Quando o Processo Colaborativo Transborda na Estética Cinematográfica
Descrição do Produto
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
THAÍS
DE
ALMEIDA PRADO GAVA TORÁCIO
QUANDO O PROCESSO COLABORATIVO TRANSBORDA NA ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA
São Paulo 2014
THAÍS
DE
ALMEIDA PRADO GAVA TORÁCIO
QUANDO O PROCESSO COLABORATIVO TRANSBORDA NA ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA
Dissertação
apresentada
Comunicações São
Pa ulo,
obtenção
do
e
Artes
como título
da
requisito de
à
Escola
Universidade parcial
Mestr e
em
de de
para
a
Meios
e
Pr ocess os Au di ovis uai s. Área
de
Concentr ação:
Meios
e
Pr ocess os
Audiovisuais Ori en tador : Pr of. Dr. Cr is ti an da Si lva Borges
São Paulo 2014
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Torácio, Thaís de Almeida Prado Gava Quando o Processo Colaborativo Transborda na Estética Cinematográfica / Thaís de Almeida Prado Gava Torácio. -São Paulo: T. A. P. G. Torácio, 2014. 126 p.: il. + anexos, cartas e fragmentos do processo. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais - Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo. Orientador: Cristian da Silva Borges Bibliografia 1. Processo Colaborativo em Cinema 2. Redes da Criação 3. Esboços e Rascunhos na Criação 4. Literatura como inspiração para filme 5. Gilberto Mendes; Hilda Hilst I. Borges, Cristian da Silva II. Título. CDD 21.ed. - 791.43
FOLHA DE APROVAÇÃO
THAÍS DE ALMEIDA PRADO GAVA TORÁCIO QUANDO
O
PROCESSO
COLABORATIVO
TRANSBORDA
NA
ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA
Dissertação
apresentada
Comunicações São
Pa ulo,
obtenção
e
Artes
como
do
título
da
requisito de
à
Escola
Universidade parcial
Mestr e
em
de de
para
a
Meios
e
Pr ocess os Au di ovis uai s. Área
de
Concentr ação:
Meios
e
Pr ocess os
Audiovisuais Ori en tador : Pr of. Dr. Cr is ti an da Si lva Borges
APROV ADA
EM:
BANCA
EXAMINADORA
P R O F . D R . : ________________________________________ I N S T I T U I Ç Ã O : _______________________________________ A S S I N A T U R A : _______________________________________ P R O F . D R . : ________________________________________ I N S T I T U I Ç Ã O : _______________________________________ A S S I N A T U R A : _______________________________________ P R O F . D R . : ________________________________________ I N S T I T U I Ç Ã O : _______________________________________ A S S I N A T U R A : _______________________________________
Dessignificando Vou derretendo os compassos Que criei. Desapagando linhas: Círculos Que à minha volta desenhei E onde vivi Distorcido e fremente Frente à ruivez da vida. H.Hilst
AGRADECIMENTOS Gostaria de agradece r ao Prof . Dr. Cristian Borges por sua abertura em me deixa r f luir nas a venturas e nos riscos dos processos criativos. AOS AMIGOS Agradeço à F l á v i a C o u t o por me acolhe r e por ter sido a primeira atriz, a qual me escolheu como diretora, onde o cola borativo foi possíve l. Agradeço por sua crença e m mim. À P a l o m a O l i v e i r a e à N a t h a l i a L o r d a por estarem sempre a o meu lado nos momentos de ascensão e quedas, ainda que eu não pu le de “pára -quedas”... (ainda...) na vida e na a rte e por me servire m de inspiraçã o e incentivo criativo. À S e b a s t i a n M e z por me in stigar a trazer de volta o prazer vital em criar e me recriar. À R u d á K . A n d r a d e pelas infinitas pa rce rias, acolhida s e longas conve rsas sobre o sacy, o mato, a a rte , a vida À R u b e n s R e w a l d por ser uma influência e por me desorientar sempre que pode rumo ao oriente. À D a n i e l M o r a F u e n t e s , por abraçar a barca para “o nã o se sa ber onde”. Aos meus p a i s e meus i r m ã o s por serem meus companheiros e por sempre me darem base para continuar, sempre . Agradeço à G i l b e r t o M e n d e s por seu s bra ços a bertos e pelo g rande aprendizado que tenho tido. À H i l d a H i l s t por sa be-se lá o que de tantas coisas. As moças-artistas de N owhere pe la sua entrega. AGRADEÇO
À
Cecília Alme ida Salles por a brir as portas às suas aulas e à um novo horizonte de pesquisa em a rte e processo. Jean-Claude Be rnardet pe lo “chacoa lha r” nos últimos minutos do segundo tempo. Patr ícia Mora n e Pedr o Mac iel pelos c on selhos dur an te a banca de qualificação. Cristiano Bur lan, Ana Carolina Mar inho, Henrique Zanoni e equipe pela gener osidade em me deixar acompanhar as filmagens de Hamlet.
QUANDO
O
PROCESSO
COLABORATIVO TRANSBORDA
NA
ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA RESUMO
O
pre sente
projeto
visa
a
contribuir
com
os
estudos n o campo da reflexã o e stética e principalmente da
gênese
da
cria ção
destacando
possíveis
produçã o
cinema
de
do
fazer
dinâmicas
do
Brasil,
cinematog ráfico, cola borativas
através
da
análise
na de
dois filmes (Ex-Isto e Desassossego) e do relato de dois proce ssos
criativos
Nowhere),
com
o
(Com intuito
Meus de
Olhos
identificar
de
Cão
e
estratégia s,
viabilizar, ampliar e siste matiza r o conceito de cria ção em
colabora ção,
atentando
para
o
pape l
do
ator,
do
montador e dos próprios diretores como co-autores na produçã o contemporânea do cinema.
QUANDO
O
PROCESSO
COLABORATIVO TRANSBORDA
NA
ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA ABSTRACT The project intends to study the aesthetic implications conce rning
a
spe cific
type
of
contemporary
film
production in Brazil, by analyzin g the creative proce ss of two recent fictional films: Ex-Isto and Desassosseg o and by the re porting proce ss of two other movies unde r construction : Com Meus Olhos de Cão and Nowhere. It’s main aim is to identify their artistic strategies, through a systematization of the conce pt of ‘creation’ a s applied to
these
films,
f ocu sing
on
the
ways
the
actor,
the
editor and the filmmake rs can colla borate as co-authors within their production.
SUMÁRIO UMA INTRODUÇÃO? C O L A B O R A T I V O O U C O L E T I V O ? ------------------------------------P A R A O S P R Ó X I M O S C A P Í T U L O S ------------------------------------
1 4
1 DO
OLHAR
PARA
ESTÉTICA
TRANSBORDADA
PROCESSOS COLABORATIVOS I – DIRETOR / ATOR E X - I S T O -----------------------------------------------------------
6
PROCESSOS COLABORATIVOS II – ENTRE DIRETORES DESASSOSSEGO
–
O
FILME
DAS
MARAVILHAS
----- 19
2 DO OLHAR
PARA
O
PROCESSO
COMO
ESTÉTICA
O processo c omo um re sq uício do pe rc urso das inte rfe rê ncias e das contam inações de um artista ------------------------------ 36
PROCESSOS COLABORATIVOS I – DIRETOR / ATOR COM MEUS OLHOS
DE
C Ã O ------------------------------- 37
D a G ê n e s i s – B a l a d a d e H i l l é -----------------------------S o b r e H i l l é ------------------------------------------------------G i l b e r t o M e n d e s c o m s e u s o l h o s d e C ã o --------------P r o p o s t a s p a r a u m f i l m e – p r i m e i r a s t e n t a t i v a s ----A p r i m e i r a V i s i t a à v e l h a s e n h o r a , M a d a m e H i l l é --A Primeira Visita ao velho senhor – Gilberto, Amós? D o s p r e p a r a t i v o s ---------------------------------------------T r o v a s a u m i l u s t r e s e n h o r -------------------------------E n q u a n t o S a n t o s n ã o v e m ----------------------------------R e t o r n o à S a n t o s ----------------------------------------------
38 40 56 64 70 73 77 88 97 99
PROCESSOS COLABORATIVOS II – ENTRE DIRETORES N O W H E R E -------------------------------------------------------- 110 S o b r e a p r o p o s t a d o f i l m e --------------------------------D a s t e m á t i c a s -------------------------------------------------U m a l e v e o b s e r v a ç ã o ---------------------------------------C o n t r a - p r o p o s t a s ---------------------------------------------A l g u m a s d e l o n g a s a n t e s d o f i m --------------------------
110 111 113 114 129
C O M F I M S E M F I M ------------------------------------------ 131 B i b l i o g r a f i a ------------------------------------------- 133 A n e x o s ------------------------------------------------- 137
1
UMA INTRODUÇÃO? COLABORATIVO
Há
mais
COLETIVO?
OU
de
10
anos
ven ho
tra balhando
com
proce ssos de criação cola borativos e coletivos. Comecei a ter contato com estes tipos de processo no teatro e com
o
tempo
dança,
fui
aderindo
em
traba lhos
audiovisual,
chegando
documentá rio
e
pesquisa
me strado
no
agora
à
de
cola boraçã o
criativa
performance,
ao da
cinema
ficção.
veio
pe la
instala ção
atravé s
A
na
proposta
necessidade
do desta
de
se
discutir e compreender um proce sso de criaçã o onde a colabora ção entre os artistas é a chave-me stra dentro da criação de uma ficção cinema tográfica. É
importante
escla recer
que
há
diferenças
entre
traba lhos colaborativos e tra balhos coletivos. Traba lhos colaborativos ator,
pressu põe m
dramatu rgo
etc.),
funções
então
definidas
durante
o
(diretor,
processo
de
cria ção os atore s trazem cenas, textos, anse ios pessoais e estes materiais vão sendo lapidados textualmente pelo dramaturg o
e
cenicamente
pelo
diretor.
Se
pensa rmos
em termos de cinema , se ria a lgo como o que aconte ce no momento da montagem, quando diretor e montador lapida m filmado,
o
mate ria l ou
que
quando
foi
trazido
o
material
pe los
atores
proveniente
e/ou de
improvisações é reescrito e orga nizado por u m roteirista e depois filmado já com u m rote iro ela borado.
2
Tanto materia l diretor
é e
no
teatro
como
construído vice -ve rsa ,
pe los
no
cinema
atores
havendo
cola borativo,
juntamente
discu ssões
com
sobre
o o a
estética e a temática, entre outros, ma s se rá lapidado. No teatro, muitas vezes aconte ce de uma cena trazida ser descartada, ou então de uma cena proposta por um ator, pa ssa r pa ra as mãos de ou tro. Antonio Araújo, e m seu texto sobre o proce sso colaborativo do Teatro da Vertigem,
explica
a
transição
de
seu
trabalho
a
um
esquema mais colaborativo: Não bastava, p or tanto, ser mos apenas artista s-ex ec u tores ou ar tistas -pr opositores de mater ial cênico bruto. Dever ía mos assumir também o papel de artistaspensadores, tanto dos caminhos metodológicos quanto do sentido ger al do espetáculo. Em ter mos convencionais, o dramaturgo e o encenador são “aqueles que pensam”, enquanto os ator es são “aqueles que fazem”. O conceito da obr a parece, nesse caso, ser um atributo da dr amatur gia ou da direção, cabendo aos atores, quando muito, ar ticular em uma visão geral de suas personagens. Este “ator -lin ha de mon tagem”, que poucas vezes ou nunca se relaciona com o discurso ar tístico global, escravo da “par te” e alienado do “todo”, p ar ecia não fazer par te do nosso coletivo de trabalho nem de nossos p os s ívei s interesses de parceria. Pois, se dramaturgo e diretor necessitam sempre transitar do fragmento ao todo e do todo ao fr agmento, por que seria difer ente com os ator es?”1
Em
proce ssos
colaborativos,
a
direção
não
se
Araújo, António. “O Processo Colaborativo no Teatro da Vertigem”. In: Revista Sala Preta, v. 6, n. 1, 2006, p. 128, disponível em: http://www.revistasalapreta.com.br/index.php/salapreta/article/view/174 1
3
encontra
mais
conven cionais,
desven cilhada como
ocorre
de
nos
seus
atributos
processos
coletivos,
nos quais, e m um projeto sem diretor, cada artista traz sua
proposta,
que
ficará
seja
no
cênica
produto
ou
fí lmica,
final
cabe
e
a
a
decisão
todos,
ou
do pe lo
menos à maioria, como é o caso dos traba lhos do Bija ri e da Casa da Lapa , entre outros. Como experiên cia pe ssoal, posso cita r os exemplos d a C o m p a n h i a A u t o - R e t r a t o 2, o n d e h á u m a d i n â m i c a d e cria ção
cola borativa,
e
todo
o
materia l
proposto
pelo
grupo passa pe la filtragem do diretor juntamente com o dramaturg o. propostas
No
caso
a rtística s
do era m
Coletivo
C o r r o s i v o 3,
discutidas
por
todas
todos
e
as a
decisã o cabia ao conjunto, o re sultado final sendo em geral
artisticamente
linguagem artes
originária
plá sticas,
hí brido, dos
vídeo,
pela
próprios
performa nce,
dive rsidade artistas som).
de
(incluindo Aliás,
alg o
muito re corrente e m traba lhos coletivos é o fato de os artistas
virem
de
dife rentes
áreas
artí sticas
e
cola borativo
do
produzirem tra balhos híbridos. Será
importante
diferen ciarmos
o
coletivo, porque aqui tratarei de traba lhos colaborativos, seja entre dire tores ou entre ator e diretor. Assim, os filmes e as dinâ mica s que abordo aqui pa rtem de uma
A Companhia Auto-Retrato existe desde 2000 e propõe trabalhos no âmbito do teatro e da dança. Recentemente, passou a englobar a pesquisa de intervenção urbana abrindo ainda mais suas fronteiras artísticas. www.companhiaautoretrato.com.br 3 O Coletivo Corrosivo surgiu em 2008 com a união de artistas de várias áreas que buscavam um projeto em comum e propunham pesquisar o terreno híbrido em que as artes se encontram. O primeiro trabalho ocorreu na residência artística da Casa das Caldeiras e envolvia artes plásticas, vídeo, performance e som. www.corrosivo-coletivo.blogspot.com.br 2
4
relaçã o cola borativa e têm uma costura final que fica a cargo dos diretor(es) gerais/ montador(es), o que não tira o mé rito dos atores e dos outros realizadores como co-criadores.
Suas
propostas
iniciais
estão
lá ,
registradas, porém a orde m e o rumo que elas toma m fica a ca rgo da direçã o final.
PARA
OS
PRÓXIMOS
Falar
de
acompanhado bastante desta
CAPÍTULOS
um a
difícil
proce sso
fase e
disse rtaçã o,
cola borativo
embrionária
controve rso.
e No
busca rei,
seu
sem
prog resso
prime iro
através
ter
de
é
ca pítulo resquí cios
estéticos captados no próprio filme, a lguma pista para compreender a criaçã o em colaboraçã o. Analisare i dois filmes,
com
o
auxí lio
de
conve rsas
informais
com
os
respectivos diretores, abordando em um de les (Ex-Isto) a relaçã o
entre
ator,
diretor
e
lite ratura,
e
no
outro
(Desassossego, o filme das ma ra vilhas) , a rela ção entre diferentes diretore s e a noçã o de filme -re sposta. No segundo ca pítulo, criando u m contraponto entre a análise estética e a análise processual, re latarei parte da cria ção de dua s obras colaborativas construídas de modo
bastante
Desassossego,
distinto pa ra
e
que
que
dialogam
assim
seja
com
Ex-Isto e
possíve l
expor
algumas dinâmicas de tra balho que come çam antes de se entrar no set de filmagem, e vão se transformando pouco
a
pouco.
Apresentare i
então,
no
segundo
capítulo, deta lhamentos criativos e cola borativos de dois
5
traba lhos
ainda
em
prog resso.
Sã o
e les:
Com
Meus
Olhos de Cão (a rela ção entre a tor, diretor e litera tura) e
Nowhere
(a
filme-resposta) .
re laçã o
entre
diretores,
e
a
ideia
de
1 DO
OLHAR
PARA
ESTÉTICA
TRANSBORDADA
6
1 PROCESSOS COLABORATIVOS I – DIRETOR / ATOR EX-ISTO criação
ou da
Como
quando
o
ator
é
parte
essencial
na
obra.
trata r
de
processo
de
criação
cola borativo
entre diretor e atores de um filme já finalizado, sem te r pre senciado
a
sua
gênese
e
sem
ter
tido
acesso
as
anotaçõe s, rascunhos, storyboards, ensaios, conversas e filmagens? Como encontrar pista s desta cola boraçã o na própria imagem fí lmica? O
que
“experiên cia”
vem em
primeiro si,
ou
à
a
mente
é
tentativa
de
o
registro
se
da
registrar
o
instante em que a expe riência transparece aos olhos de um espe ctador, seja numa improvisação entre os atores, seja num ato solo mais perf ormático para câmera , e aí então tentar de smembrar e que
a
narrativa
ganhado
forma
fílmica a
partir
compreender momentos em
pré-e la borada, deste
registro,
ou
não,
isto
tenha
é,
sendo
aderida na montagem. No artísticas,
cinema, o
assim
processo
como
criativo
em
outras
acontece
em
formas
diferentes
âmbitos, é mais usua l que pa rta de um roteiro fe chado, como também o fora em outros tempos no teatro (hoje é
muito
usual
que
atores
e
diretores
junto
com
dramaturg o, criem uma peça conj untamente). Porém,
para
alguns
cineastas
que
vêm
de
uma
forma ção teatra l deste gênero, o exercí cio de tra balhar colaborativamente já faz pa rte de seu método criativo.
7
Quando passa m a
fazer cinema,
acabam transportando
isso para a criaçã o cinematográfica. Mesmo não sendo um pr ocedimento p adr ão na atividade audiovisual, a ideia de processo começa a contaminar a prática cinematogr áfica, principalmente se feito num per íodo anterior à filmagem, como o realizado p or Mik e Leigh. Cada vez mais roteiristas e diretor es trabalham com a noção de processo colabor ativo na 4 construção de suas obras.
Hoje, Dresen, Gomes,
vemos
Richard Kiko
diretore s
como
Linklater,
Cao
Goifman ,
Ta ciano
Mike
Leigh,
Guimarães, Valério,
Andreas Ma rce lo
entre
outros,
buscando no encontro com seus atores o foco para a cria ção
do
filme .
Mas
obviame nte
esse
movimento
já
acontecia desde as décadas de 60/70, com Cassavetes, Rivette,
Godard,
Bressane,
Sganzerla
o
qual
cita
a
importância do ator em seu texto “Pape l do Ator”: (...) e toda moderna mise-en -scène fundamenta-se no ator, único conteúdo possível: o homem e suas aventuras vitais. Ou melhor , ainda, o conteúdo é o pr ópr io ator , sua presença diante da câmera 5 (Godard).
Outro recorrência
motivo de
que
traba lhos
também
pode
ser
colaborativos
no
aplicado cinema
é
à a
questão orçamentá ria. Quando se tem baixo orça mento, ou
orçamento
nenhum
o
diretor
passa
a
busca r
Rewald, Rubens. “Caos/Dramaturgia”. Editora Perspectiva; FAPESP. São Paulo, 2005. Op. cit., p. xi. 5 Sganzerla, Rogerio. “O Papel do Ator” (1981), in Por um Cinema sem Limite. Rio de Janeiro: Azougue. 2001, p. 59. 4
8
parceiros que se afeiçoem com a idéia do filme e se proponham a pensar e cria r estra tégias juntos. * * *
“Ex-Isto”
(2010),
é
um
filme
que
parte
de
uma
obra lite rária , “Catatau”, de um poeta ba stante polêmico Paulo Leminski. Ele é realizado por Cao Guimarãe s, um cineasta que é mais conhecido por seus tra balhos em documentá rio e vide oarte , e por João Miguel, um ator que veio do teatro e do tra balho de palhaço ( onde a relaçã o com a arte da presença é o ponto cru cial) e que foi praticamente “a bduzido” pelo cinema n o Bra sil de uns tempos para cá. O
filme
surgiu
de
um
convite
do
Instituto
Itaú
Cultura l, que con vidou alguns cineastas pa ra retrata rem de
maneiras be m pa rticu lare s figuras de
vários nichos
da cultu ra bra sileira pa ra o proj eto ICONOclássicos. Em entrevista
à
Marcelo
Miranda,
Cao
Guima rães
explica :
“Eu avisei que não sei fazer biografia, e eles disseram q u e b u s c a v a m m e s m o u m o l h a r p o é t i c o s o b r e o a r t i s t a ” 6. Para
a
e laboração
do
filme
Cao
leu
tudo
de
Leminski e claro “Catatau”, lança do em 1975 e definido pelo
curitibano
Guimarães,
como
comenta
em
“prosa dive rsa s
experimenta l”.
Cao
entrevista s
pré-
de
lançamento do filme que antes de começa r as gravações de “Ex-Isto”, ele reuniu sua equipe (de se is integrantes)
Miranda, Marcelo. “Cao Guimarães”, in O Tempo, 29.01.2010. http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/cao-guimar%C3%A3es-e-marcelo-gomesterminam-filmagem-1.253062. Acessado em 28/09/2013. 6
9
para
se
de bru çar
transformando colaborativo.
o
sobre
a
traba lho
Duas
obra em
semanas
completa um
de
proce sso
antes das
Leminski, altamente
filmagens ele
e
João Miguel se isola ram num sítio, e passa ram todo o tempo “devorando” o Catatau - um livro que propõe um “jorro” de pa lavras, um f luxo de texto intermináve l com pouca s
pausa s
Desca rtes,
pa ra
pa ra
personagem
a
que
respira çã o João
Desca rtes,
-
se
mas
e
textos
apropriasse
sim
do
de
René
não
da
unive rso
que
Guimarães queria aborda r. Nesse livr o, o Leminsk i imagina (o filósofo) René Descartes vindo aos tr óp icos, na ép oca da invasão holandesa do Ma u ríc i o de Nassau. É um livro que tem o Descartes aparecendo com uma luneta e um cigarro de maconha na mão, sentado embaixo de uma árvor e e enlouquecendo a mente car tesiana d e l e 7.
Todo o texto que apare ce no filme é retirado do livro
-
exceto
no
início
quando
aparecem
trechos
da
obra de De sca rtes – e Ca o se utilizou de informa çõe s sobre Miguel,
a
vida e
de
Desca rtes,
mesclou
estes
além
do
elementos
olha r a
de
cenários
João da
atualidade, dissolvendo as estruturas te mporais.
...esta lente me veda vendo me vela me venda me desvenda me r evela (...) ver é uma fábula (...) é par a não ver que estou vendo.”8
Ibid. Texto contido no filme Ex-Isto, retirado de um fragmento do livro Catatau, de Paulo Leminski. 7 8
10
9
Cao Guima rães veio das arte s plásticas, chegando ao
cinema
através
videoarte
da
e
de
filme s
considerados documentários pela crítica. Reflexo disto, é que ele não costuma ter um roteiro fechado antes da s filmagens. com
um
outros
Em
“Ex-Isto”
ator
ele
trabalha
profissional,
“atore s”,
como
os
poré m
pe la
não
andarilhos
e
prime ira
diferencia o
vez seus
ere mita
(de
seus filmes documentários), do a tor Joã o Migue l. Todos de uma certa maneira estão representando a si mesmos, todos são “filósofos” dentro de seus filmes, seja em o “Andarilho”, em “A Alma do Osso” ou em “Ex-Isto”. Essa discussão entre ator/não-a tor não faz muito sentido na obra de Cao Guima rães, já que para ele a diferenciaçã o
entre
desinteressante,
aspecto
real
do
o
documen tário
cineasta
ficcional?
indaga:
(...)
é
e “como
difícil
ficção
definir
é
o
quantificar
quanto há de ficção e quanto há de documentário em 9
Frame do filme Ex-Isto referente ao texto acima citado.
11
meus filmes. É tudo cinema.” João
Miguel
começou
aos
n ove
anos
fazendo
um
programa de entrevistas na tele visã o, e em seguida se voltou ao tra balho de palhaço, que ele considera base de
sua
formaçã o. N o teatro
sua
penúltima
expe riência
traz u m ele mento especia l, a pe ça “O Bispo”, um solo criado obra
pe lo do
próprio
artista
ator
Bispo
a
partir
do
das
Rosário,
história s
nas
e
quais
da
João
mergulhou durante bastante te mpo antes da estréia pa ra se
contaminar
deste
duas versões: como
uma
vezes em
lugares e
João
“pre sentifica r”
A
pe ça
como espetá culo
perf ormance
espectadores relaçã o.
uma
unive rso.
fora
do
públicos, onde
modificava Miguel, suas
no
suas
e
a
feita
interagia
muitas com os
a
partir
tem
a
pre steza
de
em
outra
ações
teatro,
pe rsonagens,
criada
teatra l e
palco ele
f oi
humanizá-las
desta de sem
deixar o ator João desa pare cer. Isso se reflete em seus traba lhos n o cinema, mas é e m Ex-Isto que ve mos João Miguel pa ra a lém de René Descartes. Em Ex-Isto, percebemos o ator João Miguel de uma maneira distinta dos atores do cinema clá ssico. Saí mos da narrativa clá ssica e psicológ ica de um Descarte s e vemos um ator/ um perf ormer. “(...) o pe rformer é seu
próprio signo; ele não é signo de alguma outra coisa, m e s m o q u e o p o s s a s e r e m u m p l a n o s e c u n d á r i o . ” 10 E l e é
um
filósofo,
é
o
próprio
João
Miguel
jogando
com
elementos de René Desca rtes, Paulo Lemin ski e o livro
10
Glusberg, Jorge. A Arte da Performance. Ed. Perspectiva. São Paulo pag 73
12
Catatau. Ca rlos Alberto Mattos, em uma artigo pa ra a revista Filme Cultura, re lata a lgumas expe riências onde a perf ormance transpa rece no filme: Tanta r arefação de intenções e resultados pretende, de alguma maneira, apagar os limites entr e arte e vida, incorp or ando elementos de uma a outra – algo aliás muito caro a performance ar t. Estamos então no terreno da teatralização da vida e da distensão da arte p ara fora dos limites da economia narr ativa. A p erfor mance se apr oxima do ritual, em que o temp o é aquele que a cerimônia requer, não o que lhe seria imp osto p or outr as raz ões. (...) Nos rituais da p er for mance, a confusão entr e ator es e per sonagens é uma constante. Isso esta na raiz das experimentações de vários f i l m e s . 11
No filme, Joã o me rgulha no livro Catatau, ao lado de Cao Guimarãe s, e a pesar de sua experiência com a improvisação
ele
re lata
que
ficou
apreensivo
ao
fazer
seu prime iro longa sem um roteiro. Nunc a estamos c onfor táveis, há sempr e o risco. Como o galho de uma ár vore, sobre o qual estou sentado, se quebrar durante a p o r o r o c a 12.
Não
interessa
a
Cao,
no
filme
Ex-Isto,
uma
ficcionalização dra matizada do livro, e sim uma fricçã o entre diretor, ator, autor/o Catatau.
Mattos, Carlos Alberto. Ecos das chanchadas e dos marginais na teatralização dos novos cotidianos. In: Revista Filme-Cultura, nº56, Junho de 2012. www.filmecultura.org.br_edicoes_56_pdfs_edicao56_completa.pdf 12 João Miguel em entrevista ao CineEsquemaNovo. (http://cineesquemanovo.wordpress.com/2011/04/27/segundo-dia-da-mostra-de-longas-ex-isto) 11
13
A ficção é p or natureza um documentário: ontologicamente a câmer a sempr e filma a realidade que se passa diante dela. No caso de um trabalho dito ficcional, está sendo documentado todo aquele processo que e n v o l v e a t o r e s , r o t e i r i s t a s e t é c n i c o s . 13
A idéia não é en volve r o pú blico com uma história, mas
deixar
universo
as
que
imagens
Paulo
e
textos
Leminski
permearem
propõe .
Cao
este
Guima rães
comenta sobre a insegurança de J.Miguel no inicio das filmagens: “Ele me dizia : 'como vou fazer, nunca fiz um
filme se m roteiros' . E eu respon di: 'Você é um filósofo. P e n s e . ' E d e u c e r t o . ” 14 O
jogo
atemporal
criado
por
Cao,
ao
trazer
Desca rtes pa ra o sé culo XXI fica evidente quando vemos o
próprio
Estas
“Descarte s”
imagens
espectador.
urbana,
causam
Ocorre
vemos
época,
em
muitas
vezes
meio com
a
uma
uma
a li
João
Desca rtes/Joã o
em
que
e spécie
está
pessoas um
e stranheza
uma
que
olhar
observa
feira-livre
de com
que
roupas o
estranheza . de
ao
inte rvençã o
com
olha r
Recife.
saborosa
de
vestido
comuns
em
de
obse rvam Ou
então,
de scobe rta
os a limentos do “N ovo Mundo”, os objetos, as pessoa s que dançam no meio da pra ça pública.
Idem Cao Guimarães em entrevista ao CineEsquemaNovo CineEsquemaNovo http://cineesquemanovo.wordpress.com/2011/04/27/segundo-dia-da-mostra-de-longas-ex-isto. Acessado em 30/09/2013 13 14
14
15
Perce bemos Desca rtes/Joã o bra sile iro
também que
sozin ho
na
a
“Ba hianidade”
dança
com
pra ça,
ou
um em
gingado
dupla
num
deste be m forró
“arretado”. Neste jogo ve mos “um João Miguel” que se deixa leva r pela rela ção e que nos reve la um “cinema do pre sente”, onde os ator es fazem seu pr óprio pap el, e são obr igados a interpr etar em a si mesmos. Elimin a -se o p ersona gem, sub siste o a tor – muitas vezes consciente de que está 16 representando .
Isto
ocorre
descon certado
quando,
pela
reaçã o
por de
exemplo, uma
das
o
ator
pessoas
sorri que
interagem com ele. “De scortina-se” o humano atra vés do que se poderia con sidera r um “erro” de atuação, pois ele talve z tenha “perdido a pe rsonagem”, porém, é esta atitude de fragilidade que nos a proxima de le e do filme. Frames do filme Ex-Isto. Sganzerla, Rogério. “Cinema Impuro?”, in Textos Críticos vol. 1. Florianópolis: Ed. UFSC/ Itaú Cultural, 2010, Op. cit., p. 60 15 16
15
Ele não perdeu Descarte s, porque ele é Descartes, um ator em vias de cria r a própria filosofia . Essas cenas de um cotidiano “estranhoso” com a pre sença
de
um
homem/pe rsonagem
são
mescladas
à
imagens bastante estilizadas, muito próximas a pintu ras. Aqui, a
re laçã o humano e
natu reza
minera l,
vegetal e
animal estão em um me smo níve l.
17
No
filme
há
também
uma
presença
forte
de
imagens aparentemente estáticas contraposta s à imagens de muito movimento e efemerida de que perdem o f oco da câme ra e o retomam, todas e las permeadas e m gera l pela voz e m off de João Miguel/Paulo Lemin ski ou de Desca rtes/Catatau,
que
não
narra
necessariamente
o
que se vê. A fala é como um fluxo de pensamento que acontece
separado
da
imagem,
esta
é
por
sua
vez
também um f luxo de movimento imagético. Leminski 17
Frame do filme Ex-Isto.
é
o
próprio
filme
atravé s
destes
16
encontros,
muito
mais
do
que
se
f osse
uma
simples
adaptação do livro Catatau , porq ue Leminski também se apropriava de outras literatu ras para criar sua obra, e le
inte rtextualidades.
cria va
O
espírito
criativo
de
Paulo
Leminski permeia o filme, friccion ado ao espí rito criativo de Cao, João e toda equipe de f ilmagem.
18
João
são
muitos
neste
filme
–
Ex-Isto
-
e
a
pre sença de Ca o Guimarães é visíve l a todo momento, tanto nos momentos mais herméticos, que são bastante caracte rísticos onde
a
de
criação
seu
do
cinema,
ator
é
quanto
também
nos
momentos
contaminada
pelo
espaço em que ele se insere, quando por exemplo, Joã o está
solto
no
espaço
expe rimentando
reações
em
relaçã o a um cenário re ple to de gente ou a um lugar vazio, como o barco perdido no rio, ou quando ele está deitado na a reia da praia. Você deixa de ser ator, dir etor, para ser um cor p o só, algo ali vir a outr a c oisa. Eu fiquei moído dep ois das filmagen s, mas estava v i v o 19.
Frames do filme Ex-Isto João Miguel em entrevista ao CineEsquemaNovo http://cineesquemanovo.wordpress.com/2011/04/27/segundo-dia-da-mostra-de-longas-ex-isto. Acessado em 30/09/2013. 18 19
17
20
Ex-Isto,
Em questões
nós
existenciais
relações
que
se
não de
nos
aprofundamos
Descartes,
esta bele cem
e ntre
mas
João
nas
sim
nas
Miguel,
Cao
Guimarães, Pau lo Le minski e o próprio Descartes; além das re laçõe s entre corpo e obj eto. Nã o há hiera rquias entre homem e “coisa”. Como a pre sença de João é o filme, muito do que se vê a li pós montagem é mutuo de J.Miguel e Cao. A montagem
recria
imagem de verá
e
escolhe
tomar,
porém
as
sequencias
a
todo
que
momento
cada
em
Ex-
Isto conseguimos nos enve redar por esta presentificaçã o de Descarte s/Leminski atra vés de Joã o/ Cao. A poe sia do filme são estas con stantes fragilidades de uma câmera que se perde, de João Migue l que se percebe que
o
vegetal,
20
jogando observa animal,
Frame do filme Ex-Isto
com
Desca rtes,
esquisito mineral.
e
das
Estas
de
a lgum
imagens pequenas
transeunte
de
natureza
casualidades,
18
refletem o processo criativo e cola borativo dos a rtistas envolvidos n o filme. O processo transborda na obra e a contamina que
e
monta
contamina suas
também
referência s
experiências.
21
21
Frame do filme Ex-Isto – Descartes chega à Recife.
o público que a
pa rtir
de
a
vê
e
suas
19
PROCESSOS COLABORATIVOS II – ENTRE DIRETORES DESASSOSSEGO
Em
–
diversas
O
FILME
ocasiões
DAS
MARAVILHAS
da
história
do
cinema,
cineastas se uniram para dirigir o roteiro um do outro ou então pa ra produzirem filme s em episódios – longa metragem
composto
comu m.
Na
maioria
dirigido
por
um
de
cu rta s
dos
com
casos,
cineasta
e
uma
cada
não
temática
episódio
tinha
uma
era
g rande
relaçã o com o e pisódio ante rior ou o seguinte, a não ser
pe la
temática
escolhida.
Nessa
linha ,
há
os
exemplos italian os: O Amor na Cidade (L'Amore in Città, 1953),
com
seis
e pisódios
sobre
cotidianos
amorosos
em Roma, dirigidos por Michelan gelo Antonioni, Federico Fellini,
Ca rlo
Francesco
Ma selli;
(Ro.Go.Pa.G, dirigidos
Lizzani, e
1963),
Albe rto
Lattuada,
Rogopag
reunindo
-
Re lações
qu atro
por R obe rto Rosse llini,
Dino
cu rtas
Risi,
Humanas metragens
Jean-Luc Godard, Pier
Paolo Pasolini, Ugo Gregoretti. Há também filme s que tentam quebrar com a ideia de episódio ou então ao menos tentam criar um diá log o entre
um curta
dirigido
e
Wenders,
e
outro, é
produzido Mira
por
Nair, Gael
o caso do filme vá rios
García
cineastas,
8 (2008), como Wim
Berna l, Jane
Campion ,
Gus Van Sant, entre outros, sobre os Oito Objetivos do Milênio
fixados
qualidade
de
pela
vida
da
ONU
em
2000,
popu laçã o
para
mundia l.
me lhora r Neste
a
filme,
cada cineasta apresenta de uma maneira episódica uma
20
história
que
corre sponde
a
um
destes
objetivos.
O
último episódio no entanto, dirigido por Wim Wende rs, retoma
os
fragmentos
metalinguística
sa la
anteriores
de
edição
atravé s
de
uma
da
rede
de
televisão, onde os micro-cu rtas estariam sendo editados para
torna rem
filme
a
parte
tentativa
através
do
olha r
desvencilha r
da
de
de
uma
diá log o
de
mesma ou
Wenders
rela ção
narrativa.
Neste
“amalgamento”
surge
que
parece
espsódica
tentar
que
o
se
filme
estabe lece. A em
co-dire ção
termos
Jean-Luc
de
é
outra
cola boraçã o
Godard
e
re lação no
bastante
cinema,
Jean-Pierre
recorrente
lembre mos
Gorin,
ou
o
de
próprio
Godard com a Anne-Marie Miéville, Jean-Marie Straub e Danièle Huille t, Helvécio Marins Jr e Clarissa Ca mpolina, Rubens Felipe
Rewald
e
Rossana
Bragança , os
irmãos
Foglia,
Marina
Joel
Ethan
e
Meliande
e
Cohen, Jean-
Pierre e Luc Dardenne, Rica rdo e Luis Pretti e etc. Em alguns fica
destes
casos,
a
pa rce ria
é
tão
duradoura
difícil imaginar um dos cineastas filmando
que
sem o
outro. Por
outro
lado,
cinematog ráficos
houve
ma rcados
e
há
pela
diversos
movimentos
coletividade
e
por
colabora çõe s entre cineastas, como o Kinoks (Conse lho dos Três de Ve rtov, Kaufman e Svilova), Eis p orque, sem esp erar que os Kin ok s comec em a trabalhar deix an do de lado seu próprio desejo de r ealizar seus própr ios projetos , o C ons elho d os Três a bre mã o,
21
momentaneamente, do direito do autor e resolve publicar imediatamente, por inter médio dos jornais e par a uso geral, os princ íp i os e a s pa la vr as de or dem des ta f u t u r a r e v o l u ç ã o . 22
a
Nouvelle
Cinema
Vague,
Marginal,
o a
Free
Cinema,
Be lair,
o
o
Cinema
grupo
Novo,
Dziga
o
Vertov
(Godard/ Gorin). Hoje , no Bra sil, pode mos citar a Te ia, a Alumbramento, a Casa da Lapa, o projeto Sônia Silk, entre
outros gru pos ou
como uma produçã o
resposta ou
dos
para
coletivos muitas veze s criados contornar as dificuldades
simu lacros
estéticos
criados
da
como
base da linguagem: Grup os e coletivos substituem as p rodutoras hierarquizadas, com p ouca ou nenhuma sep aração entr e os que pensam e os que executam. O que temos visto nos filmes reflete novas or ganizações de tr abalho já distantes do modelo industrial. Filmes realizados p or 4 diretor es, como é o caso dos dois últimos longas r ealizados p or Guto Parente, Pedr o Di ógen es , Ric ar do e Luiz Pr etti (Es tra da Par a Ythac a e Os Mon str os ). Filmes realizados com um dir etor e mais 3 diretor es na equip e técnica, como é o caso de O céu sobr e os Ombr os, de Sérgio Bor ges ou de Os Residentes, de Tiago Mata Mac hado. Ou ain da, Desassossego – Filme das Maravilhas, coordenado por Felipe Br aganç a e Mar ina Meliande, e dir igido p or 14 pessoas de diversas par tes do pa ís, uma e x p e r i ê n c i a d e p r o d u ç ã o c o l a b o r a t i v a . 23
Junior, Carlos Pernisa. Vertov – O Homem e Sua Câmera. Rio de Janeiro: Ed. Mauad X, 2009, p. 32 (extratos do manifesto Kinoks, do Conselho dos Três) . 23 Migliorin, Cesar. Por um Cinema Pós-Industrial. Revista Cinética. http://outraspalavras.net/posts/por-um-cinema-pos-industrial/ acessado em 3 de julho 2014. 22
22
No ca so do filme D e s a s s o s s e g o
maravilhas, encontro
e le
entre
aba rca
dois
dive rsos
tipos
diretores
–
o
de e
filme
das
en contros:
também
a
o co-
direçã o gera l entre Marina Me lia nde e Felipe Bragança.
Desassossego
foi
um
projeto
contemplado
pe lo
edital
Rumos Cinema e Vídeo, do Itaú Cultura l 2009-2011, e é uma
espé cie
de
“uma
“carta-filme”:
carta
de
amor
e
r a i v a e s c r i t a p o r F e l i p e B r a g a n ç a e m 2 0 0 7 24” , i n s p i r a d a em um bilhete que o mesmo encontrou num armário de uma adolescente e que gerou a proposta ficcional: uma menina que escreve nas parede s do quarto algo que ela chama
de
“carta
do
desassossego”,
contendo
temas
como: amor, utopia, explosõe s e apocalipse . Bragança
e
Meliande,
idealizadore s
e
diretore s
gerais do projeto, en viara m esta carta a 12 cineasta s para
que
dirigissem
escolha
específica
admiraçã o também
que por
fragmentos destes
Felipe
e
acredita rem
fílmicos.
cin eastas
O se
Marina
tinham
que
estes
motivo deu
por
da pela
e les
se riam
e os
realizadores mais importantes n aquele momento. F oram eles:
Helvécio
Durão,
Andrea
Juliana Leonardo
Rojas,
Marins
Jr.,
Ca pella, Ivo Caetano
Levis, Gustavo
Cla rissa Lope s Gotardo,
Bragança,
Campolina, Carolina Araújo, Ma rco Raphael Ka rim
Dutra ,
Mesquita,
Ain ouz
e
os
próprios Marina Me liande e Fe lipe Bragança somando 14 diretore s). Os frag mentos fílmicos deveria m ser criados com base em alguma s diretrize s: Na abertura do Desassossego – filme das maravilhas, entre os créditos, aparece este texto explicando a proposta do filme. 24
23
1. um bilhete de uma menin a de 16 an os é encontrado em um ar mário abandonado. 2. uma car ta é escrita insp irada nesse bilhete. 3. a carta é enviada a 14 cineastas do Rio de Janeir o, São Pau lo, Mi na s Ger ais e Ceará. 4. os cineastas r esp ondem à carta com 10 fragmentos de filme. 5. esses fr agmentos são costur ados como uma c arta-filme de 55 min u tos, fa lan do de amor , utopia, exp losões e ap ocalip se. 6. o filme-c ar ta será enviado a 2010 pessoas n o Brasil e n o mun do. 7. as pessoas são convidadas a resp onder com novos fr agmentos que podem vir a f a z e r p a r t e d e u m n o v o f i l m e . 25
Depois
da
ca rta
ter
sido
postada,
cada
diretor
escolhido re spondeu com um f ra gmento de filme muito diversificado
em
termos
de
estética
e
de
desejos.
A
proposta não e ra a de fazer vários cu rtas com inicio meio e fim, mas utilizar momen tos de cada f ragmento na
composição
necessário
do
cortar
longa,
mesmo
pa rtes
do
que
para
materia l
isso
enviado
fosse pe los
outros dire tores. Durante dividiram da outros
o
proce sso
seguinte
diretores
criativo
F elipe
maneira : ele
que
e
Marina
conve rsa va
explica vam
suas
se
com os
respectivas
propostas fí lmicas, por exemplo, Marco Dutra e Juliana Rojas
mostra ram
fazer
comentários
um
roteiro
antes
de
pronto
pa ra
enviare m
o
Felipe
ler
fragmento
e já
editado com a duraçã o de 40 minutos. Outras pe ssoas
25
Cf. http://filmedesassossego.blogspot.com, acessado em 30.09.2011.
24
mandaram um mate rial bruto, como Ka rin Aïnouz, o qual enviou
via
Berlim
e
outros
um
Lope s
internet
no
Ceará .
materia l que Outros
f ragmento
Araújo,
que
ele
man daram
pré -edita do,
utilizou
havia
um
à
filmado em
uma
sinopse,
exemplo
materia l
de
de
e Ivo
negativo
vencido 16mm que ele tinha e criou uma montagem com esses fragmentos. Segundo Felipe Bragança em entrevista gra vada ao
Rumos Itaú Cultura l (contido no DVD do próprio filme), havia um diá log o entre ele e os diretores e a idéia era aceitar e rece ber a dinâmica de trabalho de cada um sem impor reg ras, modos de fazer e etc. A única regra era esta “ca rta-filme -resposta ”. F elipe e Marina também dirigiram cada um o seu f ragme nto. M. Me liande porém ficou
mais
proce sso montadora.
afastada pa ra
ter
durante um
olhar
a
primeira
parte
distanciado
do
quanto
25
Dos Fragmentos enviados:
Fragmento
1
Futu ro
–
Explode . Dire ção e roteiro de
Clarisa
Helvécio de
Campolina
Ma rins
explosões,
captadas
footage.
Um
Jr.
e
Série
imagens
de
f ound
casal
de
não
atores,
Leciane
e
Zi,
lêem
uma carta. Há dinâmica s do cine ma documenta l criando uma ficção. Enquanto a câ mera capta a pe rsonagem em um movimento simple s de escovar os ca belos, sua voz
off lê a carta sobre o futuro: “e le é bonito ou explode t u d o ? ” 26
Fragmento 2 – Ficar
Parado Cansa . Dire ção de Andrea Cappela e Carolina Durão. Criança, aniversá rio, brinquedos. O seus
bone cos
parado
cansa!
vertig inoso
de
dinossauros Em
seguida
parque
de
em e le
menino quanto
está
dive rsão.
em
brin ca fala: um
Tudo
-
Ficar
brinquedo gira.
explode.
26
com
Fragmento da carta (em anexos) de Felipe Bragança, lida no filme O Desassossego.
Tudo
26
Fragmento
3
–
Muitos
Podem
Viver
Sem
Água,
Mas
Ninguém Vive Sem Amor. Direçã o de Ivo Lopes de Araújo com
a
negativo
cola boraçã o 16mm
de
Ricardo
vencido.
Pretti.
Imagens
Filmado
com
fragmentadas.
Uma
moça olha à câme ra. Ela procura algo ou alguém. Um moço a pare ce. Outra moça . Frag mentos em tom azu lado. Imagem ofuscada pe la me mória . Um beijo.
Fragmento
4
–
Nascemos
Hoje, Quando o Céu Estava Coberto
de
Fumaça
e
Enxofre. Direçã o de Juliana Rojas Roteiro
de
Juliana
Rojas.
“eu
e
queria
Marco
ir
ao
Dutra .
sol
de
foguete, só
i s s o . T r a t a - s e d e u m p r o j e t o a u d a c i o s o ” . 27
Filmado
VHS.
em
Um
casal
re solve
ir
pa ra
o
espaço.
Usa seu pseudo-foguete, e seu capacete de motocicle ta 27
Fragmento da carta (em anexos) de Felipe Bragança, lida no filme O Desassossego.
27
para enfrentar a galáxia . Chove sorve te. Tudo explode . Eles
chegam
a
uma
nova
atmosfera
em
uma
estética
anos 80 com um final musical.
Fragmento
Fui
5
–
Nasci
Enganada.
Marina
Ca rioca,
Direçã o
de
Rio
de
Meliande.
Janeiro. Praia, pessoa s no ma r, movimento do ma r. O contempla tivo como esté tica para o movimento. A cidade vazia , a cidade pa ralisada.
Fragmento
Boxeador uma
6
O
–
tenta
Cena.
Anjo
De screve r
Direçã o
de
Caetano Gotardo, a pa rtir do poema
de
Ca rlito
Azevedo.
Dois homens lêem um poema . Um homem está à sacada de sua ca sa. O Outro lê ca rta. “Uma vez fui a Lisboa
contar mentiras. (...) é noite, te m angolanos vivendo a lí naquele
prédio
quando
é
erguidos dianteiras
da
vista e
de
entre de
frente.
uma
(...)
p e r t o . ” 28
os
joe lhos
bicicleta.
a “o
é
primeiro
no O
vida
ar outro
muito
bonita
tem
joe lhos
sustem
as
ta mbé m
rodas
tem
os
joelhos erguidos e entre os joelhos no ar, sustem as r o d a s t r a s e i r a s d e u m a b i c i c l e t a . ” 29
Ibidem. Trecho do poema de Carlito Azevedo “O Anjo boxeador tenta descrever uma cena”, inspiracão para a criação deste fragmento de Caetano Gotardo. 28 29
28
Fragmento
7
Descobrimento
do
Dire ção
e
Leonardo
Levis
O
–
Mundo.
roteiro e
de
Raphael
Mesquita. Meninos andam de bicicleta sotaque mundo
no
Rio
de
Janeiro
em
meio
ao
off
com
português das Naus. “País” dominado, o novo descoberto.
Ma pas
medievais
sobre postos
as
imagens do movimento das bicicletas pela cidade do Rio de Janeiro.
Fragmento Dire ção,
8
–
roteiro
Explosão. Gustavo
Bragança. Ca sal na praia em preto
e
branco
g ranulado.
Rememoração de imagens. A carta e stá a lí.
Fragmento
9
–
Um
Índio,
um
Robô, um Raio Laser. Direção e rote iro de Felipe Bragança . Uma menina
índia
apenas
com
sua
mochila nas costas luta na flore sta contra um robô de animação e um raio la ser. Sang ue. Luta. Sangue. Curto circuito.
“Eis
a história da mon stra -moça que vive no
fundo: ela se cha ma Moby Dick e tem a venidas como artéria s. Ah sim, sentimos cheiro da terra onde não há terra , só água! (...) Na minha a ldeia, as pedras grandes
29
cerca m
as
ruas
e
as
pessoas.
Não
deixam
a
malta
c a m i n h a r . ” 30
Fragmento
10
Festa.
Dire ção
Aïnouz
e
Aïnouz,
Be rlin
–
de
rote iro Felipe
com Karim
de
Karim
Bragança
e
Marina Meliande. Imagens do inverno de Be rlin e m fusão a o Ceará quente à dançar.
“Vou atirar u ma bomba ao de stino, comprei um cd de f a d o r u i m . O u v i u m c e a r e n s e c h o r a n d o d e a m o r . ” 31
Fragmento
Leitura Dias.
0
da
–
Brujas
Carta
Direçã o
Felipe
Las
por
/
Flora
e
roteiro
de
Bragança.
Cenas
de
entremeios, três meninas brujas, o imaginário, o onírico e o pueril, o a rmá rio. O dentro do armário. A Banheira. A
moça
Flora
lê
a
carta
de
Luisa.
Sua
voz
é
o
link
maior que perme ia todos os frag mentos. Imagem fina l: F ound footage do incêndio do M orro dos Cabritos
cedida
gentilmente
por
Tiago
Lins.
O
termina explodido, um morro peg ando fogo. * * *
30 31
Fragmento da carta (em anexos) de Felipe Bragança, lida no filme O Desassossego. Ibidem.
filme
30
Na
segunda
etapa
do
filme,
Marina
junto
com
Felipe passa m a escolher a ordem de cada fragmento: de que forma eles se relaciona m e de que forma eles recriam a sensa ção da ca rta desta adole scente e etc. * * *
uma pequena pausa para uma observação Tive
a
oportunidade
criativo
do
Dutra
Juliana
Rojas
buscando fariam
câme ras
parte
do
VHS
filme
acompanhar
Fragmento
proce sso e
de
em ou
no
4
dirigido
2009. tocando
pian o
da
de
por
Lembro as casa
perto
Ma rco
dos
músicas do
o
dois que
Marco
e
ficava imaginando o que sairia deste fragmento. Assisti ao corte final de les na sala da casa do M. Dutra junto com a equipe , atore s e amig os. Uma ficçã o científica à la anos 80 que me lembra va o se riado O
Mundo da Lua (que passava na TV Cu ltura) , o curta A Bela P, de Se rgio Silva e João Marcos de Almeida (do
31
Filme s
do
Caixote),
com
dire ito
a
tempe stade
de
sorvete , música cantada pe los atore s, espaçonave feita de papelã o e um computador defasado, pe rmeados por elementos minutos)
da e
videoarte.
tinha
uma
O
f ra gmento
cena
hilá ria
era
com
longo
Gilda
(40
Nomacci
fazendo o pa pel da chefe da Carla Kinzo, a pe rsonagem que
trabalha
numa
empresa
de
filmes
publicitá rios
e
escre ve um roteiro (cuja a sinopse é uma “meta-citaçã o” do filme Tra balha r Cansa , de Du tra e Rojas - “é como
se fosse um drama disfarçado de filme de terror... mas tem
umas
partes
engraçada s
t a m b é m ” 32)
o
qual
é
ridicularizado por sua chefe e jogado no lixo. A moça decide então fugir para o espaço com seu “amig o”. Ao
assistir
ao
Desassossego,
era
claramente
perceptí vel que faltavam pa rtes do Fragmento 4 e que esta
cena
entre
Gilda
e
Carla
havia
sido
cortada.
Confesso que na hora deu “um aperto no cora ção” não ver o fragmento como um todo, ele já era um curta por si
só. Porém, se
ele f osse usa do inteiro, nã o pode ria
fazer parte do longa pois o seu todo nã o faria sentido dentro do filme em re laçã o aos outros frag mentos. De toda maneira e ste frag mento f oi “reciclado” e a cabou se tornando
um
cu rta-metragem
que
estreou
em
2013
Festiva l de Curtas de Sã o Paulo. * * *
frase contida no curta-metragem Nascemos Hoje, Quando o Céu Estava Coberto de Fumaça e Enxofre (2013). Direção de Juliana Rojas e Marco Dutra. 32
no
32
Voltando
ao
processo
Desassossego,
de
a
montagem tenta se r uma costu ra destes fragmentos sem que eles se tornem episódicos, em uma busca por um “não se sa ber onde come ça e onde termina cada um”. Felipe
ao
sentindo
assistir a
a
todos
necessidade
os
de
materiais
algo
que
enviados cria sse
e
uma
conexão imagética, filmou dive rsa s cenas de entremeios, as
Las
chamadas
Brujas,
que
serviram
como
um
amálgama. Ma rina e Felipe propuseram uma a rticulaçã o de todas e ssa s diferentes texturas e narrativas pa ra a composição de um só filme . Difer entemente de um filme de episódios, Desassossego r eúne fr agmentos de filmes dos cin ea stas que fora m mon ta dos jun tos, transfor mando-se em um filme único sobre u t o p i a , a m o r e e x p l o s ã o . 33
Apesa r disto cada fragmento, me smo que cortado e editado
entra
em
uma
orde m
de
diretor
pa ra
diretor,
isto é, permanece pa rte de um “solo” n o meio de um todo.
Estas
mistu ram
“cenas”
entre
si
enviadas
no
decorrer
pelos da
diretores narrativa
não do
se
filme ,
elas existem por si só e uma de cada vez. Criando uma metáfora com a ideia de “colcha de reta lhos”, aqui os retalhos
são
f ormados
por
cada
dire tor,
e
não
exatamente por cada f ragmento de imagem en viado.
Desassossego
só
não
entra
no
quesito
“filme
episódico”, porque estes acabam sendo uma compilação Felipe Bragança em entrevista ao CineEsquemaNovo http://cineesquemanovo.org/2012/entrevista-felipe-braganca-realizador-do-filme-desassossego/, acessado em 30.09.2011 33
33
de
curtas
enquanto de
metragens aqui,
outro,
sobre
mesmo
os
uma
tendo
um
“micro-filme s”
temática diretor
vão
espe cífica,
na
seqüência
sendo
sutilmente
costurados pela carta da menina chamada Luisa, na voz de Flora Dias, pelo tra balho sonoro (o qual teve uma maior libe rdade de “invadir” um filme no outro) e por fragmentos da s Brujas, de Felipe Bragança que dialoga estetica mente com os outros fra gmentos. É perguntas
que
estas
“brujas”
deixam
através de no
a r,
que
adentramos o unive rso do outro diretor. Todos os filmes dialogam com a carta escr ita que foi o p onto de p ar tida, e o longa metr agem tem uma unidade mesmo dialogando com vários gêneros c i n e m a t o g r á f i c o s e e s t é t i c a s d i f e r e n t e s . 34
Diferentemente
também
dos
filmes
episódicos,
há
em Desassosseg o uma grande interferência por pa rte da montagem vu lgo “dire ção gera l” (que embora eles não usem
este
nome
para
se
definirem,
Ma rina
e
Felipe
acabam sim assumindo esta função), pois coube a esta montagem definir o que de cada fragmento entraria, o que seria cortado e qual se ria a ordem ideal para que se fosse possí vel construir uma n arrativa UN A. Marina direçã o
e
Felipe
anterior
que
já
tinham
uma
parceria
de
se
torn ou
mais
conhecida
co-
pelos
filmes A Aleg ria, A fuga da Mu lher Gorila que formam
Marina Meliande em entrevista ao Blog do Polvo http://blogpolvo.blogspot.com.br/2010/11/festival-de-brasilia-alegria-de-felipe.html, acessado em: data 29.09.2011. 34
34
uma
trilogia
Maravilhas.
englobando Sobre
a
Desassossego
relaçã o
de
–
o
filme
co-dire ção
das
Felipe
comenta:
Temos um diálogo longo. Acho que uma das coisas que temos como estratégia p assa pelo fato de eu ser também o r oteirista dos filmes e ela ser a montadora. Aí já tem uma cer ta pista sobre o jeito que a gente trabalha. Eu ten ho a tendên cia a ser mais excessivo e a Marina é mais organizada e o nosso pr ocesso de tr abalho p assa por aí em todos os sen tidos, seja n o desen volvimen to do r oteir o, n o momento de pr op or o jeito de filmar ou na hor a da montagem. F u n c i o n o u d e s d e o s p r i m e i r o s c u r t a s a s s i m . 35
Deste
re lato
organizaçã o
que
podemos se
deu
em
compreender
um
pouco
a
Desassossego, com Felipe
ficando mais a cargo da primeira etapa (ao conve rsar com os outros cineastas e
cria r uma compreensã o do
que poderia vir a ser o roteiro) e Marina, na segunda etapa, e spe cificada mente colocando o rote iro e m pratica na montagem. Ambos
definem
O
Desassossego
como
um
filme
coletivo, poré m a decisão fina l ficou a cargo dos dois, o que significa que hou ve um filtro e a lapida ção por parte
de
diretore s Alguns
diretor/montador. participantes se
sentiram
do
A
rece pção
projeto
“doídos”
foi
de
pe los
dos
outros
“surpresa ”. cortes
e
transforma ções que ocorre ram e m seus fragmentos, pois Felipe Bragança em entrevista a Lucas Salgado, no site Adoro Cinema – http://mail.adorocine.com/cinenews /desassossego-abre-ii-semana-dos-realizadores-5041, acessado em 30.09.2011. 35
35
talvez
espera ssem
espera vam
pe lo
participar
aceitaram
estes
filme
das
cortes
episódico
etapas
como
de
parte
ou
então
edição;
outros
do
processo.
De
todo modo não houve uma comunicação com todos os diretore s decisão
durante coube
o
procedime nto
apenas
à
Marin a
e
da
montagem.
Felipe,
o
que
A faz
deste filme, um filme cola borativo e não coletivo. Ao Meliande
a ssistirmos e
contaminada
o
Bragança da
filme
percebe mos
fortemente
proposição
a
colocada, estética
“mão” ainda
dos
de que
outros
diretore s. No entanto é esta mão forte mente colocada que nos funde ao filme ao passarmos de fragmento à fragmento. A sensa ção de corte de um diretor para o outro é a paziguada pela son oridade e por esta costura imagética que a direção gera l propõe.
2 DO OLHAR
PARA
O
PROCESSO
COMO
ESTÉTICA
36
Capitulo 2 O
processo
como
um
resquício
do
percurso
das
interferências e das contaminações de um artista.
Como pa rte da proposta desta pesquisa, aqui serão relatados
f ragmentos,
ou
gestos
i n a c a b a d o s 36 d e
dois
proce ssos de criação artí stica onde possamos visualiza r a
transformação
de
uma
idéia
solitária
em
algo
conjunto, utilizando para tanto: rascunhos de cadern os, conve rsa s via e-mail, transformações do roteiro imagens e etc. São
dois
filme de diretor;
os
traba lhos:
Com Me us Olhos de Cão,
cola boraçã o entre ator/perf ormer/interprete e e
Nowhe re,
filme
criado
a
partir
de
materia l
enviado por artista s con vidados. O primeiro segue uma linha próxima ao Ex-Isto e o seg undo ao Desassosseg o.
36
Referência ao título do livro Gesto Inacabado de Cecília Almeida Salles.
37
Com Meus Olhos de Cão “O
processo
da
tendência
aberta nada
a
o
que
se
criação
que,
a
ver
plano
O
com
não
adquire
é
por
alterações.
tenha
pois
de
tem
na
o
lento
clarear
sua
vagueza,
final
pode
a
‘maquete
nada
da
medida
em
está
ser
que
inicial’,
experiência que
vai
se
e s c r e v e n d o a h i s t ó r i a . ” 37
Com
Meus
Olhos
de
desenvolvimento que usa escritora
Hilda
Hilst,
Cão
é
um
filme
ainda
em
o livro de mesmo nome, da
como
estímulo
pa ra
cria r
uma
narrativa de relações entre as memórias e à obra do compositor
erudito
personagem
Amós
pouco
a
pouco
Gilberto Ké res,
da
Mendes.
um
sua
No
matemático,
realidade
livro,
o
descola-se
como
professor,
marido e pai e passa a viver cada vez mais em suas memórias
e
em
suas
cria çõe s
e
questionamentos
metafísicos. Na
proposta
deste
filme,
Gilberto
Mendes
p e r s o n i f i c a A m ó s K é r e s a t r a v é s d e s u a m ú s i c a n o v a 38 e as
suas
memórias
memórias
do
fricção
entre
Mendes,
o
filme
que
pessoais
pe rsonagem as
livro segue
se
Amós.
experiências
de
Hilda
numa
confundem
Hilst
linha
Deste
criativas e
muito
a
com
encontro de
direçã o, próxima
as e
Gilberto nasce ao
do
o já
citado Ex-Isto, que também parte de uma lite ratura . Bioy Casares, 1988 In: Salles, Cecília Almeida. Gesto Inacabado. FAPESP: Annablume. São Paulo. 1998. Pg. 31. 38 Manifesto Música Nova: http://www.latinoamerica-musica.net/historia/manifestos/3-po.html acessado em 03/07/2014. Publicado em: Invenção. Revista de Arte de Vanguarda, ano 2, Nº 3, junho 1963. 37
38
* * * Para relata r
se
um
a borda r pou co
compreender
o
este
projeto
gênesis
a
porquê
da
necessário
gênesis
da
escolha
será
deste
afim
filme
de
ter
em
sua conformaçã o o livro Com Meus Olhos de Cão, de Hilda
Hilst
como
desta
escritora
e
um o
ator-autor-perf ormer. ocorre
quase
conecta
a
simbologias
inte rlocutor compositor
O
encontro
direto
Gilberto
da
pre sença
Mendes
aparentemente
casual
que
num
proce sso
estes
dois
a rtistas
e
vai
percurso
e
clarificando
durante
o
“místico”
como
que
me
ganhando a
temática e a real metáfora que o filme ve m a propiciar. O pr ocesso que vai se dando ao longo do temp o, caminha de uma nebulosa fér til em direção a alguma for ma de organização. A obr a em criação é um sistema em for mação que vai ganhando leis pr óprias. (...) Muitos artistas descrevem a criação como um percurso do caos ao cosmos. Um acumulo de idéias, planos, p ossibilidades que vão sendo selecionados e combinados. As combinações são p or sua vez, testadas e ass im opç ões sã o fei tas e u m ob jeto c om or ga niz açã o pr ópr ia va i sur gin do. O ob jeto artístico é constr uído p or esse anseio p or u m a f o r m a d e o r g a n i z a ç ã o . 39
Da Gênese – Balada de Hillé Meu
primeiro
encontro
lite rário
com
H ilda
Hilst
(Hillé) , aconte ceu em Curitiba n o ano de 1999, aos 18 anos,
quando
Verdugo. Foi a
li
pe la
primeira
primeira pe ça
de
vez
a
sua
dramatu rgia
peça
feminina
SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998. Pg. 33. 39
O
39
que vi (neste tempo eu andava indagando junto às aulas teóricas
da
Profª
Drª
Margarida
Rauen,
onde
estariam
as grandes pensadoras do teatro: dire toras, dramaturgas e
etc), e
sem dúvida, o fato de
eu
ter me
depa rado
com Hilda nesta é poca explica, de uma ce rta maneira, o meu da
percurso peça
em
artístico.
Não
que
princípio,
mas
a lg o,
alguma
“ c o i s a ” 40
chamou
a
“significado
de
atenção
eu
ali,
ao
houvesse
ou
gostado
melhor
dizendo
i n c o m e n s u r á v e l 41”
“encontrar”
esta
me
mulher
e
ainda me chama até hoje. Desde
esta
época
comecei
a
propor
projetos que
houve ssem a obra de Hilda Hilst integrada, como uma obsessão 2002, fazer
ou
uma
mudei-me uma
Arquivo
g rande
para
pesquisa
Miroel
tentativa
São
de
Pau lo
iniciação
S i l v e i r a 42,
de
e
“parceria”.
comecei
científica
su bven cionada
Em
então
dentro
pela
a do
FAPESP,
sobre a dra maturgia feminina que passara pela censu ra entre
as
outras com
décadas
dramatu rgas o
traba lho
de
30
mas de
à me
Hilda ,
7 0 43,
me
aproximando
e ncontrando com
quem
ainda
de
mais
comecei
a
estabe lecer conta to via e-ma il. O poeta José Luis M ora Fuentes,
que
mora va
em
sua
casa,
era
nosso
Hilda utiliza inúmeras vezes a palavra “coisa” em seu texto, e cria um significado quase próprio à ela, em Tu Não Te Moves de Ti, no conto Tadeu “a coisa” tem significado religioso/metafísico: “o que faz com que a coisa seja a coisa?”. 41 A frase, “invadido de significado incomensurável” faz parte do livro Com Meus Olhos de Cão quando Amós Kéres tem seu insight metafísico. Pg. 22. 42 O Arquivo Miroel Silveira está localizado na biblioteca da ECA / USP e tem como acervo milhares de peças de teatro que passaram pela censura durante as décadas de 30 à 70. O nome do Arquivo se deve ao doutoramento do teatrólogo e Profº Miroel Silveira, o primeiro a utilizar este material como base de pesquisa. http://www.eca.usp.br/ams 43 Almeida Prado, Thaís de. A presença feminina no teatro paulista - 1930-1970. um estudo a partir do Arquivo Miroel Silveira. Iniciação científica 2003-2004. 40
40
“mensageiro” virtual à época, pois Hilda já estava bem doente,
e
como
numa
brin cadeira
de
sobrenome s
ele
dizia que eu deve ria ir logo visitar “minha prima mais velha”.
* * *
Sobre
Hillé “É uma obra
coisa da
por
causa
agradar o meu
vida do
pai.
inteira. meu
Qu eria
Eu
pai.
fiz
minha
Eu
que um
dissesse que eu era alguém. É isso”.
queria dia
ele
!!
H i l d a H i l s t , nasceu em Jaú, a os 21 de Abril de 1930. Nasceu como Hilda de Almeida Prado Hilst. Seu pai, Apolônio de Almeida Prado Hilst era também poeta e a l g u m a s v e z e s a s s i n a v a c o m o L u í s B r u m a 45 e m s e u s artigos para os j ornais. Casou-se com Bedecilda Vaz de Cardoso, a contra g osto da família como conta Hilda: Meu pai e min ha mãe tiver am uma paix ão daquelas de perder mesmo o senso. Meu pai era um homem brilhante, escreveu muitas coisas, publicava textos em jornais (às vezes ass ina va Ap olôni o e outr as Lu ís Br u ma ). O Mario de Andrade escrevia para ele, mas desde o i n íci o a min ha mã e ti n ha problema s com a família dele; naquela época um Almei da Pra do s ó s e c as ava c om u m Almeida Pr ado p ara n ã o di vi dir a her a nça . Eles
Diniz, Cristiano (org). Das Sombras, entrevista, 1999. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 191. 45 Textos e cartas de Luis Bruma: http://www.angelfire.com/ri/casadosol/apoltext.html acessado em 27 de junho de 2014. 44
41
acabaram
bem pequena. Com
a
se para ção
com a mãe
para
sepa rando
se
de
quando
eu
era
!"
seus
pais,
Hilda
se
Santos (na ru a Vicente de
mudou
Carvalho
nº32) em 1932 onde ficou até 1937. Neste mesmo ano, Bedecilda
resolve
fazer
um mapa
astra l da
filha
e
o
astrólogo ale rta: Possui esp íri to rebelde, obstinado, não admi te c ons elho, é arr oga n te e de di fíci l acesso, amando a luta até o ponto de provoc á-la só par a ter o prazer de venc er. Demor ada em excitar -se, como em apaziguar-se, guarda p or muito tempo r a n c o r e s , e é d e d i f í c i l r e c o n c i l i a ç ã o . !"
Hilda conta e m entre vista a Caio Fernando Abreu , que sua mãe ficou muito a balada com a s pa lavras do astrólogo, ma s de uma ce rta ma neira esta Hilda é uma das facetas da mulhe r que conhe cemos através de seus livros. Em 1937 ela se muda para Sã o Paulo para estudar no internato de Santa Marcelina de onde ainda quando criança
ge rmina
duas
das
temáticas
principais
que
levará por toda a sua obra, “o sagrado” e “Deus”. Em 1948,
entrou
Universidade
para de
Sã o
a
Faculdade
Paulo
(Largo
de São
Direito
da
Fran cisco),
formando-se em 1952. Diniz, Cristiano (org). Das Sombras, entrevista, 1999. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013i Pg. 189. 47 Ao perguntar quem é Hilda Hilst ela lembra deste mapa astrológico feito pela mãe. Diniz, Cristiano (org). Deus pode ser um flamejante sorvete de Cereja, conversa com Caio Fernando Abreu, 1987. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 95 46
42
Hilda cresceu se m a imagem do pai por pe rto, sua construçã o pate rna aconte cia a partir de me mórias que Bedecilda
contava
e
da
le mbra nça
de
alguns
poucos
encontros seus com o pai. Apolônio foi diagnosticado aos
38
anos
com
esquizofrenia
sendo
internado
em
seguida. A esquizof renia do pai foi um fato que levou Hilda
a
tentar compreender a
temáticas
importantes).
Ela
loucura
passou
a
(outra
se
escrever
suas
poesia
na tentativa de dialogar com e le. Meu pa i Ap olôni o de Almei da Pr ado Hi ls t, era poeta e en saísta. Assinava com o pseudônimo de Luis Br u ma e foi u ma das primeir as pessoas a falar de coop erativismo no Br asil. Er a filho de u m franc ês de Lille que se casou com uma fazendeira paulista da fa mília Almeida Pr ado. Nos es c ritos q ue min ha mãe gu ar dou dele e me deu para ler, se interr ogou sobre o que acontecer ia à alma na loucur a. Tra gic a men te, mais tarde, submergiu a loucura. Escr ever é então p ara mim sentir meu pai dentr o de mim, em meu cor ação, me ensinando a p ensar com o cor ação como ele fazia, ou a ter emoções c o m l u c i d e z . 48
Entre
1950
publicados,
e
e em
1955 1956
seus vai
primeiros
para
a
poemas
França
são
onde
fica
durante 6 meses. Uma de suas história s mais “hilá rias” é sua tentativa de encontro com o ator Marlon Brando. Ela
conta
conhecer quarto
de
que
começou
Brando. hotel
Um em
a
dia que
namorar Dean resolve o
a stro
bate r
Martin, na
estava
para
porta
do
hospedado
Diniz, Cristiano (org). Hilda, estrela Aldebarã, 1978. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 53. 48
43
alegando se r uma j orna lista. Quem atendeu a porta foi o ator francê s Christian Marquand (seu affaire à época) que
em
seguida
sai
pa ra
chamar
Brando.
Quando
Marlon Brando chega , de robe de seda, e la insiste e m entrar
no
quarto
pa ra
“conve rsar”,
ao
que
Brando
responde “só porque você é bonita você acha que pode
a c o r d a r u m h o m e m a e s t a h o r a d a n o i t e ? 49” . Quando Adoniran Prado
Hilda
Barbosa,
(primo
algumas
de
primeiro
de suas
volta José
ao
Antonio
Hilda)
e
Neste
músicos
Resende
Gilberto
poesias.
encontro
Brasil,
de
artístico
Almeida
Mendes
momento entre
como
musicam se
dá
o
“nossos”
G i l b e r t o e H i l d a . Ele compõe Trova I e Trova XV, em 1961
a
pa rtir
do
poema
Trovas
de
muito
amor
para
uma amado senhor, de H ilst. Hilda, depois de viver intensamen te “os homens”, as festas
da
alta
sociedade
pa ulistana
e
ter
suas
aventuras na Europa, de cide-se em 1966 (ano em que s e u p a i m o r r e ) , m u d a r p a r a a C a s a d o S o l 50, p a r a f i c a r reclusa
e
focar
em
sua
literatura,
como
e la
mesma
relata : Quando eu estava com 33 anos, um quer ido amigo que morr eu, Car los Maria de Araújo, poeta português me deu um livro do Kazan tiz ákis: “Carta p ara El Gr ec o”. Eu o li e fiquei deslumbrada. Er a um homem que ficava lutando a vida toda até terminar de
Diniz, Cristiano (org). Hilda, estrela Aldebarã, 1978. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013. Pg. 148. 50 Sitio que Hilda morou desde seus 33 anos até o fim de sua vida, próximo à Campinas e que hoje é o Instituto Cultural Hilda Hilst. 49
44
uma maneira maravilhosa, escrevendo um poema de 33 mil ver sos, “A Nova Odisséia”, on de lu tava c om a c arn e e c om o esp íri to o temp o todo. Ele deseja va a o mesmo temp o esse trânsito daqui pra lá. Er a o que eu queria: o trânsito com o divino. E também o transito com o homem e todas as suas mar avilhas, o goz o físic o, a b elez a física do outr o. Era um consumismo meu absolutamente terr ível, p or que ofendia muito as p essoas. Eu me impressionei tanto com a caminhada desse homem admirável, que resolvi ir mor ar num sitio. Achei que, longe e de cer ta for ma me enfiando também (p or que eu era uma mulher muito inter essante), durante um cer to temp o bem lon go eu pudesse tr abalhar, escrever . E foi maravilhoso. Foi justamente nesse lugar, nesse sitio, que eu, longe de todas aquelas invasões e das minhas pr ópr ias vontades e da min ha gula dian te da vida, pude escrever o q u e e s c r e v i . #$
Lá, entre 1967 e 1968 escre ve seis de suas peça s de
teatro
passa
da
enquanto
constrói
alguma s temporadas e
Noite.
ficção
Em
1970
F luxo-Floema,
pu blica um
Casa
a
finaliza o
a
seu
divisor
da
L u a 52,
peça
primeiro
onde
As Aves livro
de
de
águas
em
sua
na
minha
primeira
lite ratura. * * * Foi
F luxo-Floema
direçã o
teatral,
Comeu
Nesta
traba lhado
em
...E
então
o
Meu
Madrugada cena
que,
Se cador (2003),
criando
de trouxe
uma
Cabe los para
me ser
dramatu rgia
Diniz, Cristiano (org). Um dialogo com Hilda Hilst, 1989. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 52 Casa que Hilda Construiu no litoral paulista, em Massaguaçu, próximo a Caraguatatuba. Ainda em vida Hilda acabou vendendo a casa quando passou dificuldades financeiras. 51
45
i n t e r t e x t u a l 53
que
Gabinete
Joana,
Quinta
de
me sclava
História,
Clarice
de
do
Lispe ctor
f ragmentos
Ruben s
Rewald;
livro
Fe licidade
a
depoimentos
e
da
Do
peça
ao
conto
Clandestina, de
A de
neuróticos
anônimos. Eram quatro atrizes e m cena, cada uma com seu
monólog o
agindo
sobre punham,
hora
simultanea mente, criando
suas
sentidos
vozes
lógicos,
se
hora
criando sentidos son oros/sensórios. As son oridades que eram produzidas a partir da s vozes ecoadas ao mesmo tempo, e ram ma is essenciais do que a compreensã o do texto em si (note que nesta época eu ainda não havia adentrado muito
à
do
obra
de
traba lho
Gilberto de
Mendes,
John
Cage
mas
e
conhecia
discí pulos
e
compreendia a música como a lg o que pudesse a barcar o som que nasce de um movime nto no espa ço, de u m suspiro,
o
som
funcionamento, peça
- e
pala vra s
ruídos:
certa
ainda
em
si,
de
liquidificadore s
etc). A tentativa
musica lidade, uma
das
que
maneira,
era
não
se
a
de
fosse
–
objetos havia
na
estabelece r uma
melódica.
aproxima
um
em
da
Isto
proposta
de de
lite ratura de Hilda Hilst, que cla ramente brinca com a sonoridade , com os ritmos e com o próprio sentido das palavras. narrador
Em
seus
único,
personagens.
textos,
pois
Como
ele
em
um
pe rdemos
se
mistura
sistema
a com
noção os
de
outros
esquizofrênico,
as
vária s vozes simultaneamente aparecem durante o fluxo O termo foi trazido por Julia Kristeva ao falar da obra de Bakhtin. De uma maneira resumida, podemos dizer que intertextualidade é uma combinação de fragmentos textuais que formam um outro texto. In Kristeva, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo. Ed. Perspectiva. 1974 53
46
da
escrita,
criando
um
a
qual
certo
não
caos,
possu i se
nos
pontuação apegarmos
clá ssica, apenas
a
história narrada. Quando me per guntam p or que escr evo dessa forma que as p essoas não entendem, e p or que é tão complexo tudo então eu digo, mas, meu Deus, é o processo da vida que é tão comp lexo! Eu não saberia simplificar esse processo para ser mais compreensível, é o meu pr óprio pr ocesso dificultoso de existir que faz com que venha essa avalanche de p alavras, umas assim barr ocas demais , e q ue tu do s eja mis tura do. Porq ue eu acho que a vida tr ansbor da, não existe u m a x í c a r a a r r u m a d a p a r a c o n t e r a v i d a ! 54
Na peça, alé m da pala vra , a da nça, a música e a iluminaçã o e ram ba stante presen tes e faziam parte da composição cênica, como a tal “xícara que transborda” a qual Hilda usa como metáfora . Em alguns momentos, enquanto
duas
simu ltaneamente,
atrizes outras
contavam duas
ou
suas
narrativas
dançavam,
ou
cantavam, ou faziam alguma ação que era própria de sua personagem, mas que não condizia necessa riamente com a fala da s outras duas. O j ogo e ra a possibilidade do público poder escolhe r acompanhar a narrativa de uma ou de outra atriz, ou entã o olhar a composiçã o cênica como um todo e a bsorver como lhe a prouvesse. O som n ão sublin ha, nada tem a ver c om o sentido do texto; guarda seu própr io sentido. Daí p oder á r esultar , p elo contrario, Diniz, Cristiano (org). Hilda Hilst, uma conversa emocionada sobre a vida, a morte, o amor e o ato de escrever, 1986. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 88 54
47
o realce de um terceiro sentido. À maneira do cinema do Godar d, do sur realismo, nada tem a ver com nada. Porém tudo dever á concr etiza r -se n a maior un idade n a c ab eça d o e s p e c t a d o r . 55
Para
este
tra balho
eu
havia
me
baseado
quanto
pesquisa estética, na Te oria do Caos, mais precisamente na questão da “simultaneidade”, muito influenciada pe lo pelo
Caos / Dramatu rgia de Rubens Rewald. Mal
livro
sabia
eu
pre sente
que nas
a
questão
partitura s
do
Caos,
musicais
esta ria
de
também
a leatoriedade
e
casualidade de Gilberto Mendes.
...E nesta
o
meu
secador
madrugada,
disciplina,
direçã o
era
II,
de o
cabelos
trabalho
orientada
por
me
final
Antonio
comeu de
uma
Araújo
e
pelo próprio Rewald que trazia entre suas dinâmica s o proce sso
cola borativo
entre
diretor
e
atores.
Este
primeiro tra balho como diretora foi ba stante importante , pois
lá
comecei
para
traba lha r
a
em
cenas,
imagens
e
foram
propostos
estímulos
que
eu
inclusive ,
que
era
co-dire tora
do
criar
algu mas
cola boraçã o textos
por
projeto
com
trazidos,
ela s
jogava atriz
estratég ias
a à
desta
as
salvo
partir cada peça
Now here ,
atrizes
é
que
a
–
pe rguntas Flavia
proponente
será
e
Couto,
tratado
próximo capí tulo.
Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 154 55
as
Fluxo-F loema,
de
uma.
pe ssoais
e no
48
É interessante notar que cer ca de sessenta a setenta p or cento dos diálogos da p eça foram criados pelos pr ópr ios ator es (...). Nesse sentido, o trabalho do autor-escr itor foi mais de compilação e amarração d r a m á t i c a d o q u e p r o p r i a m e n t e d e c r i a ç ã o . 56
* * * No
traba lho
direçã o,
a
seguinte
em
que
...Mas
instalaçã o
exerci
Não,
a
deixei
função Hilda
da
Hilst
“descansando” um pouco para, ao lado da atriz Maria Helena
Chira
me
volta r
a
questão
do
Caos
nos
aleatoriedade e causalidade.
baseando n o princí pio de
Utilizamos como sta rt point criativo a pe ça Am I to g o
or
I
will
say
so,
de
Gertru de
Stein,
e scritora
e
dramaturga cuj os textos buscam mais a son oridade do que
os
significados
corre lação cria m
de
pa lavras
sentidos
praticamente
que
tudo
das
palavras,
que,
combinadas
sonoramente,
tra nsformam.
Pensávamos
se
juntas,
o
e spaço,
fazendo
os
uma
ele mentos
do
espaço insta lativo, as formas de interação do pú blico e etc.
...Mas
Não
colaborativo que
foi
então
pre via
um
uma
traba lho
mudança
extrema mente
da
insta laçã o e
da perf ormance a cada lugar que fossemos. * * * Voltando
à
re laçã o
com
Hilda
Hilst,
desde
que
estabe leci contato com Mora Fuentes fiquei sempre na prome ssa de ir visitá -la na famosa Casa do Sol. No ano seguinte 56
porém,
em
2004
Hilda
falece.
Fiquei
muito
Rewald, Rubens. Caos/Dramaturgia. Editora Perspectiva; FAPESP. São Paulo, 2005. Pg 42
49
decepcionada
comigo
mesma
na
época.
Estava
em
Curitiba e por incríve l que pare ça havia sonhado com H. Hilst
na
noite
anterior,
um
son ho
estranho
onde
e la,
que se dizia minha tia avó, vivia no último andar de um prédio pequeno sem e levador na rua Vesú vio (não sei se existe essa rua), no bairro do Paraíso. O prédio tinha cachorros
por
andares metade
todos
pare ciam do
os
lados,
feitos
tamanho
e
para
normal.
inclusive
eles,
Ao
alguns
porque
chegar
dos
eram
na
porta
a do
apartamento de Hilda , que tinha um portãozinho baixo, ela
diz
havia
“aqui
um
é
melhor
e-mail
querida
amiga
crença s
de
de
você
Mora
acaba
Hilda
eu
de
não
pa ssa r”.
Fuentes
que
fale cer”.
deve ria
Ao
a cordar
dizia
“Nossa
Pelas
acredita r
te orias
que
e
naquele
sonho ela teria realmente me feito uma visita, onde ela era
escoltada
por
seus
cães:
os
cães
na
mitologia
grega eram considerados anima is psicopompos, ou seja condutores
das
almas
de pois
da
m o r t e 57.
Hilda
acredita va em vida após a morte: Eu r evi o Caio (Fern an do Abreu) n o dia da mor te dele. Ele morr eu à uma e veio se despedir às dez da n oite. A gente tin ha combin ado isso. Ele veio c om um cac hec ol que tin ha uma fita ver melha. A gente tin ha combinado: o vermelho ia significar que estava tudo b em. Eu abr ac ei o Caio muito e disse: ‘Nossa, c omo você está b onito! Está jovem!’ Mas ninguém acr edita. Falam: A Hilda é uma bêbada, uma alcoólatra, está sempre
Diniz, Cristiano (org). Das Sombras – entrevista 1999. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 203 57
50
l o u c a . É a s s i m q u e f a l a m . 58
Então
em
2006
le io
pe la
primeira
vez
Com
Meus
Olhos de Cão, e eu começo a entender esta Hilda que questiona a morte, a vida post-mortem, ressa lta a visão dos outros sobre a loucu ra e retoma seu pai que “se
interrogou sobre o que acontece ria à alma na lou cura.” Este livro me marca de a lgum modo. Ta lvez pe la idéia do
Cão
como
que
Hilda
começar por
se
olha
tudo
mesmo
de
uma
explica
com
uma
fra se
tratar
da
lou cura.
maneira
(abaixo);
que O
“a pale rmada”,
ta lvez
pelo
desmistifica
Deus;
fato
o
é
que
livro ta lvez
livro
fica
“entalado na minha ga rganta” de sde então. Deus. Eu desafiei-O muitas vezes em meus livr os como uma blasfêmia p ara ver se de repente dava um fur or Nele e Ele dizia; Está bem, estou p or aqui. (...) Por isso min ha última novela chama-se Com Meus Olhos de Cão, p or que no fundo, p or mais que você leia, estude, pense, crie e tenha lucidez, você olha o mundo com os olhos de um cão, com o mesmo olhar assim ap aler mado, m e i o a g u a d o , c o m o o s a n i m a i s t e o l h a m . 59
No mesmo ano de 2006 fui convidada à dirigir uma série
de
pe rformances
inter-rela ção
das
m o d e r n i d a d e " 60,
no
sob
a
cu radoria
pa ra
o
arte s Centro
de
projeto
no
Cultu ral
Henrique
Homologia s:
nascimento CPFL
Lian.
Em
de
a da
Campinas,
uma
destas
Ibidem. Pg. 204 Diniz, Cristiano (org). Hilda Hilst, uma conversa emocionada sobre a vida, a morte, o amor e o ato de escrever, 1986. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 91 60 Projeto com coordenação de Henrique Lian, que acontecia em módulos mensais no Espaço Cultura CPFL de Campinas. 58 59
51
performance s, cuja temática era a Pop-Arte , Lian rege a
Motet
composição (1967),
de
em
ninguém
Ré
Menor
menos
que
ou
Beba
Gilberto
Coca -Cola Mendes,
a
partir do texto de Décio Pignata ri. “Estava então EU, em Campinas, pe rto da Casa do Sol, Com Meus Olhos de Cão a pale rmada ao som de um arroto em Be ba CocaCola”.
Foi
a
primeira
vez
que
registrei
G.
Mendes
em
minha memória e fiquei deslumbrada. * * * No
ano
que
projetos
que
continham
obra
Hilst, um era
de
projeto
se
alta mente
segue
(2007)
a lgum
participei
texto
ou
de
dois
referência
à
O E x p e r i m e n t o d o A c o r d o 61, u m
coletivo,
isto
é,
não
havia
uma
direçã o para as expe riência s que iriam ocorre r, e todas as
artistas
cada
dia
espécie fui
de
envolvidas e
randomicamente .
coordenação, feita
convidada
Usávamos
propunha m
a
muito
escre ver a
O por uma
pa lavra
materia l
artí stico
traba lho
tinha
uma
Pacheco e
Dedé carta
“encontro”
a
lá
ao
público.
e
também
“experiên cia" Escre vo então um intertexto entre o conto
O Unicórnio, de Hilst (onde uma mulhe r começa a se transforma r em um unicórnio, pouco a pouco), e a pe ça
Peça
didática
Bertold
Brecth.
de
Baden
Sobre
a
Baden
Sobre
expe riência
o
Acordo,
Deise
de
Pacheco
descre ve : Experimento do Acordo – escritura sobre o aprendizado na tempestade, foi um projeto de mestrado realizado por Deise (Dedé) Abreu Pacheco, baseado em experimentos sobre a peça didática de Brecht O Acordo. 61
52
Se “o modo p erfor mátic o da ex p eriência”, para Tha ís , tomou a for ma da qu eda n o cor p o no espaço tridimensional do Exp erimen to, sua queda n o c orp o, no espaç o bidimensional do texto literár io, p or sua vez, levou-a a “sacudir ” o signo da intr ansigente afir maçã o da i dentidade (o s u jei to reifi ca do por seu “pap el social”). (…) Thaís “sacudiu” o signo ao imp lemen tar -lhe o vôo prazenteir o, que gosta de voar “todas as noites p or aí” e dep ois p ousar na “ár vore m a i s b o n i t a d a p r a c i n h a ” 62. É a r e d u ç ã o d o próprio vôo a sua menor grandeza: não é o vôo sobr e o Atlântico, não é o vôo de um foguete par a Lua, não é o vôo do progr esso tecnológico, não é o vôo do sonho revolucionário em massa; é o vôo sem pagamento nem função mercante, é quiçá o vôo do pensamento do flanêur(!), que percebe sobr e a árvore da pracinha “a relação dos homens entr e os homens” e t e n t a d e s c o b r i r “ a q u i l o q u e o s m o v e . 63
O outro traba lho, era A Adorme cida que mordeu a
maçã
ve rde
e
performance
não
colocou
dentro
da
o
dedo
in stalação
na
r o c a 64, Tu lse
uma
Lu per
S u i t c a s e s 65, d e P e t e r G r e e n a w a y o n d e p r o p u n h a u m l i v r o diário ficcional e m proce sso abe rto ao pú blico e tin ha como
ponto
Unicórnio,
e
de
partida
cartas
de
Com
Meus
minha
avó
Olhos
de
materna ,
Cão,
O
Esther
O trecho faz citação ao conto Unicórnio de Hilda Hilst. Pacheco, Deise Abreu. Experimento do Acordo – escritura sobre o aprendizado na tempestade Volume 1 e 2. Tese de Mestrado. Pg. 286 V.2 64 O diário da Adormecida que… pode ser encontrados no blog http://aadormecidaque.blogspot.com e o Texto sobre o processo de criação encontra-se na sessão de anexos. 65 Tulse Luper Suitcases é um projeto multidisciplinar de Peter Greenaway que continha três longas metragens, a exposição 92 Maletas e uma VJing performance. É possível encontrar mais informações no site www.tulselupernetwork.com. Em As tramas do cinema de Peter Greenaway - processos de criação em The Tulse Luper Suitcases, dissertação de mestrado de Eduardo Cunha Bonini ele revela o processo criativo de Greenaway para Tulse Luper. 62 63
53
Pache co de Alme ida Prado. Obviamente
que
por
se
tratar
de
uma
escrita
performática aca bei desenvolvendo uma escritura própria que
dialogava
s p e c i f c 66) ,
e
com
com
a
o
temática
Com
livro
da
exposiçã o
Meus
Olhos
(um
de
site
Cão
e
Unicórnio de Hilda que me conta minaram de algum jeito, fazendo
assim
referências
e
citações
desme mbradas
como o exemplo a seguir onde há uma citação ao Com
Meus
Olhos
de
Cão;
seguido
de
uma
referencia
do
espaço expositivo de Pe ter Greenaway, onde eu interagia performaticamente
e
por
fim
uma
alusã o
ao
filme
A
Barriga do Arquiteto, também de Greenaway. “Alguém uma vez falou dos olhos do cão. Ma s já n ã o me lembr o o q ue fa lara m. Acho que era sobre um homem que não se sentia mais em seu pr ópr io cor p o. Como se o que o corp o fizesse não tivesse mais sentido. Mulher, filhos... ele gostava de ficar no pr ostíbulo lendo. O lugar mais tranqüilo p ara ler na p ar te da manhã. Acho que ele também tinha um amigo que amava uma p or ca. Er a c asado c om ela. A p or ca o compr eendia e ele compr eendia a p or ca. Amb os er a m p olígon os. Ac ho que tin ha uma ár vor e n a história. Uma ár vore velha talvez. Não me lembr o ao cer to o que acontecia e nem a relação do cão com tudo aquilo. ou ser ia uma cadela?
O termo site specific (sítio específico) faz menção a obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado. Trata-se, em geral, de trabalhos planejados em local certo, em que os elementos dialogam com o meio circundante, para o qual a obra é elaborada. 66
54
Aqui a p or ca e o cão dor mem. As maçãs apodrecem e os figos apodrecem. E alguém um dia morr eu envenenado p or figos. Ou ele a c h o u q u e e s t a v a s e n d o e n v e n e n a d o e m o r r e u ” . "%
* * * Após o projeto A Adormecida qu e..., pe rmaneci com “O
Cão”,
remoendo
em
minha
cabe ça
e
em
minhas
anotaçõe s, se mpre pensando em como transpor para o cinema
um
livro
como
“Amós
este.
Kéres,
48
anos,
m a t e m á t i c o , n ã o f o i v i s t o e m l u g a r a l g u m ” . "&
69
Entre filme
na
2008
e
gaveta
2009 e
deixei
pa rticipei
guardado de
o
três
projeto
de
residên cias
artísticas com o Coletivo Corrosivo: uma na Casa das
Caldeiras, imigra ção
onde dos
abordava antigos
a
ancestralidade
tra balhadores
das
e
a
Industrias
Matarazzo; outra na Saline Roya le d’Arc e t Senans, na Almeida Prado, Thaís de. A Adormecida que Mordeu a Maçã Verde e Não colocou o dedo na Roca. (2007) Fragmento 41. In http://aadormecidaque.blogspot.com texto também anexado aqui à esta dissertação. 68 Trecho do texto: Hilst, Hilda. Com Meus Olhos de Cão. Editora Globo, São Paulo. SP. 2001. Pg. 66 69 “O Homem debaixo da árvore”, referência direta à Com Meus Olhos de Cão, e “a mulher unicórnio” referência ao conto Unicórnio. Fragmento do caderno de anotação pessoal de Thais de Almeida Prado, fevereiro de 2010. 67
55
França onde desenvolve mos um projeto sobre rituais de sal;
e
a
terceira
desenvolve mos
no
um
Hangar.ORG,
workshop
e
na
Espanha
criamos
onde
coletivamente
uma série de inte rven çõe s urbanas. Voltando encontro Rudá
ao
com
e
meio
Rudá
K.
Andrade
que
me
convida
Andrade)
instalaçã o
Brasil
sobre
a
Patrícia
pe rdida (filho para
Ga lvão
e
de
sem do
rumo,
cineasta
ajudá-lo em uma
(Pagu),
sua
avó,
e
dar um workshop no lugar dele em Santos. Crio então uma
proposta
de
desenvolve mos
oficina
um
de
vídeo
vídeo-performance cola borativo
com
onde os
participantes, que se ba seava e m pontos históricos da vida de Pagu, na fra se “a musa medusa”, e e m pontos estéticos propostos por Maya De ren. O projeto envolvia e s t e w o r k s h o p ; u m a i n s t a l a ç ã o n a e x p o s i ç ã o V i v a P a g u 70; e entrevistas com pe ssoas que conviveram com Patrí cia; o que me fez freqüentar Santos por mais de um mês e me
rea proximou
criança .
Em
uma
da
cidade
destas
que
eu
ia
entre vistas,
apenas fomos
quando
con versar
com nada menos que G i l b e r t o M e n d e s e é aí que C o m
M e u s O l h o s d e C ã o , f i l m e começa a sair novamente de seu procedimento de engavetamento. * * *
70
Projeto Viva PAGU http://www.pagu.com.br/blog/palavra-de-pagu acessado em 27/06/2014.
56
Gilberto Mendes com seus olhos de Cão “As ficando havia
vezes
velho,
eu
com
acontecido
Continuava alguns
um
entrava mais
ainda
em
de
crise.
trinta
para
anos,
mim,
ilustre desconhecido.
momentos,
em
ser compositor.
Pra
eu
Mas
compunha?
desistir
estava e
na
nada
música.
Pensava, por
daquela
que, se ninguém não
Já
idéia
de
ouvia
o que
não
devia
conseguia,
d e s i s t i r . ” 71
Gilberto Mendes, nasceu “quando ainda nem mesmo
rádio
h a v i a ” 72,
na
cidade
de
Santos
no
dia
13
de
outubro de 1922, an o da Sema na de Arte Mode rna de São
Pau lo,
que
o
influenciaria
–
“eu
também
era
um
e n t u s i a s t a d a a r t e m o d e r n a ( a f i n a l n a s c i e m 1 9 2 2 ) ” 73 – e ano
em
que
anarquistas,
futuristas,
comunistas,
militare s, caniba is, dadaístas, todos juntos iriam mudar o p a í s . 74 S e u p a i e r a m é d i c o , e f a l e c e u e m 1 9 2 8 o q u e fez com que
Gilbe rto
irmã os
Sã o
pa ra
se
Paulo.
mudasse Sã o
com
Paulo
sua era
mãe
e
então
os
uma
pequena cidade industria l, e f oi nela que os ouvidos de G. Mendes se aguçaram pa ra a música erudita. Pa ra se consola r da morte do pai, Gilbe rto ia com sua mãe à casa de uma amiga dela, no Alto da Lapa, cuja a filha, Maria do Ca rmo Campos Maia estudava pian o. Ficaram em meus ouvidos como as primeiras músicas que tive consciência, as sonatas Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 59 72 Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 7 73 Ibidem. Pg. 31 74 Eduardo, Antonio. O Musico Gilberto Mendes. In: Sibila. http://sibila.com.br/novos-ecriticos/o-musico-gilberto-mendes/3516 acessado em 4 de junho de 2014. 71
57
‘Pa téti ca s’ e ‘Ao Luar ’ de Beethoven, e o ‘velho solar’, de Sc hu ber t. Elas me entristeciam, faziam-me pensar no meu pai mor to, mas me davam enor me prazer, 75 sempre que Maria do Carmo tocava.
Nesta mesma época se dá o contato e a paixão de Gilberto
Mendes
pe lo
cinema,
um
de
seus
formadores
musicais, a companhando entre 1929 e 1930 a transição do cinema mudo para o cinema sonoro. Ouvidos eruditos p ara a música pop ular. Hoje em dia rec on heç o qu e sempr e foi c om esses ouvidos que entendi a música de um Jer ôme Ker n, de u m Ivin g Berlin , Ric har d Rodger s, Cole Por ter, Gershwin, Har ry Warren (n a ver dade Sa lva tore Gua ra gna , filho de italianos) Har old Arlen (que compôs Over the R an b ow) e o ex tr aordin ário Freder ick H o l l a n d e r . 76
* * * É curioso re latar que Frederick Hollander (quando já em Hollyw ood) ou Friedrich H ollaender (quando ainda vivia na Aleman ha) é uma das referências que Gilbe rto Mendes
mais
cita
nosta lgicamen te,
seja
em
con versa s
informais como as mais formais, (“Hollaender f oi o rei
das
Kaba rett
Melodien,
na
Berlin
Friedrichstrasse
dos
a n o s 2 0 . ” 77) . N ã o h o u v e u m a e n t r e v i s t a o u f i l m a g e m q u e tivéssemos
sem
que
Gilbe rto
citasse
Hollaender
e
cantarolasse uma de suas melodias, mesmo em seu livro
Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 8 76 Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 13 77 Ibidem Pg. 14. 75
58
Uma
Odisséia
von
Kopf
Musical,
bis
fuß
G.
auf
“cantarola”
Mendes
Liebe
eingestellt,
Ich
bin
composição
interpretada por Ma rlene Dietrich em Anj o Azul.
* * * Em estudou
1940,
Gilberto,
direito
na
que
assim
Universidade
como
de
São
Hilda
Hilst,
Paulo
(São
Francisco) decide la rgar a faculdade para fina lmente se dedicar
a
musica
por
indução
de
seu
então
cunhado
Miroe l Silve ira (o mesmo dos Arquivos Miroel Silveira). Este o convenceu de que G. Men des era músico nato de
grande
acuidade
m u s i c a l 78
e
que
pre cisa va
aproveitar
suas qualidade s. Gilberto volta a mora r em Santos na casa de sua irmã
Mirian
estudos
no
e
de
Miroel
Silve ira
Conse rvatório
iniciando
Musical
de
então
Santos.
seus
Estudou
piano com Antonieta Rudge e harmonia com Sa vino de Benedictis, composição
começou que
não
também deram
com certo,
ele
estudos
porque
de
Savino
corrig ia todas a s propostas composicionais de Gilberto:
...limp ava todas as blue notes que me er am tão car as, tentava desviar para o tonal a min ha natu rez a musical atonal. Dec idi en tão estudar sozinho, assumir meu 79 autoditatismo.
Entre
1945
1958
Gilberto,
autodidata,
inicia
Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 36 79 Ibidem Pg. 43 78
uma
59
série de composições para pian o e, canto e pian o que ele
mesmo
conside ra
sua
primeira
fase
como
compositor, ba seando-se em estudos que fez de a lguns poucos
compassos
de
Arn old
“agrada va-me
Schönberg
muito a não-direciona lidade, a harmonia não-funcional, q u e c o m e c e i a p r a t i c a r i n s t i n t i v a m e n t e ( . . . ) ” 80 Em
1961
como
já
vimos,
G.
Mendes
musicou
os
poema s de Hilda Hilst, é poca que a conhe ceu durante o próprio recital. Seu contato com a musica de Pierre Schaeffer e as partituras
de
Pie rre
Bou lez
e
Karlheinz
Stockhausen,
fizeram com que Gilberto se voltasse pa ra a música de vanguarda música verão
–
seria lismo
ele trônica de
-
Da rmstadt,
integ ra l,
tendo
música
f reqüentado
Ale manha,
nos
os
anos
concreta cursos de
1962
e de e
depois n ovamente em 1968. Ainda em 1962, entr e julho e agosto, fiz min ha primeira per egr in ação em Darmstadt, a seus famosos cursos de férias destinados a divulgar a neue Musik da segunda metade do século. Estava combinado que nos enc ontrar íamos lá, eu, Willy Corr ea de Oliveira e Rogério Dup rat, todos nós comp ositor es ávidos de beber, na fonte original, os ensinamentos pr eciosos de Boulez, Stock hausen, Pousser, Ligeti, Berio e N o n o . 81
Em Santos
1962 (hoje
fundou o
ou
Festival
Festival de Música Nova, em ainda
ocorre
na
cidade
Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 45 81 Ibidem Pg. 69. 80
de
60
Ribeirão
Pre to);
em
Manifesto
Música
Invençã o,
que
Nesta
mesma
1963
Nova,
propunha é poca
foi
um
pu blicado uma
compõe
dos na
nova
signatários
Revista Música
n ascemorre,
de
do
Artes
Brasileira.
baseada
em
poema de Haroldo de Campos - para coral, pe rcu ssão, fita magnética e duas máquinas de escre ver, onde são usados microtons e estruturas aleatória s. O trabalho, de cer to modo estocástico, joga com as probabilidades e inclui a participação real do intérprete na comp osição-montagem de um PROCESSOdireção musical cujo desenvolvimento é previsível; por ém em suas p articularidades, d e p e n d e d e s u a c a u s a l i d a d e . 82
83
Gilberto foi um dos pioneiros no Brasil a mergulhar no
campo
da
aleatoriedade,
da
música
microtonal
e
Ibidem Pg 78. Partitura nascemorre, de Gilberto Mendes, no livro Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 79 82 83
61
concreta,
valendo-se
visuais
e
parte m
do
caso
teatrais
movimento
halte rofilista
Kuss
–
e
de
do
ou
notações
suas
a rtista
Abe rta
três
Beij os
novas
(muitas
Ópera
de
de
–
partitura s
no
palco,
ação
mais
a mplificados
musicais
como
teatral
é
um
o
operística ,
aplaudindo;
pessoas entre
musicais,
homem
e
Der uma
mulhe r, com ação teatral; Pausa e Menopausa – pa ra 3 intérpretes,
xícara s
de
café,
projeção
slide s;
de
O
Objeto Musica l – homenagem a Marcel Ducha mp, pa ra o ventilador, barbeador e létrico, com açã o teatral. Outra Gilberto é
característica que
muitas
importante
de
suas
no
traba lho
de
composiçõe s de pendem
da leitura que o inté rprete faz de sua peça . É o caso de
Blirium
(1965),
uma
música
aleatória
levada
às
ultima s conseqüências, feita somente das instruções de como
“Quando
realizá-la.
Blirium
é
magnificamente
realizada , não posso dizer: que bela obra compus! Na v e r d a d e o a u t o r é o i n t é r p r e t e . ” 84 A
forma
proposta
em
Bliriu m
se
aproxima
muito
das criaçõe s em colabora ção. No teatro, muita s veze s o diretor propõe um tema, ou uma imagem para que se ocorra
uma
improvisaçã o
dramaturgia
ou
não.
regras
pa ra
fazer
ensaio
pré vio,
pois
Na
que
poderá
Pe rformance
sua
ação,
em
a
bu sca
pe la
geral
ser o
fruto
artista
não
da cria
existe
indeterminação
um e
a
experiência em si se tornam mais forte s. O que Gilberto propõe e m Bliriu m é a co-autoria, o intérprete te m que
84
Ibidem Pg. 85
62
se colocar con ceitualmente para não ser engolido pe la obra e por sua cau salidade . 85
Na década de 80 G. Mendes começa a redescobrir através da nosta lgia de seus mestre s do passado como Webe rn
e
Stravin ski,
música
popu lar
da
passando primeira
por
metade
sua
paixã o
pe la
do
sécu lo
(em
especial o jazz) e pelos ve lhos musicais da Alemanha e de
Hollyw ood
(como
Hollaender)
e
cria
obras
como
Saudades do Pa rque Balneário H otel (1980) , pa ra piano e saxofone alto, e Ulysses in Copa cabana surfing with
James Joyce e Dorothy Lamou r (1988), pa ra orquestra de câma ra. No começo, eu fazia uma música mais ligada ao serialismo integral, mas eu nunca quis ser um serialista, min ha músic a inc orp or a outr os elementos. Por causa disso, na Eur opa eles dizem que sou p ós-moder no. Partitura Blirium, de Gilberto Mendes, no livro Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 86 85
63
Mas eu mesmo prefiro que me chamem de transmoder no, que é como me defino. Isso quer dizer que eu transitei pelo moderno e s u a s v a r i a ç õ e s . 86
Como já estava mu ito familiarizada com o universo de
Hilda,
Gilberto
quando
entendi
comecei o
porquê
a
entender
e ra
tão
o
pe rcu rso
importante
de
ser
G.
Mendes nosso Amós Ké res - “Hilst”. Compreendi que as obras
de
Mendes
e
Hilst
têm
um
enorme
diálogo:
ambos têm um g rande humor e um certo sa rcasmo, ao mesmo tempo em que se utiliza m de artefatos eruditos, líricos e popula res. Ambos se se ntiam incompreendidos pelo
pú blico
e
tivera m
um
reconhecimento
maior
tardiamente. Le mbrando uma fala já citada no início do texto, de Gilberto: “Já e stava ficando velho, com mais
de
trinta
mim,
na
anos,
e
música”.
nada Hilda
havia aos
acontecido
50
busca
ainda
na
pa ra
pornog rafia
uma maneira de se tornar mais lida. Ela em Campinas, para
ficar
longe
Santos pa ra do ma r. eles,
em
gêneros
se
da
badala ção
proteger da
Brin cando de seus sem
seguir
caminhos realmente
são
de
São Paulo, ele
bronquite a
mão
capazes
estare m
e e
se a
de
fixados
enamora r
contra-mã o, flanar
a
em
pelos
algum.
Um
tango e um arroto, uma pornog ra fia e uma poesia. ...o percurso criador ao ger ar compr eensão maior do pr ojeto, leva o ar tista a um con hecimen to de si mesmo. Desse modo, o percurso criador é para ele, também, um Farinaci, Antonio. “Sou transmoderno", diz Gilberto Mendes; filme sobre o músico abre o Festival Música Nova. http://musica.uol.com.br/ultnot/2006/08/09/ult89u6808.jhtm acessado em 01/07/2014. 86
64
processo de a u to-c on hec imento. O artista se con hece dian te de u m espelho c on stru ído por ele mesmo. Rasurar a possível concretização de seu grande projeto é, 87 assim, rasurar a sim mesmo.
* * *
Propostas para um filme – primeiras tentativas de produção
ou
marra”
como
para
ou
como
produzir
cidade
que
uma
faz
aprender pessoa
um
dispersa,
a
sem
filme?
produzir nenhum
ou
São
atravessa
e
“na
talento
Paulo, engole
a as
pessoas. Graça s ao projeto Viva Pagu, Rudá K. Andrade e eu fizemos
uma
visita
a
Gilberto.
Du rante
a
primeira
entrevista, em julho de 2010 ele soltou a frase: “eu sou
músico por uma ocasião meu sonho me smo era te r sido artista
de
cinema,
fazer
pa pel
de
p r o f e s s o r . . . ” 88,
dito
isso, a primeira coisa que veio à cabe ça foi Com Meus
Olhos de Cão – “filme”. O pe rsonagem Amós Kéres, é um
profe ssor,
Gilberto
um
Mendes
seria lismo,
a
poeta faz
matemático
lembra r
aleatoriedade,
e
a por
e
a
poesia fim
música con creta ,
a
o
matemática.
Porque não con vida-lo para faze r o filme como ator?
SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998. Pg. 131 88 Depoimento de Gilberto Mendes em entrevista sobre Patrícia Galvão feitas por Rudá k Andrade e Thaís de Almeida Prado em 8 de maio de 2010. 87
de
65
Vértice Aresta e Face Vi o suspiro da ave. Tetraedro: vértice quatro Aresta seis, faces quatro Mergulho Vívido nu no teu quarto. Hexaedro: vértice oito Aresta doze, face seis Meu bico apodrece Sobre a página breve. Octaedro: vértice seis Aresta doze, faces oito Balanço do galo Na rama da noite. Icosaedro, vértice doze Aresta trinta, faces vinte Suores e tintas Rondando o limite. Monstruosidade: vértice vinte e um Aresta quarenta e cinco, faces vinte e seis, Muro de avencas caindo em pencas matando o rei. Empalideço, Atlanta. Um Vivien vento Varrendo a anca. Amós Kéres Amor Kéres? Trembla de viño Mi cuerpo de destemor.89
Fiz o convite e ele a ceitou se m levar muito a sério “eu
não
sou
ator,
se rá
que
consigo?”.
Em
seguida
come cei a procura r pe ssoas e produtores que pudessem ajudar pessoas
a
desenvolver a
qual
entrei
o em
projeto. contato
Uma
das
primeiras
foi
Fla vio
Amoreira
Viegas, por se r alguém muito próximo a Gilbe rto e um 89
Hilst, Hilda. Com Meus Olhos de Cão. Editora Globo, São Paulo. SP. 2001. Pg. 44
66
adorador
dos
2010
viria
e le
tra balhos para
de
São
Hilda
Paulo
Hilst.
Em
acompanhar
Agosto G.
de
Mendes
em uma g ravaçã o de e stúdio então escre vo:
Seria
a
chance
de
encontrá -los
em
São
Paulo
e
tentar apresenta r o projeto. Gilberto no entanto can cela a
viagem
mesma
e
a
proposta
semana,
Tavare s,
da
projetos. Lá
ma rco
A c e r e 90,
aca ba
então
parce iro
não
uma de
conve rsa mos sobre
sendo
reunião
produçã o
feita. com em
Na
Rune outros
formas de produção e
a p r e s e n t o u m p r i m e i r o e s b o ç o d o r o t e i r o e s c r i t o 91, c o m muitas
propostas
de
locações
e
pe rsonagens.
Rune
sugere que eu me inscreva em algum edital, poré m meu trauma
com
espera r
um
causavam
os “nãos” de dia
algum
aflição,
editais e
“sim”
pa ra
principalmente
a
necessidade
fazer
por
se
o
projeto
tratar
de
de me um
filme com Gilbe rto Mendes a os seus 88 anos de idade Durante a faze de trabalhos com o Coletivo Corrosivo, criamos uma parceria com a Acere, que tentava nos ajudar a viabilizar nossos projetos. www.acere.com.br 91 Primeiro tratamento do roteiro em Anexos. 90
67
na época. Rune suge re então que eu reescre va o rote iro pre vendo menos locaçõe s ou então que escolha apenas uma loca ção (o caba ret / borde l) onde todas as cenas pode riam se passar como num travelling . Montamos um esboço de escaleta (que ele fica de me enviar por email)
pensando
nestas
cenas
e
na
possibilidade
de
transforma r o filme num grande travelling . Em 28 de outu bro de 2010 Gilberto Mendes lança s e u C D C a v a l o A z u l 92. P ó s c o n c e r t o , e u o p r o c u r o p a r a conve rsa r e o rele mbrar de quem eu era e do filme que “iríamos
fazer
juntos”.
Gilberto
sempre
bem-humorado
respondia que não sabia se seria um bom ator, mas que gosta ria de tentar. Entre altos e baixos e sem sabe r muito bem como cria r me ios de desen volve r o filme passo por fases de “engavetamentos”
e
por
momen tos
onde
acorda va
de
madrugada querendo liga r para todos que pudessem me ajudar a produzir o filme. Os editais ia m chegando e eu nunca me inscrevia porque acre ditava que este projeto não deveria
espe rar editais ao passo que
o tempo ia
passando e Gilbe rto fazendo ma is anive rsá rios. Durante o ano de 2011 passei tentando marca r reuniões que iam por água abaixo, por cancela mentos recorrentes frutos dessa cidade imprevisíve l que é São Paulo e etc.
Em
outubro de 2011 Rune me manda o e sboço de escaleta que havíamos criado um ano antes.
http://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,gilberto-mendes-lanca-novo-cd-em-saopaulo,630706 acessado em 03/07/2014 92
68
93
Ao cabeça
olhar de
a
escaleta
imagens
do
e la
livro
me que
monta me
um
quebra
ficavam
muito
fortes; ao mesmo tempo eu sa bia que eram muitas, e o filme deve ria se r um curta, em prin cípio. O tempo foi correndo
mais
rápido
que
pudéssemos
pe rce ber
e
quando nos demos conta era 2012 e eu havia começado o mestrado e
estava
ensaiando
como atriz uma
peça,
de processo colaborativo, ba sea da em textos de Hilda Hilst com a direção de Rafael Truffaut e com Mauricio Coronado que
também
conheci
no
Daniel
e lenco. Mora
Foi
neste
Fuentes
momento
em
(herdeiro
Escaleta feita por Rune Tavares em nossa reunião para o Com Meus Olhos de Cão em 16/10/2010 93
do
69
patrimônio
e
da
obra
de
Hilda
Hilst)
e
em
julho
apresentei o projeto do Com Meus Olhos de Cão pa ra ele. Danie l se entusiasmou e sug eriu que eu procurasse encorajadamente Gilberto Mendes, o que pe la timidez de não ser uma diretora con hecida , por não te r um projeto substancial, por não ter ve rba e estrutu ra para filma r se prorroga va mais e mais. Eu e Daniel Mora Fuentes nos j untamos com Rudá K.
Andrade
(quem
me
a pre sentou
o
Gilberto
Mendes
pessoalmente em 2010) e passa mos a tentar manter o projeto
vivo.
Muitas
vezes
acorda va
de
madrugada
pensando n o Gilbe rto e pensando no filme . Em
meio
à
escrita
da
qualif icaçã o
(que
não
abordava o filme na época) e aos prime iros cortes de
Nowhere (filme do próximo capitulo) , Com Meus Olhos de Cão ia ficando de lado. Foi então que praticamente um ano depois, no dia 8 de agosto de 2013, fui à Casa das Rosas pa ra o lançamento do livro Musica Cinema do
S o m 94, d e G . M e n d e s e l á o f i c i a l m e n t e m e r e a p r e s e n t o para
e le,
fa lo
do
filme
mais
uma
vez
e
marco
f i n a l m e n t e uma visita em sua casa em Santos. Praticamente
um
mês
depois,
no
dia
15
de
setembro Daniel, Rudá e eu nos organizamos para ir à Santos,
para
uma
conversa/entrevista
com
Gilberto
e
para apre sentar o projeto Com Meus Olhos de Cão junto ao livro da Hilda. Um dia antes da ida à Santos, Daniel me convida 94
Mendes, Gilberto.
Música, Cinema do Som. Editora Perspectiva. São Paulo 2013
70
para passar por Campinas e assistir a peça A Obscena
Senhora D com Susan Damasceno, na Casa do Sol, onde eu
pode ria
me
hospedar
em
um
dos
quartos
vazios
reservados a os residentes a rtísticos. Me prepa ro e sigo rumo a Campinas, a mesma cida de que por coincidência ou
não,
Gilberto
me
apresentou
Mendes
(no
para
o
unive rso
H omologias),
e
musical
finalmente
de
pa ra
visita tã o espe rada e adiada à quela famosa C a s a
a do
Sol. * * *
A primeira Visita à velha senhora, Madame Hillé Ao vários
chegar
à
Casa
do
Sol
somos
cachorros,
todos
adotados
rece bidos
pe la
Hilda
por
quando
ainda viva . A casa com seus objetos, suas relíquias e seus cães já começa a criar um sentido por si só para o
filme.
Hilda
é
aquela
casa!
Começamos
a
imaginar
Gilberto Mendes sendo filmado e interagindo com todo esse
entorno,
e
por
con seguinte
interagindo
com
a
própria Hilda ali mate ria lizada. Sou re cebida como u m ente da família por Olga Bilenky uma das fundadoras do
Instituto
Hilda
Valença,
diretor
H i l s t 95 e de
mãe
projetos
de
Daniel
das
e
por
residên cias
Ju randy artí sticas
ali. Ao
chegar,
Susan,
a
atriz,
está
se
concentrando
para o in icio da pe ça feita na sala de estar da casa, com
toda
a
mobí lia
do
lug ar.
A
peça
era
uma
adaptação de A Obscena Senhora D, um livro que tem 95
http://www.hildahilst.com.br/site/
71
muitas afinidades com Com Meus Olhos de Cão: ambos os
personagens
questionam
Deus,
se
pe rguntam
da
morte e sã o levados como loucos pela s pessoas à sua volta. Hillé , de A Senhora D, de tanto querer entender os porquês aca ba perdendo a noçã o de realidade. Ela desafia
Deus,
assim
como
H ilda
se mpre
desafiou
inclusive a travé s de Amós Ké res. Em Com Meus Olhos de Cão, o personagem Amós Kéres,
um
professor
de
matemática,
“vive
uma
experiência transcendental onde rece be um impacto de cores,
sem
linha s
ou
contorn os,
uma
espécie
de
m e t a f í s i c o ” 96.
97
Pécora, Alcir. Nota do Organizador. In:. Com Meus Olhos de Cão. Hilst, Hilda. Editora Globo. 2001. Pg. 8 97 Desenho feito por Hilda Hilst, com assinatura ficcional de Amós Kéres. 96
Sol
72
Depois de ssa experiência ou intuição inesquecí vel, afasta-se e se aliena cada vez mais dos seus de veres, mergulhando n o que é inte rpretado pu blica mente como loucu ra. A re lação de Hilda com a loucura, como já foi dito é bastante forte sendo intrin seca mente ligada a seu pai e abordada em muitas de suas obra s assim como sua a tentativa de compreende r a morte e seu confronto com Deus. Com Meus Olhos de Cão é um dos livros em que Hilst con segue traze r a tona estes trê s questionamentos simu ltaneamente. Amós lida com a sensação da morte, a tentativa
de
enveredar
pelos
perguntada
compreender
por
caminhos Caio
e da
desafiar loucu ra.
Fernando
Abreu
Deus Hilda sobre
e
se
quando Deus,
responde : Na Minha novela Com Meus Olhos de Cão, o personagem Amós, um matemático, começa com uma frase que algumas pessoas acham esquiz ofr ênica: ‘Deu s, u ma su per fície de gelo ancor ada no r iso.’ Essa novela chega ao fim como uma composição matemática, um con jun to vazio, um c írc ulo. Mas um vazio vivo também, c omo o vazio vivo do Zen, ou da li ter a tura de Sa muel Beck ett. En tã o me veio assim: Deus é quase sempr e essa noite escura infinita. Mas ele pode ser também um flameja n te sor vete de cerejas. É uma escuridão absoluta, mas de repente tem uma volúpia doce lá dentr o. Como se fosse esse sorvete de c erejas . Te vem o gos to de u m d i v i n o q u e v o c ê n ã o s a b e n o m e a r . 98 Diniz, Cristiano (org). Deus pode ser um flamejante sorvete de Cereja, conversa com Caio Fernando Abreu, 1987. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 99 98
73
Chegando ali na Casa do Sol e ra eu, quem mais uma
vez
tinha
aquele
olha r
“apalermando
do
cão”.
Tentando entender uma sensaçã o muito forte de estar num lugar que me parecia tã o fa miliar. Junto com Daniel come çamos a vislumbra r imagens e cenas pa ra inclusive propor a Gilberto n o dia seguinte em
Santos.
Na
mesma
n oite
eu
sonho
com
H ilda .
No
sonho e ra como se o Gilberto fosse uma pe rsonifica ção dela mesma . Ela me dizia para filmar de ta l jeito ou de outro.
Dizia:
-
“Aqui
eu
quero
ficar
cheia
de
papé is,
deitar sobre pa péis, me esconde r sob os papéis, mas eu não posso faze r, entã o pe ça pa ra o Gilbe rto fazer n o meu
lugar.”
Acordei
com
um
filme
em
minha
ca beça
“dirigido” pela própria Hilda Hilst. Pode ria brinca r de ter um
“filme
psicografado”
e
talvez
dialogar
com
as
crença s que Hilda tin ha na existê ncia do “outro lado”. No dia seguinte acordamos cedo e nos prepa ramos para a tra vessia até Santos. * * *
A
Primeira
Visita
ao
velho
senhor
–
Gilberto,
Amós? Ao chegarmos em Santos, Rudá, Daniel e eu somos rece bidos Gilberto objetos fazem
por Mendes
de parte
Eliane, o
cultura da
artista
qual
chega
mate rial
cole ção
plá stica
de
de
em
mulher
seguida.
vária s
Eliane
e
e
Na
sociedades vários
de
casa, que
quadros
74
pintados por e la com o retrato de Gilbe rto. Aquela ca sa toda branca, se m musg os, sem f ungos e bolor não nos parecia se r a casa de Com Meus Olhos de Cão. Pedimos longa
pe rmissã o
conve rsa
infância, depois
sua
da
onde
asma,
para
filmar
e
G.
Mendes
nos
sua
estadia
na
existência
do
mu ro
de
começamos conta
sobre
Alemanha
Berlin,
uma
sua
sua
antes fuga
e da
Polônia . Aos poucos tentamos in trodu zir a proposta do filme pa ra ele. Entreg o primeira mente o livro da Hilda Hilst, (o próprio Com Meus Olhos de Cã o) e conto que queremos partir de ste livro para cria r um filme. Ele nos pergunta
se
não
haveria
um
roteiro,
explico
que
este
estava sendo extinguido porque gosta ríamos de fazer um filme onde a dramaturgia partisse e pertencesse a nós. O filme se ria u ma mescla de cada um de nós com o livro de Hilst. Gilberto fa la então de Hilda, de como e la era uma mulhe r em
um
bonita
e
recita l
de
como
onde
ele
se
conhece ram
a pre sentava
rapidamente
uma
de
suas
composiçõe s ba seadas em poema dela Trovas de muito
amor pa ra uma amado senhor: Trova I e Trova XV. Ele contou
também
da
época
em
que
Hilda
freqüentava
Santos e namorava um moço “barra pe sada” da cidade. E com muito orgu lho dizia ter rece bido um ca rtão de n a t a l 99 d e H i l s t , c o m u m a d e s u a s g r a v u r a s , a g r a d e c e n d o pela composiçã o. As
99
tentativas de
a pre sentar a
ideia
pa ra
Gilberto
Gilberto guarda o cartão de Hilda até hoje em sua casa, na biblioteca da Casa.
75
eram
se mpre
memórias
bastante
pessoais
Gilberto
sempre
durante
a
de vora das
que
ele
achava
entrevista
gostaria
um
e
pe las
jeito
fomos
de
histórias nos
para
ofe rtar.
fa lar
perce bendo
e
de
que
si sua
personalidade forte seria e ssencial pa ra que ele nã o se tornasse um ator re pre sentando o pe rsonagem Amós em si,
mas
assim
como
João
Miguel
Ex-Isto,
em
que
Gilberto e Amós pudesse m coexistir juntos na cria ção, como
se
os
confundir
ele mentos
com
deveríamos
a
da
vida
tomar
vida
do
cuidado
de
outro. pa ra
um Ao
não
pudessem mesmo
sermos
se
tempo
engolidos
pelo deslumbre que era escutar suas história s, porque a proposta
fílmica
era
uma
ficção,
ou
me lhor
dizendo,
cantarola
diversas
“uma fricçã o”. No meio da
entre vista
Gilberto
música s uma delas Ich bin von Kopf bis Fuß auf Liebe
eingestellt
e
outras
filme.
no
ele
pe rgunta Ao
que
se a
pode ria
resposta
cantar sempre
essa era
e
SIM .
“Mas min ha voz é asmática...” dizia ele. Nosso
compositor
também
repetia
várias
vezes
a
pergunta: “passei no te ste? Estou demitido?” Ele tentava entender se aquela conversa era um teste para que ele pudesse
fazer
o
para
nenhum de
por
conseguinte
filme . n ós
No
entanto
trê s que
Hilda
tinham
não
havia
Gilberto, Amós que
se
dúvidas Kéres
juntar
e
nesta
empre itada fílmica . Gilberto apreço
ao
e
Hilda e rudito,
sempre ao
souberam mesmo
que
tempo
tinham nunca
76
compreenderam por que não eram tão escutados, lidos e/ou inte rpretados no Brasil. Essa grande frustração em Hilda
fez
com
pornog ráficos lite ratura,
Lamby
que
uma
como
(1990).
o Já
ela
bu scasse
espé cie fora
de
com
Gilberto
O
em
chamariz
Caderno
ta lve z
e lementos pa ra
sua
Rosa de Lori
despretensiosa mente,
cria duas de suas músicas mais conhe cidas Motet em Ré
Menor ou Beba Coca -Cola (1967) e Santos Futboll Music (1969)
que
se
tornam
conhecidas
mundia lmente.
A
questão é que a mbos se mpre criaram obras à seu modo, passando fixarem
a
por
formas
nenhum.
O
e
movimentos que
os
artí sticos
leva va
à
uma
sem
se
grande
liberdade criativa. Sempre digo que sou, no mín i mo, tr ês comp ositor es diferentes: o d e v a n g u a r d a do San tos Footba ll Music, Beba Coc a -Cola, Nascemorre e Ashmatour, o clássico m o d e r n o d e Pour Elia ne e Tr ova I e o c l á s s i c o p o p u l a r que comp ôs Salada de Frutas e A Festa. Mas, como estou vivendo muito, vou indo p ara o quarto comp ositor, que é uma soma de todos eles – o 100 transmoderno.
* * *
Kiyomura, Leila. Gilberto Mendes chega aos 90 anos com ares de quem atravessa os 20. http://www5.usp.br/28808/gilberto-mendes-chega-aos-90-anos-com-ares-de-quem-atravessa-os20. Acessado em 01/07/2014 100
77
Dos
preparativos
para
“estar
sendo
ter
s i d o 101 ”
Amós Kéres. Alguns problemas de produçã o surgira m: o primeiro, Gilberto
tem
uma
idade
muito
avançada
(91
anos)
e
alguns proble mas de saúde, como a Bronquite (ale rgia que
fez
parte
música, à
de
sua
vida
toda,
assim
como
de
sua
Asthmatour, e motivo pe lo qual
exemplo de
ele optou em vive r em Santos) e um re cente trope ço no sofá
de
sua
sa la
Precisa ríamos porém
sem
que
então verba,
havia
lhe
ser
muito
como
fazer
fraturado
o
cuidadosos para
fêmu r.
com
deixa-lo
o
ele, mais
confortáve l possí vel?. O segundo problema , Gilberto não gosta
muito
problema s
de
com
sair a
de
Santos,
Bronquite,
justamente
então
como
por
seus
levá -lo
para
Campinas e para Sã o Pau lo? De veríamos te r alguém que o acompanhasse? Estas
problemáticas
aca rreta ria m
também
em
um
desapego a o roteiro escrito inicialmente ao que Rudá se colocava
menos
imagens
muito
a
favor.
Para
inte ressante s
ele que
o
roteiro não
propunha
deveríamos
descartar e nos ajudaria a se rmos cuidadosos em como lidar com o Gilberto. Rudá sugeria que tivéssemos um segundo ator que fizesse Amós Kéres j ovem. Eu
não
era
tão
favoráve l
à
ideia.
Me
a petecia
visua lizar Gilbe rto como Amós em todas as sua s faixas etárias, me smo como a criança Amós, pa ra assim criar um distanciamento de um certo “realismo” que pude sse Estar Sendo Ter Sido, é o ultimo livro publicado por Hilda Hilst onde há uma homenagem clar ao pai, além de citações de seus poemas. 101
78
ocorrer.
E
no
caso
de
ser
muito
impossí vel
termos
Gilberto e m alguma s cenas eu preferiria entã o que Amós jovem f osse feito por uma mu lher, ou então por vários atore s e
atrizes
sem
um apeg o
a
um ca ráter a penas,
para causar uma fricção entre a Hilda que e screve e a Hilda que é personificada por um personagem masculino. No ano anterior, pós con versa com Rune Tava res, as opções de locações já estavam se tornando apenas um salã o de Caba ré o qual depois da visita à Casa do Sol pode ria ser feito lá. Ma s se rá que Gilbe rto topa ria uma cena de cabaré? Ao coloca r a questão ele abre um sorriso e passa a relata r a s famosas musica s de caba ré na Alemanha, compostas pe lo já citado re petidas vezes Frederick
H ollander,
que
chegaram
ao
cinema
de
Hollyw ood. Um prostí bulo a la Ca baré a lemão da década de 20 realmente era a cara de Hilda e Gilberto (Hilda , talvez pelo som de seu sobrenome, Hilst, ou por a lguns de
seus
pe rsonagens
que
nos
remete m
inconscientemente à Alemanha). No entanto a questã o caia no mesmo tópico; como produzir?
Sem dinhe iro, sem carro para
leva r e traze r
Gilberto, sem parcerias, sem equipamentos e etc... No dia seguinte, 16 de setembro de 2013, no meio do ensaio de uma peça, rece bo três liga ções seguidas do número de telef one do G. Mendes. Começo a ficar pre ocu pada: - “Gilbe rto, 91 an os!!!”, saio pa ra atender. Gilberto livro
“em
ligava uma
porque sentada
queria só”.
dizer Tin ha
que
havia
adorado
a
lido
o
maneira
79
como H ilda escrevia e queria fa zer o filme . “Por fa vor, não me abandonem!”, dizia ele do outro lado da linha . E uma questão sua ficou no ar: “- esse livro é um fluxo de pensamento, como você vai f azer isso vira r cinema?” Eu já não sabia mais e o desafio deste filme seria de descobrir “o como” junto com Gilberto. * * * Conto
para
marca mos
de
realiza r
filme.
“em
o
como
se
Rudá
fazer
e
Daniel
uma
Nossa
reunião
reunião
conseguir
sobre
verba
o
de
produção
acaba para
telefonema
ficando
fazer”.
A
e
para
focada questão
editais era colocada à mesa novamente, ao que eu me opunha , já que havíamos dado uma ponta pé inicial no filme, não de veríamos deixa r esfriar o processo. De todo modo Daniel se prontifica em te ntar algo por Ca mpina s e
eu
em
escreve r
um
texto
para
apresenta ção
do
projeto. A
sensação
era
que
estas
reuniões
de
produçã o
nos faziam na realidade “des-produzir” o filme e eu a espera r ten sa. As relações tencionais, que mantêm a vitalidade do p r ocesso de construção da obr a, apar ecem também nas emoções do criador. As mar cas psicológicas do gesto criador carregam sentimentos que, na medida em que atuam um sobre o outr o, t o r n a m p o s s í v e l a c r i a ç ã o . 102
SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998. Pg 81. 102
80
Para
não
deixar
a
“água
esfriar”,
pa sso
a
ligar
para o Gilbe rto toda semana para conve rsarmos sobre o filme
e
sobre
a
vida.
Alguma s
perguntas
dele
são
sempre recorrentes: -
Você acha que eu posso fazer esse filme como ator? Se quiser desistir de mim e u entenderei.
-
Você tem um roteiro do filme?
-
Como
você
vai
fazer
esse
livro
se
torna r
um
filme? -
É um docu mentário sobre mim?
-
Posso canta rolar uma canção? Não,
“brincar
não de
havia
ser”
dúvidas
Amós
de
neste
que
filme.
Gilberto Existia
de veria sim
um
rote iro, que estava por ser descartado se não fosse a insistên cia de Rudá, ao mesmo tempo não tinha ce rteza se
deve ria
mostra r
para
Gilbe rto,
pois
era
algo
não
“finalizado”. Sobre como iríamos fazer para aquele livro se torna r um filme? Na realidade não conseguia não ver este livro senão como um filme . Para mim era cla ro que aquela ficção era cinematog ráfica. E era muito claro e m minha cabe ça que este não era um documentário sobre Gilberto Mendes, mas sim u ma fricção de e lementos de suas me mórias com a ficção e histórias de Hilda. Setembro novembro ligações
o
se
pa ssou
projeto
pa ra
ra pidamente
ficou
Gilbe rto,
adormecido a
pa rte
de
e
em outu bro e
(fora
as
produ ção
minhas e
a
tentativa de encontros e m si n ão reagia). Min ha ânsia
81
pelo filme perdu rava , já ha via conversado com Odorico Mendes,
um
dos
filhos
do
Gilberto,
pedindo
a lguma
e s p é c i e d e a p o i o , f o s s e d e e q u ip a m e n t o s o u m e s m o n o caso
de
ter
filmagem,
que
ao
Também
acompanhar
que
com
a
ele
se
o
pai
colocou
ajuda
de
em
algum
dia
ao
nosso
dispor.
Rubens
Rewald,
de
pedi
empré stimo de equipamentos e o uso da ilha de ediçã o do depa rtamento do audiovisual (CTR) na USP, os quais pode ríamos
utiliza r
caso
os
alu nos
da
graduação
não
estive ssem precisando. Na
época
cineasta
da
a lemão
Mostra
de
Se bastian
Cinema
Mez,
de
com
São
quem
Paulo
eu
o
estava
fazendo outro filme e já estava inteirado deste, vem ao Bra sil e sugere que eu faça OFFs com o Gilbe rto lendo parte s
do
livro,
assim
decidíssemos
filmar,
sonora
G.Mendes
do
qua lquer
teríamos à
fosse
uma
a
base
disposiçã o
cena de
para
que
dados alguma
eventualidade. Acato à ideia e monto um n ovo plano de traba lho, onde a proposta se ria desapegar-se do roteiro, mantendo
o
livro
Com
Meus
Olhos
de
Cão
como
um
Start Point à maneira de Cao Guimarães e João Miguel ao cria rem Ex-Isto a pa rtir de Ca tatau.
82
103
Depois de vários encontros e desencontros consig o marca r uma gravaçã o no estúdio da ACERE (a mesma de Rune Secco,
Tavares)
designer
com
um
sonoro,
grande com
parceiro
quem
eu
já
meu havia
Edson feito
vários processos coletivos.
Mensagem de Facebook em 07/11/2013 de Thais para Rudá K. Andrade, Edson Secco e Daniel Mora Fuentes 103
83
104
Tudo ce rto e marcado com o Gilberto para o dia 11 de dezembro no estúdio da ACERE. Próximo a data de
gravaçã o,
acompanharia
no
entanto,
Gilberto
Flavio
de
Amoreira
Santos
à
São
Viegas,
que
Paulo
liga
avisando que não poderia vir. Alugamos então um ca rro para
traze r
Gilberto,
e le
te ria
que
vir
sozin ho
com
o
motorista ma s de todo modo depois estaríamos com e le quando chegasse em Sã o Paulo. Dia
10
estava
meio
muito
ve lho,
de
deze mbro,
rece oso
fico
com
em
Gilberto vir
medo
para
de
liga São
morre r”
dizendo Paulo. disse
que
“estou ele.
Mensagem de Facebook em 25/11/2013 de Thais para Rudá K. Andrade, Edson Secco e Daniel Mora Fuentes 104
A
84
Grava ção na ACERE é cancelada . Na tentativa de unir as pessoas come ço a perce ber como a
cidade
de
São Pau lo inviabiliza
“foco”. Todos
estão sempre en volvidos em vá rios projetos ao mesmo tempo, muita s vezes pa ra sobre vive r, e não conseguem se envolve r em um tra balho com intensidade, a menos que
seja
seu
muito
tempo
Hilda
aos
próprio por
33
projeto,
suas
anos
e
mesmo
inte rru pções.
pa ra
assim
Entendo
Campinas,
e
a
leva rá
a
ida
de
escolha
de
Gilberto em cria r um reduto musical extremamente forte e experimental em Santos, pa ra não pre cisa r con viver na cidade
de
Sã o
Pau lo.
“A
asma
de
Gilberto
vinha
a
calha r”. Eu, aos 30 e pou cos anos, sentindo a vontade de também sair de Sã o Paulo, e ainda mais, a nece ssidade de
que
entre
Com Meus
Hilda
Santos,
do
e
Olhos de
Gilbe rto,
jeito
que
Cão fosse este encontro
resolvo
então
pudesse
ser.
filma r A
Casa
tudo
em
do
Sol
pode ria estar pre sente como pe rsonagem em si, sem a necessária presen ça de G. Mende s. Tento
combinar
com
a
equipe
outras
idas
pa ra
Santos ainda em dezembro e m vão. As festas de fim de ano passam. Em janeiro tenta mos conversar n ova mente, mas
tudo
pre ciona va propostas
ficava para mais
se mpre criar
um
fechadas
no
“iremos
roteiro, para
ou
fazer
fazer”. para com
Rudá eu
ter
Gilbe rto.
Quanto ao roteiro, este e ra coisa que Danie l e eu já não
víamos
mais
sentido,
haja
vista
a
transforma ção
85
que
ocorria
ao
lado
de
Gilberto.
O
que
se
mantinha
eram algumas locações e açõe s que daí então poderiam suscitar regras
junto
com
estéticas
G.
que
Mendes
eu
o
filme.
gostaria
de
Havia
seguir,
alguma s
como
por
exemplo na f otografia, bu scava a câme ra estática ou em movimentos
muito
desesta bilizando
precisos
com
o
Subjetivamente
buscava
calcu lado”.
prefe ria
Rudá
liberdade
as
que
havia
não
ações. um
Sim,
que percurso
algo
se
do
filme.
“matematicamente
a
câmera
se
pa rtíamos
roteiro
fosse
prévio
na
e
mão do
para
dar
pressu posto
etc,
como
então
calcu larmos o movimento da câ mera? No entanto, talvez fosse
este
cria r
o
pequenas
g rande
jogo
regra s,
do
das
improviso
quais
mesmo
com
Gilbe rto:
que
burladas
tivessem um princípio em comum para a equipe. Rudá também pre cionava pa ra tentarmos a poio e patrocínio, coisa que não sabia como fazer e que mais parecia empata r o projeto do que ajudar, já que todos que
se
tempo
propunha m a compreendia
e
bu scar a poio acatava
em ter um mínimo de tinha tirar
os
equipa mentos,
dinheiro
Santos
e
do
outros
bolso
a
sumiam.
Ao
necessidade
mesmo
de
Rudá
verba pa ra poder tra balhar. Ele poderia
filmar
a
momento
todo
tra balhos
mas
começavam
não
para a
ir
podia pa ra
cha má-lo.
Daniel esta va enlouquecido com O Instituto Hilda Hilst e não conseguia esta r muito presen te. Com as dificuldades em se encontrar uma data em comu m à todos e com a fa lta de um orçamento justo,
86
resolvo
então
fazer
o
pode ria
se tornar uma
filme
sem
conve rsa
equipe .
A
proposta
muito inte ressante n o
fato de eu estar com a câmera na mão junto com as ações de Gilberto. A estaríamos
sensaçã o seria de que nós dois,
“perf ormando”,
“dan çando”,
“orquestrando”
juntos num mesmo baile. Sobre a direçã o, pedi pa ra G. Mendes algumas propostas de lu gares que ele gostasse de
freqüentar
memórias,
em
pedi
Santos
também
e
que
peça s
suscitassem
musicais
suas
suas
que
pudésse mos encenar de algum modo (mesmo que isso já houve sse sido feito no documentário A Odisséia Musical
de Gilbe rto Mendes, de Carlos de Moura R ibeiro Mendes) e pensei e m traze r da minha experiência de dire ção n o teatro, temas, imagens, objetos Hilda
e
em
minha
própria
baseados no livro, em intuição
que
pudessem
desenvolve r uma ação dentro do improviso. O
não
sabe r,
e
o
não
entender
começava
a
se
torna r o trajeto do filme, a ssim como o de Amós Kére s do livro de Hilda . * * * Por conta do percurso que meu na
época ,
eu
estava
mestrado toma va
a compan hando
o
processo
de
filmagem de Cristiano Bu rlan , o qual foi muito generoso ao
abrir
semanas
seu
traba lho
próximas
do
criativo. Carnava l
Ele
filmaria
e
seriam
nas
duas
estas
as
mesmas semanas as quais poderia visitar o Gilbe rto em Santos. Tive que optar pelo Bu rlan com um certo pesar
87
e a filmagem de Com Meus Olhos de Cão se restringiu a
dois
dias,
Seba stian
Mez
gravamos deveriam dia
sendo
os
(que
OFFs
ter sido
propus
que
cenas
no
primeiro
estava de
G.
no
Mendes
com Bra sil (os
feitos e m de zembro); e improvisadas
com
a
ajuda
n ovamente) mesmos no
Gilbe rto,
que
segundo enquanto
tinha a câmera na mão.
105
105
Imagens do caderno pessoal de anotação de direção. 17/03/2014
de
88
Trovas a um ilustre senhor O trabalho Re pe tir duas ve zes um mesmo fragme nto n ã o é u m e f e i t o s o n o r o , é m u s i c a . ” 106
Chegamos deveríamos
à
casa
filmar
e
de
Gilbe rto
gra var
o
e
sabíamos
áudio
lá.
No
que
entanto
Gilberto vive com a mu lhe r, Elia ne, e com a sog ra, u m ano mais nova que ele, numa casa onde o som vaza e entra por todos os lados. F omos à sa cada, onde fica a piscina e onde vez ou outra Gilberto re cebe a visita dos urubus
(sobre
os
quais
ele
Seul
compôs
un
urubu
solitaire) para nos distanciar do som de TV ligada que vinha de dentro da casa . Eu e stava com a câme ra na mão, mas neste primeiro dia nos preocupa mos mais em gravar o áudio, que ficou sob incumbência de Sebastian. Gilberto se ilu minou ao e star e m presença de um jovem
a lemã o.
experiências
Não
e
pe lo
memória s
jovem que
em
ele
si,
o
mas
pela s
suscitava.
Ele
desatou a falar da Aleman ha e de Friedrich Hollaender. À
cada
alguma
take de
tre cho
le mbrança
ou
OFF
lido,
Gilberto
me mória
sua.
Nesse
do
contava momento
come cei a percebe r, que as palavras do livro de Hilda se
esvaiam,
mas
se ria
possível
manter
o
espí rito
do
filme atravé s das pa lavras de Gilberto. A Presença de Sebastian foi de g rande valor nestes dois dias de filmagem, Gilberto sentia praze r em re petir as mesma s histórias que já havia contado na primeira Schaeffer, Pierre. Die Reihe. Pg. 12 In: Mendes, Gilberto. Perspectiva. São Paulo 2013 106
Música, Cinema do Som. Editora
89
entrevista e també m em alguma s conve rsa s por te lefone. Perce bi que a repetição e o minimalismo presentes em sua
obra
maneira
mais na
vanguardista
repetição
de
retornava m
suas
de
uma
“A
histórias.
certa
partir
de
Nascemorre esse gosto meu pela repetiçã o iria se fazer s e n t i r e m q u a s e t o d a a m i n h a o b r a . ” 107 E r a c o m o s e o mesmo te ma de uma peça voltasse novamente em algum momento. Mas como transpor isso para um filme? Amós Kére s enlouquece na obra, mas será que ao mistu rar as memória s de Gilberto eu não poderia correr o risco de fazer pare cer, que do nosso ponto de vista Gilberto
e ra
lou co?
Não,
definitivamente
não
era
isso
que queríamos! Gilberto é um artista muito lúcido, assim como Hilda o e ra e Amós de veria estar lúcido e m suas elucubrações.
Registrei
esta
questão
colocada por Seba stian pa ra me
que
me
foi
pre ocupa r durante as
próximas propostas e durante a montagem. Para
o
segundo
dia,
havíamos
pre visto
filmar
na
P o n t a d a P r a i a 108 i m a g e n s c o n t e m p l a t i v a s d o G i l b e r t o e termina r alguns OFFs que fica ram por fazer, além da s improvisações sua
casa
cu rtas
descobrimos
prog ramadas. que
era
dia
Ao de
chegarmos faxina,
em
tinham
esquecido de n os a visa r e a programação começou a ir por água aba ixo.
Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 78 108 A Ponta da Praia é um dos lugares que Gilberto mais gosta de ir. Principalmente para ver o pôr-do-sol, este foi um dos lugares que ele havia me recomendado para filmar. 107
90
Aceitar a inter venção do imprevisto imp lica comp reender que o artista p oder ia ter feito aquela obr a de modo diferente daquele que fez . Aceita-se a s c oncr etiz aç ões a lter na tiva s – admite-se qu e ou tra s obra s ter ia m sido p o s s í v e i s . 109
Entre
brecha s
maquinarias
ou
de
de
silêncio
a lguém
do
passando,
barulho
de
grava mos
mais
alguns trechos de texto OFF e propus, ante s de sairmos para
o
almoço
improvisações aparelho de
e
para
para
Gilbe rto:
Ponta a
da
primeira,
Praia,
três
utilizando
um
r a d i e s t e s i a , c h a m a d o d u a l r o a d 110 e
tendo
como ponto de partida uma história que ficou bastante famosa
de
Hilda
Hilst,
quando
começou
a
pe squisa r,
influenciada pelo traba lho do su eco Friedrich Jüngerson, experiências serem
de
grava ção
re produzidas
em
tre cho
fitas por
magnéticas trecho,
que
ao
re bobinando
dezenas de vezes com um certo ritmo, re vela vam voze s que supostamente seriam “de outra dimensão”.
Salles, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998. Pg. 34 110 Instrumento formado por dois arames montados sobre duas bases que permitem a livre movimentação dos mesmos, garantindo, desta forma, sensibilidade às influencias externas. Este instrumento usado em radiestesia serve para detectar e determinar fluxos de energia. No que se refere à energia da terra, Dual Road determina com precisão o ponto geopata, se este ponto se tratar das conhecidas Redes Hartmann e Curry, ou mesmo de água subterrânea. 109
91
111
Como não tinha um gra vador de fitas magnéticas à mão
e
pe la
praticidade
deste
estranho
a pare lho
que
lembra filmes fantasmag óricos, propus então a Gilberto que brincasse com a idéia de que ele estaria captando vibrações do ambiente e que a partir do movimento do
Dual
Road
e le
criasse
uma
nova
composição
sonora.
Para isso e le pode ria u sar a própria voz e o corpo. 112
Gilberto, que ainda usa u ma bengala (por conta da fratura
no
fêmu r)
se
dispôs
a
fazer
o
exercício
sem
utilizá -la e criou uma partitu ra de movimento e voz com estas duas “va retas” na mão qu e permea vam o lírico e o paté tico, algo muito próximo do que Hilda propunha
111
112
Hilda fazendo seus experimentos. Imagem do Dual Road.
92
em
Com
Meus
Olhos
de
Cão
e
do
que
G.
Mendes
propunha em a lgumas de suas pe ças. Du rante este s dois dias eu e Gilberto estabe lecemos uma espécie de dança , eu
com
Mendes
a
câme ra
e
ele
memórias.
A
na
Flanando
cada
de ambulando
mão
ponto
pe lo
espaço
de
partida
atrá s e
de
por
que
G.
suas
propunha
Gilberto transf ormava e m a lgo ainda maior. O
Mesmo
improvisação espelho.
aconteceu uma
Inspirada
“sé rie por
que o Gilbe rto olhe sorriso
citado
pe lo
um
uma
a
segunda
encenada” tre cho
do
proposta
para livro,
de
câmera/ pe ço
para
para a câ mera e transforme esse personagem
caretas. G. Mendes cria lembra va
com
uma
brincade ira
de
em
seqüência criança.
uma que
sé rie por
Aquela
de
horas
criança
como a que citada por Oswald de Andrade, a que “vê com olhos livres”. Há dias atr ás Amanda me dissera que eu sorria de um jeito novo. Novo? pergun tei. É, esquisito, você não sorr ia assim. Mas eu estava sorr indo? Clar o que estava sorrindo, Amós, pelo menos a boca ficou esticada, olha, você está sorrindo qu ase sempre, e mostr ou, assim. A boca fez um imp ercep tível movimento para a direita, um pequeno vinco desse lado do r osto. É, p arece um sorriso sim. Mas p or que sorria eu? Feito de gosma e riso Jogador de mitos Equaciono quimer as Sou começo e roliço E vou descendo o abismo D o t e u t e r ç o . 113 113
Hilst, Hilda. Com Meus Olhos de Cão. Editora Globo. São Paulo. 2001. Pg 27
93
A
câme ra
contrário
do
na
que
pela
dificuldade
sala
de
sua
mão
propunha em
casa
se
e
aca bou como
filmar
con seguir
acontecendo, reg ra
no
ao
anteriormente,
pequeno
espaço
capta r Gilberto em
da sua
“dança vibra cional”. No entanto, Seba stian e eu ficamos de
fazer
a
mesma
cena
na
Ponta
da
Praia
com
a
câmera fixa.
114
Gilberto em seguida, nos con vida para almoça r no restaurante Almeida , no centro de Santos conhe cido por seu
famosos
freqüentado
peixe por
Meca.
Este
restau rante
era
operá rios
que
trabalhavam
na
maquinaria do bonde. Refestelados de tanto come r nos
114
Frames feitos com a experiência do Dual Road.
94
pre paramos para ir à Ponta da Praia . Se bastian, a lerta que Gilberto poderia e star cansa do, mas G. Mende s não se cansa nunca, aos seu s 91 an os e le tinha muito mais carga de energ ia do que nos dois na ca sa dos 30 an os. No
caminho
para
a
Ponta
da
Praia
começa
uma
indecisã o de Gilbe rto em ir ou não. Fico sem sabe r o que definir, pois o limite de le realmente nos era caro. Ao chegarmos no meio do caminho começa uma chuva fina o que nos faz desistir de filmar na praia , não por nós, mas por nosso ator. Ao a ssistir o materia l bruto, se nti que a emoçã o de segurar a câmera e dançar juntamente com Gilbe rt o era
forte
deixava
no
a
momento
desejar,
do
entendi
efê mero, que
mas
precisaria
o
registro
de
alguém
com a câ mera , pa ra que assim pudesse fica r livre e m observar pensei
e
em
intervir. Se bastian
Rudá
não
pode ria
Mez,
que
inclusive
ajudar, é
então
diretor
de
fotog rafia. Acha va que por Mez ter um tra balho muito calcu lista
em
seus
filmes
criarí amos
uma
boa
fricçã o
com o meu jeito “nada calculista”. Sebastian volta para a
Aleman ha
mas
marcamos
seu
retorno
pa ra
o
Brasil
meados de junho. Entre fim de Ma rço e inicio de Junho aca bo tendo que me voltar para a pe squisa de mestrado que ainda envolvia
na
época
o
tra balho
de
Cristiano
Bu rlan
apenas. Por motivos da filmage m de Burlan não conter traços de um processo colabora tivo e ser uma ve rsã o de Hamlet a cabo por optar, junto com Cristian Borges,
95
em assumir o Com Meus Olhos de Cão como pa rte da disse rtaçã o junto com Nowhe re (também posteriormente acrescentado), De sassossego e Ex-Isto. Seba stian Mez que volta ria ao Brasil em junho teve que cancelar sua viagem. Pen sando em outras pessoas que
pudessem pe lo men os me
encontro
Heloisa
quem
vinha
já
Uru rahy,
acompanhar em
diretora
conve rsando
sobre
de
Santos,
f otog rafia,
outros
com
traba lhos
e
proponho uma viagem no mês de Julho pa ra filma rmos. E já
pensando no futu ro
Alexandre
(Leco)
momento da
Wahrhaftig
pa ra
edição,
montar
o
con vido tra balho.
Conhe ci Alexandre durante um grupo de estudos da PósGraduação, orientado por Cristia n Borges. Em u ma das reuniões
comentei
sobre
Com
Meus
Olhos
de
Cão
e
Gilberto Mendes e e le ficou surpreso, adorava o livro e gosta va de Gilberto. Sim daria
um grande samba essa
mistu ra Hilst Mendes. Fizemos u ma reunião em Maio e mostrei o material bruto e algo pré -montado que estava traba lhando
para
tentar
construir
um
roteiro,
mesmo
com a ausência ainda de algumas imagens eu utilizava carte la de texto explicando o que seria aquela cena e o que viria de pois. Ao ve r o mate rial Alexandre comenta:
“é, vai dar traba lho”. Não entendi se era um “sim” ou um “não”, mas de toda maneira ele estaria dentro do projeto.
96
115
Novamente sobre a fotografia , começo a visualizar um
tratamento
de
imagem
que
pudesse
reme morar
a
coloraçã o da visão de um cã o, com ausência de a lguns tons e etc, como se passo a passo o filme pudesse ir ganhando essa diferenciação da cor. Escre vo:
116
115
Imagens do caderno pessoal de anotação de direção. 17/03/2014
97
Enquanto
Santos
não
vem
ou
outras
formas
de
criar material para o filme No dia 21 de Junho, Gilbe rto Mendes vem à São Paulo mais uma ve z, pa ra apresentar uma perf ormance no
Museu
Gregório pelos
do
Futebol.
Gananian
percursos
e
O
tra balho
Daniel
e ra
K a i r ó s 117,
expe rimentais
da
dirigido
o
arte
qual
e
de
por
conheci “Hilst”
e
retomei contato e m uma aula da pós-g raduação na PUC e
depois
na
USP.
Kairós
havia
dirig ido
um
traba lho
lindíssimo baseado em Rútilo Nada, de Hilda Hilst, com Donizeti Mazonas e We llington Duarte. Convido então para o e vento Heloisa e Alexandre para
ve rmos
possí vel,
“a
performance
juntos
Gilberto
moda
de
filmarmos,
guerrilha”.
encontramos
com
Ao
Kairós
se
nos
fosse
chegarmos que
nos
na
libe ra
para a f ilmagem. Heloisa
fica
com uma
câmera
fixa, e
expe rimenta
texturas com objetos em f rente à câmera , Alexandre fica com
câme ra
na
mão,
porém
fixo
nos
movimentos
de
Gilberto Mendes, eu gravo o som e filmo coisa s muito experimentais do espa ço. Meus direcionamentos no dia ocorreram sobre que
o
antes
conceito
achávamos
da do
perf ormance, filme ,
como
imprescindível
quando
conve rsamos
pode ríamos
existir
e
etc.
faze r,
o
Ambos
entram no projeto como se já tivessem sido pa rte desde o
início,
sem
problema s
em
propor
idéias
e
etc,
ao
Imagens do caderno pessoal de anotação de direção. 10/09/2013 (houve uma confusão na data descrita. Setembro de 2014 ainda não ocorreu.) 117 Daniel Kairós assina também como Daniel Fagundes em alguns dos seus Trabalhos, é o caso de Rutilo Nada. 116
98
contrário demais
de
Se bastian,
pode ria
atrapa lhar
um
o
qual
influenciar
dire tor.
O
acreditava
e
caso
de é
que
um
que
opinar
ce rto
modo
aqui
o
todo
ia
sendo construído em conjunto, n ão ha via nada fechado. * * *
Paramos por aqui... A proposta pa ra a nova fase é fazer uma imersão e
passa r
viven ciando quem
puder
duas e
semanas
propondo
estar
em
coisas
pre sente:
Santos, com
Heloisa,
no
mínimo,
Gilberto
e
Alexandre ,
com Rudá,
Seba stian, Daniel e etc. Na data da defesa provave lmente este tra balho já terá
mais
deta lhe s
que
poderã o
ser
in seridos
posteriormente. Ou quem sa be u m primeiro corte .
118
118
Desenho feito por Hilda Hilst, com assinatura ficcional de Amós Kéres.
99
Retorno à
Santos
(páginas anexadas poste riormente à
entrega da disse rtaçã o por tere m ocorrido de pois e em continuidade à pe squisa)
Entre os 1 e 2 de Agosto de 2014 (época em que o
texto
da
disse rtaçã o
estava
já
na
gráfica
para
ser
impresso) , estive em Santos nova mente com o intuito de filmar mais cenas com o Gilberto. No desde
prime iro
minha
dia,
última
senti
visita,
que
que
fazia
era
tanto
difícil
tempo
propor
ao
Gilberto sa irmos de sua casa para filma r. Eu tive que falar novamente do filme e ele sentia muita necessidade de
me
vida.
relatar
Sua
outros
necessidade
frag mentos de
fala r
de de
memórias si
de
sobre punha
sua as
minhas tentativa s de f ilmar. Con segui então que e le me mostra sse a carta de Hilda Hilst com dedicatória, e que lesse um poe ma de la.
119
Neste 119
dia
Gilberto
me
re la ta
Cartão de Natal de Hilda Hilst à Gilberto Mendes sem data.
sua
recente
100
“epifania”: a música, ou melhor a arte, era uma forma de se conecta r com Deus. Pa ra ele algo novo, já que Gilberto não acreditava em Deus. Pedi para que ele me contasse a história olhando pa ra câmera. assumir
este
dia
como
uma
primeira
Aca bei por
rea proximação
a
Gilberto e ao filme. N o dia seg uinte resolvi ir a Ponta da Praia sozinha (já que pare cia ser muito complicado levar o Gilberto até lá), e a noite o encontrei apenas como parte da continuação da visita e pa ra o “anúncio” de um bre ve retorno. Na
semana
do
Gilberto
pa ra
Resolvo
convidar
dia
marca mos a
20
de
minha
atriz
Agosto,
nova
Nathalia
ida Lorda
ligo à
para
Santos. para
me
acompanhar na viagem e quem sabe assim despertar G. Mendes
para
primeiro
a
dia
cena.
Ela
marcamos
propõe
as
cantar
em
da
manhã
10h30
cena. com
No o
Gilberto e digo à Natha lia que a meta é ela tenta r me ajudar
a
levar
chegarmos muito
lá
Gilbe rto no
entanto,
entusiasmado
fazermos
cenas
improvisar musica l.
de
uma Ele
pa ra
em
Ponta
Mendes
da não
se
Ao
mostra
de
casa,
Gilbe rto
ao
piano.
Peço
para
compõe
uma
pa rtitu ra
onde
surpreende
com
então
Praia.
sair
cena
nos
G.
a
olha res
proponho
e
e le
gestos
cinematog ráficos, neste ínte rim Nathalia propõe colocar um
figurino
piano
como
e
eu
uma
peço
para
apa rição.
que
Gilberto
ela
fique
toca
pe rto
do
clássicos
da
música erudita e nesta organiza ção, g raças a presença da
Nathalia ,
vamos
criando
cen as
mais
clara s
para
o
101
filme. Peço aos dois que leia m um fragmento do livro de Hilda Hilst, e criamos u ma ce na-ensaio. Em um dado momento
Gilberto
começa
a
tocar
uma
mú sica
de
Frederico Garcia Lorca a qual Na thalia coincidentemente havia pensando em cantar pa ra ele. Atravé s deste acaso eles
fazem
um
dueto
piano
e
voz
para
a
minha
surpresa . Após o almoço Gilberto resolve nos mostrar suas composições.
ele
diz:
“eu
gosto tanto das minhas mú sicas... dizem que
para
ser
um
de
grande
Com
uma
artista
g rande
você
não
nosta lgia
deve
gostar
suas
própria s coisa s, ma s eu gosto da s minha s. Será que não sou
um
grande
“reapaixona”
artista?”
por
sua
Especificamente
mú sica
“Sinfonia
ele
de
se
Navios
Andantes”: - “uma música de praia, e eu sou da praia” diz e le orgulhoso propondo que fizesse u ma cena onde ele
dançasse
esta
então filma r este marca mos
de
música
com
momento.
nos
O
encontra r
no
Nathalia. fim da dia
Resolvemos
tarde
seguinte
chega e
e
tentar
novamente leva r Gilbe rto ao mar. Por sorte
estávamos
velho amig o, Erik
hospedada s
Morae s em comum à
na
casa
Nathalia
de
um
e
eu,
que havia se mudado pa ra Santos, ele tin ha um carro e foi
deste
modo
que
con seguimos
con vidar
Gilberto
a
sair. Buscamos G. Mendes e o levamos à Ilha Porchat, pois e le
dizia
que
lá
a
luz
poderia
iluminar
be m seu
rosto. Lá propu s coisas pequenas em volta à paisagem.
102
Pedi para que e le me contasse novamente sua epifania sobre
a
arte
e
Deus,
e
que
fizesse
uma
cena
canta
pa ra
contemplativa olhando o por do sol. Nathalia
propõe
uma
cena
onde
ela
G i l b e r t o . P e ç o p a r a q u e e l e a ol h e a p e n a s q u a n d o e l a come çasse a cantar, e que e la, como uma memória, nã o o olha sse como u m momento do passado. Outra imagem que criamos é de Gilberto andando na praia , falando de suas
memória s.
acabado,
de
E
por
Nathalia
ú ltimo,
dançando,
pois
a
à
Isadora
lá
luz
já
havia
Duncan,
como definira Gilbe rto Mendes a o vê-la dança r. * * * No
dia
seguinte
“Thaís,
ag ora
enredo,
ele
pode ríamos Navios
eu é
entendi
um
usar
Andantes’
Gilbe rto
filme
liga
filme!!!
meio
aquela nos
o
me
maravilhado:
ele
não
espetácu lo!
minha
música
entremeios
do
tem
Acho
um que
‘Sinfonia
filme ,
-
como
de um
enredo. Eu posso te ajudar! E Podemos dançar a mú sica novamente !” Gilberto
se
abriu
pa ra
a
cen a
e
ficou
muito
entusiasmado em contracenar com Nathalia, a lém de me perguntar se te riam outros atores no filme e etc. Na semana seguinte ele
me liga novamente
para
falar sobre o filme e me pergunta novamente se há um enredo. Aos poucos e le entende o espírito do filme. No participar
dia de
03 uma
de
Setembro
oficina
de
volto
à
proce sso
Santos
pa ra
colaborativo,
103
Ime rsã o
Olho-Urubu,
audiovisuais Festival
inspirada s
Mirada ,
coordenada grande
para pe la
de
por
criaçã o
cidade
artes
André
laboratório,
a
os
pí lulas
Santos
cênicas.
Guerreiro
onde
de
de
e
Esta
Lopes
pelo
oficina
propunha
participantes
um
cria vam
rote iros audiovisuais em cola boração à equipe (diretor de
fotog rafia,
direto
e
montador,
editor
Utilizávamos projeções,
de
produtora,
som,
alé m
expe rimentações à
proposições
ca ptações as
apresenta vam
de
Mirada,
do
que
de
de
gera l).
partiam
desde
de
Santos,
à
que
se
teatro
re criando
som
diretor
imagens
companhias
no
ca ptador
cenas
as
quais
faziam uma citação as peças de stes artista s ao mesmo tempo
em
que
se
explora va
ou tra
linguagem.
Em
uma
das expe rimenta ções convida mos Gilberto Mendes, e com ele
fizemos
uma
entre vista
chroma
em
key
sobre
sua
biografia e sua re laçã o com a cidade de Santos. A oficina terminou depois de ce rca de 10 dias e eu
continuei
em
Santos
enquanto
a
filmagens.
Durante
fazer
atriz
alguns
pa ra
Natha lia esta
Lorda
semana
contatos
“espetacu laridade”
pa ra
traba lha r
o
com
chega
anterior para
filme:
um
Gilbe rto para
eu
con segui
traze r novo
as
mais
ator,
Erik
Moraes, passou a faze r pa rte da trupe , assim como a pintora
Natá lia
Brescancini,
a
diretora
de
fotografia
Heloisa Uru rahy (já pre sente em alguns momentos deste proce sso), o poe ta Flá vio Viega s Amoreira e o músico e amigo
de
G.
Mendes,
Márcio
Barreto.
Como
eu
não
104
tinha
muito
tempo
há bil
para
explicar
o
proce sso
entreguei o ve lho e abandonado rote iro nas mãos dele s e fragmentos de livro Com Meus Olhos de Cã o. Natália B.,
por
livro
grande
e
tinha
coincidência,
imagens
havia
muito
aca bado
fre scas
em
de
sua
le r
o
me mória.
Fizemos nos duas u m brain storm e ela trouxe diversas imagens que existiam no embrião do projeto mas que já estavam esquecidas. No livro de Hilda, um dos pe rsonagens, Isaiah, um físico
o
qual
entendeu
que
“tudo
são
polígon os
e
portanto nada existe de fato” é casado com uma porca chamada Hilde. Na ideia inicia l do filme sempre quis ter a imagem inusitada deste casal, o físico e a porca . Por outra
coincidência,
Natá lia
B.,
estava
andando
por
Santos e se depa rou com u m casal que passea va com uma porca e uma cabra de estimação. Quando e la nos contou isso, passei a procura r mais informações de ste casal,
até
descobrir
que
e ram
vete rinários
e
viviam
perto da região onde estávamos hospedados. Propu s a Márcio Barreto que interpreta sse o físico Isaiah e que a partir
do
texto
improvisasse
da
alg o
Hilda
que
sobre
chegasse
os a
políg onos uma
ele
discussão
filosófica sobre música com Gilbe rto/Amós. Para conseguimos
as a
filmagens Pinacoteca
do
dia
de
14
Santos
de
Sete mbro,
como
locação.
Chegamos lá para descobrir o espaço e assim filmar. Eu tinha
algumas
Gilberto
imagens
inte rpretaria
sua
como peça
roteiro
O
pa ra
Objeto
filma r:
Musical
–
105
Homenagem
a
Marce l
Duchamp
(1972),
em
frente
ao
espelho do banhe iro da Pinacoteca, com um ventilador ligado
e
um
ba rbeador
(e leme ntos/
instrumentos
da
peça) e mescla ria a ação de se ba rbea r com textos do livro Com Meus Olhos de Cão; a outra imagem era ter Nathalia Lorda como a representação das mulheres que passa ram pela vida de Amós ( Gilberto) Kéres, porém não havia
nada
decorasse
muito
um
cla ro.
texto
Pedi
contido
no
então
pa ra
“velho
e
que
ela
abandonado”
rote iro e assim descobriríamos q uando usar. Erik sugeriu interpretar o pe rsonagem do Reitor e passou a estudar o texto do roteiro. Fora esta s imagens ma rcadas para a ordem do dia o resto era misté rio pa ra todos nós. O musico Marcio Barreto
levou
alguns
instrumentos,
todos
levara m
adereços e propostas de figurino enquanto eu e Heloisa Ururahy
in vestigávamos
os
me lhores
locais
dentro
da
cinemateca para filmar e visualizávamos os planos. * * * No atravessa morte, vida.
livro o
Com
e spe lho
visualizando A
proposta
anteriormente
Meus
era
e
Olhos
fica
suas
num
e
Gilberto
ele
Cão,
limiar
memórias
para que
de
Amós entre
Kére s vida
reavaliando como
executasse
sua
foi peça
e
sua dito
O
Objeto Musical, a o pa sso que se olha sse no e spe lho e dissesse
fragmentos
do
texto
de
Hilda
Hilst.
Gilberto
cria va uma rela ção com o e spe lho onde a interpretaçã o
106
mais
natura lista
poucos.
Ele
ia
se
tornando
Com
citava
Meus
expressionista
Olhos
de
aos
Cão
e
acrescentava elementos seus, ta nto em pala vra s quanta na ação de interpreta r O Objeto Musical pa ra o cinema. Terminada esta cena os atore s passa vam o texto em voz alta nos salões da Pin acoteca, foi num acaso destes que tive mos a primeira a parição do Reitor (Erik Moraes)
no
filme.
Erik
resolveu
passar
o
texto
com
Gilberto Mendes (sem que Gilberto sou besse do roteiro), enquanto descia
as e scadas que davam para
o térreo
da cinemateca. A todas as falas que Erik jogava pa ra G. Mendes, este tinha uma re sposta inusitada que condizia muito
com
o
pe rsonagem
Amós
Kéres.
A
imagem
de
ambos de scendo a escada durante este “ensaio” cha mou a
atenção
de
Natalia
Brescancini,
que
nos
avisou
do
momento. Corremos então, Heloisa e eu para filmar e ste momento
e
torná-lo
pa rte
do
filme.
Re petimos
como
cena, posteriormente , algumas vezes e Gilberto sempre tinha
resposta s
su rpreendentes
as
pe rguntas
de
Erik/Reitor (com o texto decorado). Este decorado,
sistema e
de
um
contracenar
ator com
ter
falas
Gilberto
do
sem
roteiro que
ele
tenha tido contato com o roteiro foi uma estratégia que passe i a aderir de pois de sta experiência. A questão não era
a
de
não
dar
acesso
a
Gilberto
ao
roteiro,
até
porque ele o tinha em mãos, porém G. Mendes sempre nos ale rtava que tin ha dificu ldade em decorar textos, e como,
mais
importante
que
Gilbe rto
dizer
um
texto
107
decorado era de ele ace ssar suas memória s a partir do espaço e de relaçã o estabe lecida com a câme ra e os outros atores, descobri que esta dinâmica de trabalho ajudaria o filme a seguir seu caminho mesclando dois universo: o “Hilstnian o” e o “Men desiano”. O outro momento de acaso no filme foi em que Nathalia ela
Lorda
propunha
apa receu pa ra
a
vestida
com
um
personage m Libitina
figurino (a
que
prostituta
do livro). O figurin o remetia-nos aos anos 20 através do chapéu
e
indefinido
das
luvas,
ao
tempora lmente
passo por
que
tinha
causa
do
algo
muito
vestido.
No
salão principa l da Pinacoteca, ha via um g rande arco, ao qual na hora
me
remeteu à
um poema de
Hilda
Hilst
que eu havia musicado quando e nsaiava uma peça sobre a autora . XV E r a m a z u i s a s p a r e d e s d o p r o s t i bu l o Ela estendeu-se nua entre os a rcos da sa la E matou-se deva ssada de ternura . “ Q u e a z u l i n s u p o r t a ve l ” , a n t e s g r i t o u . “Como se adu lta um be rço me ha bitasse” Foi e sta a canção de Natal canta da pelo louco Quando me deu a Hilde : a porca que leva va sobre o d o r s o . 120
O Poema, citava Hilde, a porca que també m existe no
120
Hilst, Hilda. Via Espessa XV in. Do Desejo. Editora Globo. São Paulo. 2004.
108
livro
Com
Meus
Olhos
de
Cão,
além
de
se
remete r
diretamente a um prostí bulo. Pedi então que Nathalia L. cantasse hora)
esta
entre
estaria
música
os
(a
a rcos
sentado
da
qual
eu
havia
Pinacoteca
ao
piano
ensinado
enquanto
na
Gilberto
obse rvando
esta
“cena/memória do pa ssado”. Em seguida Nathalia fala ria o texto do roteiro que ha via de corado diretamente pa ra a câmera . Alguns em nossa
destes
dinâmica
acasos de
aconteciam
diversas
vezes
filmagem. Todos os artistas se
colocavam como criadores do filme e sempre sugeriam imagens, cenas, músicas. Esta
dinâmica
nos ajudava
a
visua lizar juntos o filme a o passo que eu, na função da direçã o, ia filtrando os ele mentos e de volvendo de uma maneira mais focada e próxima ao universo do livro e ao de Gilberto. O filtro era uma necessidade pa ra que o filme pudesse existir em unidade. A
última
cena
desta
cu rta
diária
foi
o
diálogo
entre Isaiah/ Marcio Barreto e Amós/ Gilberto. Musica, poe sia
e
proposta
matemática de
apare ciam
interliga r
os
no
diálogo
como
uma
a
seus
personagens
intérpretes. Ne sta situaçã o ambos improvisaram a partir do tema que propus: falar do ca samento de Isaia h com a
porca
Hilde,
explicando
através
da
noção
dos
polígonos (contida n o livro de Hilda) e aos poucos levar à uma discussão musical e filosófica. Os dois citavam Pitágoras, porca , etc.
a
orige m
da
musica,
o
casamento
com
a
109
Finalizada
a
diária,
no
dia
seguinte
passei
a
procu rar sozin ha o casa l que tinha a porca e a cabra de estimaçã o em Santos. Encontrei a clínica vete rinária onde um dos don os traba lhava e perguntei se pode ria filmá-las
quando
e le
fosse
fazer
o
passe io
diário
na
pra ça. No fim da tarde então fui filmar a porca Pe pa, e a
cabra
Dionísia
pa sseando
pe la
pra ça
em
f rente
ao
SESC Santos. Ambas comiam de tudo; a porca “xereta va” todos os lugares pe los quais passava, enquanto a cabra saltitava bancos
pelo da
e spaço,
praça
pu lava
alem
de
em
cima
comer
de
folhas
mesas secas.
e Era
importante fazer este registro da s duas, mesmo sem ter Gilberto
e
Marcio
em
cena,
pois
eu
pode ria
usar
na
montagem ca so eu não conseguisse reuni-los novamente para
filmar
deste
filme
com se
Pepa
e
pauta vam
Dionísia. pe la
Alguma s
urgência
em
decisões realiza-lo.
Como era complexo te r todos os artistas ao meu lado em
todas
relaçã o imagens
as
com que
filmagens, Gilberto
e
remetessem
eu no as
focava que
eu
suas
muito pode ria
memória s
em
minha
ca pta r e
as
de do
livro, me smo que sem a presença de G. Mendes e dos outros atores.
110
PROCESSOS COLAB ORATIV OS II (PRÁTICAS) – ENTRE DIRETORES NOWHERE
Nowhere é um filme COLABORATIVO, que vem sendo criado em uma mesma dire ção de Desassosseg o – filme
das
ma ravilha s.
Neste
filme
houve
uma
proposiçã o
temática que foi dire cionada a alguns artistas os quais deveriam também re sponder com fragmentos fílmicos que fariam parte de um filme UNO. Sobre a proposta do filme Nowhere se iniciou em Dezembro de 2011 com uma proposiçã o da atriz e também cineasta Flávia Couto a vários forma
artistas de
de
outras
diálogo
partes
para
lida r
do mundo. com
a
Se ria
uma
idéia
de
“estrangeiro”. O Projeto propunha como mote inicia l um filme visão
cole tivo, sobre
onde este
cada “ser
um
pudesse
e strang eiro”
a bordar e
assim
a
sua
enviar
registros de víde o pa ra compor a trama. A principio os registros te riam um teor autobiog ráfico e docu mental. Nowhere, surgiu a priori como projeto ‘Cidades’ em um momento de transição pessoal. Eu estava muito insatisfeita c om as condições de tr abalho de uma atr iz e com a qualidade de vida e or ganização ger al da cidade de Sã o Pa ulo, Br asil. Esta insatisfação ger ou minha decisão de mudança para Pari s . Este momento de grande desilusão com o sistema da cidade em que eu morava tr ouxe a enor me sensação de ‘desp er tencimento’ e desabr ochou a concep ção/ ar gumento de
111
“ N o w h e r e ” . 121
No dia 2 de Janeiro de 2012 Flávia envia por email o convite oficia lmente aos artistas e encamin ha um argumento e uma série de “provocações” criativas pa ra que
assim
os
colaboradore s
movessem
a
cria ção
de
seus respectivos “f ilmes-de poimen to” ou “filmes-diário”.
Das temáticas Como uma tentativa de cria r uma unidade para os fragmentos
F lávia
permea vam
seus
estabe leceu 9
meses
de
algumas morada
temáticas
em
Paris,
que
foram
elas:
Rotina:
Revelar pequenos espaços do cotidiano, como
por exemplo:
os
pe rcursos
mais
utilizados,
o
meio
de
transporte, a casa , o lugar onde se come , os horários estabe lecidos por sua rotina. Como se organiza o dia a dia e quais sistemáticas sempre se re petem.
Rituais:
Os pequenos in stantes de fuga do cotidian o,
que
se
não
momentos
repetem,
especia is
relaçã o
de
espaço
pessoa l
mas
quando
su bjetividade se
que
criamos
dentro
reve la.
acontecem
da
Nesses
em
rea lmente
cidade
em
momentos
a lguns uma que
o
pode mos
reve lar o “eu ” dissociado de contextos e como e le se relaciona com o ambiente onde habita e quais lugares Depoimentos de Flávia Couto, escrito em Abril de 2014 e postado no BLOG do projeto http://cities-movieproject.blogspot.com.br/2013/04/sobre-o-processo-nowhere.html acessado em 22 de julho 2014. 121
112
da cidade potencia lizam nossos rituais particu lares.
Pertencimento: partir
da
sensação
Os e spaços que se cria m na cidade a
nossa de
inte rferência
e
pe rtencimento.
Os
que
nos
geram
lugares,
a
pessoas,
relações onde construímos nossa identidade, ambiente s onde nos sentimos pa rte integ rante de alg o. É possí vel também
explorar
pertencimento, os
lugares
a
onde que
rela ção
nos
contrá ria :
sentimos
nos
repe lem,
expu lsos as
o da
não cidade,
relações,
as
organizações e os contextos que nos distanciam e nos fazem sentir um se r a parte e dissociado do ambiente .
Olhar
da
cidade:
Os espaços e son oridades que são
reve lados a partir do n osso olha r, de
pequenos
detalhes
que
nos
os planos subjetivos
interessa m
mostrar
da
nossa cidade. As coisas que nos chamam atenção.
Arquitetura/urbanismo:
A maneira como a cidade se
organiza em sua estrutu ra urban a e como os edifícios, suas regularidades ou irregularidades que influencia m no comporta mento dos indivíduos qu e a ha bitam.
F o i c r i a d o u m b l o g 122 p a r a o p r o j e t o , o n d e o s a r t i s t a s teriam imagens
a
liberdade e
obstácu los
122
textos fora m
de
que
postar os
tivesse
acontecendo
http://cities-movieproject.blogspot.com.br
fragmentos
de
inspirando.
dentro
deste
vídeo,
Diversos trajeto:
a
113
falta
de
verba ,
a
falta
de
tempo,
a
não
resposta
de
algumas pe ssoas, a distância , as dificuldades de F lávia em Paris e etc. O blog acabou ficando pe rdido e não foi
muito
que
usado,
ficaram
apenas
parados
a lguns
no
esparsos
tempo.
movimentos
Alguns
artistas
se
desliga ram do projeto e fica ram apenas 8 mulhe res de diferentes
nacionalidades,
em
uma
situação
provisória,
de adaptaçã o em um outro país.
* * * Uma leve observação Algo
de
muito
estranho
sempre
acontece
em
minhas parcerias com F lávia Couto. Na peça que dirig i com
e la
Cabelos sido
atuando,
me
feito
a
Comeu pa ra
já
citada
Nesta
homens
...E
o
Madrugada, e
mulheres,
Meu o
Secador
convite
dentro
de
havia
de
uma
temática que abordaria a solidã o urbana onde também utilizá vamos
provocações
masturbaçã o,
a
que
obse ssã o
tanto em Nowhere
(onde
as
temáticas
quase
que
uma
temas etc.
O
como: cu rioso
a
rotina,
disto
como em ...E o Meu
inclusive
extensão
da
dialogam pe ça
pa ra
tudo
a é
Secador...
muito,
sendo
o cinema),
os
artistas que decidiram participa r e ficar até o fim do projeto fora m mu lhe res. O que faz de um olhar de fora acredita r quando
que na
estes
realidade
aca bem e les
sendo
partiram
projetos de
humano e u ma temática mais universa l.
um
de
gênero
desconforto
114
* * * Voltando à Nowhe re, à partir dos e ixos te máticos enviados
por
F lávia
dramatúrgica construídos
e
foram em
por
seu
se
cada
traba lho
de
dese nvolvendo
cidade
e
as
8
condução f ragmentos
artistas
enviara m
suas c o n t r a - p r o p o s t a s já filmadas: Argélia. Aurèlie Rauzier convite (material bruto) Aurèlie
con vida
sua
e
amiga
Clémence Clé mence
Zamora
para
–
uma
Um
viagem
rumo a Argé lia, local donde seu s ancestrais vie ram. Em meio numa
ao
Ramada,
sociedade
cobe rtas onde
o
com
os
homem
véus
tradicionais,
domina
e
a
mulhe r
busca o seu espaço, as duas amigas redescobrem sua sexualidade e u ma nova relaçã o surge entre elas.
Berlim e Köln. Bianca Zanchetta Impressões (material bruto) Uma
jovem
estrangeira
chega
em
-
Expressões/
Berlim
a
fim
de
realiza r o seu sonho de torna r-se bailarina. Focado n o universo interno da relaçã o universo
sensorial ao
dificuldade
de
seu
personagem, e
pessoa l
redor.
expressã o
A em
o fragmento trata dela
com
esse
incomunicabilidade uma
língua
da
novo e
a
desconhecida
são os temas principais que faze m do filme uma viagem sensorial à pe rspectiva do mundo interno de uma jove m que tem no corpo a prin cipal f orma de expre ssar-se .
115
Hong-Kong. Man Wai (material já editado)
Fok
-
Procurando
o
céu
Hong-Kong, uma grande cidade do mundo mode rno com milhare s e milhare s de arranha-céus. Abaixo dos prédios gigantescos as ruas são e stre itas e comprimida s e as pessoas condensadas são como f ormigas. E
onde se vê
o céu? Quantas veze s olha mos para o céu? Atra vés de fragmentos de imagem Man Wai revela vistas de grandes arranha
céus
e
a
manifestação
de
pessoas
interca ladas com as fresta s do e squecido
nas
ruas,
céu de Hong-
Kong, em meio a seus imensos e difícios. Londres. Camila Ganc A liberdade sociedade de controle (material bruto)
em
uma
Este fragmento exprime a possibilidade da rotina de um indivíduo estrangeiro em Londres, a solidão, a oscilação do
ritmo
da
cidade
durante
o
dia
e
as
brusca s
mudanças climáticas, alé m de e xplora r atravé s de uma linguagem corporal, a busca da liberdade de expre ssã o do corpo e m Paris.
lugares pú blicos.
Flavia
Couto
–
Impermanências
(material
bruto) O fragmento do
ano
bra sile ira
a
conta
através
pe rmanência
em
Paris.
São
da
de
passagem da s esta çõe s
um
re velados
ano
de
F lavia ,
fragmentos
de
uma uma
busca de um reencontro com si mesma, em uma cidade extremamente impermanente e contrastante pe lo g rande afluxo de turistas e imig rantes. Os pa rques de Pa ris n o primeiro
sol
do
ve rão,
os
metros
aba rrotados
no
116
inverno,
os
turistas,
a
ba irros
dos
solidã o e
imigran tes,
vazio das
o
verã o
relações das
cheio
de
pessoas
na cidade luz. São
Paulo.
Thaís
Almeida
Prado
-
Origem/Destino
(material bruto) O fragmento a borda a cidade de São Paulo a partir da cria ção
do
espetácu lo
da
Cia.
Auto-Retrato
Origem/De stino, um projeto de intervençã o teatral que se
desloca
pelas
ruas
da
cidade
de
São
Paulo.
A
cria ção do espetácu lo traz a tona à Cia. a dificuldade de se deslocar e de
coabitar as rua s de u ma cidade
que se perdeu em seu planejamento urbano e que tem sido a lvo de dive rsas proibiçõe s, inclu sive artísticas. A trajetória da peça vai da Sé à Santo Amaro, e durante o pe rcu rso de criaçã o os artistas escolhem os melhores trajetos
que
transeunte própria
pe rmitam
comum.
Cia.
ou
a
deslocar
Entre crise
crises com
a
o
de
olha r
processo
cidade
os
de entre
artistas
um a se
deparam com me mórias pe ssoais rela cionadas a lugare s e a história rapidamente esquecida de uma São Paulo em constante transforma ção.
Washington.
Emma
Jaster
–
Impulsos
(material
já
editado) O
impulso
criativo
de
Emma
a
leva
pelo
distrito
de
Columbia. Sua bicicleta a impulsiona no movimento da cidade
e
ela
descobre
inspira çã o infinita. o fragmento
117
explora
os
espa ços
criativos
que
encontramos
em
nossas cidades e em n ós mesmos." Em meados de julho de 2012, para que o projeto ficasse mais concentrado, as artistas optaram por ha ver duas diretoras ge rais e escolhe ram Fla via Couto e Thaís de
Almeida
estarem havia
morando
voltado
audiovisuais 2012
Prado
a
como
estas
novamente
na
morar
Sã o
Paulo).
Os
chegando
aos
pou cos
e
material
que
não
foram
tínhamos
um
em
representantes, mesma
cidade
falava
por
(F lávia
registros
no
fim
de
tanto
do
“ser e strangeiro” mas que dialog ava muito entre si por outras a bordagens. Era um olhar de intervenção a rtística no espaço. Esta s mu lhe res prese ntificavam seus olha res através da cria ção de
arte , e ra mais que um registro
documenta l, era um registro pe rformático n o espaço.
Foram r ealizados vár ios encontr os entr e eu e Thaís de Almeida Pra do e 2 meses (Janeir o e Fevereir o de 2013) de c omp leta imersão na edição da primeira versão do filme. Assumimos esta “dir eção ger al” ao iniciar a montagem, sobr e a p ersp ectiva de unir essas histórias, sem que se tor nasse uma edição em “blocos” mas sim que inter ligasse cada fr agmento, como se todas estas mulher es esp alhadas p or esta s cidades f o s s e m u m a s ó . 123
Durante a montagem do primeiro corte, F lá via e eu estabe lecemos
como
linha
norte adora
as
estações
do
Depoimentos de Flávia Couto, escrito em Abril de 2014 e postado no BLOG do projeto http://cities-movieproject.blogspot.com.br/2013/04/sobre-o-processo-nowhere.html acessado em 22 de julho 2014. 123
118
ano,
assim,
cada
frag mento
iria
se
ama lgamando
de
acordo com o que estas estaçõe s nos implica vam, tanto em
termos
liberdade
de
de
temática
não
n os
quanto prender
em à
sensações,
uma
com
pe rsonagem
a ou
outra podendo mixá -la s, já neste momento as sinopses pré -enviadas
por
cada
a rtista
começa
a
pe rder
o
sentido. Com a primeira montagem “finalizada” descobrimos que a ideia de estações do ano não funcionava, e que o eixo temático era permeado pela busca ince ssante de um lugar onde e stas mulhere s pudessem se aquietar, e que este lugar aquietador não estava lá : a busca e ra por um não-lugar. Todas estávamos em um momento de passagem, de busca, de encontr os, o lugar era ap enas uma extensão desses cor p os. Cada indivíduo assumiu um pap el maior no filme, era cada um em seu vazio, em seu lugar nenhum. A cidade era uma continuidade desse corp o, do cor p o no 124 espaço.
Outro detalhe deste primeiro corte: faltava a lguma espécie
de
humor,
um
“rir-se
de
si”,
faltava
algum
sarca smo, e acreditáva mos que este tal humor viria com a lapidação da edição e com o traba lho sonoro. A
medida
que
o
filme
foi
tomando
corpo,
fomos
resgatando materiais guardados e criando nova s cenas, a partir do nosso olhar de dire ção. Percebe mos linha s
Depoimentos de Flávia Couto, escrito em Abril de 2014 e postado no BLOG do projeto http://cities-movieproject.blogspot.com.br/2013/04/sobre-o-processo-nowhere.html acessado em 22 de julho 2014. 124
119
de
conexão
entre
todas
as
a rtistas:
estas
mu lhe res
video makers que se colocam frente à câmera gerando uma
câ mera-voye r
espécie
de
si
mesmas
-
uma
autobiografia audiovisua l; a rela ção com a dança; com a
solitude;
e
movimentada
também e
manifestações
linha s
de
opressora
nas
ruas
de
oposição:
de
São
Hon g-Kong,
a
cidade
Paulo, a
as
harmonia,
a
quietude e as cores de Washington. Com este s e lementos f omos ela borando ritmos que amalgamaria m
cada
f ragmento
por
si
só,
ou
me lhor
dizendo cada anagrama fílmico, como Maya Deren define para seu traba lho cinematog ráfico: Em um anagrama todos os elementos existem em uma relação simultânea. Consequentemente, com isto, nada é antes e nada é dep ois, nada é futur o e nada é passado, nada é velho e nada é novo ... Cada elemento de um anagrama está tão relacionado com o todo que nenhum deles pode se alterar sem afetar sua série e assim afetar o todo. E, inversamente, o todo é tão relacionado a todas as p ar tes que se lê na horizontal, vertical, diagonal ou até mesmo no sentido inver so, a lógica do todo não é interrompida, mas permanece 125 intacta.
Foram quais
gerados
seria m
Chegadas;
Das
nossa
então nova
novos
capítulos-temas,
linha
pe rmanência s;
Das
norteadora : de spedidas;
incluímos depois Da s explosões/ ebuliçõe s.
Bill Nichols (ed.), Maya Deren and the American Avant-Garde, Berkeley: University of California Press, 2001, pag 6. 125
os Das e
120
126
Havia uma discussão entre Flávia e eu sobre criar carte las
com
estes
títulos
ou
não.
Eu
acreditava
que
estas carte las fe chariam muito u m olha r do espectador, já Flávia acha va que os títulos poderia m servir como um norte
a
quem
assistia.
Nunca
batemos
o
ma rtelo
sentindo
falta
em
uma das opções, até o momento. Durante
a
edição
fomos
de
mais
materiais que compusessem o corpus do filme . Aurè lie e Clémence já não estavam mais na Argélia (e ambas já tinham
mandado
bastante
material) ,
Man
Wai
havia
acabado de se casa r e “desapa recido do ma pa”, Emma havia deixado Washington e
voltando pa ra a França e
Camila, em Londre s, não tinha mais câme ra. Decidimos 126
Caderno de anotações de Flávia Couto, 01.02.2013
121
então filmar novas cenas minha s em São Pau lo, agora com a ajuda de Flávia e retomamos um mate ria l feito em
Be rlim
com
abandonado dança
Bianca
desde
para
uma
Zanchetta
2010
(um
e
que
experimento
perf ormance
dela).
eu
havia
de
vídeo-
Alé m
disso
“recicla mos” vídeos meu s feitos na França que poderiam se conecta r com a estadia de F lávia (no filme) por lá. Nesse momento, de edição imersiva, for am inclusive gravadas novas cenas e foram resgatados materiais de Ber lim que Thaís havia filmado com Bianca Zanchetta em 2010 (fragmentos estes que estavam engavetados para um trabalho de videodança das duas ar tistas) e outr os processos cria tivos que eu, Tha ís e Bianc a vivemos ju ntas em n osso c oletivo de pesquisa Cia . Ô C A . 127
F e c h a m o s e n t ã o u m s e g u n d o c o r t e 128 d e 6 6 m i n u t o s , em meados de pautava
pe lo
coreog rafia
Março de
2013.
movimento.
onde
O
e bulições,
O corpus do filme
filme
seria
calmarias,
uma
se
grande
movimentos
de
chegadas e partidas criariam a narrativa rítmica desta s mulhe res que
representavam um
vivia
ete rna
em
sua
bu sca
de
ser só: o mesmo que um lugar,
o
seu
luga r,
seu não-lugar.
Depoimentos de Flávia Couto, escrito em Abril de 2014 e postado no BLOG do projeto http://cities-movieproject.blogspot.com.br/2013/04/sobre-o-processo-nowhere.html acessado em 22 de julho 2014. 128 DVD do segundo corte acompanha a dissertação. 127
122
129
Assim
como
nos
filmes
de
Maya
Deren
pretendíamos uma narrativa que fosse esta bele cida pela ideia
de
mestrado
ritmo, cita
Flá via
Meshes
Couto
of
disto:
129
Caderno de anotações de Flávia Couto.
em
Afte rnoon
sua
disse rtaçã o
como
um
de
exemplo
123
Meshes of After noon é um filme silencioso, sem dia logos, comunicação entr e seus pers ona gens ou s om dir eto. Tei ji Ito fez a trilha do filme ap ós a morte de Deren . Os sons dos p assos de Deren são metonimicamente acompanhados pela perc uss ã o de Tei ji Ito. A tri lha foi ins pira da na noç ão de Eisenstein de montagem r ítmic a. Em Deren, o ritmo surge da repetição e variação de seus exp erimentos narrativos. ‘Meshes of Afternoon’ instala um estilo inovador p or cor tar a ação quando os passos da pr otagonista passam p or terrenos desiguais como a praia, a terra, a grama e o concr eto. O ritmo do atabaque marca a descontinuidade esp acial, a lacuna de temp o. ‘Meshes’ é como a encenação de um sonho, uma tr a jetóri a narr a tiva ilógi ca , em qu e o fluxo de movimento e a atmosfer a convidam à contemp lação e a transcendência, envolvendo o e s p e c t a d o r . 130
Deste “barriga”
corte , em
chegamos
determinada
a
um
parte
limbo. do
Existia
filme
e
uma
falta va
alguma coisa para have r a sensação de que estávamos caminhando pa ra um final. O tra balho sonoro, que se ria construído
como
uma
segunda
linha
narrativa
e
“coreog ráfica” d o filme ainda não havia sido feit o, ma s já existia m esboços que faziam parte deste corte. Enviamos este corte pa ra nossa s outras pa rceiras, todas
dera m
um
feedback
e
sugeriam
cenas,
falava m
sobre o que sentiam falta e como se identifica vam com o
t r a b a l h o . 131
Estes
comentá rios
nos
fizeram
reve r
elementos no filme e reafirmar outros.
Couto, Flávia. Mitopoéticas do Corpo. Dissertação de mestrado para o Programa de Artes Cénicas da Escola de Comunicações e Artes da USP. 2008. Pg. 28 131 Em anexos é possível ter acesso ao feedback enviado pelas outras artistas. 130
124 132
132
Cadernos de notas de Thaís de Almeida Prado.
125
Na
próxima
etapa
então, começamos a
mostra r a
pessoas distanciada s do projeto. Fizemos um jantar em minha casa e apre sentamos Nowhere para amig os bem próximos. Alguns deles se despre nderam do filme saíram para
conve rsa r
e
bem atentos. Na determinada
fazer
outras
con versa, a
parte
do
coisas,
maioria
filme
outros
apontou
algo
se
f icara m que
perdia
em da
construçã o. “MAS O QUE?” * * * Interrupções
do
modus
operandis
–
mais
uma
vez
São Paulo nos atropela. Eu
tive
Nowhere
que
não
Tivemos que
parar...
era
escre via
parte .
Flávia
dar um tempo ao
minha
precisava
filme.
para nós se rviria de respiro. Respiro filme
com
um
novo
olhar,
aquele
qualifica ção. traba lha r.
Tempo este
que
para voltarmos ao do
“ver
com
olhos
l i v r e s ” 133 . A n t e s d a p a u s a n o e n t a n t o , m a i s u m a c h a n c e : mostra r
para
três
pessoas:
Rudá
K.
Andrade,
Rewald, Sebastian Mez.
* * *
133
Frase de Oswald Andrade em Manifesto da Poesia Pau-Brasil, 1924.
Rubens
126
134
Ao ve rem o filme, Rudá e Rubens con cordava m em vários
aspectos,
Seba stian
pare cia
se
por
pe rdido
um no
lado espaço,
Hong-kong para
para
Rubens
e
Rudá fazia sentindo na transição que cria mos - a saída
Caderno de anotações de Flávia Couto sobre reunião com Rubens Rewald e Rudá K. Andrade, meados de Maio e Junho de 2013. 134
127
de
Thaís
da
“ba lada
Netão”,
em
Sã o
Pau lo,
pa ra
a
manifestação cheia de fogos de artifício de Man Wai em Hong-Kong. Para ele s não era o significado da cidade em si, pois Hong-Kong quase não existe no filme (Man Wai
mandou
um
fragmento
editado
de
3
minutos
apenas), mas a ideia dramatú rgica como um todo. Esse anagrama que cria um sentido próprio a o se conecta r com
outro.
Sebastian
sugeria
que
a
cena
do elevador
fosse o inicio do filme , por ser estranha, te r um ce rto humor e dar uma sensação clau strofóbica, alg o que se repetia na tentativa das pessoa s de saírem do e levador que e nunca acontecia pois se mpre chegavam ao andar errado,
pa ra
margem
à
todos
ele
com
temática
deve ria
dar
esta
do
cena
filme
indícios
em
do
no si.
que
início O
daríamos
começo
seria
o
pa ra
filme.
O
contemplativo do começo e ra in teressante pa ra Rubens e
Rudá,
mas
pre cisa ríamos
re pensar
tudo
pa ra
não
perde rmos o fio da meada no meio do filme, como já estava ocorrendo. Faltava
um
ponto
de
virada
no
filme,
alg o
que
chacoalhasse tudo e não recome çasse o ritmo que ha via sido imposto n o come ço. Fa ltava alguma re viravolta . Todos
concordava m
que
as
cenas
intimistas
em
certos momentos do filme , prin cipalmente entre Au rélie e
Clémence
para
o
era m
lado
necessidade
de
muito
cru ver
boas
destas mais
e
traziam
mu lheres. disto
no
o
espe ctador
Seba stian
filme ,
por
sentia
exemplo:
menos Thaí s tra balhando na peça e nas manifestações e
128
mais
Thaís
em
seu
necessidade
de
ver
sumindo
decorrer
no
filme
e ra
criar
estas
mu lhere s
íntimo. mais
Em
Flávia
coisas,
do
filme .
justamente significassem
parecia
Porém
uma
e le
se
unidade
a
mesma
sentia
que a
ela
ideia
a ia do
onde
todas
mu lhe r,
então
mostra r momentos intimista s de todas ou tenta r mantêlas pre sentes a todo momento, traria a ideia de sé rie, mesmo que fragmentada, como se precisásse mos ve r a história de uma e depois de outra. Isto era algo que Flávia , eu e as outras artista s não queríamos mais. Nós nos afeiçoáva mos à ideia de nos tornarmos uníssonas e não
tínhamos
problema s
em
desapegar
do
nosso
materia l enviado inicia lmente . Rubens
Rewald
perguntou:
porque
um
longa?
Inicia lmente o filme nasceu como um longa, e estava se tornando que vezes
long o
tínhamos.
dada Mas
percebemos
importava.
O
filme
a
quantidade
ao
edita r,
que
longa,
de veria
ter
e
de
ao
média o
seu
material
assistir ou
dive rsa s
cu rta
tempo,
bruto
o
não tempo
que fosse necessário pa ra ele existir, podendo ou não se tornar um curta -metragem.
* * *
129
Algumas delongas antes do fim...
Nowhere é um projeto “provocado” por Flavia Couto, que
convidou
alguns
dire tores
de
diferentes
países
a
enviarem olha res sobre a cidade em que vivem, sem um rote iro prévio, o foco criativo g anhou forma realmente na montagem. A co-dire ção do projeto entã o se deu pe lo mate rial que
foi
mínima
rece bido ideia
do
dos
outros
que
se ria
a rtistas, en viado.
sem Foi
se
na
ter
sa la
a de
edição que o direcionamento do filme como um produto final se deu, na escolha das imagens do a rquivo bruto, na
escolha
das
sequências
de
relação
ou
oposição,
como se fosse a criaçã o de uma partitura musical ou uma
coreografia
de
dança.
Dife rentemente
do
O
filme
Desassossego – o filme das mara vilhas, onde um diretor vem e m seqüência de outro, aqu i optou-se por mesclar todas as artista s em uma só como se fosse m todas uma única personagem, um anagrama de idéias que constitui um macro, como reta lhos que montam uma colcha. Cada
artista
dramaturgia descobe rta temática
do
criou filme
durante
que
a
o
seu
como
roteiro
um
todo
montagem,
extra pola
o
que
pré vio, foi
e
nascendo
havia
sido
poré m tem
uma
a
sido outra
inicia lmente
pensado. Conversamos com a s ou tras artistas que deram suas
opiniões;
opiniões
estas
que
poderia m
sim
influenciar e conta minar de cisõe s, porém a inda assim a decisã o cabia e ainda cabe (porque o projeto ainda não está
finalizado)
à
mim
e
à
Flávia
que
assumimos
a
130
direçã o geral. O que nos leva a um filme conside rado colaborativo
e
não
coletivo,
porque
aqui
há
uma
lapida ção por pa rte da dire ção/montagem, assim como ocorre em Desa ssossego. Descobrimos que este filme nos leva por uma linha coreog ráfica
e
conhecemos
em
sonora,
não
pela
si,
pe lo
simples
mas
a
dança fato
de
que que
cinema é imagem em movimento, e este movimento nos leva de uma imagem à outra criando laços de histórias singulare s
que
se
transforma m
em
uma.
Nossas
personagens tem em sua busca o mesmo e lemento: um eterno buscar do que não é , não está e nã o se tem.
135
135
Cadernos de notas de Thaís de Almeida Prado.
131
SEM
FIM
FIM
COM
Neste ponto da e scrita, me despeço. Dois processos de
criaçã o
cola borativa
descobrirem
como
ainda
um
estão
resu lta do.
em
Se
fase
de
se
levantarmos
a
questão de que certos tipos de obras de arte se dã o justamente por seu proce sso de feitio, ao re latar este s procedimentos podemos ter noçã o de uma ínfima parte do modo de criaçã o de seus artistas. Ao ve rmos este s quatro
filmes,
dois
finalizados
entre
2010
e
2011
e
outros dois ainda buscando seu percurso fina l, podemos percebe r
ce rta
Ex-Isto
construções.
maravilhas Cultura l, verba equipe
tive ram
mas
de
similaridade s
e
grande
reduzida
e
finan ceiro
assim
porte,
suas
Desassossego
a poio
ainda
em
não
respe ctivas
–
do
filme
das
Instituto
Itaú
chegaram
a
ter
uma
quiçá médio. Traba lha ram com
conseguiram
mover
um
núcle o
de
diretore s que se dispôs a fazer fragmentos fílmicos mais pela vontade de fazer cine ma que pelo dinheiro em si.
Em Com Meus Olhos de Cão e N owhere , os a rtistas parte m
sem
nenhuma
base
financeira,
mas
pe la
insistente vontade de se fazer cinema. As pessoas que se
uniram
a
estes
necessidade de
projetos
en caram
se expre ssar, e
isto
como
uma
unem forças para que
as “dores” do faze r sejam minimizadas. Sim, este s novos modos guerrilha
de
produçã o na
tentativa
ocorre m de
como
não
nos
uma
forma
deixar
de
se rmos
132
engolidos por g randes produtora s ou entã o pe la espera de editais que poucos são, para os muitos que somos. E assim, sem fim, continuamos.
133
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137
Anexos
CARTA
DO
DESASSOSSEGO
ESBOÇO
PARA
SE
ABANDONAR:
COM MEUS OLHOS
DE
CÃO
DE
ROTEIRO
COM ME US OLH OS DE CÃ O Para Gilberto Mendes 1 – I MAGENS AO V ENTO INT. - C ANT O ENT RE PA REDE E TETO (C AS A D O SOL) – DI A NARR ADO R / Gilberto Men des Deus? Uma superficie de gelo ancorada no riso. Isso era Deus. Ainda assim tentava agarrar-se àquele nada, deslizava geladas cambalhotas até encontrar o cordame grosso da âncora e descia descia em direção àquele riso. INT. - UMA CADEI R A DE B AL ANÇO (CAS A DO SOL )
– DIA
NARR ADO R / Gilberto Men des Tocou-se. Estava vivo sim. Quando menino perguntou à mãe: e o cachorro? INT. DIA
– INT. - P AREDE C OM M OLD UR A DE Q UAD RO A NTGO DE M ULHER NO C ANT O (CAS A DO SOL )
–
NARR ADO R / Gilberto Men des A mãe: o cachorro morreu. Então atirou-se à terra coalhada de abóboras, colou-se a uma toda torta INT – IM AGENS DE TER R A E DE PL ANT AS (CA SA DO S OL) NARR ADO R / Gilberto Men des cilindro e cabeça ocre, e esgoelou: como morreu? Como morreu? O pai: mulher esse menino é idiota. AUSÊNCIA DE I M AGENS PA I (VOZ OFF) Tira ele de cima dessa abóbora! Morreu. Fodeu-se 2 – IN SERT – MÃ O GES TIC ULA “FODE R” PA I (VOZ OFF) FODEU-SE. 3 – IN T. - E SPELHO E REFLEXO DE UM HO MEM (C AS A DO S OL) AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES de frente para o espelho.
– D IA
AM OS KÉRES/ GILBER TO MENDES (olhando sua imagem no espelho) Assim é que soube da morte. Amos Kéres, quarenta e oito anos, matemático, parou o carro no topo da pequena colina, abriu o carro e desceu. 4 – EX T. MONTE SER RA T (ou P RA IA ) – D IA AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES e REITOR estão na colina e olham o horizonte. Muita ventania. Do topo da colina avista-se UNIVERSIDADE, PROSTIBULOS, IGREJA, ESTADO, UNIVERSIDADE. AM OS KÉRES Todos se pareciam. Cochichos, confissões, vaidade discursos, paramentos, obscenidades, confraria. REIT OR Professor Amos Kéres, certos rumores chegaram ao meu conhecimento. AM OS KÉRES Pois não. Quer um café? REIT OR Não. (o reitor tira os óculos e mastiga suavemente uma das hastes) AM OS KÉRES Não quer mesmo um café? REIT OR
Obrigado. Não. (pausa) Bem, vejamos, eu compreendo que a matemática pura evite as evidencias, gosta de Bertrand Russel, professor Amós? AM OS KÉRES Sim. REIT OR Bem, saiba que jamais me esqueci de uma certa frase em algum de seus magníficos livros. AM OS KÉRES Dos meus? REIT OR O senhor escreveu algum livro professor? AM OS KÉRES Não. Sim! Memórias... REIT OR Falo dos livros de Bertrand Russel; 5 - INSER T – E XT. IM AGENS D A V IS TA DA COL INA COL INA AM OS KÉRES ah! REIT OR E a frase é a seguinte: “a evidência é sempre inimiga da exatidão”. AM OS KÉRES Claro. Amós come ça a an dar contra o v ento e a câmera o segue. REIT OR (OFF som contra o vento) Pois bem, o que sei sobre suas aulas é que não só elas não são nada evidentes como... (TOQUE DE TELEFONE) Perdão. (O REITOR ATENDE O TELEFONE) alô, alô, claro minha querida, é evidente que sou eu, agora estou ocupado, claro meu bem, então vá levá-lo ao dentista, sei sei... AM OS KÉRES (passa a l íngua sobre as gengivas) Também deveria ir ao dentista. 6 - ISER T – DE TALHE
DE UM A BOC A ABER TA. VE MO S APENA S OS DENTES.
REIT OR / DENT IST A (OFF) Claro que ele tem que ir, com a idade tudo vai piorando ele chegou a me dizer da última vez, quando foi mesmo? 7- INT. - ES PELHO E REFLE XO DE A M OS KERES (CA SA DO S OL) – D IA Amós está sentado em frente para o espelho e olha seus dentes. O diálogo é como ele com a própria imagem. REIT OR (OFF) Não importa, mas disse senhor Amós, há uma tensão em toda a sua mandíbula, tensão de um executivo falindo, é fantástico, o senhor não acorda com dores nos maxilares? AM ÓS KÉRES Acordo REIT OR (OFF) Então é isso. Temos que acertar a sua arcada.
AM ÓS KÉRES Quanto? REIT OR (OFF) Ah, é um trabalho difícil. AM ÓS KÉRES Mas quanto? REIT OR (OFF) Ah, dispendioso, veja, temos que acertar todos os dentes de cima e quase todos os de baixo, os de baixo são importantíssimos, nunca se deve perder um dente de baixo, são suportes para futuras pontes, o seu aqui de baixo tá todo roído. BARULHO DE UMA MAQUININHA DE OBTURAR. REIT OR (OFF) Bem onde é que estávamos professor Amós? AM ÓS KÉRES (olhando para o espelho e fazendo caretas para si mesmo) Nas evidencias.
Ah Sim.
REIT OR (OFF) ( baixa o óculos de dentista) O senhor parece não me levar a sério. AM ÓS KÉRES (Com a boca aberta tentando sorri e dificuldade de falar) Como assim?
REIT OR (OFF) Notei que sorriu de um jeito um pouco, digamos, professor, um jeito condescendente, assim como se eu fosse... tolo? AM ÓS KÉRES (ainda tentando fazer caretas) Impressão sua. Apenas também me lembrei de uma frase. REIT OR (OFF) Diga professor AM ÓS KÉRES Então eu digo a frase: “inventar um simbolismo novo e difícil no qual nada pareça evidente”, ele achava isso bom. REIT OR (OFF) Quem? AM ÓS KÉRES O Bertrand Russel. REIT OR (OFF) AH. Continuemos, professor (barulho da maquininha de dentista novamente). Não posso me demorar muito mas por favor tire férias, vinte dias, descanse. AM ÓS KÉRES Mas o senhor não me falou claramente dos rumores. REIT OR
(OFF) Como queira: há evidentes sinas de vaguidão. AM ÓS KÉRES Como? REIT OR (OFF) de alheamento, se quiser sim, de alheamento de sua parte durante as aulas. 8- EXT. M ONTE SER RA T (ou P RA IA) – DI A – SOL QUEI MA NDO vemos Amos Kéres com um olhar longe, fora daquele lugar. REIT OR / DENT IST A (OFF) frases que se interrompem e que só continuam quinze minutos depois, professor Amós, quinze minutos é demais, consta que o senhor simplesmente desliga.
AM ÓS KÉRES Desligo? Que frases eram? REIT OR / DENT IST A Não importa, por favor descanse, tome vitaminas, calmantes. (Tira novamente seus óculos, cobre os lábio superior com o de baixo, suspira, sorri) Vamos vamos, não se aborreça, o senhor tem sido sempre escorreito, excelente mesmo, mas cá entre nós... ( O reitor segura Amós pelos pulsos) cá entre nós, eles não estão entendendo mais nada.
9 – IN SERT – UM A GAI OLA CO M UM P ÁS SA RO DE B RIN QUED O DENT RO, NA Q UIN A DE U MA J ANELA ENTREABER TA - D IA NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) Estranho... na última aula repensamos fraldas, inícios... a raiz quadrada de um número negativo. Citei um matemático do século doze, Bramine Bascara: “o quadrado de um número positivo, tal como o de um numero negativo é posittivo. 10 - INT. Q UA RT O DE P RO STÍB UL O (C AS A DO S OL) A RR UM ADO, ONDE EST Á A G AI OLA. Vemos detalhes de roupas de mulher, a cama, abajur, pedaços da cortina. A câmera percorre o quarto enquanto há a voz off. NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) Portanto a raiz quadrada de um número positivo é dupla, ao mesmo tempo positiva e negativa. Não há raiz quadrada de um número negativo, pois o número negativo não é um quadrado”, no entanto Cardan, no século dezesseis... LIBITINA / Flavia arruma o quarto. Amós Keres/ Gilberto Mendes lê um livro de Calculo INFINITESIMAL. NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) Na adolescência a professora de redação pedira três contos breves. Short stories, meninos, sabem o que são short stories? Alguns babacas levantaram a mão. Muito bem, quem não souber pergunta aos outros, muito bem. Dois de meus colegas mostraram-me continhos imbecis, farfalhar de folhas passarelhos nos ramos brisas na cara etc. Aí escrevi: Primeiro conto (vulgo short stories) - Mãezinha, ando farto das tuas besteiras sobre moralidade e família à hora do jantar. Já te vi várias vezes chupando o pau de papai. Me deixa em paz. Assinado, Júnior. Segundo conto (vulgo short stories) - Vidinha, pensa bem, tu tem cinquenta e eu vinte e cinco. Tu diz que é o espírito que conta. Eu compreendo Vidinha, mas tô me mandando. Não deprime. A gente se cruza, tá? Assinado, Laércio. Toda essa fala eu ouvi tomando guaraná no balcão de um armazém. Ele era um garotão, ela uma gordota de olho pretinho. Terceiro conto (vulgo short stories) - O nome dele é Sol e Adultério. O do meu marido é Elias. Meus filhos se chamam Ednilson e Joaquim. Tenho vontade que todos morram. Menos ele. (Aquele primeiro, luz e cama.) Sinto muito meu Deus, mas é assim. Assinado: Lazinha.
Deste eu gosto muito. Adultério me parecia na adolescência uma palavra belíssima. Agora também. Luz e cama foi um achado. A professora esbofeteou-me a cara. O pessoal do farfalhar de folhas passarelhos nos ramos brisas na cara teve como prêmio um piquenique. As notas mais altas de redação praqueles bobocas. Fui expulso. Perdi o ano. Peguei pneumonia. Os coleguinhas mandaram-me um poema breve: Bancou o sabido, o espertinho, o vivo/ e só se fodeu/ Amós, o inventivo. LIBITINA / FLAVIA Pode ficá meu lindo, fica fica, fica estudando, só que depois tu dá uma mãozinha praquele meu contador que é uma besta. AM ÓS KÉRES (OFF) Libitina. Teu nome é Libitina mesmo? LIBITINA / FLAVIA É sim, confundiram com outro. Um primo da minha mãe disse pro suposto meu pai que Libitina tinha qualquer coisa a ver com a palavra paixão. A mãe achou bonito. AM ÓS KÉRES Paixão? Não era libido não? LIBITINA / FLAVIA O que? e eu sei, Amós? Só sei que depois disseram que tava tudo errado. Um primo desse meu outro primo procurou saber nos livros e descobriu que Libitina era uma velha que tomava conta dos presentes que a gente faz pros mortos. Micologia. AM ÓS KÉRES Que? Não é mitologia não? LIBITINA / FLAVIA E eu sei, Amós? Escuta, tu fala tão pouco. Tu vem aqui, traz os livros, e nem tem letra nesses livros, que jeito besta de ficá aqui. Sabe que tu tem um apelido? Brocha-Mula.
AM ÓS KÉRES Por que? LIBITINA / FLAVIA Porque de tão serioso que tu é, tão fechadão, tu é capaz de brochá uma mula toda prontinha na beira do barranco.
Fala um pouquinho com a sua Libitina, fala benzinho. Era toda dura. Como se você pegasse em borracha, aquelas retangulares, branconas. Os pés infimos, quadradinhos, fofudos. As pernas um tronco só, do tornozelo ao joelho. As coxas melancias estufadas. O púbis saltado como se de espanto te visse pela primeira vez, e estava ali saltando. Rija Libitina, os peitinhos dos vinte. Arfava fingindo, expulsava ós ais benzinho tu me mata me corta de gilete me põe o armário em cima e outras idiotias, os dentes de criança, a gengiva larga, põe no meio das minhas coxas teus livrinhos, ela pediu uma vez como se suspeitasse de alguma tara minha, não quer? não quer gozar pertinho do que você mais gosta, desses teus livros hen, não quer benzinho? 11 – INT. PR OS TÍB ULO - CENA DO CABARET Um salão grande com um palco, e uma cama redonda ao centro. Na cama uma prostituta / cantora lírica canta um poema de HILDA HILST. AMOS KERES está no meio de suas penas e diz fragmentos de texto sobre a existência... AM OS KERES (OFF) Palavras. Essas eram as teias finíssimas que jamais conseguira arrancar perfeitas inteiriças da massa da terra dura e informe onde jaziam. Não queria efeitos enganosos, nem sonoridades vazias.
NO CABARET, ESTÃO ALGUNS PERSONAGENS COMO HILDE (A PORCA), SEU MARIDO ISAIAH, PESSOAS DANÇANDO. AM OS KERES (OFF) Isaiah. A gente se entende. Eu entendo Isaiah. Isaiah vive com uma porca dentro de casa.
ISA IAH Peguei um afeto, Amós, por esse animalzinho, ela se chama Hilde e apareceu sem mais nem menos lá em casa, é afável, boníssima, me faz grande companhia. AM OS KERES E a matemática? ISA IAH Ah, me ajuda muito ter a Hilde lá em casa, não aborrece, não loqueia, é branda paciente silenciosa. Uns fungados às vezes, mas isso só me esquenta, por dentro, sabe? AM OS KERES Sei.
OUTRAS PROSTITUTAS DEITAM NA CAMA E AMOS KERES COMEÇA A LER UM LIVRO DE CALCULO INFINITESIMAL
12- IN T. - ES PELHO E REFLEXO DE UM HO MEM (C AS A DO S OL) AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES de frente para o espelho.
– D IA
NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) Música, poesia e matemática. Rompe-se a negra estrutura de pedra e te vês num molhado de luzes, um nítido inesperado. Um nítido inesperado foi o que sentiu e compreendeu no topo daquela pequena colina. Mas não viu formas nem linhas, não viu contornos nem luzes, foi invadido de cores, vida, um fulgor sem clarão, espesso, formoso, um sol-origem sem ser fogo. Foi invadido de significado incomensurável. Podia dizer apenas isso. Invadido de significado incomensurável. E como foi a noite anterior? 13 - I NT . SAL A COM P IANO – D IA AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES toca o piano obsessivamente. Música, Poesia e Matemática. partitura aritmética Um caminho sem passos. A asa da ave toca Essa virgindade. Duração. Duradouro. O ouro do teu nome Na água que escorre. Debaixo das romãs Toquei teu rosto Dormiste?
Uma mulher, AMANDA anda pela sala de um canto a outro, seus braços morenosos alçavam-se e despencavam agitados. A camisola é verde-pálido, de jérsei, esse que fica colado nas tetas, na barriga AM ANDA Amós, número é bom quando se tem conta no banco tá?, Amos continua tocando (el e pensa eu não po dia ter casado nem ter tido filho algum) o FILHO entra no quarto. FILHO (OFF) mãe, o pai que é bom de aritmética, diz pra ele fazer esse problema aqui. AM ANDA De jeito nenhum. AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES para de tocar o piano e se olha, a cor de seu pijama também verde-clarinho como a de AMANDA. Olha ao seu redor e tudo parece estar verde-clarinho. AMOS Sente um pouco de enjôo. Olha o dorso das mãos, as veias parecem mais saltadas
AM OS Estas mão poderiam ter feito carpintaria. Teria sido bom. Mesas cadeiras, oratórios por que não? Estaria ajoelhado agora? Catres. Uma só pessoa é que cabe num catre. Esses estreitos. FILHO (OFF)\ O menino começa a chorar. AM OS Dá logo isso. AM ANDA coisa nenhuma, faz o problema sozinho e quer saber? Tá na hora de deitar. O menino continua chorando. Amanda continua galopando eternamente com sua camisola verde-clarinho, suas tetas, suas coxas. AM OS Que engodo tudo isso de filhos e casamento, penso um tiro no peito. Um tiro no peito. É preciso amar, Amós, afinal é tua mulher, é teu filho. AM OS Vai deitar, filho, faz sozinho que é melhor pra você. O menino sai. AM OS Vem cá, Amanda. (Ela não vai). Amanda começa a tagarelar. O discurso é extenso. Ficam alguns trechos: jantar, casa de amigos, restorantes, dançar às vezes por que não. Amanda entediada. Os braços continuam sua batalha aérea. Dançar. O CENÁ RIO V AI MUDAN DO AOS OLHOS DA CÂMERA E SE TR ANSF ORMA EM QUARTO . Amos tenta fazer com que Amanda se deite. Ela quer continuar discursando e galopando. AM OS OFF Um tiro no meu peito ou no dela? AM OS Discurse deitada. Amanda enfim se deita.
Amos deitado na cama olaha para a câmera. AM OS Entre eu e Amanda o que? O que são sentimentos afinal? Como é que vão-se embora assim sem um fio de vestígios? Alguma vez estiveram ali? Afinal tudo deixa um certo rasto. Na morte ossos, depois cinzas. Vestígios na urna. O passo de alguém. Aquele estava de tênis. Aquele, de botas. Olha a marca do taco aí. Fios de cabelo que ficam por toda parte. Dentes guardados. Não acabam nunca se guardados. Na boca apodrecem. Na caixinha de metal aquele dente lá, para sempre. Teu dentinho de leite, vê, filhinho. E o marmanjo com cinquenta. Aquele dente ali. Forever. In aeternum. Amos se levanta da cama. AM ANDA Onde é que você vai, Amós? AM OS Vou pegar aquele meu dente na gaveta.
AM ANDA Agora? AM OS Agora sim Amanda. (ele Abre a gaveta e espia. O dente está ali.) Pois não vai estar mais. Vou até a privada. Puxo a descarga. Vai indo pelos canos, presumo, vai indo, depois na fossa? Para sempre na fossa? Ou fica roído como se ficasse na boca? Fossa-boca. (Amos se levanta e sai do quarto. Ela fica ali na cama esperando sem entender) AM ANDA O que você fez, Amós? AM OS Boca-fossa. Cossa. Responder aos demais. A alguns. Esquecer os “consideremos” “por conseguinte” “suponhamos” “daí que se deduz” e tentar a incoerência de muitas palavras, de início soletrar algumas sigilosamente junto ao coração, por exemplo Vida, Entendimento, e se a pergunta vier, despejar o tambor de latão em cima daquele que pergunta, morreu é? morreu de letras. Como assim? Ora, perguntou algo a alguém matemático e o cara que não falava há anos só número, sabe, verbalizou hemorragicamente. AM ANDA Quê? AM OS Isso mesmo, golfadas de palavras. O outro não aguentou. O cadáver mais letrado que já vi, uma beleza, cara, escurinho de letras. Vamos indo.... _________________________________________________________ 14 - INT. - ES PELHO E REFLEX O DE UM HO MEM (CA SA DO SOL ) AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES de frente para o espelho.
– DI A
Proposta d e tex to para criação de imagens Olhava números fórmulas equações teoremas e aquilo era um gozo, um gelado fogoso, uma vigília-dorso por onde eu sozinho podia ir caminhando sem a fala-ruptura dos outros, logicidade e razão e no entanto a possibilidade da surpresa como se desdobrássemos uma peça de seda, triângulos azuis na superfície fresca e derepente o fosco de umas grades, linhas que podemos separar e recompor em triângulos novamente, sim, isto podíamos, mas onde aquele azul, onde?
14 – EXT PONTA DA PRAIA – DIA Imagens da vista NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) fragmento se parado para sugestão de imagens: Compreendera apenas naquele instante. E agora não mais? Lembrava-se perfeitamente de tudo. Fora como sempre até o topo daquela pequena colina. Gostava de estar lá pois ainda se viam uns verdes pardacentos, um lagarto apressado atravessando um atalho, e se voltava as costas para o edifício da Universidade via lavouras de algodão e de café. AMOS NA COLINA OBSERVA. Ali ficava apenas olhando. Esvaziado. Algumas vezes pensava no seu modesto destino. Tivera ilusões? Jovem, desejou uma não evidência demonstrada, uma breve e harmoniosa equação que cintilasse o ainda não explicado. Palavras. Essas eram as teias finíssimas que jamais conseguira arrancar perfeitas inteiriças da massa da terra dura e informe onde jaziam. Não queria efeitos enganosos, nem sonoridades vazias. Criança, nunca soube explicar-se. Um furacão de perguntas quando o passeio tinha sido um nada, até ali mais adiante pra ver o cachorro do sítio vizinho ou o bando de periquitos voltando naquele resto de tarde, fui até ali mais adiante, só isso. Diziam: por que? Pra que? Que cachorro? A esta hora? Ver o que no cachorro, que periquito? Eu respondia: Ali mais adiante porque são bonitos. Ficava todo vermelho repetindo as palavras ali mais adiante porque são bonitos. Depois, furioso, quando lhe perguntavam sobre sentimentos. Como formular as palavras exatas, vária letras unidas, encadeadas, pequenas ou extensas palavras, arrancar de dentro de si mesmo as teias finíssimas, inteiriças que ali repousavam? Estavam ali, sabia, mas como arrancá-las? Tudo se desmancharia. Gostava de ler poetas japoneses. Um deles, Buson tem um poema assim: Olhai a boca de Emma O! Parece que vai cuspir Uma peônia!
Proposta d e tex to para criação de imagens Poesia e matemática. Rompe-se a negra estrutura de pedra e te vês num molhado de luzes, um nítido inesperado. Um nítido inesperado foi o que sentiu e compreendeu no topo daquela pequena colina. Mas não viu formas nem linhas, não viu contornos nem luzes, foi invadido de cores, vida, um fulgor sem clarão, espesso, formoso, um sol-origem sem ser fogo. Foi invadido de significado incomensurável. Podia dizer apenas isso. Invadido de significado incomensurável. E como foi a noite anterior? Sua mulher, a singular. É verão. A pequena abelha Pousa. Falarei sobre Zenão? Extratos Me dou conta que a sala está vazia. Acendo um cigarro. Alguém abre a porta, pede desculpas, fecha-a novamente. Voltome para o quadro-negro. Há ali um recado. Um poema: “esperamos sua volta/ cuide-se/ antes que se feche a porta”. Levanto-me e é como se estivesse um pouco embriagado. As carteiras dispostas em semi-círculo. É, falta a outra metade. Também uma metade de mim sabe que Amós está aqui e que a esta hora deveria estar composto, perfeitamente recortado diante do olhar de todos, de costas, frente ao quadro-negro: tomemos por exemplo, usando tal fórmula encontramos, consideremos, suponhamos, imaginemos agora, segundo nossa regra, esperemos um momento, mas isto é apenas uma impressão etc. Extratos Eu mesmo mostrando os meus papéis a um outro alguém e assim em desespero? Minhas equações. Esperanças: Amós Kéres, matemático, expôs hoje aos meios científicos a sua concepção de um universo unívoco. Físicos e matemáticos cumprimentam-no, logo mais no jornal das onze. Quase atropelo um cachorro. Enfim Isaiah. As calças surradas, o pulôver preto. hilde vem logo atrás. Vários pares de olhos sobre nós. Os vizinhos. Os olhos de hilde sobre mim. Isaiah: entra meu amigo, entra. hilde entra também. Você se lembra dela, não? hilde roça minhas pernas. Igual aos gatos. Digo extraordinária e sempre muito graciosa assim? Oh sempre assim diz Isaiah. Triângulos de acrílico suspensos do teto. Uma grande mesa e muitos papéis preenchidos com tinta roxa. Não te perturbo? Amós há vinte anos que ninguém me perturba, há vinte anos estas roxas esperanças e a única surpresa resolvida foi a chegada de hilde. Um lindo não evidente. Em seguida: o que há com sua cabeça, é torcicolo? vem, te senta, toma vinho, quer? Digo que sim e conto-lhe tudo: a colina, a ponta dos sapatos, as formigas, o pensamentear sobre os sons e aquilo de significado incomensurável Tive uma vez algo parecido. Mas vi formas. Quais? Poliedros. Resplandeciam. E então? Então compreendi que só existem poliedros. Eu mesmo não existia. Até hoje tenho certeza disso. De que? Certeza que não existo. Foi um alívio. Por isso posso viver com hilde. Ela, bem vês, também é um poliedro. Não existimos, compreende? Estamos muito felizes. Beba, Amós. Esperança. Não arranque os frutos verdes. Beba. É importado esse aí. Kadek me deu toda adega, não se lembra? Pobre amigo, almejava parecença. Dizia que o exato era ser pinguço como todos nós aqui onde vivemos. Só cachaça. Lucrei. Mesmo não existindo me deleito. Beba. Amanhã vens buscar o carro. Bebo. No quinto copo tento uns poemas. No décimo termino-os. Então leio em voz alta: GILBERT O C ANTA Um pé de porco e papos De anjo sobre a mesa. Há sobras e rosmaninhos Na calvície emperucada dos velhos. Amós: peagadê de números Mas faminto de letras. Há dobras hiatos molhos Na memória. E sons finos na víscera. Há convivas Taciturnos. Meu pai hirsuto Num canto Abraçado a um passarinho. The little boy: it was God that makes this sally
world, daddy? Yes, benzinho. He was also a Nobel Prize? Yes, benzinho. How ddodered What? How go, daddy. Extratos Meus assépticos papéis. de gelo do Infundado. elegante pijama. Iniciais certamente. Titubeia no encosta a testa no frio.
Que belíssima escultura gráfica. Que limpeza. Podes lamber a página. Fazer o mesmo na superfície Amós vai ao banheiro. O pijama continua verde-clarinho. De onde vejo Amós parece-me um na lapela AK, entrelaçadas. Confuso como monograma. Muitas hastes espetadas. Coisa de Amanda, batente da porta. Tranca-se. Um instante de vertigem e coloca as mãos sobre a parede ladrilhada, Ouve o que Amanda diz à Míriam, aquela que ele nomeou a bunda quente.
Extratos Do outro lado do espelho: Eu sentia muito sono mas trezentos metros e os caras que me acompanhavam pode, o homem vai ser enforcado mas antes qué puxá vou saber que estou dormindo? E dormindo agora, sei precisão dele. Mais um pouco e tu dorme.
de qualquer forma tinha que andar porque a forca estava a uns pareciam ter pressa. Não é possível dar uma dormidinha? Vê se um ronco. Tu vai dormí pra toda eternidade. Eu sei, mas será que que fui eu que escolhi este sono, ou melhor, querem saber, tenho
Extratos As armadilhas. Como se um morto Acreditasse o girassol da vida A crescer sobre o peito. Amós Kéres, 48 anos, matemático, não foi visto em lugar algum. No caramanchão, a cadela olhava os ares, farejando. A mãe encontrou a frase no papel: Deus? uma Superfície de Gelo Ancorada no Riso. E mais abaixo: Amós = ! SGAR = " = Ø
...Amós Kéres.
Extratos retirados de Com Meus Olhos de Cão de Hil da Hilst
GILBER TO ME NDE S C OM SEU S OLH OS DE CÃ O (anotaçõe s fe itas no li vro) Exce rto de im agem 1 (pg 55) Cade la ao long e. Of usc ada. Me mória. Paisage m . Exce rto de im agem 2 (pg 56) Se olha no espelho. Exce rto de im agem 3 (pg 56) Gilberto do outro lado do e spelho c aminha em sol q ue nte . Exce rto de im agem (pg 58) Espe lho, e le e nforc ado. Exce rto de im agem (pg 59) O
vento
bate
em
Gilberto
e
se us
acom panhante s
“daq ui
onde e stou posso ouvi-los pe nsando” Exce rto de im agem (pg 60) Ve ntania bate ndo e m todos. Exce rto de im agem (pg 61) Volta do espelho Exce rto de im agem (pg 61) Piano e Gilberto: Pe nsar o g rande desc onf orto... (pg 61) Exce rto de im agem (pg 62) Gilberto olha o espe lho. Luz forte atra vessa o espelho. Exce rto de im agem (pg 62) Vemos (Casa
do
Gilberto Sol).
Três
c am inhando homens
em
estão
direç ão
sentados
a sob
um a a
fig ue ira
figueira
e
observam Gilberto.
Ele começ ou a correr e cheg ou até a colina mais alta da cidade. Já era noite. Ele de itou-se sobre a te rra, respirou, re spirou e de m anhã e nc o ntraram o corpo e vári os c ães ao re dor. Os c ãe s e stavam comendo o corpo? Não , os c ãe s não e nte ndi am com o era possí ve l q ue um c ão não tivesse pêlos, ne m corpo de c ão. Depois os c ães deitaram em cim a dele e f ic aram até q ue o corpo apodrec esse . (O Unicórnio, H. Hilst, pg . 122).
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