica e análise

de experiências levantadas durante a etapa prática, pode-se afirmar que a entrada na

fase

da

pós-paternidade

repercute

no

comportamento

do

casal

e,

consequentemente, em seus hábitos de consumo. Identificaram-se, na análise, algumas dissonâncias entre a vida prática dos casais e o que havia sido anteriormente abordado na teoria. Portanto, o objetivo do presente trabalho foi destacar as principais mudanças de comportamento e implicações no consumo, bem como compreender a relação desse com a felicidade, com a autoimagem e com o tempo. Uma vez que há poucos autores e estudos recentes que se dedicam a estudar esse assunto, o presente estudo procurou compreender os aspectos da individualidade e da liberdade do indivíduo após a transição da paternidade. Embora o mercado estude o comportamento do consumidor de forma contínua e busque identificar novas tendências a fim de antecipar-se perante os concorrentes, o público da pós-paternidade, em geral, é retratado e incluído dentro do perfil sênior. No entanto, devido à natureza evolutiva da sociedade, tal público também mudou. Antes, entendia-se que o referido público buscava, principalmente, luxo e queria apenas gozar dos anos dourados de aposentadoria. Segmentos de mercado que buscam estabelecer relacionamento e identificação com o público maduro podem, por vezes, não considerar as diferentes fases e prioridades que são acomodadas dentro da maturidade, fase mais longa do ciclo de vida. Portanto, por mais elaboradas que sejam as estratégias de marca, a forma mais eficiente de mostrar a um consumidor que ele é compreendido é, realmente, compreendê-lo. E compreendê-lo, de fato, significa entender seus problemas, suas ambições, sua vida. Apenas enxergando o consumidor como indivíduo complexo é que uma marca pode apropriar-se das tendências e movimentos sociais e transformá-los em verdadeiras oportunidades de negócio. As mudanças mais substanciais no comportamento dos casais, investigadas ao longo deste estudo, podem ser enquadradas em três tópicos centrais: o tempo, o consumo e a autoimagem. Contrariamente ao que se pensava no momento inicial desta pesquisa, os casais raramente passam a ter mais tempo disponível. A função da paternidade, nos anos anteriores à mudança, não exigia muito tempo útil dos casais, pois cada membro da família já possuía sua rotina e seu trabalho. O que

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aconteceu, porém, foi que os casais passaram a poder dedicar tempo, espaço e atenção a seus próprios interesses, readaptando o lar para seu próprio conforto. A constante preocupação com os filhos impedia que os casais se aprofundassem em hobbies que, durante a transição, foram redescobertos. Em alguns casos, é possível que esse hobby vire uma segunda ocupação, caso um dos cônjuges se aposente. Há uma constante busca pela arte e pela novidade, por parte das mulheres, enquanto os homens demonstram interesse em jardinagem e esporádicas atividades com grupos de amigos. A partir de um convívio mais harmonioso com o tempo, o sentimento de imediatismo vai embora e, como consequência, o casal não resolve as coisas com pressa, pois entende que as mudanças terão caráter mais permanente. Em comparação com o período de crescimento dos filhos, trata-se de uma grande diferença, visto que anteriormente os pais buscavam soluções rápidas e baratas, sem tempo para ponderar sobre questões de consumo e durabilidade, uma vez que a prioridade era prover para os filhos. Saber que o consumidor durante a pós-paternidade tem flexibilidade e disponibilidade de tempo é algo que representa, primeiramente, entender que ele passa a valorizar outros atributos. Enquanto antes ele tomava decisões orientado pelo caráter emergencial, agora a durabilidade, o conforto e a flexibilidade são mais importantes. Por isso, serviços de viagens e pacotes de última hora, como o italiano lastminute.com e o inglês thomson.co.uk, podem ser um serviço adequado para esse público. O segundo tópico em que houve mudanças representativas foi o consumo. Durante todo o período de crescimento dos filhos, os casais não apenas exerciam influência sobre o consumo da família, mas também eram constantemente lembrados de que havia uma família para a qual prover. Durante a pesquisa, identificou-se que o grupo de casais entrevistado nunca teve, durante a paternidade, um consumo individualizado. Isto é, nunca comprou-se o que a mãe ou o pai queriam, mas sim o que era necessário. Nesse sentido, durante a transição para a pós-paternidade, percebeu-se a diminuição das necessidades e obrigações – não é preciso comprar grandes quantidades, não é preciso fazer compras frequentes e, principalmente, não é preciso ter uma terceira opinião sempre que forem às compras. Por isso, o processo de decisão de compra é simplificado, o que concede ao casal a liberdade de

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escolher pelo design, pelo conforto e pelo gosto pessoal, mentalidade que antes era entendida como luxo e poderia levar o casal a sentir culpa. Com a saída dos filhos de casa, os casais passaram a não sentir a culpa pós-compra, podendo alocar seu dinheiro de formas que lhes parecessem adequadas. Com relação à teoria, houve contradição quanto ao luxo: enquanto alguns autores indicam que, nessa fase, o público dá mais importância ao luxo, os casais entrevistados demonstraram que a prioridade é o conforto. Com menos vaidades, o objetivo do indivíduo é sentir-se bem. Isso se aplica tanto à compra de uma calça jeans, quanto à aquisição de um carro automático. Pode-se, dessa forma, investir mais em um único produto, pois o casal entende que aquele custo inicial será compensado. Por outro lado, os casais lidam com a perspectiva da aposentadoria, o que, em um futuro próximo, poderá diminuir sua renda. Por isso, o consumo orientado pelo conforto alterna-se com uma tendência a querer gastar menos – o que reforça a percepção de que o luxo não é o alvo desse grupo. Cabe salientar que, para a realização do presente estudo, não foi aplicado um filtro de renda e classe social para seleção dos respondentes. Desta forma, entende-se que essa percepção sobre o luxo pode sofrer alterações se, em um estudo posterior, um filtro de renda for aplicado. Assim, a busca pelo conforto e bem-estar, em detrimento do luxo e da vaidade, mostra que esse consumidor está mais orientado para si mesmo e não está, a este estágio do ciclo de vida, buscando diferenciação social através do luxo. Por isso, pode ser interessante para esse público a oferta de opções que façam uma intersecção do conforto com as novas experiências, como por exemplo o Glamping. Glamping é um modelo novo de acampamentos que oferece uma combinação entre o conforto e a aventura. Com tendas e casas confortáveis e protegidas, é possível estar em meio à natureza sem abrir mão do bem-estar. A terceira mudança central está relacionada à percepção da felicidade e da autoimagem. Quando chega a essa fase, o casal descobre-se mais independente um do outro, seguindo seus próprios interesses e amizades, respeitando o espaço para a individualidade. É neste momento que o indivíduo se permite ser uma pessoa em sua totalidade, independentemente do cônjuge e dos filhos. Tal sentimento gera nos cônjuges uma liberdade que antes era desconhecida, o que corrobora para que o sentimento de juventude permaneça. Assim, ao reduzir as preocupações e aumentar a liberdade, o casal deixa de fazer planos para o futuro e enxerga as

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perspectivas com mais flexibilidade. A ideia de fazer poucos planos coexiste com a vontade de integrar-se e socializar, pois o isolamento é um medo comum no grupo entrevistado. Indo além, a autoimagem social, portanto, passa a ser menos importante e deixa de ser forte influência para o indivíduo, que passa a priorizar o sucesso dos filhos muito mais que o seu próprio. Dessa forma, o bem-estar físico, emocional e financeiro dos filhos representa a ideia de felicidade para o casal. Disso, entende-se que a função da paternidade não termina e a felicidade permanece fortemente ligada às conquistas dos filhos. Nesse sentido, a autoimagem opera como uma faceta da paternidade: se os filhos estão bem, isto significa que, como pais, os casais fizeram um bom trabalho. Assumindo que a felicidade relaciona-se fortemente com os filhos, é natural que, entre os poucos planos para o futuro, o casal planeje permanecer saudável por muito tempo, a ponto de desfrutar integralmente da função de avós. Outra consideração importante, feita após a realização das entrevistas, foi a relação entre o prolongamento da vida de trabalho e a autoimagem. Ao deixar de trabalhar, o casal tende a ter menos contatos sociais e, consequentemente, sentir que envelhece mais rápido, o que pode impactar no seu consumo de hobbies, viagens e lazer. Em outras palavras, um indivíduo que se sente velho pode diminuir sua contribuição para a economia. Dessa forma, atentar-se para a necessidade de socialização e prática esportiva desse grupo pode representar oportunidades não apenas para negócios no segmento de eventos, jogos e restaurantes, que podem ter programações específicas para esse grupo etário, mas também para iniciativas de Governo que visam a estender a vida de trabalho da população – seja por meio de uma

segunda

ocupação,

seja

por

meio

da

aposentadoria

tardia



e,

consequentemente, prolongar a sua contribuição. Além das aplicações práticas citadas acima, este estudo evidencia que o público da pós-paternidade faz uso da internet para propósitos de pesquisa, relacionamento e compras, mas tem dificuldades de navegação quando a experiência do usuário não é simplificada. O público tende a ter mais dificuldade com sites relacionados a compras e bancos, em que a publicidade digital dificulta ainda mais a navegação. Atualmente, com recursos de filtros de usuário e combinação de anúncios com estilos de vida – identificados através de comportamentos de busca –, é possível reduzir a incidência de publicidade digital inadequada ao público.

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Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo destacar a importância do público na pós-paternidade e evidenciar algumas de suas peculiaridades, se comparados com casais na fase da paternidade. Para futuros estudos e posterior aprofundamento conduzido pela presente autora, o objetivo é utilizar este primeiro estudo para explorar as relações dos casais ninho vazio com a internet, focando na experiência de usuário. Nesse sentido, cabe salientar que, após a finalização das entrevistas, foi conduzida uma conversa informal com os filhos de alguns dos casais entrevistados. A partir disso, entende-se que essa pode ser uma forma de cruzar a experiência do casal com as percepções dos filhos, enriquecendo o material de estudo e traçando um perfil mais completo sobre a pós-paternidade.

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APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA Fase 1: Reflexão sobre percepção e experiência dos casais sobre o momento de transição e o consumo antes da saída dos filhos de casa. 1) Em que época os filhos começaram a demonstrar interesse em sair de casa ou ficar um tempo fora? 2) Como a vida dentro de casa mudou quando os filhos saíram de casa? Como se sentiram? 3) E a relação entre o casal, mudou alguma coisa? E com os filhos? 4) Qual foi o sentimento quando se viram sozinhos em casa? Existiram fases na adaptação? 5) Passaram a fazer coisas novas? Ter outros hábitos, horários? Deixaram de fazer algo? 6) Antes dos filhos saírem de casa, existia consumo individualizado? Coisas para os filhos, coisas para os pais? Fase 2: Comparação do consumo e hábitos, antes versus agora. 1) Idas ao supermercado: em comparação a antes, vão mais ou menos? Compram mais, menos, ou melhor? Provam novidades? Exemplo de novidade (qual categoria: bebida, comida, especiarias) 2) Lazer (cinema, cultura, viagens, restaurantes, gardening, hobbies filmes em casa, esportes, receber em casa) e tempo livre. Isso vocês faziam antes? Com que freqüência? E depois? 3) Quando pensam em comprar algo novo, quem propõe? Por exemplo, experimentar uma marca nova de yogurte? Comprar uma TV nova? Vocês fazem muita pesquisa, conversam com alguém? Quem? 4) Questão financeira: ficaram mais confortáveis? Teve mudanças ou investimentos que fizeram depois da saída? Qualidade de vida, como interferiu? 5) O que é felicidade hoje pra vocês? O que faz vocês se sentirem bem? 6) Prioridades: o que é prioridade na vida de vocês hoje? A que dedicam mais atenção? 7) Como se sentem hoje? 8) Sobre a internet: usam? Como? Redes sociais, email, vídeos? 9 )Fazem compras pela internet? Têm dificuldade? Alguma coisa irrita vocês? 10) Existe um vínculo financeiro com os filhos? E continuam comprando coisas pros filhos, ajudando nas despesas, apartamento? Por quê? Fase 3: Perspectivas para o futuro - (aposentadoria, planos pro futuro, expectativas) 1) Como vocês estão se sentindo com relação à perspectiva da aposentadoria? 2) Como estão programando ocupar o tempo depois de aposentados? (viagens, gastronomia, hobbies) 3) Planos pro futuro?

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