Quando o Processo Colaborativo Transborda na Estética Cinematográfica

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

THAÍS

DE

ALMEIDA PRADO GAVA TORÁCIO

QUANDO O PROCESSO COLABORATIVO TRANSBORDA NA ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA

São Paulo 2014

THAÍS

DE

ALMEIDA PRADO GAVA TORÁCIO

QUANDO O PROCESSO COLABORATIVO TRANSBORDA NA ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA

Dissertação

apresentada

Comunicações São

Pa ulo,

obtenção

do

e

Artes

como título

da

requisito de

à

Escola

Universidade parcial

Mestr e

em

de de

para

a

Meios

e

Pr ocess os Au di ovis uai s. Área

de

Concentr ação:

Meios

e

Pr ocess os

Audiovisuais Ori en tador : Pr of. Dr. Cr is ti an da Si lva Borges

São Paulo 2014

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Dados fornecidos pelo(a) autor(a)

Torácio, Thaís de Almeida Prado Gava Quando o Processo Colaborativo Transborda na Estética Cinematográfica / Thaís de Almeida Prado Gava Torácio. -São Paulo: T. A. P. G. Torácio, 2014. 126 p.: il. + anexos, cartas e fragmentos do processo. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais - Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo. Orientador: Cristian da Silva Borges Bibliografia 1. Processo Colaborativo em Cinema 2. Redes da Criação 3. Esboços e Rascunhos na Criação 4. Literatura como inspiração para filme 5. Gilberto Mendes; Hilda Hilst I. Borges, Cristian da Silva II. Título. CDD 21.ed. - 791.43

FOLHA DE APROVAÇÃO

THAÍS DE ALMEIDA PRADO GAVA TORÁCIO QUANDO

O

PROCESSO

COLABORATIVO

TRANSBORDA

NA

ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA

Dissertação

apresentada

Comunicações São

Pa ulo,

obtenção

e

Artes

como

do

título

da

requisito de

à

Escola

Universidade parcial

Mestr e

em

de de

para

a

Meios

e

Pr ocess os Au di ovis uai s. Área

de

Concentr ação:

Meios

e

Pr ocess os

Audiovisuais Ori en tador : Pr of. Dr. Cr is ti an da Si lva Borges

APROV ADA

EM:

BANCA

EXAMINADORA

P R O F . D R . : ________________________________________ I N S T I T U I Ç Ã O : _______________________________________ A S S I N A T U R A : _______________________________________ P R O F . D R . : ________________________________________ I N S T I T U I Ç Ã O : _______________________________________ A S S I N A T U R A : _______________________________________ P R O F . D R . : ________________________________________ I N S T I T U I Ç Ã O : _______________________________________ A S S I N A T U R A : _______________________________________

Dessignificando Vou derretendo os compassos Que criei. Desapagando linhas: Círculos Que à minha volta desenhei E onde vivi Distorcido e fremente Frente à ruivez da vida. H.Hilst

AGRADECIMENTOS Gostaria de agradece r ao Prof . Dr. Cristian Borges por sua abertura em me deixa r f luir nas a venturas e nos riscos dos processos criativos. AOS AMIGOS Agradeço à F l á v i a C o u t o por me acolhe r e por ter sido a primeira atriz, a qual me escolheu como diretora, onde o cola borativo foi possíve l. Agradeço por sua crença e m mim. À P a l o m a O l i v e i r a e à N a t h a l i a L o r d a por estarem sempre a o meu lado nos momentos de ascensão e quedas, ainda que eu não pu le de “pára -quedas”... (ainda...) na vida e na a rte e por me servire m de inspiraçã o e incentivo criativo. À S e b a s t i a n M e z por me in stigar a trazer de volta o prazer vital em criar e me recriar. À R u d á K . A n d r a d e pelas infinitas pa rce rias, acolhida s e longas conve rsas sobre o sacy, o mato, a a rte , a vida À R u b e n s R e w a l d por ser uma influência e por me desorientar sempre que pode rumo ao oriente. À D a n i e l M o r a F u e n t e s , por abraçar a barca para “o nã o se sa ber onde”. Aos meus p a i s e meus i r m ã o s por serem meus companheiros e por sempre me darem base para continuar, sempre . Agradeço à G i l b e r t o M e n d e s por seu s bra ços a bertos e pelo g rande aprendizado que tenho tido. À H i l d a H i l s t por sa be-se lá o que de tantas coisas. As moças-artistas de N owhere pe la sua entrega. AGRADEÇO

À

Cecília Alme ida Salles por a brir as portas às suas aulas e à um novo horizonte de pesquisa em a rte e processo. Jean-Claude Be rnardet pe lo “chacoa lha r” nos últimos minutos do segundo tempo. Patr ícia Mora n e Pedr o Mac iel pelos c on selhos dur an te a banca de qualificação. Cristiano Bur lan, Ana Carolina Mar inho, Henrique Zanoni e equipe pela gener osidade em me deixar acompanhar as filmagens de Hamlet.

QUANDO

O

PROCESSO

COLABORATIVO TRANSBORDA

NA

ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA RESUMO

O

pre sente

projeto

visa

a

contribuir

com

os

estudos n o campo da reflexã o e stética e principalmente da

gênese

da

cria ção

destacando

possíveis

produçã o

cinema

de

do

fazer

dinâmicas

do

Brasil,

cinematog ráfico, cola borativas

através

da

análise

na de

dois filmes (Ex-Isto e Desassossego) e do relato de dois proce ssos

criativos

Nowhere),

com

o

(Com intuito

Meus de

Olhos

identificar

de

Cão

e

estratégia s,

viabilizar, ampliar e siste matiza r o conceito de cria ção em

colabora ção,

atentando

para

o

pape l

do

ator,

do

montador e dos próprios diretores como co-autores na produçã o contemporânea do cinema.

QUANDO

O

PROCESSO

COLABORATIVO TRANSBORDA

NA

ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA ABSTRACT The project intends to study the aesthetic implications conce rning

a

spe cific

type

of

contemporary

film

production in Brazil, by analyzin g the creative proce ss of two recent fictional films: Ex-Isto and Desassosseg o and by the re porting proce ss of two other movies unde r construction : Com Meus Olhos de Cão and Nowhere. It’s main aim is to identify their artistic strategies, through a systematization of the conce pt of ‘creation’ a s applied to

these

films,

f ocu sing

on

the

ways

the

actor,

the

editor and the filmmake rs can colla borate as co-authors within their production.

SUMÁRIO UMA INTRODUÇÃO? C O L A B O R A T I V O O U C O L E T I V O ? ------------------------------------P A R A O S P R Ó X I M O S C A P Í T U L O S ------------------------------------

1 4

1 DO

OLHAR

PARA

ESTÉTICA

TRANSBORDADA

PROCESSOS COLABORATIVOS I – DIRETOR / ATOR E X - I S T O -----------------------------------------------------------

6

PROCESSOS COLABORATIVOS II – ENTRE DIRETORES DESASSOSSEGO



O

FILME

DAS

MARAVILHAS

----- 19

2 DO OLHAR

PARA

O

PROCESSO

COMO

ESTÉTICA

O processo c omo um re sq uício do pe rc urso das inte rfe rê ncias e das contam inações de um artista ------------------------------ 36

PROCESSOS COLABORATIVOS I – DIRETOR / ATOR COM MEUS OLHOS

DE

C Ã O ------------------------------- 37

D a G ê n e s i s – B a l a d a d e H i l l é -----------------------------S o b r e H i l l é ------------------------------------------------------G i l b e r t o M e n d e s c o m s e u s o l h o s d e C ã o --------------P r o p o s t a s p a r a u m f i l m e – p r i m e i r a s t e n t a t i v a s ----A p r i m e i r a V i s i t a à v e l h a s e n h o r a , M a d a m e H i l l é --A Primeira Visita ao velho senhor – Gilberto, Amós? D o s p r e p a r a t i v o s ---------------------------------------------T r o v a s a u m i l u s t r e s e n h o r -------------------------------E n q u a n t o S a n t o s n ã o v e m ----------------------------------R e t o r n o à S a n t o s ----------------------------------------------

38 40 56 64 70 73 77 88 97 99

PROCESSOS COLABORATIVOS II – ENTRE DIRETORES N O W H E R E -------------------------------------------------------- 110 S o b r e a p r o p o s t a d o f i l m e --------------------------------D a s t e m á t i c a s -------------------------------------------------U m a l e v e o b s e r v a ç ã o ---------------------------------------C o n t r a - p r o p o s t a s ---------------------------------------------A l g u m a s d e l o n g a s a n t e s d o f i m --------------------------

110 111 113 114 129

C O M F I M S E M F I M ------------------------------------------ 131 B i b l i o g r a f i a ------------------------------------------- 133 A n e x o s ------------------------------------------------- 137

1

UMA INTRODUÇÃO? COLABORATIVO



mais

COLETIVO?

OU

de

10

anos

ven ho

tra balhando

com

proce ssos de criação cola borativos e coletivos. Comecei a ter contato com estes tipos de processo no teatro e com

o

tempo

dança,

fui

aderindo

em

traba lhos

audiovisual,

chegando

documentá rio

e

pesquisa

me strado

no

agora

à

de

cola boraçã o

criativa

performance,

ao da

cinema

ficção.

veio

pe la

instala ção

atravé s

A

na

proposta

necessidade

do desta

de

se

discutir e compreender um proce sso de criaçã o onde a colabora ção entre os artistas é a chave-me stra dentro da criação de uma ficção cinema tográfica. É

importante

escla recer

que



diferenças

entre

traba lhos colaborativos e tra balhos coletivos. Traba lhos colaborativos ator,

pressu põe m

dramatu rgo

etc.),

funções

então

definidas

durante

o

(diretor,

processo

de

cria ção os atore s trazem cenas, textos, anse ios pessoais e estes materiais vão sendo lapidados textualmente pelo dramaturg o

e

cenicamente

pelo

diretor.

Se

pensa rmos

em termos de cinema , se ria a lgo como o que aconte ce no momento da montagem, quando diretor e montador lapida m filmado,

o

mate ria l ou

que

quando

foi

trazido

o

material

pe los

atores

proveniente

e/ou de

improvisações é reescrito e orga nizado por u m roteirista e depois filmado já com u m rote iro ela borado.

2

Tanto materia l diretor

é e

no

teatro

como

construído vice -ve rsa ,

pe los

no

cinema

atores

havendo

cola borativo,

juntamente

discu ssões

com

sobre

o o a

estética e a temática, entre outros, ma s se rá lapidado. No teatro, muitas vezes aconte ce de uma cena trazida ser descartada, ou então de uma cena proposta por um ator, pa ssa r pa ra as mãos de ou tro. Antonio Araújo, e m seu texto sobre o proce sso colaborativo do Teatro da Vertigem,

explica

a

transição

de

seu

trabalho

a

um

esquema mais colaborativo: Não bastava, p or tanto, ser mos apenas artista s-ex ec u tores ou ar tistas -pr opositores de mater ial cênico bruto. Dever ía mos assumir também o papel de artistaspensadores, tanto dos caminhos metodológicos quanto do sentido ger al do espetáculo. Em ter mos convencionais, o dramaturgo e o encenador são “aqueles que pensam”, enquanto os ator es são “aqueles que fazem”. O conceito da obr a parece, nesse caso, ser um atributo da dr amatur gia ou da direção, cabendo aos atores, quando muito, ar ticular em uma visão geral de suas personagens. Este “ator -lin ha de mon tagem”, que poucas vezes ou nunca se relaciona com o discurso ar tístico global, escravo da “par te” e alienado do “todo”, p ar ecia não fazer par te do nosso coletivo de trabalho nem de nossos p os s ívei s interesses de parceria. Pois, se dramaturgo e diretor necessitam sempre transitar do fragmento ao todo e do todo ao fr agmento, por que seria difer ente com os ator es?”1

Em

proce ssos

colaborativos,

a

direção

não

se

Araújo, António. “O Processo Colaborativo no Teatro da Vertigem”. In: Revista Sala Preta, v. 6, n. 1, 2006, p. 128, disponível em: http://www.revistasalapreta.com.br/index.php/salapreta/article/view/174 1

3

encontra

mais

conven cionais,

desven cilhada como

ocorre

de

nos

seus

atributos

processos

coletivos,

nos quais, e m um projeto sem diretor, cada artista traz sua

proposta,

que

ficará

seja

no

cênica

produto

ou

fí lmica,

final

cabe

e

a

a

decisão

todos,

ou

do pe lo

menos à maioria, como é o caso dos traba lhos do Bija ri e da Casa da Lapa , entre outros. Como experiên cia pe ssoal, posso cita r os exemplos d a C o m p a n h i a A u t o - R e t r a t o 2, o n d e h á u m a d i n â m i c a d e cria ção

cola borativa,

e

todo

o

materia l

proposto

pelo

grupo passa pe la filtragem do diretor juntamente com o dramaturg o. propostas

No

caso

a rtística s

do era m

Coletivo

C o r r o s i v o 3,

discutidas

por

todas

todos

e

as a

decisã o cabia ao conjunto, o re sultado final sendo em geral

artisticamente

linguagem artes

originária

plá sticas,

hí brido, dos

vídeo,

pela

próprios

performa nce,

dive rsidade artistas som).

de

(incluindo Aliás,

alg o

muito re corrente e m traba lhos coletivos é o fato de os artistas

virem

de

dife rentes

áreas

artí sticas

e

cola borativo

do

produzirem tra balhos híbridos. Será

importante

diferen ciarmos

o

coletivo, porque aqui tratarei de traba lhos colaborativos, seja entre dire tores ou entre ator e diretor. Assim, os filmes e as dinâ mica s que abordo aqui pa rtem de uma

A Companhia Auto-Retrato existe desde 2000 e propõe trabalhos no âmbito do teatro e da dança. Recentemente, passou a englobar a pesquisa de intervenção urbana abrindo ainda mais suas fronteiras artísticas. www.companhiaautoretrato.com.br 3 O Coletivo Corrosivo surgiu em 2008 com a união de artistas de várias áreas que buscavam um projeto em comum e propunham pesquisar o terreno híbrido em que as artes se encontram. O primeiro trabalho ocorreu na residência artística da Casa das Caldeiras e envolvia artes plásticas, vídeo, performance e som. www.corrosivo-coletivo.blogspot.com.br 2

4

relaçã o cola borativa e têm uma costura final que fica a cargo dos diretor(es) gerais/ montador(es), o que não tira o mé rito dos atores e dos outros realizadores como co-criadores.

Suas

propostas

iniciais

estão

lá ,

registradas, porém a orde m e o rumo que elas toma m fica a ca rgo da direçã o final.

PARA

OS

PRÓXIMOS

Falar

de

acompanhado bastante desta

CAPÍTULOS

um a

difícil

proce sso

fase e

disse rtaçã o,

cola borativo

embrionária

controve rso.

e No

busca rei,

seu

sem

prog resso

prime iro

através

ter

de

é

ca pítulo resquí cios

estéticos captados no próprio filme, a lguma pista para compreender a criaçã o em colaboraçã o. Analisare i dois filmes,

com

o

auxí lio

de

conve rsas

informais

com

os

respectivos diretores, abordando em um de les (Ex-Isto) a relaçã o

entre

ator,

diretor

e

lite ratura,

e

no

outro

(Desassossego, o filme das ma ra vilhas) , a rela ção entre diferentes diretore s e a noçã o de filme -re sposta. No segundo ca pítulo, criando u m contraponto entre a análise estética e a análise processual, re latarei parte da cria ção de dua s obras colaborativas construídas de modo

bastante

Desassossego,

distinto pa ra

e

que

que

dialogam

assim

seja

com

Ex-Isto e

possíve l

expor

algumas dinâmicas de tra balho que come çam antes de se entrar no set de filmagem, e vão se transformando pouco

a

pouco.

Apresentare i

então,

no

segundo

capítulo, deta lhamentos criativos e cola borativos de dois

5

traba lhos

ainda

em

prog resso.

Sã o

e les:

Com

Meus

Olhos de Cão (a rela ção entre a tor, diretor e litera tura) e

Nowhere

(a

filme-resposta) .

re laçã o

entre

diretores,

e

a

ideia

de

1 DO

OLHAR

PARA

ESTÉTICA

TRANSBORDADA

6

1 PROCESSOS COLABORATIVOS I – DIRETOR / ATOR EX-ISTO criação

ou da

Como

quando

o

ator

é

parte

essencial

na

obra.

trata r

de

processo

de

criação

cola borativo

entre diretor e atores de um filme já finalizado, sem te r pre senciado

a

sua

gênese

e

sem

ter

tido

acesso

as

anotaçõe s, rascunhos, storyboards, ensaios, conversas e filmagens? Como encontrar pista s desta cola boraçã o na própria imagem fí lmica? O

que

“experiên cia”

vem em

primeiro si,

ou

à

a

mente

é

tentativa

de

o

registro

se

da

registrar

o

instante em que a expe riência transparece aos olhos de um espe ctador, seja numa improvisação entre os atores, seja num ato solo mais perf ormático para câmera , e aí então tentar de smembrar e que

a

narrativa

ganhado

forma

fílmica a

partir

compreender momentos em

pré-e la borada, deste

registro,

ou

não,

isto

tenha

é,

sendo

aderida na montagem. No artísticas,

cinema, o

assim

processo

como

criativo

em

outras

acontece

em

formas

diferentes

âmbitos, é mais usua l que pa rta de um roteiro fe chado, como também o fora em outros tempos no teatro (hoje é

muito

usual

que

atores

e

diretores

junto

com

dramaturg o, criem uma peça conj untamente). Porém,

para

alguns

cineastas

que

vêm

de

uma

forma ção teatra l deste gênero, o exercí cio de tra balhar colaborativamente já faz pa rte de seu método criativo.

7

Quando passa m a

fazer cinema,

acabam transportando

isso para a criaçã o cinematográfica. Mesmo não sendo um pr ocedimento p adr ão na atividade audiovisual, a ideia de processo começa a contaminar a prática cinematogr áfica, principalmente se feito num per íodo anterior à filmagem, como o realizado p or Mik e Leigh. Cada vez mais roteiristas e diretor es trabalham com a noção de processo colabor ativo na 4 construção de suas obras.

Hoje, Dresen, Gomes,

vemos

Richard Kiko

diretore s

como

Linklater,

Cao

Goifman ,

Ta ciano

Mike

Leigh,

Guimarães, Valério,

Andreas Ma rce lo

entre

outros,

buscando no encontro com seus atores o foco para a cria ção

do

filme .

Mas

obviame nte

esse

movimento



acontecia desde as décadas de 60/70, com Cassavetes, Rivette,

Godard,

Bressane,

Sganzerla

o

qual

cita

a

importância do ator em seu texto “Pape l do Ator”: (...) e toda moderna mise-en -scène fundamenta-se no ator, único conteúdo possível: o homem e suas aventuras vitais. Ou melhor , ainda, o conteúdo é o pr ópr io ator , sua presença diante da câmera 5 (Godard).

Outro recorrência

motivo de

que

traba lhos

também

pode

ser

colaborativos

no

aplicado cinema

é

à a

questão orçamentá ria. Quando se tem baixo orça mento, ou

orçamento

nenhum

o

diretor

passa

a

busca r

Rewald, Rubens. “Caos/Dramaturgia”. Editora Perspectiva; FAPESP. São Paulo, 2005. Op. cit., p. xi. 5 Sganzerla, Rogerio. “O Papel do Ator” (1981), in Por um Cinema sem Limite. Rio de Janeiro: Azougue. 2001, p. 59. 4

8

parceiros que se afeiçoem com a idéia do filme e se proponham a pensar e cria r estra tégias juntos. * * *

“Ex-Isto”

(2010),

é

um

filme

que

parte

de

uma

obra lite rária , “Catatau”, de um poeta ba stante polêmico Paulo Leminski. Ele é realizado por Cao Guimarãe s, um cineasta que é mais conhecido por seus tra balhos em documentá rio e vide oarte , e por João Miguel, um ator que veio do teatro e do tra balho de palhaço ( onde a relaçã o com a arte da presença é o ponto cru cial) e que foi praticamente “a bduzido” pelo cinema n o Bra sil de uns tempos para cá. O

filme

surgiu

de

um

convite

do

Instituto

Itaú

Cultura l, que con vidou alguns cineastas pa ra retrata rem de

maneiras be m pa rticu lare s figuras de

vários nichos

da cultu ra bra sileira pa ra o proj eto ICONOclássicos. Em entrevista

à

Marcelo

Miranda,

Cao

Guima rães

explica :

“Eu avisei que não sei fazer biografia, e eles disseram q u e b u s c a v a m m e s m o u m o l h a r p o é t i c o s o b r e o a r t i s t a ” 6. Para

a

e laboração

do

filme

Cao

leu

tudo

de

Leminski e claro “Catatau”, lança do em 1975 e definido pelo

curitibano

Guimarães,

como

comenta

em

“prosa dive rsa s

experimenta l”.

Cao

entrevista s

pré-

de

lançamento do filme que antes de começa r as gravações de “Ex-Isto”, ele reuniu sua equipe (de se is integrantes)

Miranda, Marcelo. “Cao Guimarães”, in O Tempo, 29.01.2010. http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/cao-guimar%C3%A3es-e-marcelo-gomesterminam-filmagem-1.253062. Acessado em 28/09/2013. 6

9

para

se

de bru çar

transformando colaborativo.

o

sobre

a

traba lho

Duas

obra em

semanas

completa um

de

proce sso

antes das

Leminski, altamente

filmagens ele

e

João Miguel se isola ram num sítio, e passa ram todo o tempo “devorando” o Catatau - um livro que propõe um “jorro” de pa lavras, um f luxo de texto intermináve l com pouca s

pausa s

Desca rtes,

pa ra

pa ra

personagem

a

que

respira çã o João

Desca rtes,

-

se

mas

e

textos

apropriasse

sim

do

de

René

não

da

unive rso

que

Guimarães queria aborda r. Nesse livr o, o Leminsk i imagina (o filósofo) René Descartes vindo aos tr óp icos, na ép oca da invasão holandesa do Ma u ríc i o de Nassau. É um livro que tem o Descartes aparecendo com uma luneta e um cigarro de maconha na mão, sentado embaixo de uma árvor e e enlouquecendo a mente car tesiana d e l e 7.

Todo o texto que apare ce no filme é retirado do livro

-

exceto

no

início

quando

aparecem

trechos

da

obra de De sca rtes – e Ca o se utilizou de informa çõe s sobre Miguel,

a

vida e

de

Desca rtes,

mesclou

estes

além

do

elementos

olha r a

de

cenários

João da

atualidade, dissolvendo as estruturas te mporais.

...esta lente me veda vendo me vela me venda me desvenda me r evela (...) ver é uma fábula (...) é par a não ver que estou vendo.”8

Ibid. Texto contido no filme Ex-Isto, retirado de um fragmento do livro Catatau, de Paulo Leminski. 7 8

10

9

Cao Guima rães veio das arte s plásticas, chegando ao

cinema

através

videoarte

da

e

de

filme s

considerados documentários pela crítica. Reflexo disto, é que ele não costuma ter um roteiro fechado antes da s filmagens. com

um

outros

Em

“Ex-Isto”

ator

ele

trabalha

profissional,

“atore s”,

como

os

poré m

pe la

não

andarilhos

e

prime ira

diferencia o

vez seus

ere mita

(de

seus filmes documentários), do a tor Joã o Migue l. Todos de uma certa maneira estão representando a si mesmos, todos são “filósofos” dentro de seus filmes, seja em o “Andarilho”, em “A Alma do Osso” ou em “Ex-Isto”. Essa discussão entre ator/não-a tor não faz muito sentido na obra de Cao Guima rães, já que para ele a diferenciaçã o

entre

desinteressante,

aspecto

real

do

o

documen tário

cineasta

ficcional?

indaga:

(...)

é

e “como

difícil

ficção

definir

é

o

quantificar

quanto há de ficção e quanto há de documentário em 9

Frame do filme Ex-Isto referente ao texto acima citado.

11

meus filmes. É tudo cinema.” João

Miguel

começou

aos

n ove

anos

fazendo

um

programa de entrevistas na tele visã o, e em seguida se voltou ao tra balho de palhaço, que ele considera base de

sua

formaçã o. N o teatro

sua

penúltima

expe riência

traz u m ele mento especia l, a pe ça “O Bispo”, um solo criado obra

pe lo do

próprio

artista

ator

Bispo

a

partir

do

das

Rosário,

história s

nas

e

quais

da

João

mergulhou durante bastante te mpo antes da estréia pa ra se

contaminar

deste

duas versões: como

uma

vezes em

lugares e

João

“pre sentifica r”

A

pe ça

como espetá culo

perf ormance

espectadores relaçã o.

uma

unive rso.

fora

do

públicos, onde

modificava Miguel, suas

no

suas

e

a

feita

interagia

muitas com os

a

partir

tem

a

pre steza

de

em

outra

ações

teatro,

pe rsonagens,

criada

teatra l e

palco ele

f oi

humanizá-las

desta de sem

deixar o ator João desa pare cer. Isso se reflete em seus traba lhos n o cinema, mas é e m Ex-Isto que ve mos João Miguel pa ra a lém de René Descartes. Em Ex-Isto, percebemos o ator João Miguel de uma maneira distinta dos atores do cinema clá ssico. Saí mos da narrativa clá ssica e psicológ ica de um Descarte s e vemos um ator/ um perf ormer. “(...) o pe rformer é seu

próprio signo; ele não é signo de alguma outra coisa, m e s m o q u e o p o s s a s e r e m u m p l a n o s e c u n d á r i o . ” 10 E l e é

um

filósofo,

é

o

próprio

João

Miguel

jogando

com

elementos de René Desca rtes, Paulo Lemin ski e o livro

10

Glusberg, Jorge. A Arte da Performance. Ed. Perspectiva. São Paulo pag 73

12

Catatau. Ca rlos Alberto Mattos, em uma artigo pa ra a revista Filme Cultura, re lata a lgumas expe riências onde a perf ormance transpa rece no filme: Tanta r arefação de intenções e resultados pretende, de alguma maneira, apagar os limites entr e arte e vida, incorp or ando elementos de uma a outra – algo aliás muito caro a performance ar t. Estamos então no terreno da teatralização da vida e da distensão da arte p ara fora dos limites da economia narr ativa. A p erfor mance se apr oxima do ritual, em que o temp o é aquele que a cerimônia requer, não o que lhe seria imp osto p or outr as raz ões. (...) Nos rituais da p er for mance, a confusão entr e ator es e per sonagens é uma constante. Isso esta na raiz das experimentações de vários f i l m e s . 11

No filme, Joã o me rgulha no livro Catatau, ao lado de Cao Guimarãe s, e a pesar de sua experiência com a improvisação

ele

re lata

que

ficou

apreensivo

ao

fazer

seu prime iro longa sem um roteiro. Nunc a estamos c onfor táveis, há sempr e o risco. Como o galho de uma ár vore, sobre o qual estou sentado, se quebrar durante a p o r o r o c a 12.

Não

interessa

a

Cao,

no

filme

Ex-Isto,

uma

ficcionalização dra matizada do livro, e sim uma fricçã o entre diretor, ator, autor/o Catatau.

Mattos, Carlos Alberto. Ecos das chanchadas e dos marginais na teatralização dos novos cotidianos. In: Revista Filme-Cultura, nº56, Junho de 2012. www.filmecultura.org.br_edicoes_56_pdfs_edicao56_completa.pdf 12 João Miguel em entrevista ao CineEsquemaNovo. (http://cineesquemanovo.wordpress.com/2011/04/27/segundo-dia-da-mostra-de-longas-ex-isto) 11

13

A ficção é p or natureza um documentário: ontologicamente a câmer a sempr e filma a realidade que se passa diante dela. No caso de um trabalho dito ficcional, está sendo documentado todo aquele processo que e n v o l v e a t o r e s , r o t e i r i s t a s e t é c n i c o s . 13

A idéia não é en volve r o pú blico com uma história, mas

deixar

universo

as

que

imagens

Paulo

e

textos

Leminski

permearem

propõe .

Cao

este

Guima rães

comenta sobre a insegurança de J.Miguel no inicio das filmagens: “Ele me dizia : 'como vou fazer, nunca fiz um

filme se m roteiros' . E eu respon di: 'Você é um filósofo. P e n s e . ' E d e u c e r t o . ” 14 O

jogo

atemporal

criado

por

Cao,

ao

trazer

Desca rtes pa ra o sé culo XXI fica evidente quando vemos o

próprio

Estas

“Descarte s”

imagens

espectador.

urbana,

causam

Ocorre

vemos

época,

em

muitas

vezes

meio com

a

uma

uma

a li

João

Desca rtes/Joã o

em

que

e spécie

está

pessoas um

e stranheza

uma

que

olhar

observa

feira-livre

de com

que

roupas o

estranheza . de

ao

inte rvençã o

com

olha r

Recife.

saborosa

de

vestido

comuns

em

de

obse rvam Ou

então,

de scobe rta

os a limentos do “N ovo Mundo”, os objetos, as pessoa s que dançam no meio da pra ça pública.

Idem Cao Guimarães em entrevista ao CineEsquemaNovo CineEsquemaNovo http://cineesquemanovo.wordpress.com/2011/04/27/segundo-dia-da-mostra-de-longas-ex-isto. Acessado em 30/09/2013 13 14

14

15

Perce bemos Desca rtes/Joã o bra sile iro

também que

sozin ho

na

a

“Ba hianidade”

dança

com

pra ça,

ou

um em

gingado

dupla

num

deste be m forró

“arretado”. Neste jogo ve mos “um João Miguel” que se deixa leva r pela rela ção e que nos reve la um “cinema do pre sente”, onde os ator es fazem seu pr óprio pap el, e são obr igados a interpr etar em a si mesmos. Elimin a -se o p ersona gem, sub siste o a tor – muitas vezes consciente de que está 16 representando .

Isto

ocorre

descon certado

quando,

pela

reaçã o

por de

exemplo, uma

das

o

ator

pessoas

sorri que

interagem com ele. “De scortina-se” o humano atra vés do que se poderia con sidera r um “erro” de atuação, pois ele talve z tenha “perdido a pe rsonagem”, porém, é esta atitude de fragilidade que nos a proxima de le e do filme. Frames do filme Ex-Isto. Sganzerla, Rogério. “Cinema Impuro?”, in Textos Críticos vol. 1. Florianópolis: Ed. UFSC/ Itaú Cultural, 2010, Op. cit., p. 60 15 16

15

Ele não perdeu Descarte s, porque ele é Descartes, um ator em vias de cria r a própria filosofia . Essas cenas de um cotidiano “estranhoso” com a pre sença

de

um

homem/pe rsonagem

são

mescladas

à

imagens bastante estilizadas, muito próximas a pintu ras. Aqui, a

re laçã o humano e

natu reza

minera l,

vegetal e

animal estão em um me smo níve l.

17

No

filme



também

uma

presença

forte

de

imagens aparentemente estáticas contraposta s à imagens de muito movimento e efemerida de que perdem o f oco da câme ra e o retomam, todas e las permeadas e m gera l pela voz e m off de João Miguel/Paulo Lemin ski ou de Desca rtes/Catatau,

que

não

narra

necessariamente

o

que se vê. A fala é como um fluxo de pensamento que acontece

separado

da

imagem,

esta

é

por

sua

vez

também um f luxo de movimento imagético. Leminski 17

Frame do filme Ex-Isto.

é

o

próprio

filme

atravé s

destes

16

encontros,

muito

mais

do

que

se

f osse

uma

simples

adaptação do livro Catatau , porq ue Leminski também se apropriava de outras literatu ras para criar sua obra, e le

inte rtextualidades.

cria va

O

espírito

criativo

de

Paulo

Leminski permeia o filme, friccion ado ao espí rito criativo de Cao, João e toda equipe de f ilmagem.

18

João

são

muitos

neste

filme



Ex-Isto

-

e

a

pre sença de Ca o Guimarães é visíve l a todo momento, tanto nos momentos mais herméticos, que são bastante caracte rísticos onde

a

de

criação

seu

do

cinema,

ator

é

quanto

também

nos

momentos

contaminada

pelo

espaço em que ele se insere, quando por exemplo, Joã o está

solto

no

espaço

expe rimentando

reações

em

relaçã o a um cenário re ple to de gente ou a um lugar vazio, como o barco perdido no rio, ou quando ele está deitado na a reia da praia. Você deixa de ser ator, dir etor, para ser um cor p o só, algo ali vir a outr a c oisa. Eu fiquei moído dep ois das filmagen s, mas estava v i v o 19.

Frames do filme Ex-Isto João Miguel em entrevista ao CineEsquemaNovo http://cineesquemanovo.wordpress.com/2011/04/27/segundo-dia-da-mostra-de-longas-ex-isto. Acessado em 30/09/2013. 18 19

17

20

Ex-Isto,

Em questões

nós

existenciais

relações

que

se

não de

nos

aprofundamos

Descartes,

esta bele cem

e ntre

mas

João

nas

sim

nas

Miguel,

Cao

Guimarães, Pau lo Le minski e o próprio Descartes; além das re laçõe s entre corpo e obj eto. Nã o há hiera rquias entre homem e “coisa”. Como a pre sença de João é o filme, muito do que se vê a li pós montagem é mutuo de J.Miguel e Cao. A montagem

recria

imagem de verá

e

escolhe

tomar,

porém

as

sequencias

a

todo

que

momento

cada

em

Ex-

Isto conseguimos nos enve redar por esta presentificaçã o de Descarte s/Leminski atra vés de Joã o/ Cao. A poe sia do filme são estas con stantes fragilidades de uma câmera que se perde, de João Migue l que se percebe que

o

vegetal,

20

jogando observa animal,

Frame do filme Ex-Isto

com

Desca rtes,

esquisito mineral.

e

das

Estas

de

a lgum

imagens pequenas

transeunte

de

natureza

casualidades,

18

refletem o processo criativo e cola borativo dos a rtistas envolvidos n o filme. O processo transborda na obra e a contamina que

e

monta

contamina suas

também

referência s

experiências.

21

21

Frame do filme Ex-Isto – Descartes chega à Recife.

o público que a

pa rtir

de

a



e

suas

19

PROCESSOS COLABORATIVOS II – ENTRE DIRETORES DESASSOSSEGO

Em



diversas

O

FILME

ocasiões

DAS

MARAVILHAS

da

história

do

cinema,

cineastas se uniram para dirigir o roteiro um do outro ou então pa ra produzirem filme s em episódios – longa metragem

composto

comu m.

Na

maioria

dirigido

por

um

de

cu rta s

dos

com

casos,

cineasta

e

uma

cada

não

temática

episódio

tinha

uma

era

g rande

relaçã o com o e pisódio ante rior ou o seguinte, a não ser

pe la

temática

escolhida.

Nessa

linha ,



os

exemplos italian os: O Amor na Cidade (L'Amore in Città, 1953),

com

seis

e pisódios

sobre

cotidianos

amorosos

em Roma, dirigidos por Michelan gelo Antonioni, Federico Fellini,

Ca rlo

Francesco

Ma selli;

(Ro.Go.Pa.G, dirigidos

Lizzani, e

1963),

Albe rto

Lattuada,

Rogopag

reunindo

-

Re lações

qu atro

por R obe rto Rosse llini,

Dino

cu rtas

Risi,

Humanas metragens

Jean-Luc Godard, Pier

Paolo Pasolini, Ugo Gregoretti. Há também filme s que tentam quebrar com a ideia de episódio ou então ao menos tentam criar um diá log o entre

um curta

dirigido

e

Wenders,

e

outro, é

produzido Mira

por

Nair, Gael

o caso do filme vá rios

García

cineastas,

8 (2008), como Wim

Berna l, Jane

Campion ,

Gus Van Sant, entre outros, sobre os Oito Objetivos do Milênio

fixados

qualidade

de

pela

vida

da

ONU

em

2000,

popu laçã o

para

mundia l.

me lhora r Neste

a

filme,

cada cineasta apresenta de uma maneira episódica uma

20

história

que

corre sponde

a

um

destes

objetivos.

O

último episódio no entanto, dirigido por Wim Wende rs, retoma

os

fragmentos

metalinguística

sa la

anteriores

de

edição

atravé s

de

uma

da

rede

de

televisão, onde os micro-cu rtas estariam sendo editados para

torna rem

filme

a

parte

tentativa

através

do

olha r

desvencilha r

da

de

de

uma

diá log o

de

mesma ou

Wenders

rela ção

narrativa.

Neste

“amalgamento”

surge

que

parece

espsódica

tentar

que

o

se

filme

estabe lece. A em

co-dire ção

termos

Jean-Luc

de

é

outra

cola boraçã o

Godard

e

re lação no

bastante

cinema,

Jean-Pierre

recorrente

lembre mos

Gorin,

ou

o

de

próprio

Godard com a Anne-Marie Miéville, Jean-Marie Straub e Danièle Huille t, Helvécio Marins Jr e Clarissa Ca mpolina, Rubens Felipe

Rewald

e

Rossana

Bragança , os

irmãos

Foglia,

Marina

Joel

Ethan

e

Meliande

e

Cohen, Jean-

Pierre e Luc Dardenne, Rica rdo e Luis Pretti e etc. Em alguns fica

destes

casos,

a

pa rce ria

é

tão

duradoura

difícil imaginar um dos cineastas filmando

que

sem o

outro. Por

outro

lado,

cinematog ráficos

houve

ma rcados

e



pela

diversos

movimentos

coletividade

e

por

colabora çõe s entre cineastas, como o Kinoks (Conse lho dos Três de Ve rtov, Kaufman e Svilova), Eis p orque, sem esp erar que os Kin ok s comec em a trabalhar deix an do de lado seu próprio desejo de r ealizar seus própr ios projetos , o C ons elho d os Três a bre mã o,

21

momentaneamente, do direito do autor e resolve publicar imediatamente, por inter médio dos jornais e par a uso geral, os princ íp i os e a s pa la vr as de or dem des ta f u t u r a r e v o l u ç ã o . 22

a

Nouvelle

Cinema

Vague,

Marginal,

o a

Free

Cinema,

Be lair,

o

o

Cinema

grupo

Novo,

Dziga

o

Vertov

(Godard/ Gorin). Hoje , no Bra sil, pode mos citar a Te ia, a Alumbramento, a Casa da Lapa, o projeto Sônia Silk, entre

outros gru pos ou

como uma produçã o

resposta ou

dos

para

coletivos muitas veze s criados contornar as dificuldades

simu lacros

estéticos

criados

da

como

base da linguagem: Grup os e coletivos substituem as p rodutoras hierarquizadas, com p ouca ou nenhuma sep aração entr e os que pensam e os que executam. O que temos visto nos filmes reflete novas or ganizações de tr abalho já distantes do modelo industrial. Filmes realizados p or 4 diretor es, como é o caso dos dois últimos longas r ealizados p or Guto Parente, Pedr o Di ógen es , Ric ar do e Luiz Pr etti (Es tra da Par a Ythac a e Os Mon str os ). Filmes realizados com um dir etor e mais 3 diretor es na equip e técnica, como é o caso de O céu sobr e os Ombr os, de Sérgio Bor ges ou de Os Residentes, de Tiago Mata Mac hado. Ou ain da, Desassossego – Filme das Maravilhas, coordenado por Felipe Br aganç a e Mar ina Meliande, e dir igido p or 14 pessoas de diversas par tes do pa ís, uma e x p e r i ê n c i a d e p r o d u ç ã o c o l a b o r a t i v a . 23

Junior, Carlos Pernisa. Vertov – O Homem e Sua Câmera. Rio de Janeiro: Ed. Mauad X, 2009, p. 32 (extratos do manifesto Kinoks, do Conselho dos Três) . 23 Migliorin, Cesar. Por um Cinema Pós-Industrial. Revista Cinética. http://outraspalavras.net/posts/por-um-cinema-pos-industrial/ acessado em 3 de julho 2014. 22

22

No ca so do filme D e s a s s o s s e g o

maravilhas, encontro

e le

entre

aba rca

dois

dive rsos

tipos

diretores



o

de e

filme

das

en contros:

também

a

o co-

direçã o gera l entre Marina Me lia nde e Felipe Bragança.

Desassossego

foi

um

projeto

contemplado

pe lo

edital

Rumos Cinema e Vídeo, do Itaú Cultura l 2009-2011, e é uma

espé cie

de

“uma

“carta-filme”:

carta

de

amor

e

r a i v a e s c r i t a p o r F e l i p e B r a g a n ç a e m 2 0 0 7 24” , i n s p i r a d a em um bilhete que o mesmo encontrou num armário de uma adolescente e que gerou a proposta ficcional: uma menina que escreve nas parede s do quarto algo que ela chama

de

“carta

do

desassossego”,

contendo

temas

como: amor, utopia, explosõe s e apocalipse . Bragança

e

Meliande,

idealizadore s

e

diretore s

gerais do projeto, en viara m esta carta a 12 cineasta s para

que

dirigissem

escolha

específica

admiraçã o também

que por

fragmentos destes

Felipe

e

acredita rem

fílmicos.

cin eastas

O se

Marina

tinham

que

estes

motivo deu

por

da pela

e les

se riam

e os

realizadores mais importantes n aquele momento. F oram eles:

Helvécio

Durão,

Andrea

Juliana Leonardo

Rojas,

Marins

Jr.,

Ca pella, Ivo Caetano

Levis, Gustavo

Cla rissa Lope s Gotardo,

Bragança,

Campolina, Carolina Araújo, Ma rco Raphael Ka rim

Dutra ,

Mesquita,

Ain ouz

e

os

próprios Marina Me liande e Fe lipe Bragança somando 14 diretore s). Os frag mentos fílmicos deveria m ser criados com base em alguma s diretrize s: Na abertura do Desassossego – filme das maravilhas, entre os créditos, aparece este texto explicando a proposta do filme. 24

23

1. um bilhete de uma menin a de 16 an os é encontrado em um ar mário abandonado. 2. uma car ta é escrita insp irada nesse bilhete. 3. a carta é enviada a 14 cineastas do Rio de Janeir o, São Pau lo, Mi na s Ger ais e Ceará. 4. os cineastas r esp ondem à carta com 10 fragmentos de filme. 5. esses fr agmentos são costur ados como uma c arta-filme de 55 min u tos, fa lan do de amor , utopia, exp losões e ap ocalip se. 6. o filme-c ar ta será enviado a 2010 pessoas n o Brasil e n o mun do. 7. as pessoas são convidadas a resp onder com novos fr agmentos que podem vir a f a z e r p a r t e d e u m n o v o f i l m e . 25

Depois

da

ca rta

ter

sido

postada,

cada

diretor

escolhido re spondeu com um f ra gmento de filme muito diversificado

em

termos

de

estética

e

de

desejos.

A

proposta não e ra a de fazer vários cu rtas com inicio meio e fim, mas utilizar momen tos de cada f ragmento na

composição

necessário

do

cortar

longa,

mesmo

pa rtes

do

que

para

materia l

isso

enviado

fosse pe los

outros dire tores. Durante dividiram da outros

o

proce sso

seguinte

diretores

criativo

F elipe

maneira : ele

que

e

Marina

conve rsa va

explica vam

suas

se

com os

respectivas

propostas fí lmicas, por exemplo, Marco Dutra e Juliana Rojas

mostra ram

fazer

comentários

um

roteiro

antes

de

pronto

pa ra

enviare m

o

Felipe

ler

fragmento

e já

editado com a duraçã o de 40 minutos. Outras pe ssoas

25

Cf. http://filmedesassossego.blogspot.com, acessado em 30.09.2011.

24

mandaram um mate rial bruto, como Ka rin Aïnouz, o qual enviou

via

Berlim

e

outros

um

Lope s

internet

no

Ceará .

materia l que Outros

f ragmento

Araújo,

que

ele

man daram

pré -edita do,

utilizou

havia

um

à

filmado em

uma

sinopse,

exemplo

materia l

de

de

e Ivo

negativo

vencido 16mm que ele tinha e criou uma montagem com esses fragmentos. Segundo Felipe Bragança em entrevista gra vada ao

Rumos Itaú Cultura l (contido no DVD do próprio filme), havia um diá log o entre ele e os diretores e a idéia era aceitar e rece ber a dinâmica de trabalho de cada um sem impor reg ras, modos de fazer e etc. A única regra era esta “ca rta-filme -resposta ”. F elipe e Marina também dirigiram cada um o seu f ragme nto. M. Me liande porém ficou

mais

proce sso montadora.

afastada pa ra

ter

durante um

olhar

a

primeira

parte

distanciado

do

quanto

25

Dos Fragmentos enviados:

Fragmento

1

Futu ro



Explode . Dire ção e roteiro de

Clarisa

Helvécio de

Campolina

Ma rins

explosões,

captadas

footage.

Um

Jr.

e

Série

imagens

de

f ound

casal

de

não

atores,

Leciane

e

Zi,

lêem

uma carta. Há dinâmica s do cine ma documenta l criando uma ficção. Enquanto a câ mera capta a pe rsonagem em um movimento simple s de escovar os ca belos, sua voz

off lê a carta sobre o futuro: “e le é bonito ou explode t u d o ? ” 26

Fragmento 2 – Ficar

Parado Cansa . Dire ção de Andrea Cappela e Carolina Durão. Criança, aniversá rio, brinquedos. O seus

bone cos

parado

cansa!

vertig inoso

de

dinossauros Em

seguida

parque

de

em e le

menino quanto

está

dive rsão.

em

brin ca fala: um

Tudo

-

Ficar

brinquedo gira.

explode.

26

com

Fragmento da carta (em anexos) de Felipe Bragança, lida no filme O Desassossego.

Tudo

26

Fragmento

3



Muitos

Podem

Viver

Sem

Água,

Mas

Ninguém Vive Sem Amor. Direçã o de Ivo Lopes de Araújo com

a

negativo

cola boraçã o 16mm

de

Ricardo

vencido.

Pretti.

Imagens

Filmado

com

fragmentadas.

Uma

moça olha à câme ra. Ela procura algo ou alguém. Um moço a pare ce. Outra moça . Frag mentos em tom azu lado. Imagem ofuscada pe la me mória . Um beijo.

Fragmento

4



Nascemos

Hoje, Quando o Céu Estava Coberto

de

Fumaça

e

Enxofre. Direçã o de Juliana Rojas Roteiro

de

Juliana

Rojas.

“eu

e

queria

Marco

ir

ao

Dutra .

sol

de

foguete, só

i s s o . T r a t a - s e d e u m p r o j e t o a u d a c i o s o ” . 27

Filmado

VHS.

em

Um

casal

re solve

ir

pa ra

o

espaço.

Usa seu pseudo-foguete, e seu capacete de motocicle ta 27

Fragmento da carta (em anexos) de Felipe Bragança, lida no filme O Desassossego.

27

para enfrentar a galáxia . Chove sorve te. Tudo explode . Eles

chegam

a

uma

nova

atmosfera

em

uma

estética

anos 80 com um final musical.

Fragmento

Fui

5



Nasci

Enganada.

Marina

Ca rioca,

Direçã o

de

Rio

de

Meliande.

Janeiro. Praia, pessoa s no ma r, movimento do ma r. O contempla tivo como esté tica para o movimento. A cidade vazia , a cidade pa ralisada.

Fragmento

Boxeador uma

6

O



tenta

Cena.

Anjo

De screve r

Direçã o

de

Caetano Gotardo, a pa rtir do poema

de

Ca rlito

Azevedo.

Dois homens lêem um poema . Um homem está à sacada de sua ca sa. O Outro lê ca rta. “Uma vez fui a Lisboa

contar mentiras. (...) é noite, te m angolanos vivendo a lí naquele

prédio

quando

é

erguidos dianteiras

da

vista e

de

entre de

frente.

uma

(...)

p e r t o . ” 28

os

joe lhos

bicicleta.

a “o

é

primeiro

no O

vida

ar outro

muito

bonita

tem

joe lhos

sustem

as

ta mbé m

rodas

tem

os

joelhos erguidos e entre os joelhos no ar, sustem as r o d a s t r a s e i r a s d e u m a b i c i c l e t a . ” 29

Ibidem. Trecho do poema de Carlito Azevedo “O Anjo boxeador tenta descrever uma cena”, inspiracão para a criação deste fragmento de Caetano Gotardo. 28 29

28

Fragmento

7

Descobrimento

do

Dire ção

e

Leonardo

Levis

O



Mundo.

roteiro e

de

Raphael

Mesquita. Meninos andam de bicicleta sotaque mundo

no

Rio

de

Janeiro

em

meio

ao

off

com

português das Naus. “País” dominado, o novo descoberto.

Ma pas

medievais

sobre postos

as

imagens do movimento das bicicletas pela cidade do Rio de Janeiro.

Fragmento Dire ção,

8



roteiro

Explosão. Gustavo

Bragança. Ca sal na praia em preto

e

branco

g ranulado.

Rememoração de imagens. A carta e stá a lí.

Fragmento

9



Um

Índio,

um

Robô, um Raio Laser. Direção e rote iro de Felipe Bragança . Uma menina

índia

apenas

com

sua

mochila nas costas luta na flore sta contra um robô de animação e um raio la ser. Sang ue. Luta. Sangue. Curto circuito.

“Eis

a história da mon stra -moça que vive no

fundo: ela se cha ma Moby Dick e tem a venidas como artéria s. Ah sim, sentimos cheiro da terra onde não há terra , só água! (...) Na minha a ldeia, as pedras grandes

29

cerca m

as

ruas

e

as

pessoas.

Não

deixam

a

malta

c a m i n h a r . ” 30

Fragmento

10

Festa.

Dire ção

Aïnouz

e

Aïnouz,

Be rlin



de

rote iro Felipe

com Karim

de

Karim

Bragança

e

Marina Meliande. Imagens do inverno de Be rlin e m fusão a o Ceará quente à dançar.

“Vou atirar u ma bomba ao de stino, comprei um cd de f a d o r u i m . O u v i u m c e a r e n s e c h o r a n d o d e a m o r . ” 31

Fragmento

Leitura Dias.

0

da



Brujas

Carta

Direçã o

Felipe

Las

por

/

Flora

e

roteiro

de

Bragança.

Cenas

de

entremeios, três meninas brujas, o imaginário, o onírico e o pueril, o a rmá rio. O dentro do armário. A Banheira. A

moça

Flora



a

carta

de

Luisa.

Sua

voz

é

o

link

maior que perme ia todos os frag mentos. Imagem fina l: F ound footage do incêndio do M orro dos Cabritos

cedida

gentilmente

por

Tiago

Lins.

O

termina explodido, um morro peg ando fogo. * * *

30 31

Fragmento da carta (em anexos) de Felipe Bragança, lida no filme O Desassossego. Ibidem.

filme

30

Na

segunda

etapa

do

filme,

Marina

junto

com

Felipe passa m a escolher a ordem de cada fragmento: de que forma eles se relaciona m e de que forma eles recriam a sensa ção da ca rta desta adole scente e etc. * * *

uma pequena pausa para uma observação Tive

a

oportunidade

criativo

do

Dutra

Juliana

Rojas

buscando fariam

câme ras

parte

do

VHS

filme

acompanhar

Fragmento

proce sso e

de

em ou

no

4

dirigido

2009. tocando

pian o

da

de

por

Lembro as casa

perto

Ma rco

dos

músicas do

o

dois que

Marco

e

ficava imaginando o que sairia deste fragmento. Assisti ao corte final de les na sala da casa do M. Dutra junto com a equipe , atore s e amig os. Uma ficçã o científica à la anos 80 que me lembra va o se riado O

Mundo da Lua (que passava na TV Cu ltura) , o curta A Bela P, de Se rgio Silva e João Marcos de Almeida (do

31

Filme s

do

Caixote),

com

dire ito

a

tempe stade

de

sorvete , música cantada pe los atore s, espaçonave feita de papelã o e um computador defasado, pe rmeados por elementos minutos)

da e

videoarte.

tinha

uma

O

f ra gmento

cena

hilá ria

era

com

longo

Gilda

(40

Nomacci

fazendo o pa pel da chefe da Carla Kinzo, a pe rsonagem que

trabalha

numa

empresa

de

filmes

publicitá rios

e

escre ve um roteiro (cuja a sinopse é uma “meta-citaçã o” do filme Tra balha r Cansa , de Du tra e Rojas - “é como

se fosse um drama disfarçado de filme de terror... mas tem

umas

partes

engraçada s

t a m b é m ” 32)

o

qual

é

ridicularizado por sua chefe e jogado no lixo. A moça decide então fugir para o espaço com seu “amig o”. Ao

assistir

ao

Desassossego,

era

claramente

perceptí vel que faltavam pa rtes do Fragmento 4 e que esta

cena

entre

Gilda

e

Carla

havia

sido

cortada.

Confesso que na hora deu “um aperto no cora ção” não ver o fragmento como um todo, ele já era um curta por si

só. Porém, se

ele f osse usa do inteiro, nã o pode ria

fazer parte do longa pois o seu todo nã o faria sentido dentro do filme em re laçã o aos outros frag mentos. De toda maneira e ste frag mento f oi “reciclado” e a cabou se tornando

um

cu rta-metragem

que

estreou

em

2013

Festiva l de Curtas de Sã o Paulo. * * *

frase contida no curta-metragem Nascemos Hoje, Quando o Céu Estava Coberto de Fumaça e Enxofre (2013). Direção de Juliana Rojas e Marco Dutra. 32

no

32

Voltando

ao

processo

Desassossego,

de

a

montagem tenta se r uma costu ra destes fragmentos sem que eles se tornem episódicos, em uma busca por um “não se sa ber onde come ça e onde termina cada um”. Felipe

ao

sentindo

assistir a

a

todos

necessidade

os

de

materiais

algo

que

enviados cria sse

e

uma

conexão imagética, filmou dive rsa s cenas de entremeios, as

Las

chamadas

Brujas,

que

serviram

como

um

amálgama. Ma rina e Felipe propuseram uma a rticulaçã o de todas e ssa s diferentes texturas e narrativas pa ra a composição de um só filme . Difer entemente de um filme de episódios, Desassossego r eúne fr agmentos de filmes dos cin ea stas que fora m mon ta dos jun tos, transfor mando-se em um filme único sobre u t o p i a , a m o r e e x p l o s ã o . 33

Apesa r disto cada fragmento, me smo que cortado e editado

entra

em

uma

orde m

de

diretor

pa ra

diretor,

isto é, permanece pa rte de um “solo” n o meio de um todo.

Estas

mistu ram

“cenas”

entre

si

enviadas

no

decorrer

pelos da

diretores narrativa

não do

se

filme ,

elas existem por si só e uma de cada vez. Criando uma metáfora com a ideia de “colcha de reta lhos”, aqui os retalhos

são

f ormados

por

cada

dire tor,

e

não

exatamente por cada f ragmento de imagem en viado.

Desassossego



não

entra

no

quesito

“filme

episódico”, porque estes acabam sendo uma compilação Felipe Bragança em entrevista ao CineEsquemaNovo http://cineesquemanovo.org/2012/entrevista-felipe-braganca-realizador-do-filme-desassossego/, acessado em 30.09.2011 33

33

de

curtas

enquanto de

metragens aqui,

outro,

sobre

mesmo

os

uma

tendo

um

“micro-filme s”

temática diretor

vão

espe cífica,

na

seqüência

sendo

sutilmente

costurados pela carta da menina chamada Luisa, na voz de Flora Dias, pelo tra balho sonoro (o qual teve uma maior libe rdade de “invadir” um filme no outro) e por fragmentos da s Brujas, de Felipe Bragança que dialoga estetica mente com os outros fra gmentos. É perguntas

que

estas

“brujas”

deixam

através de no

a r,

que

adentramos o unive rso do outro diretor. Todos os filmes dialogam com a carta escr ita que foi o p onto de p ar tida, e o longa metr agem tem uma unidade mesmo dialogando com vários gêneros c i n e m a t o g r á f i c o s e e s t é t i c a s d i f e r e n t e s . 34

Diferentemente

também

dos

filmes

episódicos,



em Desassosseg o uma grande interferência por pa rte da montagem vu lgo “dire ção gera l” (que embora eles não usem

este

nome

para

se

definirem,

Ma rina

e

Felipe

acabam sim assumindo esta função), pois coube a esta montagem definir o que de cada fragmento entraria, o que seria cortado e qual se ria a ordem ideal para que se fosse possí vel construir uma n arrativa UN A. Marina direçã o

e

Felipe

anterior

que



tinham

uma

parceria

de

se

torn ou

mais

conhecida

co-

pelos

filmes A Aleg ria, A fuga da Mu lher Gorila que formam

Marina Meliande em entrevista ao Blog do Polvo http://blogpolvo.blogspot.com.br/2010/11/festival-de-brasilia-alegria-de-felipe.html, acessado em: data 29.09.2011. 34

34

uma

trilogia

Maravilhas.

englobando Sobre

a

Desassossego

relaçã o

de



o

filme

co-dire ção

das

Felipe

comenta:

Temos um diálogo longo. Acho que uma das coisas que temos como estratégia p assa pelo fato de eu ser também o r oteirista dos filmes e ela ser a montadora. Aí já tem uma cer ta pista sobre o jeito que a gente trabalha. Eu ten ho a tendên cia a ser mais excessivo e a Marina é mais organizada e o nosso pr ocesso de tr abalho p assa por aí em todos os sen tidos, seja n o desen volvimen to do r oteir o, n o momento de pr op or o jeito de filmar ou na hor a da montagem. F u n c i o n o u d e s d e o s p r i m e i r o s c u r t a s a s s i m . 35

Deste

re lato

organizaçã o

que

podemos se

deu

em

compreender

um

pouco

a

Desassossego, com Felipe

ficando mais a cargo da primeira etapa (ao conve rsar com os outros cineastas e

cria r uma compreensã o do

que poderia vir a ser o roteiro) e Marina, na segunda etapa, e spe cificada mente colocando o rote iro e m pratica na montagem. Ambos

definem

O

Desassossego

como

um

filme

coletivo, poré m a decisão fina l ficou a cargo dos dois, o que significa que hou ve um filtro e a lapida ção por parte

de

diretore s Alguns

diretor/montador. participantes se

sentiram

do

A

rece pção

projeto

“doídos”

foi

de

pe los

dos

outros

“surpresa ”. cortes

e

transforma ções que ocorre ram e m seus fragmentos, pois Felipe Bragança em entrevista a Lucas Salgado, no site Adoro Cinema – http://mail.adorocine.com/cinenews /desassossego-abre-ii-semana-dos-realizadores-5041, acessado em 30.09.2011. 35

35

talvez

espera ssem

espera vam

pe lo

participar

aceitaram

estes

filme

das

cortes

episódico

etapas

como

de

parte

ou

então

edição;

outros

do

processo.

De

todo modo não houve uma comunicação com todos os diretore s decisão

durante coube

o

procedime nto

apenas

à

Marin a

e

da

montagem.

Felipe,

o

que

A faz

deste filme, um filme cola borativo e não coletivo. Ao Meliande

a ssistirmos e

contaminada

o

Bragança da

filme

percebe mos

fortemente

proposição

a

colocada, estética

“mão” ainda

dos

de que

outros

diretore s. No entanto é esta mão forte mente colocada que nos funde ao filme ao passarmos de fragmento à fragmento. A sensa ção de corte de um diretor para o outro é a paziguada pela son oridade e por esta costura imagética que a direção gera l propõe.

2 DO OLHAR

PARA

O

PROCESSO

COMO

ESTÉTICA

36

Capitulo 2 O

processo

como

um

resquício

do

percurso

das

interferências e das contaminações de um artista.

Como pa rte da proposta desta pesquisa, aqui serão relatados

f ragmentos,

ou

gestos

i n a c a b a d o s 36 d e

dois

proce ssos de criação artí stica onde possamos visualiza r a

transformação

de

uma

idéia

solitária

em

algo

conjunto, utilizando para tanto: rascunhos de cadern os, conve rsa s via e-mail, transformações do roteiro imagens e etc. São

dois

filme de diretor;

os

traba lhos:

Com Me us Olhos de Cão,

cola boraçã o entre ator/perf ormer/interprete e e

Nowhe re,

filme

criado

a

partir

de

materia l

enviado por artista s con vidados. O primeiro segue uma linha próxima ao Ex-Isto e o seg undo ao Desassosseg o.

36

Referência ao título do livro Gesto Inacabado de Cecília Almeida Salles.

37

Com Meus Olhos de Cão “O

processo

da

tendência

aberta nada

a

o

que

se

criação

que,

a

ver

plano

O

com

não

adquire

é

por

alterações.

tenha

pois

de

tem

na

o

lento

clarear

sua

vagueza,

final

pode

a

‘maquete

nada

da

medida

em

está

ser

que

inicial’,

experiência que

vai

se

e s c r e v e n d o a h i s t ó r i a . ” 37

Com

Meus

Olhos

de

desenvolvimento que usa escritora

Hilda

Hilst,

Cão

é

um

filme

ainda

em

o livro de mesmo nome, da

como

estímulo

pa ra

cria r

uma

narrativa de relações entre as memórias e à obra do compositor

erudito

personagem

Amós

pouco

a

pouco

Gilberto Ké res,

da

Mendes.

um

sua

No

matemático,

realidade

livro,

o

descola-se

como

professor,

marido e pai e passa a viver cada vez mais em suas memórias

e

em

suas

cria çõe s

e

questionamentos

metafísicos. Na

proposta

deste

filme,

Gilberto

Mendes

p e r s o n i f i c a A m ó s K é r e s a t r a v é s d e s u a m ú s i c a n o v a 38 e as

suas

memórias

memórias

do

fricção

entre

Mendes,

o

filme

que

pessoais

pe rsonagem as

livro segue

se

Amós.

experiências

de

Hilda

numa

confundem

Hilst

linha

Deste

criativas e

muito

a

com

encontro de

direçã o, próxima

as e

Gilberto nasce ao

do

o já

citado Ex-Isto, que também parte de uma lite ratura . Bioy Casares, 1988 In: Salles, Cecília Almeida. Gesto Inacabado. FAPESP: Annablume. São Paulo. 1998. Pg. 31. 38 Manifesto Música Nova: http://www.latinoamerica-musica.net/historia/manifestos/3-po.html acessado em 03/07/2014. Publicado em: Invenção. Revista de Arte de Vanguarda, ano 2, Nº 3, junho 1963. 37

38

* * * Para relata r

se

um

a borda r pou co

compreender

o

este

projeto

gênesis

a

porquê

da

necessário

gênesis

da

escolha

será

deste

afim

filme

de

ter

em

sua conformaçã o o livro Com Meus Olhos de Cão, de Hilda

Hilst

como

desta

escritora

e

um o

ator-autor-perf ormer. ocorre

quase

conecta

a

simbologias

inte rlocutor compositor

O

encontro

direto

Gilberto

da

pre sença

Mendes

aparentemente

casual

que

num

proce sso

estes

dois

a rtistas

e

vai

percurso

e

clarificando

durante

o

“místico”

como

que

me

ganhando a

temática e a real metáfora que o filme ve m a propiciar. O pr ocesso que vai se dando ao longo do temp o, caminha de uma nebulosa fér til em direção a alguma for ma de organização. A obr a em criação é um sistema em for mação que vai ganhando leis pr óprias. (...) Muitos artistas descrevem a criação como um percurso do caos ao cosmos. Um acumulo de idéias, planos, p ossibilidades que vão sendo selecionados e combinados. As combinações são p or sua vez, testadas e ass im opç ões sã o fei tas e u m ob jeto c om or ga niz açã o pr ópr ia va i sur gin do. O ob jeto artístico é constr uído p or esse anseio p or u m a f o r m a d e o r g a n i z a ç ã o . 39

Da Gênese – Balada de Hillé Meu

primeiro

encontro

lite rário

com

H ilda

Hilst

(Hillé) , aconte ceu em Curitiba n o ano de 1999, aos 18 anos,

quando

Verdugo. Foi a

li

pe la

primeira

primeira pe ça

de

vez

a

sua

dramatu rgia

peça

feminina

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998. Pg. 33. 39

O

39

que vi (neste tempo eu andava indagando junto às aulas teóricas

da

Profª

Drª

Margarida

Rauen,

onde

estariam

as grandes pensadoras do teatro: dire toras, dramaturgas e

etc), e

sem dúvida, o fato de

eu

ter me

depa rado

com Hilda nesta é poca explica, de uma ce rta maneira, o meu da

percurso peça

em

artístico.

Não

que

princípio,

mas

a lg o,

alguma

“ c o i s a ” 40

chamou

a

“significado

de

atenção

eu

ali,

ao

houvesse

ou

gostado

melhor

dizendo

i n c o m e n s u r á v e l 41”

“encontrar”

esta

me

mulher

e

ainda me chama até hoje. Desde

esta

época

comecei

a

propor

projetos que

houve ssem a obra de Hilda Hilst integrada, como uma obsessão 2002, fazer

ou

uma

mudei-me uma

Arquivo

g rande

para

pesquisa

Miroel

tentativa

São

de

Pau lo

iniciação

S i l v e i r a 42,

de

e

“parceria”.

comecei

científica

su bven cionada

Em

então

dentro

pela

a do

FAPESP,

sobre a dra maturgia feminina que passara pela censu ra entre

as

outras com

décadas

dramatu rgas o

traba lho

de

30

mas de

à me

Hilda ,

7 0 43,

me

aproximando

e ncontrando com

quem

ainda

de

mais

comecei

a

estabe lecer conta to via e-ma il. O poeta José Luis M ora Fuentes,

que

mora va

em

sua

casa,

era

nosso

Hilda utiliza inúmeras vezes a palavra “coisa” em seu texto, e cria um significado quase próprio à ela, em Tu Não Te Moves de Ti, no conto Tadeu “a coisa” tem significado religioso/metafísico: “o que faz com que a coisa seja a coisa?”. 41 A frase, “invadido de significado incomensurável” faz parte do livro Com Meus Olhos de Cão quando Amós Kéres tem seu insight metafísico. Pg. 22. 42 O Arquivo Miroel Silveira está localizado na biblioteca da ECA / USP e tem como acervo milhares de peças de teatro que passaram pela censura durante as décadas de 30 à 70. O nome do Arquivo se deve ao doutoramento do teatrólogo e Profº Miroel Silveira, o primeiro a utilizar este material como base de pesquisa. http://www.eca.usp.br/ams 43 Almeida Prado, Thaís de. A presença feminina no teatro paulista - 1930-1970. um estudo a partir do Arquivo Miroel Silveira. Iniciação científica 2003-2004. 40

40

“mensageiro” virtual à época, pois Hilda já estava bem doente,

e

como

numa

brin cadeira

de

sobrenome s

ele

dizia que eu deve ria ir logo visitar “minha prima mais velha”.

* * *

Sobre

Hillé “É uma obra

coisa da

por

causa

agradar o meu

vida do

pai.

inteira. meu

Qu eria

Eu

pai.

fiz

minha

Eu

que um

dissesse que eu era alguém. É isso”.

queria dia

ele

!!

H i l d a H i l s t , nasceu em Jaú, a os 21 de Abril de 1930. Nasceu como Hilda de Almeida Prado Hilst. Seu pai, Apolônio de Almeida Prado Hilst era também poeta e a l g u m a s v e z e s a s s i n a v a c o m o L u í s B r u m a 45 e m s e u s artigos para os j ornais. Casou-se com Bedecilda Vaz de Cardoso, a contra g osto da família como conta Hilda: Meu pai e min ha mãe tiver am uma paix ão daquelas de perder mesmo o senso. Meu pai era um homem brilhante, escreveu muitas coisas, publicava textos em jornais (às vezes ass ina va Ap olôni o e outr as Lu ís Br u ma ). O Mario de Andrade escrevia para ele, mas desde o i n íci o a min ha mã e ti n ha problema s com a família dele; naquela época um Almei da Pra do s ó s e c as ava c om u m Almeida Pr ado p ara n ã o di vi dir a her a nça . Eles

Diniz, Cristiano (org). Das Sombras, entrevista, 1999. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 191. 45 Textos e cartas de Luis Bruma: http://www.angelfire.com/ri/casadosol/apoltext.html acessado em 27 de junho de 2014. 44

41

acabaram

bem pequena. Com

a

se para ção

com a mãe

para

sepa rando

se

de

quando

eu

era

!"

seus

pais,

Hilda

se

Santos (na ru a Vicente de

mudou

Carvalho

nº32) em 1932 onde ficou até 1937. Neste mesmo ano, Bedecilda

resolve

fazer

um mapa

astra l da

filha

e

o

astrólogo ale rta: Possui esp íri to rebelde, obstinado, não admi te c ons elho, é arr oga n te e de di fíci l acesso, amando a luta até o ponto de provoc á-la só par a ter o prazer de venc er. Demor ada em excitar -se, como em apaziguar-se, guarda p or muito tempo r a n c o r e s , e é d e d i f í c i l r e c o n c i l i a ç ã o . !"

Hilda conta e m entre vista a Caio Fernando Abreu , que sua mãe ficou muito a balada com a s pa lavras do astrólogo, ma s de uma ce rta ma neira esta Hilda é uma das facetas da mulhe r que conhe cemos através de seus livros. Em 1937 ela se muda para Sã o Paulo para estudar no internato de Santa Marcelina de onde ainda quando criança

ge rmina

duas

das

temáticas

principais

que

levará por toda a sua obra, “o sagrado” e “Deus”. Em 1948,

entrou

Universidade

para de

Sã o

a

Faculdade

Paulo

(Largo

de São

Direito

da

Fran cisco),

formando-se em 1952. Diniz, Cristiano (org). Das Sombras, entrevista, 1999. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013i Pg. 189. 47 Ao perguntar quem é Hilda Hilst ela lembra deste mapa astrológico feito pela mãe. Diniz, Cristiano (org). Deus pode ser um flamejante sorvete de Cereja, conversa com Caio Fernando Abreu, 1987. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 95 46

42

Hilda cresceu se m a imagem do pai por pe rto, sua construçã o pate rna aconte cia a partir de me mórias que Bedecilda

contava

e

da

le mbra nça

de

alguns

poucos

encontros seus com o pai. Apolônio foi diagnosticado aos

38

anos

com

esquizofrenia

sendo

internado

em

seguida. A esquizof renia do pai foi um fato que levou Hilda

a

tentar compreender a

temáticas

importantes).

Ela

loucura

passou

a

(outra

se

escrever

suas

poesia

na tentativa de dialogar com e le. Meu pa i Ap olôni o de Almei da Pr ado Hi ls t, era poeta e en saísta. Assinava com o pseudônimo de Luis Br u ma e foi u ma das primeir as pessoas a falar de coop erativismo no Br asil. Er a filho de u m franc ês de Lille que se casou com uma fazendeira paulista da fa mília Almeida Pr ado. Nos es c ritos q ue min ha mãe gu ar dou dele e me deu para ler, se interr ogou sobre o que acontecer ia à alma na loucur a. Tra gic a men te, mais tarde, submergiu a loucura. Escr ever é então p ara mim sentir meu pai dentr o de mim, em meu cor ação, me ensinando a p ensar com o cor ação como ele fazia, ou a ter emoções c o m l u c i d e z . 48

Entre

1950

publicados,

e

e em

1955 1956

seus vai

primeiros

para

a

poemas

França

são

onde

fica

durante 6 meses. Uma de suas história s mais “hilá rias” é sua tentativa de encontro com o ator Marlon Brando. Ela

conta

conhecer quarto

de

que

começou

Brando. hotel

Um em

a

dia que

namorar Dean resolve o

a stro

bate r

Martin, na

estava

para

porta

do

hospedado

Diniz, Cristiano (org). Hilda, estrela Aldebarã, 1978. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 53. 48

43

alegando se r uma j orna lista. Quem atendeu a porta foi o ator francê s Christian Marquand (seu affaire à época) que

em

seguida

sai

pa ra

chamar

Brando.

Quando

Marlon Brando chega , de robe de seda, e la insiste e m entrar

no

quarto

pa ra

“conve rsar”,

ao

que

Brando

responde “só porque você é bonita você acha que pode

a c o r d a r u m h o m e m a e s t a h o r a d a n o i t e ? 49” . Quando Adoniran Prado

Hilda

Barbosa,

(primo

algumas

de

primeiro

de suas

volta José

ao

Antonio

Hilda)

e

Neste

músicos

Resende

Gilberto

poesias.

encontro

Brasil,

de

artístico

Almeida

Mendes

momento entre

como

musicam se



o

“nossos”

G i l b e r t o e H i l d a . Ele compõe Trova I e Trova XV, em 1961

a

pa rtir

do

poema

Trovas

de

muito

amor

para

uma amado senhor, de H ilst. Hilda, depois de viver intensamen te “os homens”, as festas

da

alta

sociedade

pa ulistana

e

ter

suas

aventuras na Europa, de cide-se em 1966 (ano em que s e u p a i m o r r e ) , m u d a r p a r a a C a s a d o S o l 50, p a r a f i c a r reclusa

e

focar

em

sua

literatura,

como

e la

mesma

relata : Quando eu estava com 33 anos, um quer ido amigo que morr eu, Car los Maria de Araújo, poeta português me deu um livro do Kazan tiz ákis: “Carta p ara El Gr ec o”. Eu o li e fiquei deslumbrada. Er a um homem que ficava lutando a vida toda até terminar de

Diniz, Cristiano (org). Hilda, estrela Aldebarã, 1978. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013. Pg. 148. 50 Sitio que Hilda morou desde seus 33 anos até o fim de sua vida, próximo à Campinas e que hoje é o Instituto Cultural Hilda Hilst. 49

44

uma maneira maravilhosa, escrevendo um poema de 33 mil ver sos, “A Nova Odisséia”, on de lu tava c om a c arn e e c om o esp íri to o temp o todo. Ele deseja va a o mesmo temp o esse trânsito daqui pra lá. Er a o que eu queria: o trânsito com o divino. E também o transito com o homem e todas as suas mar avilhas, o goz o físic o, a b elez a física do outr o. Era um consumismo meu absolutamente terr ível, p or que ofendia muito as p essoas. Eu me impressionei tanto com a caminhada desse homem admirável, que resolvi ir mor ar num sitio. Achei que, longe e de cer ta for ma me enfiando também (p or que eu era uma mulher muito inter essante), durante um cer to temp o bem lon go eu pudesse tr abalhar, escrever . E foi maravilhoso. Foi justamente nesse lugar, nesse sitio, que eu, longe de todas aquelas invasões e das minhas pr ópr ias vontades e da min ha gula dian te da vida, pude escrever o q u e e s c r e v i . #$

Lá, entre 1967 e 1968 escre ve seis de suas peça s de

teatro

passa

da

enquanto

constrói

alguma s temporadas e

Noite.

ficção

Em

1970

F luxo-Floema,

pu blica um

Casa

a

finaliza o

a

seu

divisor

da

L u a 52,

peça

primeiro

onde

As Aves livro

de

de

águas

em

sua

na

minha

primeira

lite ratura. * * * Foi

F luxo-Floema

direçã o

teatral,

Comeu

Nesta

traba lhado

em

...E

então

o

Meu

Madrugada cena

que,

Se cador (2003),

criando

de trouxe

uma

Cabe los para

me ser

dramatu rgia

Diniz, Cristiano (org). Um dialogo com Hilda Hilst, 1989. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 52 Casa que Hilda Construiu no litoral paulista, em Massaguaçu, próximo a Caraguatatuba. Ainda em vida Hilda acabou vendendo a casa quando passou dificuldades financeiras. 51

45

i n t e r t e x t u a l 53

que

Gabinete

Joana,

Quinta

de

me sclava

História,

Clarice

de

do

Lispe ctor

f ragmentos

Ruben s

Rewald;

livro

Fe licidade

a

depoimentos

e

da

Do

peça

ao

conto

Clandestina, de

A de

neuróticos

anônimos. Eram quatro atrizes e m cena, cada uma com seu

monólog o

agindo

sobre punham,

hora

simultanea mente, criando

suas

sentidos

vozes

lógicos,

se

hora

criando sentidos son oros/sensórios. As son oridades que eram produzidas a partir da s vozes ecoadas ao mesmo tempo, e ram ma is essenciais do que a compreensã o do texto em si (note que nesta época eu ainda não havia adentrado muito

à

do

obra

de

traba lho

Gilberto de

Mendes,

John

Cage

mas

e

conhecia

discí pulos

e

compreendia a música como a lg o que pudesse a barcar o som que nasce de um movime nto no espa ço, de u m suspiro,

o

som

funcionamento, peça

- e

pala vra s

ruídos:

certa

ainda

em

si,

de

liquidificadore s

etc). A tentativa

musica lidade, uma

das

que

maneira,

era

não

se

a

de

fosse



objetos havia

na

estabelece r uma

melódica.

aproxima

um

em

da

Isto

proposta

de de

lite ratura de Hilda Hilst, que cla ramente brinca com a sonoridade , com os ritmos e com o próprio sentido das palavras. narrador

Em

seus

único,

personagens.

textos,

pois

Como

ele

em

um

pe rdemos

se

mistura

sistema

a com

noção os

de

outros

esquizofrênico,

as

vária s vozes simultaneamente aparecem durante o fluxo O termo foi trazido por Julia Kristeva ao falar da obra de Bakhtin. De uma maneira resumida, podemos dizer que intertextualidade é uma combinação de fragmentos textuais que formam um outro texto. In Kristeva, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo. Ed. Perspectiva. 1974 53

46

da

escrita,

criando

um

a

qual

certo

não

caos,

possu i se

nos

pontuação apegarmos

clá ssica, apenas

a

história narrada. Quando me per guntam p or que escr evo dessa forma que as p essoas não entendem, e p or que é tão complexo tudo então eu digo, mas, meu Deus, é o processo da vida que é tão comp lexo! Eu não saberia simplificar esse processo para ser mais compreensível, é o meu pr óprio pr ocesso dificultoso de existir que faz com que venha essa avalanche de p alavras, umas assim barr ocas demais , e q ue tu do s eja mis tura do. Porq ue eu acho que a vida tr ansbor da, não existe u m a x í c a r a a r r u m a d a p a r a c o n t e r a v i d a ! 54

Na peça, alé m da pala vra , a da nça, a música e a iluminaçã o e ram ba stante presen tes e faziam parte da composição cênica, como a tal “xícara que transborda” a qual Hilda usa como metáfora . Em alguns momentos, enquanto

duas

simu ltaneamente,

atrizes outras

contavam duas

ou

suas

narrativas

dançavam,

ou

cantavam, ou faziam alguma ação que era própria de sua personagem, mas que não condizia necessa riamente com a fala da s outras duas. O j ogo e ra a possibilidade do público poder escolhe r acompanhar a narrativa de uma ou de outra atriz, ou entã o olhar a composiçã o cênica como um todo e a bsorver como lhe a prouvesse. O som n ão sublin ha, nada tem a ver c om o sentido do texto; guarda seu própr io sentido. Daí p oder á r esultar , p elo contrario, Diniz, Cristiano (org). Hilda Hilst, uma conversa emocionada sobre a vida, a morte, o amor e o ato de escrever, 1986. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 88 54

47

o realce de um terceiro sentido. À maneira do cinema do Godar d, do sur realismo, nada tem a ver com nada. Porém tudo dever á concr etiza r -se n a maior un idade n a c ab eça d o e s p e c t a d o r . 55

Para

este

tra balho

eu

havia

me

baseado

quanto

pesquisa estética, na Te oria do Caos, mais precisamente na questão da “simultaneidade”, muito influenciada pe lo pelo

Caos / Dramatu rgia de Rubens Rewald. Mal

livro

sabia

eu

pre sente

que nas

a

questão

partitura s

do

Caos,

musicais

esta ria

de

também

a leatoriedade

e

casualidade de Gilberto Mendes.

...E nesta

o

meu

secador

madrugada,

disciplina,

direçã o

era

II,

de o

cabelos

trabalho

orientada

por

me

final

Antonio

comeu de

uma

Araújo

e

pelo próprio Rewald que trazia entre suas dinâmica s o proce sso

cola borativo

entre

diretor

e

atores.

Este

primeiro tra balho como diretora foi ba stante importante , pois



comecei

para

traba lha r

a

em

cenas,

imagens

e

foram

propostos

estímulos

que

eu

inclusive ,

que

era

co-dire tora

do

criar

algu mas

cola boraçã o textos

por

projeto

com

trazidos,

ela s

jogava atriz

estratég ias

a à

desta

as

salvo

partir cada peça

Now here ,

atrizes

é

que

a



pe rguntas Flavia

proponente

será

e

Couto,

tratado

próximo capí tulo.

Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 154 55

as

Fluxo-F loema,

de

uma.

pe ssoais

e no

48

É interessante notar que cer ca de sessenta a setenta p or cento dos diálogos da p eça foram criados pelos pr ópr ios ator es (...). Nesse sentido, o trabalho do autor-escr itor foi mais de compilação e amarração d r a m á t i c a d o q u e p r o p r i a m e n t e d e c r i a ç ã o . 56

* * * No

traba lho

direçã o,

a

seguinte

em

que

...Mas

instalaçã o

exerci

Não,

a

deixei

função Hilda

da

Hilst

“descansando” um pouco para, ao lado da atriz Maria Helena

Chira

me

volta r

a

questão

do

Caos

nos

aleatoriedade e causalidade.

baseando n o princí pio de

Utilizamos como sta rt point criativo a pe ça Am I to g o

or

I

will

say

so,

de

Gertru de

Stein,

e scritora

e

dramaturga cuj os textos buscam mais a son oridade do que

os

significados

corre lação cria m

de

pa lavras

sentidos

praticamente

que

tudo

das

palavras,

que,

combinadas

sonoramente,

tra nsformam.

Pensávamos

se

juntas,

o

e spaço,

fazendo

os

uma

ele mentos

do

espaço insta lativo, as formas de interação do pú blico e etc.

...Mas

Não

colaborativo que

foi

então

pre via

um

uma

traba lho

mudança

extrema mente

da

insta laçã o e

da perf ormance a cada lugar que fossemos. * * * Voltando

à

re laçã o

com

Hilda

Hilst,

desde

que

estabe leci contato com Mora Fuentes fiquei sempre na prome ssa de ir visitá -la na famosa Casa do Sol. No ano seguinte 56

porém,

em

2004

Hilda

falece.

Fiquei

muito

Rewald, Rubens. Caos/Dramaturgia. Editora Perspectiva; FAPESP. São Paulo, 2005. Pg 42

49

decepcionada

comigo

mesma

na

época.

Estava

em

Curitiba e por incríve l que pare ça havia sonhado com H. Hilst

na

noite

anterior,

um

son ho

estranho

onde

e la,

que se dizia minha tia avó, vivia no último andar de um prédio pequeno sem e levador na rua Vesú vio (não sei se existe essa rua), no bairro do Paraíso. O prédio tinha cachorros

por

andares metade

todos

pare ciam do

os

lados,

feitos

tamanho

e

para

normal.

inclusive

eles,

Ao

alguns

porque

chegar

dos

eram

na

porta

a do

apartamento de Hilda , que tinha um portãozinho baixo, ela

diz

havia

“aqui

um

é

melhor

e-mail

querida

amiga

crença s

de

de

você

Mora

acaba

Hilda

eu

de

não

pa ssa r”.

Fuentes

que

fale cer”.

deve ria

Ao

a cordar

dizia

“Nossa

Pelas

acredita r

te orias

que

e

naquele

sonho ela teria realmente me feito uma visita, onde ela era

escoltada

por

seus

cães:

os

cães

na

mitologia

grega eram considerados anima is psicopompos, ou seja condutores

das

almas

de pois

da

m o r t e 57.

Hilda

acredita va em vida após a morte: Eu r evi o Caio (Fern an do Abreu) n o dia da mor te dele. Ele morr eu à uma e veio se despedir às dez da n oite. A gente tin ha combin ado isso. Ele veio c om um cac hec ol que tin ha uma fita ver melha. A gente tin ha combinado: o vermelho ia significar que estava tudo b em. Eu abr ac ei o Caio muito e disse: ‘Nossa, c omo você está b onito! Está jovem!’ Mas ninguém acr edita. Falam: A Hilda é uma bêbada, uma alcoólatra, está sempre

Diniz, Cristiano (org). Das Sombras – entrevista 1999. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 203 57

50

l o u c a . É a s s i m q u e f a l a m . 58

Então

em

2006

le io

pe la

primeira

vez

Com

Meus

Olhos de Cão, e eu começo a entender esta Hilda que questiona a morte, a vida post-mortem, ressa lta a visão dos outros sobre a loucu ra e retoma seu pai que “se

interrogou sobre o que acontece ria à alma na lou cura.” Este livro me marca de a lgum modo. Ta lvez pe la idéia do

Cão

como

que

Hilda

começar por

se

olha

tudo

mesmo

de

uma

explica

com

uma

fra se

tratar

da

lou cura.

maneira

(abaixo);

que O

“a pale rmada”,

ta lvez

pelo

desmistifica

Deus;

fato

o

é

que

livro ta lvez

livro

fica

“entalado na minha ga rganta” de sde então. Deus. Eu desafiei-O muitas vezes em meus livr os como uma blasfêmia p ara ver se de repente dava um fur or Nele e Ele dizia; Está bem, estou p or aqui. (...) Por isso min ha última novela chama-se Com Meus Olhos de Cão, p or que no fundo, p or mais que você leia, estude, pense, crie e tenha lucidez, você olha o mundo com os olhos de um cão, com o mesmo olhar assim ap aler mado, m e i o a g u a d o , c o m o o s a n i m a i s t e o l h a m . 59

No mesmo ano de 2006 fui convidada à dirigir uma série

de

pe rformances

inter-rela ção

das

m o d e r n i d a d e " 60,

no

sob

a

cu radoria

pa ra

o

arte s Centro

de

projeto

no

Cultu ral

Henrique

Homologia s:

nascimento CPFL

Lian.

Em

de

a da

Campinas,

uma

destas

Ibidem. Pg. 204 Diniz, Cristiano (org). Hilda Hilst, uma conversa emocionada sobre a vida, a morte, o amor e o ato de escrever, 1986. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 91 60 Projeto com coordenação de Henrique Lian, que acontecia em módulos mensais no Espaço Cultura CPFL de Campinas. 58 59

51

performance s, cuja temática era a Pop-Arte , Lian rege a

Motet

composição (1967),

de

em

ninguém



Menor

menos

que

ou

Beba

Gilberto

Coca -Cola Mendes,

a

partir do texto de Décio Pignata ri. “Estava então EU, em Campinas, pe rto da Casa do Sol, Com Meus Olhos de Cão a pale rmada ao som de um arroto em Be ba CocaCola”.

Foi

a

primeira

vez

que

registrei

G.

Mendes

em

minha memória e fiquei deslumbrada. * * * No

ano

que

projetos

que

continham

obra

Hilst, um era

de

projeto

se

alta mente

segue

(2007)

a lgum

participei

texto

ou

de

dois

referência

à

O E x p e r i m e n t o d o A c o r d o 61, u m

coletivo,

isto

é,

não

havia

uma

direçã o para as expe riência s que iriam ocorre r, e todas as

artistas

cada

dia

espécie fui

de

envolvidas e

randomicamente .

coordenação, feita

convidada

Usávamos

propunha m

a

muito

escre ver a

O por uma

pa lavra

materia l

artí stico

traba lho

tinha

uma

Pacheco e

Dedé carta

“encontro”

a



ao

público.

e

também

“experiên cia" Escre vo então um intertexto entre o conto

O Unicórnio, de Hilst (onde uma mulhe r começa a se transforma r em um unicórnio, pouco a pouco), e a pe ça

Peça

didática

Bertold

Brecth.

de

Baden

Sobre

a

Baden

Sobre

expe riência

o

Acordo,

Deise

de

Pacheco

descre ve : Experimento do Acordo – escritura sobre o aprendizado na tempestade, foi um projeto de mestrado realizado por Deise (Dedé) Abreu Pacheco, baseado em experimentos sobre a peça didática de Brecht O Acordo. 61

52

Se “o modo p erfor mátic o da ex p eriência”, para Tha ís , tomou a for ma da qu eda n o cor p o no espaço tridimensional do Exp erimen to, sua queda n o c orp o, no espaç o bidimensional do texto literár io, p or sua vez, levou-a a “sacudir ” o signo da intr ansigente afir maçã o da i dentidade (o s u jei to reifi ca do por seu “pap el social”). (…) Thaís “sacudiu” o signo ao imp lemen tar -lhe o vôo prazenteir o, que gosta de voar “todas as noites p or aí” e dep ois p ousar na “ár vore m a i s b o n i t a d a p r a c i n h a ” 62. É a r e d u ç ã o d o próprio vôo a sua menor grandeza: não é o vôo sobr e o Atlântico, não é o vôo de um foguete par a Lua, não é o vôo do progr esso tecnológico, não é o vôo do sonho revolucionário em massa; é o vôo sem pagamento nem função mercante, é quiçá o vôo do pensamento do flanêur(!), que percebe sobr e a árvore da pracinha “a relação dos homens entr e os homens” e t e n t a d e s c o b r i r “ a q u i l o q u e o s m o v e . 63

O outro traba lho, era A Adorme cida que mordeu a

maçã

ve rde

e

performance

não

colocou

dentro

da

o

dedo

in stalação

na

r o c a 64, Tu lse

uma

Lu per

S u i t c a s e s 65, d e P e t e r G r e e n a w a y o n d e p r o p u n h a u m l i v r o diário ficcional e m proce sso abe rto ao pú blico e tin ha como

ponto

Unicórnio,

e

de

partida

cartas

de

Com

Meus

minha

avó

Olhos

de

materna ,

Cão,

O

Esther

O trecho faz citação ao conto Unicórnio de Hilda Hilst. Pacheco, Deise Abreu. Experimento do Acordo – escritura sobre o aprendizado na tempestade Volume 1 e 2. Tese de Mestrado. Pg. 286 V.2 64 O diário da Adormecida que… pode ser encontrados no blog http://aadormecidaque.blogspot.com e o Texto sobre o processo de criação encontra-se na sessão de anexos. 65 Tulse Luper Suitcases é um projeto multidisciplinar de Peter Greenaway que continha três longas metragens, a exposição 92 Maletas e uma VJing performance. É possível encontrar mais informações no site www.tulselupernetwork.com. Em As tramas do cinema de Peter Greenaway - processos de criação em The Tulse Luper Suitcases, dissertação de mestrado de Eduardo Cunha Bonini ele revela o processo criativo de Greenaway para Tulse Luper. 62 63

53

Pache co de Alme ida Prado. Obviamente

que

por

se

tratar

de

uma

escrita

performática aca bei desenvolvendo uma escritura própria que

dialogava

s p e c i f c 66) ,

e

com

com

a

o

temática

Com

livro

da

exposiçã o

Meus

Olhos

(um

de

site

Cão

e

Unicórnio de Hilda que me conta minaram de algum jeito, fazendo

assim

referências

e

citações

desme mbradas

como o exemplo a seguir onde há uma citação ao Com

Meus

Olhos

de

Cão;

seguido

de

uma

referencia

do

espaço expositivo de Pe ter Greenaway, onde eu interagia performaticamente

e

por

fim

uma

alusã o

ao

filme

A

Barriga do Arquiteto, também de Greenaway. “Alguém uma vez falou dos olhos do cão. Ma s já n ã o me lembr o o q ue fa lara m. Acho que era sobre um homem que não se sentia mais em seu pr ópr io cor p o. Como se o que o corp o fizesse não tivesse mais sentido. Mulher, filhos... ele gostava de ficar no pr ostíbulo lendo. O lugar mais tranqüilo p ara ler na p ar te da manhã. Acho que ele também tinha um amigo que amava uma p or ca. Er a c asado c om ela. A p or ca o compr eendia e ele compr eendia a p or ca. Amb os er a m p olígon os. Ac ho que tin ha uma ár vor e n a história. Uma ár vore velha talvez. Não me lembr o ao cer to o que acontecia e nem a relação do cão com tudo aquilo. ou ser ia uma cadela?

O termo site specific (sítio específico) faz menção a obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado. Trata-se, em geral, de trabalhos planejados em local certo, em que os elementos dialogam com o meio circundante, para o qual a obra é elaborada. 66

54

Aqui a p or ca e o cão dor mem. As maçãs apodrecem e os figos apodrecem. E alguém um dia morr eu envenenado p or figos. Ou ele a c h o u q u e e s t a v a s e n d o e n v e n e n a d o e m o r r e u ” . "%

* * * Após o projeto A Adormecida qu e..., pe rmaneci com “O

Cão”,

remoendo

em

minha

cabe ça

e

em

minhas

anotaçõe s, se mpre pensando em como transpor para o cinema

um

livro

como

“Amós

este.

Kéres,

48

anos,

m a t e m á t i c o , n ã o f o i v i s t o e m l u g a r a l g u m ” . "&

69

Entre filme

na

2008

e

gaveta

2009 e

deixei

pa rticipei

guardado de

o

três

projeto

de

residên cias

artísticas com o Coletivo Corrosivo: uma na Casa das

Caldeiras, imigra ção

onde dos

abordava antigos

a

ancestralidade

tra balhadores

das

e

a

Industrias

Matarazzo; outra na Saline Roya le d’Arc e t Senans, na Almeida Prado, Thaís de. A Adormecida que Mordeu a Maçã Verde e Não colocou o dedo na Roca. (2007) Fragmento 41. In http://aadormecidaque.blogspot.com texto também anexado aqui à esta dissertação. 68 Trecho do texto: Hilst, Hilda. Com Meus Olhos de Cão. Editora Globo, São Paulo. SP. 2001. Pg. 66 69 “O Homem debaixo da árvore”, referência direta à Com Meus Olhos de Cão, e “a mulher unicórnio” referência ao conto Unicórnio. Fragmento do caderno de anotação pessoal de Thais de Almeida Prado, fevereiro de 2010. 67

55

França onde desenvolve mos um projeto sobre rituais de sal;

e

a

terceira

desenvolve mos

no

um

Hangar.ORG,

workshop

e

na

Espanha

criamos

onde

coletivamente

uma série de inte rven çõe s urbanas. Voltando encontro Rudá

ao

com

e

meio

Rudá

K.

Andrade

que

me

convida

Andrade)

instalaçã o

Brasil

sobre

a

Patrícia

pe rdida (filho para

Ga lvão

e

de

sem do

rumo,

cineasta

ajudá-lo em uma

(Pagu),

sua

avó,

e

dar um workshop no lugar dele em Santos. Crio então uma

proposta

de

desenvolve mos

oficina

um

de

vídeo

vídeo-performance cola borativo

com

onde os

participantes, que se ba seava e m pontos históricos da vida de Pagu, na fra se “a musa medusa”, e e m pontos estéticos propostos por Maya De ren. O projeto envolvia e s t e w o r k s h o p ; u m a i n s t a l a ç ã o n a e x p o s i ç ã o V i v a P a g u 70; e entrevistas com pe ssoas que conviveram com Patrí cia; o que me fez freqüentar Santos por mais de um mês e me

rea proximou

criança .

Em

uma

da

cidade

destas

que

eu

ia

entre vistas,

apenas fomos

quando

con versar

com nada menos que G i l b e r t o M e n d e s e é aí que C o m

M e u s O l h o s d e C ã o , f i l m e começa a sair novamente de seu procedimento de engavetamento. * * *

70

Projeto Viva PAGU http://www.pagu.com.br/blog/palavra-de-pagu acessado em 27/06/2014.

56

Gilberto Mendes com seus olhos de Cão “As ficando havia

vezes

velho,

eu

com

acontecido

Continuava alguns

um

entrava mais

ainda

em

de

crise.

trinta

para

anos,

mim,

ilustre desconhecido.

momentos,

em

ser compositor.

Pra

eu

Mas

compunha?

desistir

estava e

na

nada

música.

Pensava, por

daquela

que, se ninguém não



idéia

de

ouvia

o que

não

devia

conseguia,

d e s i s t i r . ” 71

Gilberto Mendes, nasceu “quando ainda nem mesmo

rádio

h a v i a ” 72,

na

cidade

de

Santos

no

dia

13

de

outubro de 1922, an o da Sema na de Arte Mode rna de São

Pau lo,

que

o

influenciaria



“eu

também

era

um

e n t u s i a s t a d a a r t e m o d e r n a ( a f i n a l n a s c i e m 1 9 2 2 ) ” 73 – e ano

em

que

anarquistas,

futuristas,

comunistas,

militare s, caniba is, dadaístas, todos juntos iriam mudar o p a í s . 74 S e u p a i e r a m é d i c o , e f a l e c e u e m 1 9 2 8 o q u e fez com que

Gilbe rto

irmã os

Sã o

pa ra

se

Paulo.

mudasse Sã o

com

Paulo

sua era

mãe

e

então

os

uma

pequena cidade industria l, e f oi nela que os ouvidos de G. Mendes se aguçaram pa ra a música erudita. Pa ra se consola r da morte do pai, Gilbe rto ia com sua mãe à casa de uma amiga dela, no Alto da Lapa, cuja a filha, Maria do Ca rmo Campos Maia estudava pian o. Ficaram em meus ouvidos como as primeiras músicas que tive consciência, as sonatas Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 59 72 Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 7 73 Ibidem. Pg. 31 74 Eduardo, Antonio. O Musico Gilberto Mendes. In: Sibila. http://sibila.com.br/novos-ecriticos/o-musico-gilberto-mendes/3516 acessado em 4 de junho de 2014. 71

57

‘Pa téti ca s’ e ‘Ao Luar ’ de Beethoven, e o ‘velho solar’, de Sc hu ber t. Elas me entristeciam, faziam-me pensar no meu pai mor to, mas me davam enor me prazer, 75 sempre que Maria do Carmo tocava.

Nesta mesma época se dá o contato e a paixão de Gilberto

Mendes

pe lo

cinema,

um

de

seus

formadores

musicais, a companhando entre 1929 e 1930 a transição do cinema mudo para o cinema sonoro. Ouvidos eruditos p ara a música pop ular. Hoje em dia rec on heç o qu e sempr e foi c om esses ouvidos que entendi a música de um Jer ôme Ker n, de u m Ivin g Berlin , Ric har d Rodger s, Cole Por ter, Gershwin, Har ry Warren (n a ver dade Sa lva tore Gua ra gna , filho de italianos) Har old Arlen (que compôs Over the R an b ow) e o ex tr aordin ário Freder ick H o l l a n d e r . 76

* * * É curioso re latar que Frederick Hollander (quando já em Hollyw ood) ou Friedrich H ollaender (quando ainda vivia na Aleman ha) é uma das referências que Gilbe rto Mendes

mais

cita

nosta lgicamen te,

seja

em

con versa s

informais como as mais formais, (“Hollaender f oi o rei

das

Kaba rett

Melodien,

na

Berlin

Friedrichstrasse

dos

a n o s 2 0 . ” 77) . N ã o h o u v e u m a e n t r e v i s t a o u f i l m a g e m q u e tivéssemos

sem

que

Gilbe rto

citasse

Hollaender

e

cantarolasse uma de suas melodias, mesmo em seu livro

Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 8 76 Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 13 77 Ibidem Pg. 14. 75

58

Uma

Odisséia

von

Kopf

Musical,

bis

fuß

G.

auf

“cantarola”

Mendes

Liebe

eingestellt,

Ich

bin

composição

interpretada por Ma rlene Dietrich em Anj o Azul.

* * * Em estudou

1940,

Gilberto,

direito

na

que

assim

Universidade

como

de

São

Hilda

Hilst,

Paulo

(São

Francisco) decide la rgar a faculdade para fina lmente se dedicar

a

musica

por

indução

de

seu

então

cunhado

Miroe l Silve ira (o mesmo dos Arquivos Miroel Silveira). Este o convenceu de que G. Men des era músico nato de

grande

acuidade

m u s i c a l 78

e

que

pre cisa va

aproveitar

suas qualidade s. Gilberto volta a mora r em Santos na casa de sua irmã

Mirian

estudos

no

e

de

Miroel

Silve ira

Conse rvatório

iniciando

Musical

de

então

Santos.

seus

Estudou

piano com Antonieta Rudge e harmonia com Sa vino de Benedictis, composição

começou que

não

também deram

com certo,

ele

estudos

porque

de

Savino

corrig ia todas a s propostas composicionais de Gilberto:

...limp ava todas as blue notes que me er am tão car as, tentava desviar para o tonal a min ha natu rez a musical atonal. Dec idi en tão estudar sozinho, assumir meu 79 autoditatismo.

Entre

1945

1958

Gilberto,

autodidata,

inicia

Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 36 79 Ibidem Pg. 43 78

uma

59

série de composições para pian o e, canto e pian o que ele

mesmo

conside ra

sua

primeira

fase

como

compositor, ba seando-se em estudos que fez de a lguns poucos

compassos

de

Arn old

“agrada va-me

Schönberg

muito a não-direciona lidade, a harmonia não-funcional, q u e c o m e c e i a p r a t i c a r i n s t i n t i v a m e n t e ( . . . ) ” 80 Em

1961

como



vimos,

G.

Mendes

musicou

os

poema s de Hilda Hilst, é poca que a conhe ceu durante o próprio recital. Seu contato com a musica de Pierre Schaeffer e as partituras

de

Pie rre

Bou lez

e

Karlheinz

Stockhausen,

fizeram com que Gilberto se voltasse pa ra a música de vanguarda música verão



seria lismo

ele trônica de

-

Da rmstadt,

integ ra l,

tendo

música

f reqüentado

Ale manha,

nos

os

anos

concreta cursos de

1962

e de e

depois n ovamente em 1968. Ainda em 1962, entr e julho e agosto, fiz min ha primeira per egr in ação em Darmstadt, a seus famosos cursos de férias destinados a divulgar a neue Musik da segunda metade do século. Estava combinado que nos enc ontrar íamos lá, eu, Willy Corr ea de Oliveira e Rogério Dup rat, todos nós comp ositor es ávidos de beber, na fonte original, os ensinamentos pr eciosos de Boulez, Stock hausen, Pousser, Ligeti, Berio e N o n o . 81

Em Santos

1962 (hoje

fundou o

ou

Festival

Festival de Música Nova, em ainda

ocorre

na

cidade

Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 45 81 Ibidem Pg. 69. 80

de

60

Ribeirão

Pre to);

em

Manifesto

Música

Invençã o,

que

Nesta

mesma

1963

Nova,

propunha é poca

foi

um

pu blicado uma

compõe

dos na

nova

signatários

Revista Música

n ascemorre,

de

do

Artes

Brasileira.

baseada

em

poema de Haroldo de Campos - para coral, pe rcu ssão, fita magnética e duas máquinas de escre ver, onde são usados microtons e estruturas aleatória s. O trabalho, de cer to modo estocástico, joga com as probabilidades e inclui a participação real do intérprete na comp osição-montagem de um PROCESSOdireção musical cujo desenvolvimento é previsível; por ém em suas p articularidades, d e p e n d e d e s u a c a u s a l i d a d e . 82

83

Gilberto foi um dos pioneiros no Brasil a mergulhar no

campo

da

aleatoriedade,

da

música

microtonal

e

Ibidem Pg 78. Partitura nascemorre, de Gilberto Mendes, no livro Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 79 82 83

61

concreta,

valendo-se

visuais

e

parte m

do

caso

teatrais

movimento

halte rofilista

Kuss



e

de

do

ou

notações

suas

a rtista

Abe rta

três

Beij os

novas

(muitas

Ópera

de

de



partitura s

no

palco,

ação

mais

a mplificados

musicais

como

teatral

é

um

o

operística ,

aplaudindo;

pessoas entre

musicais,

homem

e

Der uma

mulhe r, com ação teatral; Pausa e Menopausa – pa ra 3 intérpretes,

xícara s

de

café,

projeção

slide s;

de

O

Objeto Musica l – homenagem a Marcel Ducha mp, pa ra o ventilador, barbeador e létrico, com açã o teatral. Outra Gilberto é

característica que

muitas

importante

de

suas

no

traba lho

de

composiçõe s de pendem

da leitura que o inté rprete faz de sua peça . É o caso de

Blirium

(1965),

uma

música

aleatória

levada

às

ultima s conseqüências, feita somente das instruções de como

“Quando

realizá-la.

Blirium

é

magnificamente

realizada , não posso dizer: que bela obra compus! Na v e r d a d e o a u t o r é o i n t é r p r e t e . ” 84 A

forma

proposta

em

Bliriu m

se

aproxima

muito

das criaçõe s em colabora ção. No teatro, muita s veze s o diretor propõe um tema, ou uma imagem para que se ocorra

uma

improvisaçã o

dramaturgia

ou

não.

regras

pa ra

fazer

ensaio

pré vio,

pois

Na

que

poderá

Pe rformance

sua

ação,

em

a

bu sca

pe la

geral

ser o

fruto

artista

não

da cria

existe

indeterminação

um e

a

experiência em si se tornam mais forte s. O que Gilberto propõe e m Bliriu m é a co-autoria, o intérprete te m que

84

Ibidem Pg. 85

62

se colocar con ceitualmente para não ser engolido pe la obra e por sua cau salidade . 85

Na década de 80 G. Mendes começa a redescobrir através da nosta lgia de seus mestre s do passado como Webe rn

e

Stravin ski,

música

popu lar

da

passando primeira

por

metade

sua

paixã o

pe la

do

sécu lo

(em

especial o jazz) e pelos ve lhos musicais da Alemanha e de

Hollyw ood

(como

Hollaender)

e

cria

obras

como

Saudades do Pa rque Balneário H otel (1980) , pa ra piano e saxofone alto, e Ulysses in Copa cabana surfing with

James Joyce e Dorothy Lamou r (1988), pa ra orquestra de câma ra. No começo, eu fazia uma música mais ligada ao serialismo integral, mas eu nunca quis ser um serialista, min ha músic a inc orp or a outr os elementos. Por causa disso, na Eur opa eles dizem que sou p ós-moder no. Partitura Blirium, de Gilberto Mendes, no livro Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 86 85

63

Mas eu mesmo prefiro que me chamem de transmoder no, que é como me defino. Isso quer dizer que eu transitei pelo moderno e s u a s v a r i a ç õ e s . 86

Como já estava mu ito familiarizada com o universo de

Hilda,

Gilberto

quando

entendi

comecei o

porquê

a

entender

e ra

tão

o

pe rcu rso

importante

de

ser

G.

Mendes nosso Amós Ké res - “Hilst”. Compreendi que as obras

de

Mendes

e

Hilst

têm

um

enorme

diálogo:

ambos têm um g rande humor e um certo sa rcasmo, ao mesmo tempo em que se utiliza m de artefatos eruditos, líricos e popula res. Ambos se se ntiam incompreendidos pelo

pú blico

e

tivera m

um

reconhecimento

maior

tardiamente. Le mbrando uma fala já citada no início do texto, de Gilberto: “Já e stava ficando velho, com mais

de

trinta

mim,

na

anos,

e

música”.

nada Hilda

havia aos

acontecido

50

busca

ainda

na

pa ra

pornog rafia

uma maneira de se tornar mais lida. Ela em Campinas, para

ficar

longe

Santos pa ra do ma r. eles,

em

gêneros

se

da

badala ção

proteger da

Brin cando de seus sem

seguir

caminhos realmente

são

de

São Paulo, ele

bronquite a

mão

capazes

estare m

e e

se a

de

fixados

enamora r

contra-mã o, flanar

a

em

pelos

algum.

Um

tango e um arroto, uma pornog ra fia e uma poesia. ...o percurso criador ao ger ar compr eensão maior do pr ojeto, leva o ar tista a um con hecimen to de si mesmo. Desse modo, o percurso criador é para ele, também, um Farinaci, Antonio. “Sou transmoderno", diz Gilberto Mendes; filme sobre o músico abre o Festival Música Nova. http://musica.uol.com.br/ultnot/2006/08/09/ult89u6808.jhtm acessado em 01/07/2014. 86

64

processo de a u to-c on hec imento. O artista se con hece dian te de u m espelho c on stru ído por ele mesmo. Rasurar a possível concretização de seu grande projeto é, 87 assim, rasurar a sim mesmo.

* * *

Propostas para um filme – primeiras tentativas de produção

ou

marra”

como

para

ou

como

produzir

cidade

que

uma

faz

aprender pessoa

um

dispersa,

a

sem

filme?

produzir nenhum

ou

São

atravessa

e

“na

talento

Paulo, engole

a as

pessoas. Graça s ao projeto Viva Pagu, Rudá K. Andrade e eu fizemos

uma

visita

a

Gilberto.

Du rante

a

primeira

entrevista, em julho de 2010 ele soltou a frase: “eu sou

músico por uma ocasião meu sonho me smo era te r sido artista

de

cinema,

fazer

pa pel

de

p r o f e s s o r . . . ” 88,

dito

isso, a primeira coisa que veio à cabe ça foi Com Meus

Olhos de Cão – “filme”. O pe rsonagem Amós Kéres, é um

profe ssor,

Gilberto

um

Mendes

seria lismo,

a

poeta faz

matemático

lembra r

aleatoriedade,

e

a por

e

a

poesia fim

música con creta ,

a

o

matemática.

Porque não con vida-lo para faze r o filme como ator?

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998. Pg. 131 88 Depoimento de Gilberto Mendes em entrevista sobre Patrícia Galvão feitas por Rudá k Andrade e Thaís de Almeida Prado em 8 de maio de 2010. 87

de

65

Vértice Aresta e Face Vi o suspiro da ave. Tetraedro: vértice quatro Aresta seis, faces quatro Mergulho Vívido nu no teu quarto. Hexaedro: vértice oito Aresta doze, face seis Meu bico apodrece Sobre a página breve. Octaedro: vértice seis Aresta doze, faces oito Balanço do galo Na rama da noite. Icosaedro, vértice doze Aresta trinta, faces vinte Suores e tintas Rondando o limite. Monstruosidade: vértice vinte e um Aresta quarenta e cinco, faces vinte e seis, Muro de avencas caindo em pencas matando o rei. Empalideço, Atlanta. Um Vivien vento Varrendo a anca. Amós Kéres Amor Kéres? Trembla de viño Mi cuerpo de destemor.89

Fiz o convite e ele a ceitou se m levar muito a sério “eu

não

sou

ator,

se rá

que

consigo?”.

Em

seguida

come cei a procura r pe ssoas e produtores que pudessem ajudar pessoas

a

desenvolver a

qual

entrei

o em

projeto. contato

Uma

das

primeiras

foi

Fla vio

Amoreira

Viegas, por se r alguém muito próximo a Gilbe rto e um 89

Hilst, Hilda. Com Meus Olhos de Cão. Editora Globo, São Paulo. SP. 2001. Pg. 44

66

adorador

dos

2010

viria

e le

tra balhos para

de

São

Hilda

Paulo

Hilst.

Em

acompanhar

Agosto G.

de

Mendes

em uma g ravaçã o de e stúdio então escre vo:

Seria

a

chance

de

encontrá -los

em

São

Paulo

e

tentar apresenta r o projeto. Gilberto no entanto can cela a

viagem

mesma

e

a

proposta

semana,

Tavare s,

da

projetos. Lá

ma rco

A c e r e 90,

aca ba

então

parce iro

não

uma de

conve rsa mos sobre

sendo

reunião

produçã o

feita. com em

Na

Rune outros

formas de produção e

a p r e s e n t o u m p r i m e i r o e s b o ç o d o r o t e i r o e s c r i t o 91, c o m muitas

propostas

de

locações

e

pe rsonagens.

Rune

sugere que eu me inscreva em algum edital, poré m meu trauma

com

espera r

um

causavam

os “nãos” de dia

algum

aflição,

editais e

“sim”

pa ra

principalmente

a

necessidade

fazer

por

se

o

projeto

tratar

de

de me um

filme com Gilbe rto Mendes a os seus 88 anos de idade Durante a faze de trabalhos com o Coletivo Corrosivo, criamos uma parceria com a Acere, que tentava nos ajudar a viabilizar nossos projetos. www.acere.com.br 91 Primeiro tratamento do roteiro em Anexos. 90

67

na época. Rune suge re então que eu reescre va o rote iro pre vendo menos locaçõe s ou então que escolha apenas uma loca ção (o caba ret / borde l) onde todas as cenas pode riam se passar como num travelling . Montamos um esboço de escaleta (que ele fica de me enviar por email)

pensando

nestas

cenas

e

na

possibilidade

de

transforma r o filme num grande travelling . Em 28 de outu bro de 2010 Gilberto Mendes lança s e u C D C a v a l o A z u l 92. P ó s c o n c e r t o , e u o p r o c u r o p a r a conve rsa r e o rele mbrar de quem eu era e do filme que “iríamos

fazer

juntos”.

Gilberto

sempre

bem-humorado

respondia que não sabia se seria um bom ator, mas que gosta ria de tentar. Entre altos e baixos e sem sabe r muito bem como cria r me ios de desen volve r o filme passo por fases de “engavetamentos”

e

por

momen tos

onde

acorda va

de

madrugada querendo liga r para todos que pudessem me ajudar a produzir o filme. Os editais ia m chegando e eu nunca me inscrevia porque acre ditava que este projeto não deveria

espe rar editais ao passo que

o tempo ia

passando e Gilbe rto fazendo ma is anive rsá rios. Durante o ano de 2011 passei tentando marca r reuniões que iam por água abaixo, por cancela mentos recorrentes frutos dessa cidade imprevisíve l que é São Paulo e etc.

Em

outubro de 2011 Rune me manda o e sboço de escaleta que havíamos criado um ano antes.

http://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,gilberto-mendes-lanca-novo-cd-em-saopaulo,630706 acessado em 03/07/2014 92

68

93

Ao cabeça

olhar de

a

escaleta

imagens

do

e la

livro

me que

monta me

um

quebra

ficavam

muito

fortes; ao mesmo tempo eu sa bia que eram muitas, e o filme deve ria se r um curta, em prin cípio. O tempo foi correndo

mais

rápido

que

pudéssemos

pe rce ber

e

quando nos demos conta era 2012 e eu havia começado o mestrado e

estava

ensaiando

como atriz uma

peça,

de processo colaborativo, ba sea da em textos de Hilda Hilst com a direção de Rafael Truffaut e com Mauricio Coronado que

também

conheci

no

Daniel

e lenco. Mora

Foi

neste

Fuentes

momento

em

(herdeiro

Escaleta feita por Rune Tavares em nossa reunião para o Com Meus Olhos de Cão em 16/10/2010 93

do

69

patrimônio

e

da

obra

de

Hilda

Hilst)

e

em

julho

apresentei o projeto do Com Meus Olhos de Cão pa ra ele. Danie l se entusiasmou e sug eriu que eu procurasse encorajadamente Gilberto Mendes, o que pe la timidez de não ser uma diretora con hecida , por não te r um projeto substancial, por não ter ve rba e estrutu ra para filma r se prorroga va mais e mais. Eu e Daniel Mora Fuentes nos j untamos com Rudá K.

Andrade

(quem

me

a pre sentou

o

Gilberto

Mendes

pessoalmente em 2010) e passa mos a tentar manter o projeto

vivo.

Muitas

vezes

acorda va

de

madrugada

pensando n o Gilbe rto e pensando no filme . Em

meio

à

escrita

da

qualif icaçã o

(que

não

abordava o filme na época) e aos prime iros cortes de

Nowhere (filme do próximo capitulo) , Com Meus Olhos de Cão ia ficando de lado. Foi então que praticamente um ano depois, no dia 8 de agosto de 2013, fui à Casa das Rosas pa ra o lançamento do livro Musica Cinema do

S o m 94, d e G . M e n d e s e l á o f i c i a l m e n t e m e r e a p r e s e n t o para

e le,

fa lo

do

filme

mais

uma

vez

e

marco

f i n a l m e n t e uma visita em sua casa em Santos. Praticamente

um

mês

depois,

no

dia

15

de

setembro Daniel, Rudá e eu nos organizamos para ir à Santos,

para

uma

conversa/entrevista

com

Gilberto

e

para apre sentar o projeto Com Meus Olhos de Cão junto ao livro da Hilda. Um dia antes da ida à Santos, Daniel me convida 94

Mendes, Gilberto.

Música, Cinema do Som. Editora Perspectiva. São Paulo 2013

70

para passar por Campinas e assistir a peça A Obscena

Senhora D com Susan Damasceno, na Casa do Sol, onde eu

pode ria

me

hospedar

em

um

dos

quartos

vazios

reservados a os residentes a rtísticos. Me prepa ro e sigo rumo a Campinas, a mesma cida de que por coincidência ou

não,

Gilberto

me

apresentou

Mendes

(no

para

o

unive rso

H omologias),

e

musical

finalmente

de

pa ra

visita tã o espe rada e adiada à quela famosa C a s a

a do

Sol. * * *

A primeira Visita à velha senhora, Madame Hillé Ao vários

chegar

à

Casa

do

Sol

somos

cachorros,

todos

adotados

rece bidos

pe la

Hilda

por

quando

ainda viva . A casa com seus objetos, suas relíquias e seus cães já começa a criar um sentido por si só para o

filme.

Hilda

é

aquela

casa!

Começamos

a

imaginar

Gilberto Mendes sendo filmado e interagindo com todo esse

entorno,

e

por

con seguinte

interagindo

com

a

própria Hilda ali mate ria lizada. Sou re cebida como u m ente da família por Olga Bilenky uma das fundadoras do

Instituto

Hilda

Valença,

diretor

H i l s t 95 e de

mãe

projetos

de

Daniel

das

e

por

residên cias

Ju randy artí sticas

ali. Ao

chegar,

Susan,

a

atriz,

está

se

concentrando

para o in icio da pe ça feita na sala de estar da casa, com

toda

a

mobí lia

do

lug ar.

A

peça

era

uma

adaptação de A Obscena Senhora D, um livro que tem 95

http://www.hildahilst.com.br/site/

71

muitas afinidades com Com Meus Olhos de Cão: ambos os

personagens

questionam

Deus,

se

pe rguntam

da

morte e sã o levados como loucos pela s pessoas à sua volta. Hillé , de A Senhora D, de tanto querer entender os porquês aca ba perdendo a noçã o de realidade. Ela desafia

Deus,

assim

como

H ilda

se mpre

desafiou

inclusive a travé s de Amós Ké res. Em Com Meus Olhos de Cão, o personagem Amós Kéres,

um

professor

de

matemática,

“vive

uma

experiência transcendental onde rece be um impacto de cores,

sem

linha s

ou

contorn os,

uma

espécie

de

m e t a f í s i c o ” 96.

97

Pécora, Alcir. Nota do Organizador. In:. Com Meus Olhos de Cão. Hilst, Hilda. Editora Globo. 2001. Pg. 8 97 Desenho feito por Hilda Hilst, com assinatura ficcional de Amós Kéres. 96

Sol

72

Depois de ssa experiência ou intuição inesquecí vel, afasta-se e se aliena cada vez mais dos seus de veres, mergulhando n o que é inte rpretado pu blica mente como loucu ra. A re lação de Hilda com a loucura, como já foi dito é bastante forte sendo intrin seca mente ligada a seu pai e abordada em muitas de suas obra s assim como sua a tentativa de compreende r a morte e seu confronto com Deus. Com Meus Olhos de Cão é um dos livros em que Hilst con segue traze r a tona estes trê s questionamentos simu ltaneamente. Amós lida com a sensação da morte, a tentativa

de

enveredar

pelos

perguntada

compreender

por

caminhos Caio

e da

desafiar loucu ra.

Fernando

Abreu

Deus Hilda sobre

e

se

quando Deus,

responde : Na Minha novela Com Meus Olhos de Cão, o personagem Amós, um matemático, começa com uma frase que algumas pessoas acham esquiz ofr ênica: ‘Deu s, u ma su per fície de gelo ancor ada no r iso.’ Essa novela chega ao fim como uma composição matemática, um con jun to vazio, um c írc ulo. Mas um vazio vivo também, c omo o vazio vivo do Zen, ou da li ter a tura de Sa muel Beck ett. En tã o me veio assim: Deus é quase sempr e essa noite escura infinita. Mas ele pode ser também um flameja n te sor vete de cerejas. É uma escuridão absoluta, mas de repente tem uma volúpia doce lá dentr o. Como se fosse esse sorvete de c erejas . Te vem o gos to de u m d i v i n o q u e v o c ê n ã o s a b e n o m e a r . 98 Diniz, Cristiano (org). Deus pode ser um flamejante sorvete de Cereja, conversa com Caio Fernando Abreu, 1987. In: Fico Besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst. Editora Azul. São Paulo. 2013 Pg. 99 98

73

Chegando ali na Casa do Sol e ra eu, quem mais uma

vez

tinha

aquele

olha r

“apalermando

do

cão”.

Tentando entender uma sensaçã o muito forte de estar num lugar que me parecia tã o fa miliar. Junto com Daniel come çamos a vislumbra r imagens e cenas pa ra inclusive propor a Gilberto n o dia seguinte em

Santos.

Na

mesma

n oite

eu

sonho

com

H ilda .

No

sonho e ra como se o Gilberto fosse uma pe rsonifica ção dela mesma . Ela me dizia para filmar de ta l jeito ou de outro.

Dizia:

-

“Aqui

eu

quero

ficar

cheia

de

papé is,

deitar sobre pa péis, me esconde r sob os papéis, mas eu não posso faze r, entã o pe ça pa ra o Gilbe rto fazer n o meu

lugar.”

Acordei

com

um

filme

em

minha

ca beça

“dirigido” pela própria Hilda Hilst. Pode ria brinca r de ter um

“filme

psicografado”

e

talvez

dialogar

com

as

crença s que Hilda tin ha na existê ncia do “outro lado”. No dia seguinte acordamos cedo e nos prepa ramos para a tra vessia até Santos. * * *

A

Primeira

Visita

ao

velho

senhor



Gilberto,

Amós? Ao chegarmos em Santos, Rudá, Daniel e eu somos rece bidos Gilberto objetos fazem

por Mendes

de parte

Eliane, o

cultura da

artista

qual

chega

mate rial

cole ção

plá stica

de

de

em

mulher

seguida.

vária s

Eliane

e

e

Na

sociedades vários

de

casa, que

quadros

74

pintados por e la com o retrato de Gilbe rto. Aquela ca sa toda branca, se m musg os, sem f ungos e bolor não nos parecia se r a casa de Com Meus Olhos de Cão. Pedimos longa

pe rmissã o

conve rsa

infância, depois

sua

da

onde

asma,

para

filmar

e

G.

Mendes

nos

sua

estadia

na

existência

do

mu ro

de

começamos conta

sobre

Alemanha

Berlin,

uma

sua

sua

antes fuga

e da

Polônia . Aos poucos tentamos in trodu zir a proposta do filme pa ra ele. Entreg o primeira mente o livro da Hilda Hilst, (o próprio Com Meus Olhos de Cã o) e conto que queremos partir de ste livro para cria r um filme. Ele nos pergunta

se

não

haveria

um

roteiro,

explico

que

este

estava sendo extinguido porque gosta ríamos de fazer um filme onde a dramaturgia partisse e pertencesse a nós. O filme se ria u ma mescla de cada um de nós com o livro de Hilst. Gilberto fa la então de Hilda, de como e la era uma mulhe r em

um

bonita

e

recita l

de

como

onde

ele

se

conhece ram

a pre sentava

rapidamente

uma

de

suas

composiçõe s ba seadas em poema dela Trovas de muito

amor pa ra uma amado senhor: Trova I e Trova XV. Ele contou

também

da

época

em

que

Hilda

freqüentava

Santos e namorava um moço “barra pe sada” da cidade. E com muito orgu lho dizia ter rece bido um ca rtão de n a t a l 99 d e H i l s t , c o m u m a d e s u a s g r a v u r a s , a g r a d e c e n d o pela composiçã o. As

99

tentativas de

a pre sentar a

ideia

pa ra

Gilberto

Gilberto guarda o cartão de Hilda até hoje em sua casa, na biblioteca da Casa.

75

eram

se mpre

memórias

bastante

pessoais

Gilberto

sempre

durante

a

de vora das

que

ele

achava

entrevista

gostaria

um

e

pe las

jeito

fomos

de

histórias nos

para

ofe rtar.

fa lar

perce bendo

e

de

que

si sua

personalidade forte seria e ssencial pa ra que ele nã o se tornasse um ator re pre sentando o pe rsonagem Amós em si,

mas

assim

como

João

Miguel

Ex-Isto,

em

que

Gilberto e Amós pudesse m coexistir juntos na cria ção, como

se

os

confundir

ele mentos

com

deveríamos

a

da

vida

tomar

vida

do

cuidado

de

outro. pa ra

um Ao

não

pudessem mesmo

sermos

se

tempo

engolidos

pelo deslumbre que era escutar suas história s, porque a proposta

fílmica

era

uma

ficção,

ou

me lhor

dizendo,

cantarola

diversas

“uma fricçã o”. No meio da

entre vista

Gilberto

música s uma delas Ich bin von Kopf bis Fuß auf Liebe

eingestellt

e

outras

filme.

no

ele

pe rgunta Ao

que

se a

pode ria

resposta

cantar sempre

essa era

e

SIM .

“Mas min ha voz é asmática...” dizia ele. Nosso

compositor

também

repetia

várias

vezes

a

pergunta: “passei no te ste? Estou demitido?” Ele tentava entender se aquela conversa era um teste para que ele pudesse

fazer

o

para

nenhum de

por

conseguinte

filme . n ós

No

entanto

trê s que

Hilda

tinham

não

havia

Gilberto, Amós que

se

dúvidas Kéres

juntar

e

nesta

empre itada fílmica . Gilberto apreço

ao

e

Hilda e rudito,

sempre ao

souberam mesmo

que

tempo

tinham nunca

76

compreenderam por que não eram tão escutados, lidos e/ou inte rpretados no Brasil. Essa grande frustração em Hilda

fez

com

pornog ráficos lite ratura,

Lamby

que

uma

como

(1990).

o Já

ela

bu scasse

espé cie fora

de

com

Gilberto

O

em

chamariz

Caderno

ta lve z

e lementos pa ra

sua

Rosa de Lori

despretensiosa mente,

cria duas de suas músicas mais conhe cidas Motet em Ré

Menor ou Beba Coca -Cola (1967) e Santos Futboll Music (1969)

que

se

tornam

conhecidas

mundia lmente.

A

questão é que a mbos se mpre criaram obras à seu modo, passando fixarem

a

por

formas

nenhum.

O

e

movimentos que

os

artí sticos

leva va

à

uma

sem

se

grande

liberdade criativa. Sempre digo que sou, no mín i mo, tr ês comp ositor es diferentes: o d e v a n g u a r d a do San tos Footba ll Music, Beba Coc a -Cola, Nascemorre e Ashmatour, o clássico m o d e r n o d e Pour Elia ne e Tr ova I e o c l á s s i c o p o p u l a r que comp ôs Salada de Frutas e A Festa. Mas, como estou vivendo muito, vou indo p ara o quarto comp ositor, que é uma soma de todos eles – o 100 transmoderno.

* * *

Kiyomura, Leila. Gilberto Mendes chega aos 90 anos com ares de quem atravessa os 20. http://www5.usp.br/28808/gilberto-mendes-chega-aos-90-anos-com-ares-de-quem-atravessa-os20. Acessado em 01/07/2014 100

77

Dos

preparativos

para

“estar

sendo

ter

s i d o 101 ”

Amós Kéres. Alguns problemas de produçã o surgira m: o primeiro, Gilberto

tem

uma

idade

muito

avançada

(91

anos)

e

alguns proble mas de saúde, como a Bronquite (ale rgia que

fez

parte

música, à

de

sua

vida

toda,

assim

como

de

sua

Asthmatour, e motivo pe lo qual

exemplo de

ele optou em vive r em Santos) e um re cente trope ço no sofá

de

sua

sa la

Precisa ríamos porém

sem

que

então verba,

havia

lhe

ser

muito

como

fazer

fraturado

o

cuidadosos para

fêmu r.

com

deixa-lo

o

ele, mais

confortáve l possí vel?. O segundo problema , Gilberto não gosta

muito

problema s

de

com

sair a

de

Santos,

Bronquite,

justamente

então

como

por

seus

levá -lo

para

Campinas e para Sã o Pau lo? De veríamos te r alguém que o acompanhasse? Estas

problemáticas

aca rreta ria m

também

em

um

desapego a o roteiro escrito inicialmente ao que Rudá se colocava

menos

imagens

muito

a

favor.

Para

inte ressante s

ele que

o

roteiro não

propunha

deveríamos

descartar e nos ajudaria a se rmos cuidadosos em como lidar com o Gilberto. Rudá sugeria que tivéssemos um segundo ator que fizesse Amós Kéres j ovem. Eu

não

era

tão

favoráve l

à

ideia.

Me

a petecia

visua lizar Gilbe rto como Amós em todas as sua s faixas etárias, me smo como a criança Amós, pa ra assim criar um distanciamento de um certo “realismo” que pude sse Estar Sendo Ter Sido, é o ultimo livro publicado por Hilda Hilst onde há uma homenagem clar ao pai, além de citações de seus poemas. 101

78

ocorrer.

E

no

caso

de

ser

muito

impossí vel

termos

Gilberto e m alguma s cenas eu preferiria entã o que Amós jovem f osse feito por uma mu lher, ou então por vários atore s e

atrizes

sem

um apeg o

a

um ca ráter a penas,

para causar uma fricção entre a Hilda que e screve e a Hilda que é personificada por um personagem masculino. No ano anterior, pós con versa com Rune Tava res, as opções de locações já estavam se tornando apenas um salã o de Caba ré o qual depois da visita à Casa do Sol pode ria ser feito lá. Ma s se rá que Gilbe rto topa ria uma cena de cabaré? Ao coloca r a questão ele abre um sorriso e passa a relata r a s famosas musica s de caba ré na Alemanha, compostas pe lo já citado re petidas vezes Frederick

H ollander,

que

chegaram

ao

cinema

de

Hollyw ood. Um prostí bulo a la Ca baré a lemão da década de 20 realmente era a cara de Hilda e Gilberto (Hilda , talvez pelo som de seu sobrenome, Hilst, ou por a lguns de

seus

pe rsonagens

que

nos

remete m

inconscientemente à Alemanha). No entanto a questã o caia no mesmo tópico; como produzir?

Sem dinhe iro, sem carro para

leva r e traze r

Gilberto, sem parcerias, sem equipamentos e etc... No dia seguinte, 16 de setembro de 2013, no meio do ensaio de uma peça, rece bo três liga ções seguidas do número de telef one do G. Mendes. Começo a ficar pre ocu pada: - “Gilbe rto, 91 an os!!!”, saio pa ra atender. Gilberto livro

“em

ligava uma

porque sentada

queria só”.

dizer Tin ha

que

havia

adorado

a

lido

o

maneira

79

como H ilda escrevia e queria fa zer o filme . “Por fa vor, não me abandonem!”, dizia ele do outro lado da linha . E uma questão sua ficou no ar: “- esse livro é um fluxo de pensamento, como você vai f azer isso vira r cinema?” Eu já não sabia mais e o desafio deste filme seria de descobrir “o como” junto com Gilberto. * * * Conto

para

marca mos

de

realiza r

filme.

“em

o

como

se

Rudá

fazer

e

Daniel

uma

Nossa

reunião

reunião

conseguir

sobre

verba

o

de

produção

acaba para

telefonema

ficando

fazer”.

A

e

para

focada questão

editais era colocada à mesa novamente, ao que eu me opunha , já que havíamos dado uma ponta pé inicial no filme, não de veríamos deixa r esfriar o processo. De todo modo Daniel se prontifica em te ntar algo por Ca mpina s e

eu

em

escreve r

um

texto

para

apresenta ção

do

projeto. A

sensação

era

que

estas

reuniões

de

produçã o

nos faziam na realidade “des-produzir” o filme e eu a espera r ten sa. As relações tencionais, que mantêm a vitalidade do p r ocesso de construção da obr a, apar ecem também nas emoções do criador. As mar cas psicológicas do gesto criador carregam sentimentos que, na medida em que atuam um sobre o outr o, t o r n a m p o s s í v e l a c r i a ç ã o . 102

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998. Pg 81. 102

80

Para

não

deixar

a

“água

esfriar”,

pa sso

a

ligar

para o Gilbe rto toda semana para conve rsarmos sobre o filme

e

sobre

a

vida.

Alguma s

perguntas

dele

são

sempre recorrentes: -

Você acha que eu posso fazer esse filme como ator? Se quiser desistir de mim e u entenderei.

-

Você tem um roteiro do filme?

-

Como

você

vai

fazer

esse

livro

se

torna r

um

filme? -

É um docu mentário sobre mim?

-

Posso canta rolar uma canção? Não,

“brincar

não de

havia

ser”

dúvidas

Amós

de

neste

que

filme.

Gilberto Existia

de veria sim

um

rote iro, que estava por ser descartado se não fosse a insistên cia de Rudá, ao mesmo tempo não tinha ce rteza se

deve ria

mostra r

para

Gilbe rto,

pois

era

algo

não

“finalizado”. Sobre como iríamos fazer para aquele livro se torna r um filme? Na realidade não conseguia não ver este livro senão como um filme . Para mim era cla ro que aquela ficção era cinematog ráfica. E era muito claro e m minha cabe ça que este não era um documentário sobre Gilberto Mendes, mas sim u ma fricção de e lementos de suas me mórias com a ficção e histórias de Hilda. Setembro novembro ligações

o

se

pa ssou

projeto

pa ra

ra pidamente

ficou

Gilbe rto,

adormecido a

pa rte

de

e

em outu bro e

(fora

as

produ ção

minhas e

a

tentativa de encontros e m si n ão reagia). Min ha ânsia

81

pelo filme perdu rava , já ha via conversado com Odorico Mendes,

um

dos

filhos

do

Gilberto,

pedindo

a lguma

e s p é c i e d e a p o i o , f o s s e d e e q u ip a m e n t o s o u m e s m o n o caso

de

ter

filmagem,

que

ao

Também

acompanhar

que

com

a

ele

se

o

pai

colocou

ajuda

de

em

algum

dia

ao

nosso

dispor.

Rubens

Rewald,

de

pedi

empré stimo de equipamentos e o uso da ilha de ediçã o do depa rtamento do audiovisual (CTR) na USP, os quais pode ríamos

utiliza r

caso

os

alu nos

da

graduação

não

estive ssem precisando. Na

época

cineasta

da

a lemão

Mostra

de

Se bastian

Cinema

Mez,

de

com

São

quem

Paulo

eu

o

estava

fazendo outro filme e já estava inteirado deste, vem ao Bra sil e sugere que eu faça OFFs com o Gilbe rto lendo parte s

do

livro,

assim

decidíssemos

filmar,

sonora

G.Mendes

do

qua lquer

teríamos à

fosse

uma

a

base

disposiçã o

cena de

para

que

dados alguma

eventualidade. Acato à ideia e monto um n ovo plano de traba lho, onde a proposta se ria desapegar-se do roteiro, mantendo

o

livro

Com

Meus

Olhos

de

Cão

como

um

Start Point à maneira de Cao Guimarães e João Miguel ao cria rem Ex-Isto a pa rtir de Ca tatau.

82

103

Depois de vários encontros e desencontros consig o marca r uma gravaçã o no estúdio da ACERE (a mesma de Rune Secco,

Tavares)

designer

com

um

sonoro,

grande com

parceiro

quem

eu



meu havia

Edson feito

vários processos coletivos.

Mensagem de Facebook em 07/11/2013 de Thais para Rudá K. Andrade, Edson Secco e Daniel Mora Fuentes 103

83

104

Tudo ce rto e marcado com o Gilberto para o dia 11 de dezembro no estúdio da ACERE. Próximo a data de

gravaçã o,

acompanharia

no

entanto,

Gilberto

Flavio

de

Amoreira

Santos

à

São

Viegas,

que

Paulo

liga

avisando que não poderia vir. Alugamos então um ca rro para

traze r

Gilberto,

e le

te ria

que

vir

sozin ho

com

o

motorista ma s de todo modo depois estaríamos com e le quando chegasse em Sã o Paulo. Dia

10

estava

meio

muito

ve lho,

de

deze mbro,

rece oso

fico

com

em

Gilberto vir

medo

para

de

liga São

morre r”

dizendo Paulo. disse

que

“estou ele.

Mensagem de Facebook em 25/11/2013 de Thais para Rudá K. Andrade, Edson Secco e Daniel Mora Fuentes 104

A

84

Grava ção na ACERE é cancelada . Na tentativa de unir as pessoas come ço a perce ber como a

cidade

de

São Pau lo inviabiliza

“foco”. Todos

estão sempre en volvidos em vá rios projetos ao mesmo tempo, muita s vezes pa ra sobre vive r, e não conseguem se envolve r em um tra balho com intensidade, a menos que

seja

seu

muito

tempo

Hilda

aos

próprio por

33

projeto,

suas

anos

e

mesmo

inte rru pções.

pa ra

assim

Entendo

Campinas,

e

a

leva rá

a

ida

de

escolha

de

Gilberto em cria r um reduto musical extremamente forte e experimental em Santos, pa ra não pre cisa r con viver na cidade

de

Sã o

Pau lo.

“A

asma

de

Gilberto

vinha

a

calha r”. Eu, aos 30 e pou cos anos, sentindo a vontade de também sair de Sã o Paulo, e ainda mais, a nece ssidade de

que

entre

Com Meus

Hilda

Santos,

do

e

Olhos de

Gilbe rto,

jeito

que

Cão fosse este encontro

resolvo

então

pudesse

ser.

filma r A

Casa

tudo

em

do

Sol

pode ria estar pre sente como pe rsonagem em si, sem a necessária presen ça de G. Mende s. Tento

combinar

com

a

equipe

outras

idas

pa ra

Santos ainda em dezembro e m vão. As festas de fim de ano passam. Em janeiro tenta mos conversar n ova mente, mas

tudo

pre ciona va propostas

ficava para mais

se mpre criar

um

fechadas

no

“iremos

roteiro, para

ou

fazer

fazer”. para com

Rudá eu

ter

Gilbe rto.

Quanto ao roteiro, este e ra coisa que Danie l e eu já não

víamos

mais

sentido,

haja

vista

a

transforma ção

85

que

ocorria

ao

lado

de

Gilberto.

O

que

se

mantinha

eram algumas locações e açõe s que daí então poderiam suscitar regras

junto

com

estéticas

G.

que

Mendes

eu

o

filme.

gostaria

de

Havia

seguir,

alguma s

como

por

exemplo na f otografia, bu scava a câme ra estática ou em movimentos

muito

desesta bilizando

precisos

com

o

Subjetivamente

buscava

calcu lado”.

prefe ria

Rudá

liberdade

as

que

havia

não

ações. um

Sim,

que percurso

algo

se

do

filme.

“matematicamente

a

câmera

se

pa rtíamos

roteiro

fosse

prévio

na

e

mão do

para

dar

pressu posto

etc,

como

então

calcu larmos o movimento da câ mera? No entanto, talvez fosse

este

cria r

o

pequenas

g rande

jogo

regra s,

do

das

improviso

quais

mesmo

com

Gilbe rto:

que

burladas

tivessem um princípio em comum para a equipe. Rudá também pre cionava pa ra tentarmos a poio e patrocínio, coisa que não sabia como fazer e que mais parecia empata r o projeto do que ajudar, já que todos que

se

tempo

propunha m a compreendia

e

bu scar a poio acatava

em ter um mínimo de tinha tirar

os

equipa mentos,

dinheiro

Santos

e

do

outros

bolso

a

sumiam.

Ao

necessidade

mesmo

de

Rudá

verba pa ra poder tra balhar. Ele poderia

filmar

a

momento

todo

tra balhos

mas

começavam

não

para a

ir

podia pa ra

cha má-lo.

Daniel esta va enlouquecido com O Instituto Hilda Hilst e não conseguia esta r muito presen te. Com as dificuldades em se encontrar uma data em comu m à todos e com a fa lta de um orçamento justo,

86

resolvo

então

fazer

o

pode ria

se tornar uma

filme

sem

conve rsa

equipe .

A

proposta

muito inte ressante n o

fato de eu estar com a câmera na mão junto com as ações de Gilberto. A estaríamos

sensaçã o seria de que nós dois,

“perf ormando”,

“dan çando”,

“orquestrando”

juntos num mesmo baile. Sobre a direçã o, pedi pa ra G. Mendes algumas propostas de lu gares que ele gostasse de

freqüentar

memórias,

em

pedi

Santos

também

e

que

peça s

suscitassem

musicais

suas

suas

que

pudésse mos encenar de algum modo (mesmo que isso já houve sse sido feito no documentário A Odisséia Musical

de Gilbe rto Mendes, de Carlos de Moura R ibeiro Mendes) e pensei e m traze r da minha experiência de dire ção n o teatro, temas, imagens, objetos Hilda

e

em

minha

própria

baseados no livro, em intuição

que

pudessem

desenvolve r uma ação dentro do improviso. O

não

sabe r,

e

o

não

entender

começava

a

se

torna r o trajeto do filme, a ssim como o de Amós Kére s do livro de Hilda . * * * Por conta do percurso que meu na

época ,

eu

estava

mestrado toma va

a compan hando

o

processo

de

filmagem de Cristiano Bu rlan , o qual foi muito generoso ao

abrir

semanas

seu

traba lho

próximas

do

criativo. Carnava l

Ele

filmaria

e

seriam

nas

duas

estas

as

mesmas semanas as quais poderia visitar o Gilbe rto em Santos. Tive que optar pelo Bu rlan com um certo pesar

87

e a filmagem de Com Meus Olhos de Cão se restringiu a

dois

dias,

Seba stian

Mez

gravamos deveriam dia

sendo

os

(que

OFFs

ter sido

propus

que

cenas

no

primeiro

estava de

G.

no

Mendes

com Bra sil (os

feitos e m de zembro); e improvisadas

com

a

ajuda

n ovamente) mesmos no

Gilbe rto,

que

segundo enquanto

tinha a câmera na mão.

105

105

Imagens do caderno pessoal de anotação de direção. 17/03/2014

de

88

Trovas a um ilustre senhor O trabalho Re pe tir duas ve zes um mesmo fragme nto n ã o é u m e f e i t o s o n o r o , é m u s i c a . ” 106

Chegamos deveríamos

à

casa

filmar

e

de

Gilbe rto

gra var

o

e

sabíamos

áudio

lá.

No

que

entanto

Gilberto vive com a mu lhe r, Elia ne, e com a sog ra, u m ano mais nova que ele, numa casa onde o som vaza e entra por todos os lados. F omos à sa cada, onde fica a piscina e onde vez ou outra Gilberto re cebe a visita dos urubus

(sobre

os

quais

ele

Seul

compôs

un

urubu

solitaire) para nos distanciar do som de TV ligada que vinha de dentro da casa . Eu e stava com a câme ra na mão, mas neste primeiro dia nos preocupa mos mais em gravar o áudio, que ficou sob incumbência de Sebastian. Gilberto se ilu minou ao e star e m presença de um jovem

a lemã o.

experiências

Não

e

pe lo

memória s

jovem que

em

ele

si,

o

mas

pela s

suscitava.

Ele

desatou a falar da Aleman ha e de Friedrich Hollaender. À

cada

alguma

take de

tre cho

le mbrança

ou

OFF

lido,

Gilberto

me mória

sua.

Nesse

do

contava momento

come cei a percebe r, que as palavras do livro de Hilda se

esvaiam,

mas

se ria

possível

manter

o

espí rito

do

filme atravé s das pa lavras de Gilberto. A Presença de Sebastian foi de g rande valor nestes dois dias de filmagem, Gilberto sentia praze r em re petir as mesma s histórias que já havia contado na primeira Schaeffer, Pierre. Die Reihe. Pg. 12 In: Mendes, Gilberto. Perspectiva. São Paulo 2013 106

Música, Cinema do Som. Editora

89

entrevista e també m em alguma s conve rsa s por te lefone. Perce bi que a repetição e o minimalismo presentes em sua

obra

maneira

mais na

vanguardista

repetição

de

retornava m

suas

de

uma

“A

histórias.

certa

partir

de

Nascemorre esse gosto meu pela repetiçã o iria se fazer s e n t i r e m q u a s e t o d a a m i n h a o b r a . ” 107 E r a c o m o s e o mesmo te ma de uma peça voltasse novamente em algum momento. Mas como transpor isso para um filme? Amós Kére s enlouquece na obra, mas será que ao mistu rar as memória s de Gilberto eu não poderia correr o risco de fazer pare cer, que do nosso ponto de vista Gilberto

e ra

lou co?

Não,

definitivamente

não

era

isso

que queríamos! Gilberto é um artista muito lúcido, assim como Hilda o e ra e Amós de veria estar lúcido e m suas elucubrações.

Registrei

esta

questão

colocada por Seba stian pa ra me

que

me

foi

pre ocupa r durante as

próximas propostas e durante a montagem. Para

o

segundo

dia,

havíamos

pre visto

filmar

na

P o n t a d a P r a i a 108 i m a g e n s c o n t e m p l a t i v a s d o G i l b e r t o e termina r alguns OFFs que fica ram por fazer, além da s improvisações sua

casa

cu rtas

descobrimos

prog ramadas. que

era

dia

Ao de

chegarmos faxina,

em

tinham

esquecido de n os a visa r e a programação começou a ir por água aba ixo.

Mendes, Gilberto. Uma Odisséia Musical: dos mares do sul expressionista à elegância pop/arte déco. Editora EDUSP, São Paulo. 1994. Pg. 78 108 A Ponta da Praia é um dos lugares que Gilberto mais gosta de ir. Principalmente para ver o pôr-do-sol, este foi um dos lugares que ele havia me recomendado para filmar. 107

90

Aceitar a inter venção do imprevisto imp lica comp reender que o artista p oder ia ter feito aquela obr a de modo diferente daquele que fez . Aceita-se a s c oncr etiz aç ões a lter na tiva s – admite-se qu e ou tra s obra s ter ia m sido p o s s í v e i s . 109

Entre

brecha s

maquinarias

ou

de

de

silêncio

a lguém

do

passando,

barulho

de

grava mos

mais

alguns trechos de texto OFF e propus, ante s de sairmos para

o

almoço

improvisações aparelho de

e

para

para

Gilbe rto:

Ponta a

da

primeira,

Praia,

três

utilizando

um

r a d i e s t e s i a , c h a m a d o d u a l r o a d 110 e

tendo

como ponto de partida uma história que ficou bastante famosa

de

Hilda

Hilst,

quando

começou

a

pe squisa r,

influenciada pelo traba lho do su eco Friedrich Jüngerson, experiências serem

de

grava ção

re produzidas

em

tre cho

fitas por

magnéticas trecho,

que

ao

re bobinando

dezenas de vezes com um certo ritmo, re vela vam voze s que supostamente seriam “de outra dimensão”.

Salles, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998. Pg. 34 110 Instrumento formado por dois arames montados sobre duas bases que permitem a livre movimentação dos mesmos, garantindo, desta forma, sensibilidade às influencias externas. Este instrumento usado em radiestesia serve para detectar e determinar fluxos de energia. No que se refere à energia da terra, Dual Road determina com precisão o ponto geopata, se este ponto se tratar das conhecidas Redes Hartmann e Curry, ou mesmo de água subterrânea. 109

91

111

Como não tinha um gra vador de fitas magnéticas à mão

e

pe la

praticidade

deste

estranho

a pare lho

que

lembra filmes fantasmag óricos, propus então a Gilberto que brincasse com a idéia de que ele estaria captando vibrações do ambiente e que a partir do movimento do

Dual

Road

e le

criasse

uma

nova

composição

sonora.

Para isso e le pode ria u sar a própria voz e o corpo. 112

Gilberto, que ainda usa u ma bengala (por conta da fratura

no

fêmu r)

se

dispôs

a

fazer

o

exercício

sem

utilizá -la e criou uma partitu ra de movimento e voz com estas duas “va retas” na mão qu e permea vam o lírico e o paté tico, algo muito próximo do que Hilda propunha

111

112

Hilda fazendo seus experimentos. Imagem do Dual Road.

92

em

Com

Meus

Olhos

de

Cão

e

do

que

G.

Mendes

propunha em a lgumas de suas pe ças. Du rante este s dois dias eu e Gilberto estabe lecemos uma espécie de dança , eu

com

Mendes

a

câme ra

e

ele

memórias.

A

na

Flanando

cada

de ambulando

mão

ponto

pe lo

espaço

de

partida

atrá s e

de

por

que

G.

suas

propunha

Gilberto transf ormava e m a lgo ainda maior. O

Mesmo

improvisação espelho.

aconteceu uma

Inspirada

“sé rie por

que o Gilbe rto olhe sorriso

citado

pe lo

um

uma

a

segunda

encenada” tre cho

do

proposta

para livro,

de

câmera/ pe ço

para

para a câ mera e transforme esse personagem

caretas. G. Mendes cria lembra va

com

uma

brincade ira

de

em

seqüência criança.

uma que

sé rie por

Aquela

de

horas

criança

como a que citada por Oswald de Andrade, a que “vê com olhos livres”. Há dias atr ás Amanda me dissera que eu sorria de um jeito novo. Novo? pergun tei. É, esquisito, você não sorr ia assim. Mas eu estava sorr indo? Clar o que estava sorrindo, Amós, pelo menos a boca ficou esticada, olha, você está sorrindo qu ase sempre, e mostr ou, assim. A boca fez um imp ercep tível movimento para a direita, um pequeno vinco desse lado do r osto. É, p arece um sorriso sim. Mas p or que sorria eu? Feito de gosma e riso Jogador de mitos Equaciono quimer as Sou começo e roliço E vou descendo o abismo D o t e u t e r ç o . 113 113

Hilst, Hilda. Com Meus Olhos de Cão. Editora Globo. São Paulo. 2001. Pg 27

93

A

câme ra

contrário

do

na

que

pela

dificuldade

sala

de

sua

mão

propunha em

casa

se

e

aca bou como

filmar

con seguir

acontecendo, reg ra

no

ao

anteriormente,

pequeno

espaço

capta r Gilberto em

da sua

“dança vibra cional”. No entanto, Seba stian e eu ficamos de

fazer

a

mesma

cena

na

Ponta

da

Praia

com

a

câmera fixa.

114

Gilberto em seguida, nos con vida para almoça r no restaurante Almeida , no centro de Santos conhe cido por seu

famosos

freqüentado

peixe por

Meca.

Este

restau rante

era

operá rios

que

trabalhavam

na

maquinaria do bonde. Refestelados de tanto come r nos

114

Frames feitos com a experiência do Dual Road.

94

pre paramos para ir à Ponta da Praia . Se bastian, a lerta que Gilberto poderia e star cansa do, mas G. Mende s não se cansa nunca, aos seu s 91 an os e le tinha muito mais carga de energ ia do que nos dois na ca sa dos 30 an os. No

caminho

para

a

Ponta

da

Praia

começa

uma

indecisã o de Gilbe rto em ir ou não. Fico sem sabe r o que definir, pois o limite de le realmente nos era caro. Ao chegarmos no meio do caminho começa uma chuva fina o que nos faz desistir de filmar na praia , não por nós, mas por nosso ator. Ao a ssistir o materia l bruto, se nti que a emoçã o de segurar a câmera e dançar juntamente com Gilbe rt o era

forte

deixava

no

a

momento

desejar,

do

entendi

efê mero, que

mas

precisaria

o

registro

de

alguém

com a câ mera , pa ra que assim pudesse fica r livre e m observar pensei

e

em

intervir. Se bastian

Rudá

não

pode ria

Mez,

que

inclusive

ajudar, é

então

diretor

de

fotog rafia. Acha va que por Mez ter um tra balho muito calcu lista

em

seus

filmes

criarí amos

uma

boa

fricçã o

com o meu jeito “nada calculista”. Sebastian volta para a

Aleman ha

mas

marcamos

seu

retorno

pa ra

o

Brasil

meados de junho. Entre fim de Ma rço e inicio de Junho aca bo tendo que me voltar para a pe squisa de mestrado que ainda envolvia

na

época

o

tra balho

de

Cristiano

Bu rlan

apenas. Por motivos da filmage m de Burlan não conter traços de um processo colabora tivo e ser uma ve rsã o de Hamlet a cabo por optar, junto com Cristian Borges,

95

em assumir o Com Meus Olhos de Cão como pa rte da disse rtaçã o junto com Nowhe re (também posteriormente acrescentado), De sassossego e Ex-Isto. Seba stian Mez que volta ria ao Brasil em junho teve que cancelar sua viagem. Pen sando em outras pessoas que

pudessem pe lo men os me

encontro

Heloisa

quem

vinha



Uru rahy,

acompanhar em

diretora

conve rsando

sobre

de

Santos,

f otog rafia,

outros

com

traba lhos

e

proponho uma viagem no mês de Julho pa ra filma rmos. E já

pensando no futu ro

Alexandre

(Leco)

momento da

Wahrhaftig

pa ra

edição,

montar

o

con vido tra balho.

Conhe ci Alexandre durante um grupo de estudos da PósGraduação, orientado por Cristia n Borges. Em u ma das reuniões

comentei

sobre

Com

Meus

Olhos

de

Cão

e

Gilberto Mendes e e le ficou surpreso, adorava o livro e gosta va de Gilberto. Sim daria

um grande samba essa

mistu ra Hilst Mendes. Fizemos u ma reunião em Maio e mostrei o material bruto e algo pré -montado que estava traba lhando

para

tentar

construir

um

roteiro,

mesmo

com a ausência ainda de algumas imagens eu utilizava carte la de texto explicando o que seria aquela cena e o que viria de pois. Ao ve r o mate rial Alexandre comenta:

“é, vai dar traba lho”. Não entendi se era um “sim” ou um “não”, mas de toda maneira ele estaria dentro do projeto.

96

115

Novamente sobre a fotografia , começo a visualizar um

tratamento

de

imagem

que

pudesse

reme morar

a

coloraçã o da visão de um cã o, com ausência de a lguns tons e etc, como se passo a passo o filme pudesse ir ganhando essa diferenciação da cor. Escre vo:

116

115

Imagens do caderno pessoal de anotação de direção. 17/03/2014

97

Enquanto

Santos

não

vem

ou

outras

formas

de

criar material para o filme No dia 21 de Junho, Gilbe rto Mendes vem à São Paulo mais uma ve z, pa ra apresentar uma perf ormance no

Museu

Gregório pelos

do

Futebol.

Gananian

percursos

e

O

tra balho

Daniel

e ra

K a i r ó s 117,

expe rimentais

da

dirigido

o

arte

qual

e

de

por

conheci “Hilst”

e

retomei contato e m uma aula da pós-g raduação na PUC e

depois

na

USP.

Kairós

havia

dirig ido

um

traba lho

lindíssimo baseado em Rútilo Nada, de Hilda Hilst, com Donizeti Mazonas e We llington Duarte. Convido então para o e vento Heloisa e Alexandre para

ve rmos

possí vel,

“a

performance

juntos

Gilberto

moda

de

filmarmos,

guerrilha”.

encontramos

com

Ao

Kairós

se

nos

fosse

chegarmos que

nos

na

libe ra

para a f ilmagem. Heloisa

fica

com uma

câmera

fixa, e

expe rimenta

texturas com objetos em f rente à câmera , Alexandre fica com

câme ra

na

mão,

porém

fixo

nos

movimentos

de

Gilberto Mendes, eu gravo o som e filmo coisa s muito experimentais do espa ço. Meus direcionamentos no dia ocorreram sobre que

o

antes

conceito

achávamos

da do

perf ormance, filme ,

como

imprescindível

quando

conve rsamos

pode ríamos

existir

e

etc.

faze r,

o

Ambos

entram no projeto como se já tivessem sido pa rte desde o

início,

sem

problema s

em

propor

idéias

e

etc,

ao

Imagens do caderno pessoal de anotação de direção. 10/09/2013 (houve uma confusão na data descrita. Setembro de 2014 ainda não ocorreu.) 117 Daniel Kairós assina também como Daniel Fagundes em alguns dos seus Trabalhos, é o caso de Rutilo Nada. 116

98

contrário demais

de

Se bastian,

pode ria

atrapa lhar

um

o

qual

influenciar

dire tor.

O

acreditava

e

caso

de é

que

um

que

opinar

ce rto

modo

aqui

o

todo

ia

sendo construído em conjunto, n ão ha via nada fechado. * * *

Paramos por aqui... A proposta pa ra a nova fase é fazer uma imersão e

passa r

viven ciando quem

puder

duas e

semanas

propondo

estar

em

coisas

pre sente:

Santos, com

Heloisa,

no

mínimo,

Gilberto

e

Alexandre ,

com Rudá,

Seba stian, Daniel e etc. Na data da defesa provave lmente este tra balho já terá

mais

deta lhe s

que

poderã o

ser

in seridos

posteriormente. Ou quem sa be u m primeiro corte .

118

118

Desenho feito por Hilda Hilst, com assinatura ficcional de Amós Kéres.

99

Retorno à

Santos

(páginas anexadas poste riormente à

entrega da disse rtaçã o por tere m ocorrido de pois e em continuidade à pe squisa)

Entre os 1 e 2 de Agosto de 2014 (época em que o

texto

da

disse rtaçã o

estava



na

gráfica

para

ser

impresso) , estive em Santos nova mente com o intuito de filmar mais cenas com o Gilberto. No desde

prime iro

minha

dia,

última

senti

visita,

que

que

fazia

era

tanto

difícil

tempo

propor

ao

Gilberto sa irmos de sua casa para filma r. Eu tive que falar novamente do filme e ele sentia muita necessidade de

me

vida.

relatar

Sua

outros

necessidade

frag mentos de

fala r

de de

memórias si

de

sobre punha

sua as

minhas tentativa s de f ilmar. Con segui então que e le me mostra sse a carta de Hilda Hilst com dedicatória, e que lesse um poe ma de la.

119

Neste 119

dia

Gilberto

me

re la ta

Cartão de Natal de Hilda Hilst à Gilberto Mendes sem data.

sua

recente

100

“epifania”: a música, ou melhor a arte, era uma forma de se conecta r com Deus. Pa ra ele algo novo, já que Gilberto não acreditava em Deus. Pedi para que ele me contasse a história olhando pa ra câmera. assumir

este

dia

como

uma

primeira

Aca bei por

rea proximação

a

Gilberto e ao filme. N o dia seg uinte resolvi ir a Ponta da Praia sozinha (já que pare cia ser muito complicado levar o Gilberto até lá), e a noite o encontrei apenas como parte da continuação da visita e pa ra o “anúncio” de um bre ve retorno. Na

semana

do

Gilberto

pa ra

Resolvo

convidar

dia

marca mos a

20

de

minha

atriz

Agosto,

nova

Nathalia

ida Lorda

ligo à

para

Santos. para

me

acompanhar na viagem e quem sabe assim despertar G. Mendes

para

primeiro

a

dia

cena.

Ela

marcamos

propõe

as

cantar

em

da

manhã

10h30

cena. com

No o

Gilberto e digo à Natha lia que a meta é ela tenta r me ajudar

a

levar

chegarmos muito



Gilbe rto no

entanto,

entusiasmado

fazermos

cenas

improvisar musica l.

de

uma Ele

pa ra

em

Ponta

Mendes

da não

se

Ao

mostra

de

casa,

Gilbe rto

ao

piano.

Peço

para

compõe

uma

pa rtitu ra

onde

surpreende

com

então

Praia.

sair

cena

nos

G.

a

olha res

proponho

e

e le

gestos

cinematog ráficos, neste ínte rim Nathalia propõe colocar um

figurino

piano

como

e

eu

uma

peço

para

apa rição.

que

Gilberto

ela

fique

toca

pe rto

do

clássicos

da

música erudita e nesta organiza ção, g raças a presença da

Nathalia ,

vamos

criando

cen as

mais

clara s

para

o

101

filme. Peço aos dois que leia m um fragmento do livro de Hilda Hilst, e criamos u ma ce na-ensaio. Em um dado momento

Gilberto

começa

a

tocar

uma

mú sica

de

Frederico Garcia Lorca a qual Na thalia coincidentemente havia pensando em cantar pa ra ele. Atravé s deste acaso eles

fazem

um

dueto

piano

e

voz

para

a

minha

surpresa . Após o almoço Gilberto resolve nos mostrar suas composições.

ele

diz:

“eu

gosto tanto das minhas mú sicas... dizem que

para

ser

um

de

grande

Com

uma

artista

g rande

você

não

nosta lgia

deve

gostar

suas

própria s coisa s, ma s eu gosto da s minha s. Será que não sou

um

grande

“reapaixona”

artista?”

por

sua

Especificamente

mú sica

“Sinfonia

ele

de

se

Navios

Andantes”: - “uma música de praia, e eu sou da praia” diz e le orgulhoso propondo que fizesse u ma cena onde ele

dançasse

esta

então filma r este marca mos

de

música

com

momento.

nos

O

encontra r

no

Nathalia. fim da dia

Resolvemos

tarde

seguinte

chega e

e

tentar

novamente leva r Gilbe rto ao mar. Por sorte

estávamos

velho amig o, Erik

hospedada s

Morae s em comum à

na

casa

Nathalia

de

um

e

eu,

que havia se mudado pa ra Santos, ele tin ha um carro e foi

deste

modo

que

con seguimos

con vidar

Gilberto

a

sair. Buscamos G. Mendes e o levamos à Ilha Porchat, pois e le

dizia

que



a

luz

poderia

iluminar

be m seu

rosto. Lá propu s coisas pequenas em volta à paisagem.

102

Pedi para que e le me contasse novamente sua epifania sobre

a

arte

e

Deus,

e

que

fizesse

uma

cena

canta

pa ra

contemplativa olhando o por do sol. Nathalia

propõe

uma

cena

onde

ela

G i l b e r t o . P e ç o p a r a q u e e l e a ol h e a p e n a s q u a n d o e l a come çasse a cantar, e que e la, como uma memória, nã o o olha sse como u m momento do passado. Outra imagem que criamos é de Gilberto andando na praia , falando de suas

memória s.

acabado,

de

E

por

Nathalia

ú ltimo,

dançando,

pois

a

à

Isadora



luz



havia

Duncan,

como definira Gilbe rto Mendes a o vê-la dança r. * * * No

dia

seguinte

“Thaís,

ag ora

enredo,

ele

pode ríamos Navios

eu é

entendi

um

usar

Andantes’

Gilbe rto

filme

liga

filme!!!

meio

aquela nos

o

me

maravilhado:

ele

não

espetácu lo!

minha

música

entremeios

do

tem

Acho

um que

‘Sinfonia

filme ,

-

como

de um

enredo. Eu posso te ajudar! E Podemos dançar a mú sica novamente !” Gilberto

se

abriu

pa ra

a

cen a

e

ficou

muito

entusiasmado em contracenar com Nathalia, a lém de me perguntar se te riam outros atores no filme e etc. Na semana seguinte ele

me liga novamente

para

falar sobre o filme e me pergunta novamente se há um enredo. Aos poucos e le entende o espírito do filme. No participar

dia de

03 uma

de

Setembro

oficina

de

volto

à

proce sso

Santos

pa ra

colaborativo,

103

Ime rsã o

Olho-Urubu,

audiovisuais Festival

inspirada s

Mirada ,

coordenada grande

para pe la

de

por

criaçã o

cidade

artes

André

laboratório,

a

os

pí lulas

Santos

cênicas.

Guerreiro

onde

de

de

e

Esta

Lopes

pelo

oficina

propunha

participantes

um

cria vam

rote iros audiovisuais em cola boração à equipe (diretor de

fotog rafia,

direto

e

montador,

editor

Utilizávamos projeções,

de

produtora,

som,

alé m

expe rimentações à

proposições

ca ptações as

apresenta vam

de

Mirada,

do

que

de

de

gera l).

partiam

desde

de

Santos,

à

que

se

teatro

re criando

som

diretor

imagens

companhias

no

ca ptador

cenas

as

quais

faziam uma citação as peças de stes artista s ao mesmo tempo

em

que

se

explora va

ou tra

linguagem.

Em

uma

das expe rimenta ções convida mos Gilberto Mendes, e com ele

fizemos

uma

entre vista

chroma

em

key

sobre

sua

biografia e sua re laçã o com a cidade de Santos. A oficina terminou depois de ce rca de 10 dias e eu

continuei

em

Santos

enquanto

a

filmagens.

Durante

fazer

atriz

alguns

pa ra

Natha lia esta

Lorda

semana

contatos

“espetacu laridade”

pa ra

traba lha r

o

com

chega

anterior para

filme:

um

Gilbe rto para

eu

con segui

traze r novo

as

mais

ator,

Erik

Moraes, passou a faze r pa rte da trupe , assim como a pintora

Natá lia

Brescancini,

a

diretora

de

fotografia

Heloisa Uru rahy (já pre sente em alguns momentos deste proce sso), o poe ta Flá vio Viega s Amoreira e o músico e amigo

de

G.

Mendes,

Márcio

Barreto.

Como

eu

não

104

tinha

muito

tempo

há bil

para

explicar

o

proce sso

entreguei o ve lho e abandonado rote iro nas mãos dele s e fragmentos de livro Com Meus Olhos de Cã o. Natália B.,

por

livro

grande

e

tinha

coincidência,

imagens

havia

muito

aca bado

fre scas

em

de

sua

le r

o

me mória.

Fizemos nos duas u m brain storm e ela trouxe diversas imagens que existiam no embrião do projeto mas que já estavam esquecidas. No livro de Hilda, um dos pe rsonagens, Isaiah, um físico

o

qual

entendeu

que

“tudo

são

polígon os

e

portanto nada existe de fato” é casado com uma porca chamada Hilde. Na ideia inicia l do filme sempre quis ter a imagem inusitada deste casal, o físico e a porca . Por outra

coincidência,

Natá lia

B.,

estava

andando

por

Santos e se depa rou com u m casal que passea va com uma porca e uma cabra de estimação. Quando e la nos contou isso, passei a procura r mais informações de ste casal,

até

descobrir

que

e ram

vete rinários

e

viviam

perto da região onde estávamos hospedados. Propu s a Márcio Barreto que interpreta sse o físico Isaiah e que a partir

do

texto

improvisasse

da

alg o

Hilda

que

sobre

chegasse

os a

políg onos uma

ele

discussão

filosófica sobre música com Gilbe rto/Amós. Para conseguimos

as a

filmagens Pinacoteca

do

dia

de

14

Santos

de

Sete mbro,

como

locação.

Chegamos lá para descobrir o espaço e assim filmar. Eu tinha

algumas

Gilberto

imagens

inte rpretaria

sua

como peça

roteiro

O

pa ra

Objeto

filma r:

Musical



105

Homenagem

a

Marce l

Duchamp

(1972),

em

frente

ao

espelho do banhe iro da Pinacoteca, com um ventilador ligado

e

um

ba rbeador

(e leme ntos/

instrumentos

da

peça) e mescla ria a ação de se ba rbea r com textos do livro Com Meus Olhos de Cão; a outra imagem era ter Nathalia Lorda como a representação das mulheres que passa ram pela vida de Amós ( Gilberto) Kéres, porém não havia

nada

decorasse

muito

um

cla ro.

texto

Pedi

contido

no

então

pa ra

“velho

e

que

ela

abandonado”

rote iro e assim descobriríamos q uando usar. Erik sugeriu interpretar o pe rsonagem do Reitor e passou a estudar o texto do roteiro. Fora esta s imagens ma rcadas para a ordem do dia o resto era misté rio pa ra todos nós. O musico Marcio Barreto

levou

alguns

instrumentos,

todos

levara m

adereços e propostas de figurino enquanto eu e Heloisa Ururahy

in vestigávamos

os

me lhores

locais

dentro

da

cinemateca para filmar e visualizávamos os planos. * * * No atravessa morte, vida.

livro o

Com

e spe lho

visualizando A

proposta

anteriormente

Meus

era

e

Olhos

fica

suas

num

e

Gilberto

ele

Cão,

limiar

memórias

para que

de

Amós entre

Kére s vida

reavaliando como

executasse

sua

foi peça

e

sua dito

O

Objeto Musical, a o pa sso que se olha sse no e spe lho e dissesse

fragmentos

do

texto

de

Hilda

Hilst.

Gilberto

cria va uma rela ção com o e spe lho onde a interpretaçã o

106

mais

natura lista

poucos.

Ele

ia

se

tornando

Com

citava

Meus

expressionista

Olhos

de

aos

Cão

e

acrescentava elementos seus, ta nto em pala vra s quanta na ação de interpreta r O Objeto Musical pa ra o cinema. Terminada esta cena os atore s passa vam o texto em voz alta nos salões da Pin acoteca, foi num acaso destes que tive mos a primeira a parição do Reitor (Erik Moraes)

no

filme.

Erik

resolveu

passar

o

texto

com

Gilberto Mendes (sem que Gilberto sou besse do roteiro), enquanto descia

as e scadas que davam para

o térreo

da cinemateca. A todas as falas que Erik jogava pa ra G. Mendes, este tinha uma re sposta inusitada que condizia muito

com

o

pe rsonagem

Amós

Kéres.

A

imagem

de

ambos de scendo a escada durante este “ensaio” cha mou a

atenção

de

Natalia

Brescancini,

que

nos

avisou

do

momento. Corremos então, Heloisa e eu para filmar e ste momento

e

torná-lo

pa rte

do

filme.

Re petimos

como

cena, posteriormente , algumas vezes e Gilberto sempre tinha

resposta s

su rpreendentes

as

pe rguntas

de

Erik/Reitor (com o texto decorado). Este decorado,

sistema e

de

um

contracenar

ator com

ter

falas

Gilberto

do

sem

roteiro que

ele

tenha tido contato com o roteiro foi uma estratégia que passe i a aderir de pois de sta experiência. A questão não era

a

de

não

dar

acesso

a

Gilberto

ao

roteiro,

até

porque ele o tinha em mãos, porém G. Mendes sempre nos ale rtava que tin ha dificu ldade em decorar textos, e como,

mais

importante

que

Gilbe rto

dizer

um

texto

107

decorado era de ele ace ssar suas memória s a partir do espaço e de relaçã o estabe lecida com a câme ra e os outros atores, descobri que esta dinâmica de trabalho ajudaria o filme a seguir seu caminho mesclando dois universo: o “Hilstnian o” e o “Men desiano”. O outro momento de acaso no filme foi em que Nathalia ela

Lorda

propunha

apa receu pa ra

a

vestida

com

um

personage m Libitina

figurino (a

que

prostituta

do livro). O figurin o remetia-nos aos anos 20 através do chapéu

e

indefinido

das

luvas,

ao

tempora lmente

passo por

que

tinha

causa

do

algo

muito

vestido.

No

salão principa l da Pinacoteca, ha via um g rande arco, ao qual na hora

me

remeteu à

um poema de

Hilda

Hilst

que eu havia musicado quando e nsaiava uma peça sobre a autora . XV E r a m a z u i s a s p a r e d e s d o p r o s t i bu l o Ela estendeu-se nua entre os a rcos da sa la E matou-se deva ssada de ternura . “ Q u e a z u l i n s u p o r t a ve l ” , a n t e s g r i t o u . “Como se adu lta um be rço me ha bitasse” Foi e sta a canção de Natal canta da pelo louco Quando me deu a Hilde : a porca que leva va sobre o d o r s o . 120

O Poema, citava Hilde, a porca que també m existe no

120

Hilst, Hilda. Via Espessa XV in. Do Desejo. Editora Globo. São Paulo. 2004.

108

livro

Com

Meus

Olhos

de

Cão,

além

de

se

remete r

diretamente a um prostí bulo. Pedi então que Nathalia L. cantasse hora)

esta

entre

estaria

música

os

(a

a rcos

sentado

da

qual

eu

havia

Pinacoteca

ao

piano

ensinado

enquanto

na

Gilberto

obse rvando

esta

“cena/memória do pa ssado”. Em seguida Nathalia fala ria o texto do roteiro que ha via de corado diretamente pa ra a câmera . Alguns em nossa

destes

dinâmica

acasos de

aconteciam

diversas

vezes

filmagem. Todos os artistas se

colocavam como criadores do filme e sempre sugeriam imagens, cenas, músicas. Esta

dinâmica

nos ajudava

a

visua lizar juntos o filme a o passo que eu, na função da direçã o, ia filtrando os ele mentos e de volvendo de uma maneira mais focada e próxima ao universo do livro e ao de Gilberto. O filtro era uma necessidade pa ra que o filme pudesse existir em unidade. A

última

cena

desta

cu rta

diária

foi

o

diálogo

entre Isaiah/ Marcio Barreto e Amós/ Gilberto. Musica, poe sia

e

proposta

matemática de

apare ciam

interliga r

os

no

diálogo

como

uma

a

seus

personagens

intérpretes. Ne sta situaçã o ambos improvisaram a partir do tema que propus: falar do ca samento de Isaia h com a

porca

Hilde,

explicando

através

da

noção

dos

polígonos (contida n o livro de Hilda) e aos poucos levar à uma discussão musical e filosófica. Os dois citavam Pitágoras, porca , etc.

a

orige m

da

musica,

o

casamento

com

a

109

Finalizada

a

diária,

no

dia

seguinte

passei

a

procu rar sozin ha o casa l que tinha a porca e a cabra de estimaçã o em Santos. Encontrei a clínica vete rinária onde um dos don os traba lhava e perguntei se pode ria filmá-las

quando

e le

fosse

fazer

o

passe io

diário

na

pra ça. No fim da tarde então fui filmar a porca Pe pa, e a

cabra

Dionísia

pa sseando

pe la

pra ça

em

f rente

ao

SESC Santos. Ambas comiam de tudo; a porca “xereta va” todos os lugares pe los quais passava, enquanto a cabra saltitava bancos

pelo da

e spaço,

praça

pu lava

alem

de

em

cima

comer

de

folhas

mesas secas.

e Era

importante fazer este registro da s duas, mesmo sem ter Gilberto

e

Marcio

em

cena,

pois

eu

pode ria

usar

na

montagem ca so eu não conseguisse reuni-los novamente para

filmar

deste

filme

com se

Pepa

e

pauta vam

Dionísia. pe la

Alguma s

urgência

em

decisões realiza-lo.

Como era complexo te r todos os artistas ao meu lado em

todas

relaçã o imagens

as

com que

filmagens, Gilberto

e

remetessem

eu no as

focava que

eu

suas

muito pode ria

memória s

em

minha

ca pta r e

as

de do

livro, me smo que sem a presença de G. Mendes e dos outros atores.

110

PROCESSOS COLAB ORATIV OS II (PRÁTICAS) – ENTRE DIRETORES NOWHERE

Nowhere é um filme COLABORATIVO, que vem sendo criado em uma mesma dire ção de Desassosseg o – filme

das

ma ravilha s.

Neste

filme

houve

uma

proposiçã o

temática que foi dire cionada a alguns artistas os quais deveriam também re sponder com fragmentos fílmicos que fariam parte de um filme UNO. Sobre a proposta do filme Nowhere se iniciou em Dezembro de 2011 com uma proposiçã o da atriz e também cineasta Flávia Couto a vários forma

artistas de

de

outras

diálogo

partes

para

lida r

do mundo. com

a

Se ria

uma

idéia

de

“estrangeiro”. O Projeto propunha como mote inicia l um filme visão

cole tivo, sobre

onde este

cada “ser

um

pudesse

e strang eiro”

a bordar e

assim

a

sua

enviar

registros de víde o pa ra compor a trama. A principio os registros te riam um teor autobiog ráfico e docu mental. Nowhere, surgiu a priori como projeto ‘Cidades’ em um momento de transição pessoal. Eu estava muito insatisfeita c om as condições de tr abalho de uma atr iz e com a qualidade de vida e or ganização ger al da cidade de Sã o Pa ulo, Br asil. Esta insatisfação ger ou minha decisão de mudança para Pari s . Este momento de grande desilusão com o sistema da cidade em que eu morava tr ouxe a enor me sensação de ‘desp er tencimento’ e desabr ochou a concep ção/ ar gumento de

111

“ N o w h e r e ” . 121

No dia 2 de Janeiro de 2012 Flávia envia por email o convite oficia lmente aos artistas e encamin ha um argumento e uma série de “provocações” criativas pa ra que

assim

os

colaboradore s

movessem

a

cria ção

de

seus respectivos “f ilmes-de poimen to” ou “filmes-diário”.

Das temáticas Como uma tentativa de cria r uma unidade para os fragmentos

F lávia

permea vam

seus

estabe leceu 9

meses

de

algumas morada

temáticas

em

Paris,

que

foram

elas:

Rotina:

Revelar pequenos espaços do cotidiano, como

por exemplo:

os

pe rcursos

mais

utilizados,

o

meio

de

transporte, a casa , o lugar onde se come , os horários estabe lecidos por sua rotina. Como se organiza o dia a dia e quais sistemáticas sempre se re petem.

Rituais:

Os pequenos in stantes de fuga do cotidian o,

que

se

não

momentos

repetem,

especia is

relaçã o

de

espaço

pessoa l

mas

quando

su bjetividade se

que

criamos

dentro

reve la.

acontecem

da

Nesses

em

rea lmente

cidade

em

momentos

a lguns uma que

o

pode mos

reve lar o “eu ” dissociado de contextos e como e le se relaciona com o ambiente onde habita e quais lugares Depoimentos de Flávia Couto, escrito em Abril de 2014 e postado no BLOG do projeto http://cities-movieproject.blogspot.com.br/2013/04/sobre-o-processo-nowhere.html acessado em 22 de julho 2014. 121

112

da cidade potencia lizam nossos rituais particu lares.

Pertencimento: partir

da

sensação

Os e spaços que se cria m na cidade a

nossa de

inte rferência

e

pe rtencimento.

Os

que

nos

geram

lugares,

a

pessoas,

relações onde construímos nossa identidade, ambiente s onde nos sentimos pa rte integ rante de alg o. É possí vel também

explorar

pertencimento, os

lugares

a

onde que

rela ção

nos

contrá ria :

sentimos

nos

repe lem,

expu lsos as

o da

não cidade,

relações,

as

organizações e os contextos que nos distanciam e nos fazem sentir um se r a parte e dissociado do ambiente .

Olhar

da

cidade:

Os espaços e son oridades que são

reve lados a partir do n osso olha r, de

pequenos

detalhes

que

nos

os planos subjetivos

interessa m

mostrar

da

nossa cidade. As coisas que nos chamam atenção.

Arquitetura/urbanismo:

A maneira como a cidade se

organiza em sua estrutu ra urban a e como os edifícios, suas regularidades ou irregularidades que influencia m no comporta mento dos indivíduos qu e a ha bitam.

F o i c r i a d o u m b l o g 122 p a r a o p r o j e t o , o n d e o s a r t i s t a s teriam imagens

a

liberdade e

obstácu los

122

textos fora m

de

que

postar os

tivesse

acontecendo

http://cities-movieproject.blogspot.com.br

fragmentos

de

inspirando.

dentro

deste

vídeo,

Diversos trajeto:

a

113

falta

de

verba ,

a

falta

de

tempo,

a

não

resposta

de

algumas pe ssoas, a distância , as dificuldades de F lávia em Paris e etc. O blog acabou ficando pe rdido e não foi

muito

que

usado,

ficaram

apenas

parados

a lguns

no

esparsos

tempo.

movimentos

Alguns

artistas

se

desliga ram do projeto e fica ram apenas 8 mulhe res de diferentes

nacionalidades,

em

uma

situação

provisória,

de adaptaçã o em um outro país.

* * * Uma leve observação Algo

de

muito

estranho

sempre

acontece

em

minhas parcerias com F lávia Couto. Na peça que dirig i com

e la

Cabelos sido

atuando,

me

feito

a

Comeu pa ra



citada

Nesta

homens

...E

o

Madrugada, e

mulheres,

Meu o

Secador

convite

dentro

de

havia

de

uma

temática que abordaria a solidã o urbana onde também utilizá vamos

provocações

masturbaçã o,

a

que

obse ssã o

tanto em Nowhere

(onde

as

temáticas

quase

que

uma

temas etc.

O

como: cu rioso

a

rotina,

disto

como em ...E o Meu

inclusive

extensão

da

dialogam pe ça

pa ra

tudo

a é

Secador...

muito,

sendo

o cinema),

os

artistas que decidiram participa r e ficar até o fim do projeto fora m mu lhe res. O que faz de um olhar de fora acredita r quando

que na

estes

realidade

aca bem e les

sendo

partiram

projetos de

humano e u ma temática mais universa l.

um

de

gênero

desconforto

114

* * * Voltando à Nowhe re, à partir dos e ixos te máticos enviados

por

F lávia

dramatúrgica construídos

e

foram em

por

seu

se

cada

traba lho

de

dese nvolvendo

cidade

e

as

8

condução f ragmentos

artistas

enviara m

suas c o n t r a - p r o p o s t a s já filmadas: Argélia. Aurèlie Rauzier convite (material bruto) Aurèlie

con vida

sua

e

amiga

Clémence Clé mence

Zamora

para



uma

Um

viagem

rumo a Argé lia, local donde seu s ancestrais vie ram. Em meio numa

ao

Ramada,

sociedade

cobe rtas onde

o

com

os

homem

véus

tradicionais,

domina

e

a

mulhe r

busca o seu espaço, as duas amigas redescobrem sua sexualidade e u ma nova relaçã o surge entre elas.

Berlim e Köln. Bianca Zanchetta Impressões (material bruto) Uma

jovem

estrangeira

chega

em

-

Expressões/

Berlim

a

fim

de

realiza r o seu sonho de torna r-se bailarina. Focado n o universo interno da relaçã o universo

sensorial ao

dificuldade

de

seu

personagem, e

pessoa l

redor.

expressã o

A em

o fragmento trata dela

com

esse

incomunicabilidade uma

língua

da

novo e

a

desconhecida

são os temas principais que faze m do filme uma viagem sensorial à pe rspectiva do mundo interno de uma jove m que tem no corpo a prin cipal f orma de expre ssar-se .

115

Hong-Kong. Man Wai (material já editado)

Fok

-

Procurando

o

céu

Hong-Kong, uma grande cidade do mundo mode rno com milhare s e milhare s de arranha-céus. Abaixo dos prédios gigantescos as ruas são e stre itas e comprimida s e as pessoas condensadas são como f ormigas. E

onde se vê

o céu? Quantas veze s olha mos para o céu? Atra vés de fragmentos de imagem Man Wai revela vistas de grandes arranha

céus

e

a

manifestação

de

pessoas

interca ladas com as fresta s do e squecido

nas

ruas,

céu de Hong-

Kong, em meio a seus imensos e difícios. Londres. Camila Ganc A liberdade sociedade de controle (material bruto)

em

uma

Este fragmento exprime a possibilidade da rotina de um indivíduo estrangeiro em Londres, a solidão, a oscilação do

ritmo

da

cidade

durante

o

dia

e

as

brusca s

mudanças climáticas, alé m de e xplora r atravé s de uma linguagem corporal, a busca da liberdade de expre ssã o do corpo e m Paris.

lugares pú blicos.

Flavia

Couto



Impermanências

(material

bruto) O fragmento do

ano

bra sile ira

a

conta

através

pe rmanência

em

Paris.

São

da

de

passagem da s esta çõe s

um

re velados

ano

de

F lavia ,

fragmentos

de

uma uma

busca de um reencontro com si mesma, em uma cidade extremamente impermanente e contrastante pe lo g rande afluxo de turistas e imig rantes. Os pa rques de Pa ris n o primeiro

sol

do

ve rão,

os

metros

aba rrotados

no

116

inverno,

os

turistas,

a

ba irros

dos

solidã o e

imigran tes,

vazio das

o

verã o

relações das

cheio

de

pessoas

na cidade luz. São

Paulo.

Thaís

Almeida

Prado

-

Origem/Destino

(material bruto) O fragmento a borda a cidade de São Paulo a partir da cria ção

do

espetácu lo

da

Cia.

Auto-Retrato

Origem/De stino, um projeto de intervençã o teatral que se

desloca

pelas

ruas

da

cidade

de

São

Paulo.

A

cria ção do espetácu lo traz a tona à Cia. a dificuldade de se deslocar e de

coabitar as rua s de u ma cidade

que se perdeu em seu planejamento urbano e que tem sido a lvo de dive rsas proibiçõe s, inclu sive artísticas. A trajetória da peça vai da Sé à Santo Amaro, e durante o pe rcu rso de criaçã o os artistas escolhem os melhores trajetos

que

transeunte própria

pe rmitam

comum.

Cia.

ou

a

deslocar

Entre crise

crises com

a

o

de

olha r

processo

cidade

os

de entre

artistas

um a se

deparam com me mórias pe ssoais rela cionadas a lugare s e a história rapidamente esquecida de uma São Paulo em constante transforma ção.

Washington.

Emma

Jaster



Impulsos

(material



editado) O

impulso

criativo

de

Emma

a

leva

pelo

distrito

de

Columbia. Sua bicicleta a impulsiona no movimento da cidade

e

ela

descobre

inspira çã o infinita. o fragmento

117

explora

os

espa ços

criativos

que

encontramos

em

nossas cidades e em n ós mesmos." Em meados de julho de 2012, para que o projeto ficasse mais concentrado, as artistas optaram por ha ver duas diretoras ge rais e escolhe ram Fla via Couto e Thaís de

Almeida

estarem havia

morando

voltado

audiovisuais 2012

Prado

a

como

estas

novamente

na

morar

Sã o

Paulo).

Os

chegando

aos

pou cos

e

material

que

não

foram

tínhamos

um

em

representantes, mesma

cidade

falava

por

(F lávia

registros

no

fim

de

tanto

do

“ser e strangeiro” mas que dialog ava muito entre si por outras a bordagens. Era um olhar de intervenção a rtística no espaço. Esta s mu lhe res prese ntificavam seus olha res através da cria ção de

arte , e ra mais que um registro

documenta l, era um registro pe rformático n o espaço.

Foram r ealizados vár ios encontr os entr e eu e Thaís de Almeida Pra do e 2 meses (Janeir o e Fevereir o de 2013) de c omp leta imersão na edição da primeira versão do filme. Assumimos esta “dir eção ger al” ao iniciar a montagem, sobr e a p ersp ectiva de unir essas histórias, sem que se tor nasse uma edição em “blocos” mas sim que inter ligasse cada fr agmento, como se todas estas mulher es esp alhadas p or esta s cidades f o s s e m u m a s ó . 123

Durante a montagem do primeiro corte, F lá via e eu estabe lecemos

como

linha

norte adora

as

estações

do

Depoimentos de Flávia Couto, escrito em Abril de 2014 e postado no BLOG do projeto http://cities-movieproject.blogspot.com.br/2013/04/sobre-o-processo-nowhere.html acessado em 22 de julho 2014. 123

118

ano,

assim,

cada

frag mento

iria

se

ama lgamando

de

acordo com o que estas estaçõe s nos implica vam, tanto em

termos

liberdade

de

de

temática

não

n os

quanto prender

em à

sensações,

uma

com

pe rsonagem

a ou

outra podendo mixá -la s, já neste momento as sinopses pré -enviadas

por

cada

a rtista

começa

a

pe rder

o

sentido. Com a primeira montagem “finalizada” descobrimos que a ideia de estações do ano não funcionava, e que o eixo temático era permeado pela busca ince ssante de um lugar onde e stas mulhere s pudessem se aquietar, e que este lugar aquietador não estava lá : a busca e ra por um não-lugar. Todas estávamos em um momento de passagem, de busca, de encontr os, o lugar era ap enas uma extensão desses cor p os. Cada indivíduo assumiu um pap el maior no filme, era cada um em seu vazio, em seu lugar nenhum. A cidade era uma continuidade desse corp o, do cor p o no 124 espaço.

Outro detalhe deste primeiro corte: faltava a lguma espécie

de

humor,

um

“rir-se

de

si”,

faltava

algum

sarca smo, e acreditáva mos que este tal humor viria com a lapidação da edição e com o traba lho sonoro. A

medida

que

o

filme

foi

tomando

corpo,

fomos

resgatando materiais guardados e criando nova s cenas, a partir do nosso olhar de dire ção. Percebe mos linha s

Depoimentos de Flávia Couto, escrito em Abril de 2014 e postado no BLOG do projeto http://cities-movieproject.blogspot.com.br/2013/04/sobre-o-processo-nowhere.html acessado em 22 de julho 2014. 124

119

de

conexão

entre

todas

as

a rtistas:

estas

mu lhe res

video makers que se colocam frente à câmera gerando uma

câ mera-voye r

espécie

de

si

mesmas

-

uma

autobiografia audiovisua l; a rela ção com a dança; com a

solitude;

e

movimentada

também e

manifestações

linha s

de

opressora

nas

ruas

de

oposição:

de

São

Hon g-Kong,

a

cidade

Paulo, a

as

harmonia,

a

quietude e as cores de Washington. Com este s e lementos f omos ela borando ritmos que amalgamaria m

cada

f ragmento

por

si

só,

ou

me lhor

dizendo cada anagrama fílmico, como Maya Deren define para seu traba lho cinematog ráfico: Em um anagrama todos os elementos existem em uma relação simultânea. Consequentemente, com isto, nada é antes e nada é dep ois, nada é futur o e nada é passado, nada é velho e nada é novo ... Cada elemento de um anagrama está tão relacionado com o todo que nenhum deles pode se alterar sem afetar sua série e assim afetar o todo. E, inversamente, o todo é tão relacionado a todas as p ar tes que se lê na horizontal, vertical, diagonal ou até mesmo no sentido inver so, a lógica do todo não é interrompida, mas permanece 125 intacta.

Foram quais

gerados

seria m

Chegadas;

Das

nossa

então nova

novos

capítulos-temas,

linha

pe rmanência s;

Das

norteadora : de spedidas;

incluímos depois Da s explosões/ ebuliçõe s.

Bill Nichols (ed.), Maya Deren and the American Avant-Garde, Berkeley: University of California Press, 2001, pag 6. 125

os Das e

120

126

Havia uma discussão entre Flávia e eu sobre criar carte las

com

estes

títulos

ou

não.

Eu

acreditava

que

estas carte las fe chariam muito u m olha r do espectador, já Flávia acha va que os títulos poderia m servir como um norte

a

quem

assistia.

Nunca

batemos

o

ma rtelo

sentindo

falta

em

uma das opções, até o momento. Durante

a

edição

fomos

de

mais

materiais que compusessem o corpus do filme . Aurè lie e Clémence já não estavam mais na Argélia (e ambas já tinham

mandado

bastante

material) ,

Man

Wai

havia

acabado de se casa r e “desapa recido do ma pa”, Emma havia deixado Washington e

voltando pa ra a França e

Camila, em Londre s, não tinha mais câme ra. Decidimos 126

Caderno de anotações de Flávia Couto, 01.02.2013

121

então filmar novas cenas minha s em São Pau lo, agora com a ajuda de Flávia e retomamos um mate ria l feito em

Be rlim

com

abandonado dança

Bianca

desde

para

uma

Zanchetta

2010

(um

e

que

experimento

perf ormance

dela).

eu

havia

de

vídeo-

Alé m

disso

“recicla mos” vídeos meu s feitos na França que poderiam se conecta r com a estadia de F lávia (no filme) por lá. Nesse momento, de edição imersiva, for am inclusive gravadas novas cenas e foram resgatados materiais de Ber lim que Thaís havia filmado com Bianca Zanchetta em 2010 (fragmentos estes que estavam engavetados para um trabalho de videodança das duas ar tistas) e outr os processos cria tivos que eu, Tha ís e Bianc a vivemos ju ntas em n osso c oletivo de pesquisa Cia . Ô C A . 127

F e c h a m o s e n t ã o u m s e g u n d o c o r t e 128 d e 6 6 m i n u t o s , em meados de pautava

pe lo

coreog rafia

Março de

2013.

movimento.

onde

O

e bulições,

O corpus do filme

filme

seria

calmarias,

uma

se

grande

movimentos

de

chegadas e partidas criariam a narrativa rítmica desta s mulhe res que

representavam um

vivia

ete rna

em

sua

bu sca

de

ser só: o mesmo que um lugar,

o

seu

luga r,

seu não-lugar.

Depoimentos de Flávia Couto, escrito em Abril de 2014 e postado no BLOG do projeto http://cities-movieproject.blogspot.com.br/2013/04/sobre-o-processo-nowhere.html acessado em 22 de julho 2014. 128 DVD do segundo corte acompanha a dissertação. 127

122

129

Assim

como

nos

filmes

de

Maya

Deren

pretendíamos uma narrativa que fosse esta bele cida pela ideia

de

mestrado

ritmo, cita

Flá via

Meshes

Couto

of

disto:

129

Caderno de anotações de Flávia Couto.

em

Afte rnoon

sua

disse rtaçã o

como

um

de

exemplo

123

Meshes of After noon é um filme silencioso, sem dia logos, comunicação entr e seus pers ona gens ou s om dir eto. Tei ji Ito fez a trilha do filme ap ós a morte de Deren . Os sons dos p assos de Deren são metonimicamente acompanhados pela perc uss ã o de Tei ji Ito. A tri lha foi ins pira da na noç ão de Eisenstein de montagem r ítmic a. Em Deren, o ritmo surge da repetição e variação de seus exp erimentos narrativos. ‘Meshes of Afternoon’ instala um estilo inovador p or cor tar a ação quando os passos da pr otagonista passam p or terrenos desiguais como a praia, a terra, a grama e o concr eto. O ritmo do atabaque marca a descontinuidade esp acial, a lacuna de temp o. ‘Meshes’ é como a encenação de um sonho, uma tr a jetóri a narr a tiva ilógi ca , em qu e o fluxo de movimento e a atmosfer a convidam à contemp lação e a transcendência, envolvendo o e s p e c t a d o r . 130

Deste “barriga”

corte , em

chegamos

determinada

a

um

parte

limbo. do

Existia

filme

e

uma

falta va

alguma coisa para have r a sensação de que estávamos caminhando pa ra um final. O tra balho sonoro, que se ria construído

como

uma

segunda

linha

narrativa

e

“coreog ráfica” d o filme ainda não havia sido feit o, ma s já existia m esboços que faziam parte deste corte. Enviamos este corte pa ra nossa s outras pa rceiras, todas

dera m

um

feedback

e

sugeriam

cenas,

falava m

sobre o que sentiam falta e como se identifica vam com o

t r a b a l h o . 131

Estes

comentá rios

nos

fizeram

reve r

elementos no filme e reafirmar outros.

Couto, Flávia. Mitopoéticas do Corpo. Dissertação de mestrado para o Programa de Artes Cénicas da Escola de Comunicações e Artes da USP. 2008. Pg. 28 131 Em anexos é possível ter acesso ao feedback enviado pelas outras artistas. 130

124 132

132

Cadernos de notas de Thaís de Almeida Prado.

125

Na

próxima

etapa

então, começamos a

mostra r a

pessoas distanciada s do projeto. Fizemos um jantar em minha casa e apre sentamos Nowhere para amig os bem próximos. Alguns deles se despre nderam do filme saíram para

conve rsa r

e

bem atentos. Na determinada

fazer

outras

con versa, a

parte

do

coisas,

maioria

filme

outros

apontou

algo

se

f icara m que

perdia

em da

construçã o. “MAS O QUE?” * * * Interrupções

do

modus

operandis



mais

uma

vez

São Paulo nos atropela. Eu

tive

Nowhere

que

não

Tivemos que

parar...

era

escre via

parte .

Flávia

dar um tempo ao

minha

precisava

filme.

para nós se rviria de respiro. Respiro filme

com

um

novo

olhar,

aquele

qualifica ção. traba lha r.

Tempo este

que

para voltarmos ao do

“ver

com

olhos

l i v r e s ” 133 . A n t e s d a p a u s a n o e n t a n t o , m a i s u m a c h a n c e : mostra r

para

três

pessoas:

Rudá

K.

Andrade,

Rewald, Sebastian Mez.

* * *

133

Frase de Oswald Andrade em Manifesto da Poesia Pau-Brasil, 1924.

Rubens

126

134

Ao ve rem o filme, Rudá e Rubens con cordava m em vários

aspectos,

Seba stian

pare cia

se

por

pe rdido

um no

lado espaço,

Hong-kong para

para

Rubens

e

Rudá fazia sentindo na transição que cria mos - a saída

Caderno de anotações de Flávia Couto sobre reunião com Rubens Rewald e Rudá K. Andrade, meados de Maio e Junho de 2013. 134

127

de

Thaís

da

“ba lada

Netão”,

em

Sã o

Pau lo,

pa ra

a

manifestação cheia de fogos de artifício de Man Wai em Hong-Kong. Para ele s não era o significado da cidade em si, pois Hong-Kong quase não existe no filme (Man Wai

mandou

um

fragmento

editado

de

3

minutos

apenas), mas a ideia dramatú rgica como um todo. Esse anagrama que cria um sentido próprio a o se conecta r com

outro.

Sebastian

sugeria

que

a

cena

do elevador

fosse o inicio do filme , por ser estranha, te r um ce rto humor e dar uma sensação clau strofóbica, alg o que se repetia na tentativa das pessoa s de saírem do e levador que e nunca acontecia pois se mpre chegavam ao andar errado,

pa ra

margem

à

todos

ele

com

temática

deve ria

dar

esta

do

cena

filme

indícios

em

do

no si.

que

início O

daríamos

começo

seria

o

pa ra

filme.

O

contemplativo do começo e ra in teressante pa ra Rubens e

Rudá,

mas

pre cisa ríamos

re pensar

tudo

pa ra

não

perde rmos o fio da meada no meio do filme, como já estava ocorrendo. Faltava

um

ponto

de

virada

no

filme,

alg o

que

chacoalhasse tudo e não recome çasse o ritmo que ha via sido imposto n o come ço. Fa ltava alguma re viravolta . Todos

concordava m

que

as

cenas

intimistas

em

certos momentos do filme , prin cipalmente entre Au rélie e

Clémence

para

o

era m

lado

necessidade

de

muito

cru ver

boas

destas mais

e

traziam

mu lheres. disto

no

o

espe ctador

Seba stian

filme ,

por

sentia

exemplo:

menos Thaí s tra balhando na peça e nas manifestações e

128

mais

Thaís

em

seu

necessidade

de

ver

sumindo

decorrer

no

filme

e ra

criar

estas

mu lhere s

íntimo. mais

Em

Flávia

coisas,

do

filme .

justamente significassem

parecia

Porém

uma

e le

se

unidade

a

mesma

sentia

que a

ela

ideia

a ia do

onde

todas

mu lhe r,

então

mostra r momentos intimista s de todas ou tenta r mantêlas pre sentes a todo momento, traria a ideia de sé rie, mesmo que fragmentada, como se precisásse mos ve r a história de uma e depois de outra. Isto era algo que Flávia , eu e as outras artista s não queríamos mais. Nós nos afeiçoáva mos à ideia de nos tornarmos uníssonas e não

tínhamos

problema s

em

desapegar

do

nosso

materia l enviado inicia lmente . Rubens

Rewald

perguntou:

porque

um

longa?

Inicia lmente o filme nasceu como um longa, e estava se tornando que vezes

long o

tínhamos.

dada Mas

percebemos

importava.

O

filme

a

quantidade

ao

edita r,

que

longa,

de veria

ter

e

de

ao

média o

seu

material

assistir ou

dive rsa s

cu rta

tempo,

bruto

o

não tempo

que fosse necessário pa ra ele existir, podendo ou não se tornar um curta -metragem.

* * *

129

Algumas delongas antes do fim...

Nowhere é um projeto “provocado” por Flavia Couto, que

convidou

alguns

dire tores

de

diferentes

países

a

enviarem olha res sobre a cidade em que vivem, sem um rote iro prévio, o foco criativo g anhou forma realmente na montagem. A co-dire ção do projeto entã o se deu pe lo mate rial que

foi

mínima

rece bido ideia

do

dos

outros

que

se ria

a rtistas, en viado.

sem Foi

se

na

ter

sa la

a de

edição que o direcionamento do filme como um produto final se deu, na escolha das imagens do a rquivo bruto, na

escolha

das

sequências

de

relação

ou

oposição,

como se fosse a criaçã o de uma partitura musical ou uma

coreografia

de

dança.

Dife rentemente

do

O

filme

Desassossego – o filme das mara vilhas, onde um diretor vem e m seqüência de outro, aqu i optou-se por mesclar todas as artista s em uma só como se fosse m todas uma única personagem, um anagrama de idéias que constitui um macro, como reta lhos que montam uma colcha. Cada

artista

dramaturgia descobe rta temática

do

criou filme

durante

que

a

o

seu

como

roteiro

um

todo

montagem,

extra pola

o

que

pré vio, foi

e

nascendo

havia

sido

poré m tem

uma

a

sido outra

inicia lmente

pensado. Conversamos com a s ou tras artistas que deram suas

opiniões;

opiniões

estas

que

poderia m

sim

influenciar e conta minar de cisõe s, porém a inda assim a decisã o cabia e ainda cabe (porque o projeto ainda não está

finalizado)

à

mim

e

à

Flávia

que

assumimos

a

130

direçã o geral. O que nos leva a um filme conside rado colaborativo

e

não

coletivo,

porque

aqui



uma

lapida ção por pa rte da dire ção/montagem, assim como ocorre em Desa ssossego. Descobrimos que este filme nos leva por uma linha coreog ráfica

e

conhecemos

em

sonora,

não

pela

si,

pe lo

simples

mas

a

dança fato

de

que que

cinema é imagem em movimento, e este movimento nos leva de uma imagem à outra criando laços de histórias singulare s

que

se

transforma m

em

uma.

Nossas

personagens tem em sua busca o mesmo e lemento: um eterno buscar do que não é , não está e nã o se tem.

135

135

Cadernos de notas de Thaís de Almeida Prado.

131

SEM

FIM

FIM

COM

Neste ponto da e scrita, me despeço. Dois processos de

criaçã o

cola borativa

descobrirem

como

ainda

um

estão

resu lta do.

em

Se

fase

de

se

levantarmos

a

questão de que certos tipos de obras de arte se dã o justamente por seu proce sso de feitio, ao re latar este s procedimentos podemos ter noçã o de uma ínfima parte do modo de criaçã o de seus artistas. Ao ve rmos este s quatro

filmes,

dois

finalizados

entre

2010

e

2011

e

outros dois ainda buscando seu percurso fina l, podemos percebe r

ce rta

Ex-Isto

construções.

maravilhas Cultura l, verba equipe

tive ram

mas

de

similaridade s

e

grande

reduzida

e

finan ceiro

assim

porte,

suas

Desassossego

a poio

ainda

em

não

respe ctivas



do

filme

das

Instituto

Itaú

chegaram

a

ter

uma

quiçá médio. Traba lha ram com

conseguiram

mover

um

núcle o

de

diretore s que se dispôs a fazer fragmentos fílmicos mais pela vontade de fazer cine ma que pelo dinheiro em si.

Em Com Meus Olhos de Cão e N owhere , os a rtistas parte m

sem

nenhuma

base

financeira,

mas

pe la

insistente vontade de se fazer cinema. As pessoas que se

uniram

a

estes

necessidade de

projetos

en caram

se expre ssar, e

isto

como

uma

unem forças para que

as “dores” do faze r sejam minimizadas. Sim, este s novos modos guerrilha

de

produçã o na

tentativa

ocorre m de

como

não

nos

uma

forma

deixar

de

se rmos

132

engolidos por g randes produtora s ou entã o pe la espera de editais que poucos são, para os muitos que somos. E assim, sem fim, continuamos.

133

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Opacidade

e

a

A

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137

Anexos

CARTA

DO

DESASSOSSEGO

ESBOÇO

PARA

SE

ABANDONAR:

COM MEUS OLHOS

DE

CÃO

DE

ROTEIRO

COM ME US OLH OS DE CÃ O Para Gilberto Mendes 1 – I MAGENS AO V ENTO INT. - C ANT O ENT RE PA REDE E TETO (C AS A D O SOL) – DI A NARR ADO R / Gilberto Men des Deus? Uma superficie de gelo ancorada no riso. Isso era Deus. Ainda assim tentava agarrar-se àquele nada, deslizava geladas cambalhotas até encontrar o cordame grosso da âncora e descia descia em direção àquele riso. INT. - UMA CADEI R A DE B AL ANÇO (CAS A DO SOL )

– DIA

NARR ADO R / Gilberto Men des Tocou-se. Estava vivo sim. Quando menino perguntou à mãe: e o cachorro? INT. DIA

– INT. - P AREDE C OM M OLD UR A DE Q UAD RO A NTGO DE M ULHER NO C ANT O (CAS A DO SOL )



NARR ADO R / Gilberto Men des A mãe: o cachorro morreu. Então atirou-se à terra coalhada de abóboras, colou-se a uma toda torta INT – IM AGENS DE TER R A E DE PL ANT AS (CA SA DO S OL) NARR ADO R / Gilberto Men des cilindro e cabeça ocre, e esgoelou: como morreu? Como morreu? O pai: mulher esse menino é idiota. AUSÊNCIA DE I M AGENS PA I (VOZ OFF) Tira ele de cima dessa abóbora! Morreu. Fodeu-se 2 – IN SERT – MÃ O GES TIC ULA “FODE R” PA I (VOZ OFF) FODEU-SE. 3 – IN T. - E SPELHO E REFLEXO DE UM HO MEM (C AS A DO S OL) AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES de frente para o espelho.

– D IA

AM OS KÉRES/ GILBER TO MENDES (olhando sua imagem no espelho) Assim é que soube da morte. Amos Kéres, quarenta e oito anos, matemático, parou o carro no topo da pequena colina, abriu o carro e desceu. 4 – EX T. MONTE SER RA T (ou P RA IA ) – D IA AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES e REITOR estão na colina e olham o horizonte. Muita ventania. Do topo da colina avista-se UNIVERSIDADE, PROSTIBULOS, IGREJA, ESTADO, UNIVERSIDADE. AM OS KÉRES Todos se pareciam. Cochichos, confissões, vaidade discursos, paramentos, obscenidades, confraria. REIT OR Professor Amos Kéres, certos rumores chegaram ao meu conhecimento. AM OS KÉRES Pois não. Quer um café? REIT OR Não. (o reitor tira os óculos e mastiga suavemente uma das hastes) AM OS KÉRES Não quer mesmo um café? REIT OR

Obrigado. Não. (pausa) Bem, vejamos, eu compreendo que a matemática pura evite as evidencias, gosta de Bertrand Russel, professor Amós? AM OS KÉRES Sim. REIT OR Bem, saiba que jamais me esqueci de uma certa frase em algum de seus magníficos livros. AM OS KÉRES Dos meus? REIT OR O senhor escreveu algum livro professor? AM OS KÉRES Não. Sim! Memórias... REIT OR Falo dos livros de Bertrand Russel; 5 - INSER T – E XT. IM AGENS D A V IS TA DA COL INA COL INA AM OS KÉRES ah! REIT OR E a frase é a seguinte: “a evidência é sempre inimiga da exatidão”. AM OS KÉRES Claro. Amós come ça a an dar contra o v ento e a câmera o segue. REIT OR (OFF som contra o vento) Pois bem, o que sei sobre suas aulas é que não só elas não são nada evidentes como... (TOQUE DE TELEFONE) Perdão. (O REITOR ATENDE O TELEFONE) alô, alô, claro minha querida, é evidente que sou eu, agora estou ocupado, claro meu bem, então vá levá-lo ao dentista, sei sei... AM OS KÉRES (passa a l íngua sobre as gengivas) Também deveria ir ao dentista. 6 - ISER T – DE TALHE

DE UM A BOC A ABER TA. VE MO S APENA S OS DENTES.

REIT OR / DENT IST A (OFF) Claro que ele tem que ir, com a idade tudo vai piorando ele chegou a me dizer da última vez, quando foi mesmo? 7- INT. - ES PELHO E REFLE XO DE A M OS KERES (CA SA DO S OL) – D IA Amós está sentado em frente para o espelho e olha seus dentes. O diálogo é como ele com a própria imagem. REIT OR (OFF) Não importa, mas disse senhor Amós, há uma tensão em toda a sua mandíbula, tensão de um executivo falindo, é fantástico, o senhor não acorda com dores nos maxilares? AM ÓS KÉRES Acordo REIT OR (OFF) Então é isso. Temos que acertar a sua arcada.

AM ÓS KÉRES Quanto? REIT OR (OFF) Ah, é um trabalho difícil. AM ÓS KÉRES Mas quanto? REIT OR (OFF) Ah, dispendioso, veja, temos que acertar todos os dentes de cima e quase todos os de baixo, os de baixo são importantíssimos, nunca se deve perder um dente de baixo, são suportes para futuras pontes, o seu aqui de baixo tá todo roído. BARULHO DE UMA MAQUININHA DE OBTURAR. REIT OR (OFF) Bem onde é que estávamos professor Amós? AM ÓS KÉRES (olhando para o espelho e fazendo caretas para si mesmo) Nas evidencias.

Ah Sim.

REIT OR (OFF) ( baixa o óculos de dentista) O senhor parece não me levar a sério. AM ÓS KÉRES (Com a boca aberta tentando sorri e dificuldade de falar) Como assim?

REIT OR (OFF) Notei que sorriu de um jeito um pouco, digamos, professor, um jeito condescendente, assim como se eu fosse... tolo? AM ÓS KÉRES (ainda tentando fazer caretas) Impressão sua. Apenas também me lembrei de uma frase. REIT OR (OFF) Diga professor AM ÓS KÉRES Então eu digo a frase: “inventar um simbolismo novo e difícil no qual nada pareça evidente”, ele achava isso bom. REIT OR (OFF) Quem? AM ÓS KÉRES O Bertrand Russel. REIT OR (OFF) AH. Continuemos, professor (barulho da maquininha de dentista novamente). Não posso me demorar muito mas por favor tire férias, vinte dias, descanse. AM ÓS KÉRES Mas o senhor não me falou claramente dos rumores. REIT OR

(OFF) Como queira: há evidentes sinas de vaguidão. AM ÓS KÉRES Como? REIT OR (OFF) de alheamento, se quiser sim, de alheamento de sua parte durante as aulas. 8- EXT. M ONTE SER RA T (ou P RA IA) – DI A – SOL QUEI MA NDO vemos Amos Kéres com um olhar longe, fora daquele lugar. REIT OR / DENT IST A (OFF) frases que se interrompem e que só continuam quinze minutos depois, professor Amós, quinze minutos é demais, consta que o senhor simplesmente desliga.

AM ÓS KÉRES Desligo? Que frases eram? REIT OR / DENT IST A Não importa, por favor descanse, tome vitaminas, calmantes. (Tira novamente seus óculos, cobre os lábio superior com o de baixo, suspira, sorri) Vamos vamos, não se aborreça, o senhor tem sido sempre escorreito, excelente mesmo, mas cá entre nós... ( O reitor segura Amós pelos pulsos) cá entre nós, eles não estão entendendo mais nada.

9 – IN SERT – UM A GAI OLA CO M UM P ÁS SA RO DE B RIN QUED O DENT RO, NA Q UIN A DE U MA J ANELA ENTREABER TA - D IA NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) Estranho... na última aula repensamos fraldas, inícios... a raiz quadrada de um número negativo. Citei um matemático do século doze, Bramine Bascara: “o quadrado de um número positivo, tal como o de um numero negativo é posittivo. 10 - INT. Q UA RT O DE P RO STÍB UL O (C AS A DO S OL) A RR UM ADO, ONDE EST Á A G AI OLA. Vemos detalhes de roupas de mulher, a cama, abajur, pedaços da cortina. A câmera percorre o quarto enquanto há a voz off. NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) Portanto a raiz quadrada de um número positivo é dupla, ao mesmo tempo positiva e negativa. Não há raiz quadrada de um número negativo, pois o número negativo não é um quadrado”, no entanto Cardan, no século dezesseis... LIBITINA / Flavia arruma o quarto. Amós Keres/ Gilberto Mendes lê um livro de Calculo INFINITESIMAL. NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) Na adolescência a professora de redação pedira três contos breves. Short stories, meninos, sabem o que são short stories? Alguns babacas levantaram a mão. Muito bem, quem não souber pergunta aos outros, muito bem. Dois de meus colegas mostraram-me continhos imbecis, farfalhar de folhas passarelhos nos ramos brisas na cara etc. Aí escrevi: Primeiro conto (vulgo short stories) - Mãezinha, ando farto das tuas besteiras sobre moralidade e família à hora do jantar. Já te vi várias vezes chupando o pau de papai. Me deixa em paz. Assinado, Júnior. Segundo conto (vulgo short stories) - Vidinha, pensa bem, tu tem cinquenta e eu vinte e cinco. Tu diz que é o espírito que conta. Eu compreendo Vidinha, mas tô me mandando. Não deprime. A gente se cruza, tá? Assinado, Laércio. Toda essa fala eu ouvi tomando guaraná no balcão de um armazém. Ele era um garotão, ela uma gordota de olho pretinho. Terceiro conto (vulgo short stories) - O nome dele é Sol e Adultério. O do meu marido é Elias. Meus filhos se chamam Ednilson e Joaquim. Tenho vontade que todos morram. Menos ele. (Aquele primeiro, luz e cama.) Sinto muito meu Deus, mas é assim. Assinado: Lazinha.

Deste eu gosto muito. Adultério me parecia na adolescência uma palavra belíssima. Agora também. Luz e cama foi um achado. A professora esbofeteou-me a cara. O pessoal do farfalhar de folhas passarelhos nos ramos brisas na cara teve como prêmio um piquenique. As notas mais altas de redação praqueles bobocas. Fui expulso. Perdi o ano. Peguei pneumonia. Os coleguinhas mandaram-me um poema breve: Bancou o sabido, o espertinho, o vivo/ e só se fodeu/ Amós, o inventivo. LIBITINA / FLAVIA Pode ficá meu lindo, fica fica, fica estudando, só que depois tu dá uma mãozinha praquele meu contador que é uma besta. AM ÓS KÉRES (OFF) Libitina. Teu nome é Libitina mesmo? LIBITINA / FLAVIA É sim, confundiram com outro. Um primo da minha mãe disse pro suposto meu pai que Libitina tinha qualquer coisa a ver com a palavra paixão. A mãe achou bonito. AM ÓS KÉRES Paixão? Não era libido não? LIBITINA / FLAVIA O que? e eu sei, Amós? Só sei que depois disseram que tava tudo errado. Um primo desse meu outro primo procurou saber nos livros e descobriu que Libitina era uma velha que tomava conta dos presentes que a gente faz pros mortos. Micologia. AM ÓS KÉRES Que? Não é mitologia não? LIBITINA / FLAVIA E eu sei, Amós? Escuta, tu fala tão pouco. Tu vem aqui, traz os livros, e nem tem letra nesses livros, que jeito besta de ficá aqui. Sabe que tu tem um apelido? Brocha-Mula.

AM ÓS KÉRES Por que? LIBITINA / FLAVIA Porque de tão serioso que tu é, tão fechadão, tu é capaz de brochá uma mula toda prontinha na beira do barranco.

Fala um pouquinho com a sua Libitina, fala benzinho. Era toda dura. Como se você pegasse em borracha, aquelas retangulares, branconas. Os pés infimos, quadradinhos, fofudos. As pernas um tronco só, do tornozelo ao joelho. As coxas melancias estufadas. O púbis saltado como se de espanto te visse pela primeira vez, e estava ali saltando. Rija Libitina, os peitinhos dos vinte. Arfava fingindo, expulsava ós ais benzinho tu me mata me corta de gilete me põe o armário em cima e outras idiotias, os dentes de criança, a gengiva larga, põe no meio das minhas coxas teus livrinhos, ela pediu uma vez como se suspeitasse de alguma tara minha, não quer? não quer gozar pertinho do que você mais gosta, desses teus livros hen, não quer benzinho? 11 – INT. PR OS TÍB ULO - CENA DO CABARET Um salão grande com um palco, e uma cama redonda ao centro. Na cama uma prostituta / cantora lírica canta um poema de HILDA HILST. AMOS KERES está no meio de suas penas e diz fragmentos de texto sobre a existência... AM OS KERES (OFF) Palavras. Essas eram as teias finíssimas que jamais conseguira arrancar perfeitas inteiriças da massa da terra dura e informe onde jaziam. Não queria efeitos enganosos, nem sonoridades vazias.

NO CABARET, ESTÃO ALGUNS PERSONAGENS COMO HILDE (A PORCA), SEU MARIDO ISAIAH, PESSOAS DANÇANDO. AM OS KERES (OFF) Isaiah. A gente se entende. Eu entendo Isaiah. Isaiah vive com uma porca dentro de casa.

ISA IAH Peguei um afeto, Amós, por esse animalzinho, ela se chama Hilde e apareceu sem mais nem menos lá em casa, é afável, boníssima, me faz grande companhia. AM OS KERES E a matemática? ISA IAH Ah, me ajuda muito ter a Hilde lá em casa, não aborrece, não loqueia, é branda paciente silenciosa. Uns fungados às vezes, mas isso só me esquenta, por dentro, sabe? AM OS KERES Sei.

OUTRAS PROSTITUTAS DEITAM NA CAMA E AMOS KERES COMEÇA A LER UM LIVRO DE CALCULO INFINITESIMAL

12- IN T. - ES PELHO E REFLEXO DE UM HO MEM (C AS A DO S OL) AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES de frente para o espelho.

– D IA

NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) Música, poesia e matemática. Rompe-se a negra estrutura de pedra e te vês num molhado de luzes, um nítido inesperado. Um nítido inesperado foi o que sentiu e compreendeu no topo daquela pequena colina. Mas não viu formas nem linhas, não viu contornos nem luzes, foi invadido de cores, vida, um fulgor sem clarão, espesso, formoso, um sol-origem sem ser fogo. Foi invadido de significado incomensurável. Podia dizer apenas isso. Invadido de significado incomensurável. E como foi a noite anterior? 13 - I NT . SAL A COM P IANO – D IA AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES toca o piano obsessivamente. Música, Poesia e Matemática. partitura aritmética Um caminho sem passos. A asa da ave toca Essa virgindade. Duração. Duradouro. O ouro do teu nome Na água que escorre. Debaixo das romãs Toquei teu rosto Dormiste?

Uma mulher, AMANDA anda pela sala de um canto a outro, seus braços morenosos alçavam-se e despencavam agitados. A camisola é verde-pálido, de jérsei, esse que fica colado nas tetas, na barriga AM ANDA Amós, número é bom quando se tem conta no banco tá?, Amos continua tocando (el e pensa eu não po dia ter casado nem ter tido filho algum) o FILHO entra no quarto. FILHO (OFF) mãe, o pai que é bom de aritmética, diz pra ele fazer esse problema aqui. AM ANDA De jeito nenhum. AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES para de tocar o piano e se olha, a cor de seu pijama também verde-clarinho como a de AMANDA. Olha ao seu redor e tudo parece estar verde-clarinho. AMOS Sente um pouco de enjôo. Olha o dorso das mãos, as veias parecem mais saltadas

AM OS Estas mão poderiam ter feito carpintaria. Teria sido bom. Mesas cadeiras, oratórios por que não? Estaria ajoelhado agora? Catres. Uma só pessoa é que cabe num catre. Esses estreitos. FILHO (OFF)\ O menino começa a chorar. AM OS Dá logo isso. AM ANDA coisa nenhuma, faz o problema sozinho e quer saber? Tá na hora de deitar. O menino continua chorando. Amanda continua galopando eternamente com sua camisola verde-clarinho, suas tetas, suas coxas. AM OS Que engodo tudo isso de filhos e casamento, penso um tiro no peito. Um tiro no peito. É preciso amar, Amós, afinal é tua mulher, é teu filho. AM OS Vai deitar, filho, faz sozinho que é melhor pra você. O menino sai. AM OS Vem cá, Amanda. (Ela não vai). Amanda começa a tagarelar. O discurso é extenso. Ficam alguns trechos: jantar, casa de amigos, restorantes, dançar às vezes por que não. Amanda entediada. Os braços continuam sua batalha aérea. Dançar. O CENÁ RIO V AI MUDAN DO AOS OLHOS DA CÂMERA E SE TR ANSF ORMA EM QUARTO . Amos tenta fazer com que Amanda se deite. Ela quer continuar discursando e galopando. AM OS OFF Um tiro no meu peito ou no dela? AM OS Discurse deitada. Amanda enfim se deita.

Amos deitado na cama olaha para a câmera. AM OS Entre eu e Amanda o que? O que são sentimentos afinal? Como é que vão-se embora assim sem um fio de vestígios? Alguma vez estiveram ali? Afinal tudo deixa um certo rasto. Na morte ossos, depois cinzas. Vestígios na urna. O passo de alguém. Aquele estava de tênis. Aquele, de botas. Olha a marca do taco aí. Fios de cabelo que ficam por toda parte. Dentes guardados. Não acabam nunca se guardados. Na boca apodrecem. Na caixinha de metal aquele dente lá, para sempre. Teu dentinho de leite, vê, filhinho. E o marmanjo com cinquenta. Aquele dente ali. Forever. In aeternum. Amos se levanta da cama. AM ANDA Onde é que você vai, Amós? AM OS Vou pegar aquele meu dente na gaveta.

AM ANDA Agora? AM OS Agora sim Amanda. (ele Abre a gaveta e espia. O dente está ali.) Pois não vai estar mais. Vou até a privada. Puxo a descarga. Vai indo pelos canos, presumo, vai indo, depois na fossa? Para sempre na fossa? Ou fica roído como se ficasse na boca? Fossa-boca. (Amos se levanta e sai do quarto. Ela fica ali na cama esperando sem entender) AM ANDA O que você fez, Amós? AM OS Boca-fossa. Cossa. Responder aos demais. A alguns. Esquecer os “consideremos” “por conseguinte” “suponhamos” “daí que se deduz” e tentar a incoerência de muitas palavras, de início soletrar algumas sigilosamente junto ao coração, por exemplo Vida, Entendimento, e se a pergunta vier, despejar o tambor de latão em cima daquele que pergunta, morreu é? morreu de letras. Como assim? Ora, perguntou algo a alguém matemático e o cara que não falava há anos só número, sabe, verbalizou hemorragicamente. AM ANDA Quê? AM OS Isso mesmo, golfadas de palavras. O outro não aguentou. O cadáver mais letrado que já vi, uma beleza, cara, escurinho de letras. Vamos indo.... _________________________________________________________ 14 - INT. - ES PELHO E REFLEX O DE UM HO MEM (CA SA DO SOL ) AMOS KÉRES / GILBERTO MENDES de frente para o espelho.

– DI A

Proposta d e tex to para criação de imagens Olhava números fórmulas equações teoremas e aquilo era um gozo, um gelado fogoso, uma vigília-dorso por onde eu sozinho podia ir caminhando sem a fala-ruptura dos outros, logicidade e razão e no entanto a possibilidade da surpresa como se desdobrássemos uma peça de seda, triângulos azuis na superfície fresca e derepente o fosco de umas grades, linhas que podemos separar e recompor em triângulos novamente, sim, isto podíamos, mas onde aquele azul, onde?

14 – EXT PONTA DA PRAIA – DIA Imagens da vista NARR ADO R / Gilberto Men des (OFF) fragmento se parado para sugestão de imagens: Compreendera apenas naquele instante. E agora não mais? Lembrava-se perfeitamente de tudo. Fora como sempre até o topo daquela pequena colina. Gostava de estar lá pois ainda se viam uns verdes pardacentos, um lagarto apressado atravessando um atalho, e se voltava as costas para o edifício da Universidade via lavouras de algodão e de café. AMOS NA COLINA OBSERVA. Ali ficava apenas olhando. Esvaziado. Algumas vezes pensava no seu modesto destino. Tivera ilusões? Jovem, desejou uma não evidência demonstrada, uma breve e harmoniosa equação que cintilasse o ainda não explicado. Palavras. Essas eram as teias finíssimas que jamais conseguira arrancar perfeitas inteiriças da massa da terra dura e informe onde jaziam. Não queria efeitos enganosos, nem sonoridades vazias. Criança, nunca soube explicar-se. Um furacão de perguntas quando o passeio tinha sido um nada, até ali mais adiante pra ver o cachorro do sítio vizinho ou o bando de periquitos voltando naquele resto de tarde, fui até ali mais adiante, só isso. Diziam: por que? Pra que? Que cachorro? A esta hora? Ver o que no cachorro, que periquito? Eu respondia: Ali mais adiante porque são bonitos. Ficava todo vermelho repetindo as palavras ali mais adiante porque são bonitos. Depois, furioso, quando lhe perguntavam sobre sentimentos. Como formular as palavras exatas, vária letras unidas, encadeadas, pequenas ou extensas palavras, arrancar de dentro de si mesmo as teias finíssimas, inteiriças que ali repousavam? Estavam ali, sabia, mas como arrancá-las? Tudo se desmancharia. Gostava de ler poetas japoneses. Um deles, Buson tem um poema assim: Olhai a boca de Emma O! Parece que vai cuspir Uma peônia!

Proposta d e tex to para criação de imagens Poesia e matemática. Rompe-se a negra estrutura de pedra e te vês num molhado de luzes, um nítido inesperado. Um nítido inesperado foi o que sentiu e compreendeu no topo daquela pequena colina. Mas não viu formas nem linhas, não viu contornos nem luzes, foi invadido de cores, vida, um fulgor sem clarão, espesso, formoso, um sol-origem sem ser fogo. Foi invadido de significado incomensurável. Podia dizer apenas isso. Invadido de significado incomensurável. E como foi a noite anterior? Sua mulher, a singular. É verão. A pequena abelha Pousa. Falarei sobre Zenão? Extratos Me dou conta que a sala está vazia. Acendo um cigarro. Alguém abre a porta, pede desculpas, fecha-a novamente. Voltome para o quadro-negro. Há ali um recado. Um poema: “esperamos sua volta/ cuide-se/ antes que se feche a porta”. Levanto-me e é como se estivesse um pouco embriagado. As carteiras dispostas em semi-círculo. É, falta a outra metade. Também uma metade de mim sabe que Amós está aqui e que a esta hora deveria estar composto, perfeitamente recortado diante do olhar de todos, de costas, frente ao quadro-negro: tomemos por exemplo, usando tal fórmula encontramos, consideremos, suponhamos, imaginemos agora, segundo nossa regra, esperemos um momento, mas isto é apenas uma impressão etc. Extratos Eu mesmo mostrando os meus papéis a um outro alguém e assim em desespero? Minhas equações. Esperanças: Amós Kéres, matemático, expôs hoje aos meios científicos a sua concepção de um universo unívoco. Físicos e matemáticos cumprimentam-no, logo mais no jornal das onze. Quase atropelo um cachorro. Enfim Isaiah. As calças surradas, o pulôver preto. hilde vem logo atrás. Vários pares de olhos sobre nós. Os vizinhos. Os olhos de hilde sobre mim. Isaiah: entra meu amigo, entra. hilde entra também. Você se lembra dela, não? hilde roça minhas pernas. Igual aos gatos. Digo extraordinária e sempre muito graciosa assim? Oh sempre assim diz Isaiah. Triângulos de acrílico suspensos do teto. Uma grande mesa e muitos papéis preenchidos com tinta roxa. Não te perturbo? Amós há vinte anos que ninguém me perturba, há vinte anos estas roxas esperanças e a única surpresa resolvida foi a chegada de hilde. Um lindo não evidente. Em seguida: o que há com sua cabeça, é torcicolo? vem, te senta, toma vinho, quer? Digo que sim e conto-lhe tudo: a colina, a ponta dos sapatos, as formigas, o pensamentear sobre os sons e aquilo de significado incomensurável Tive uma vez algo parecido. Mas vi formas. Quais? Poliedros. Resplandeciam. E então? Então compreendi que só existem poliedros. Eu mesmo não existia. Até hoje tenho certeza disso. De que? Certeza que não existo. Foi um alívio. Por isso posso viver com hilde. Ela, bem vês, também é um poliedro. Não existimos, compreende? Estamos muito felizes. Beba, Amós. Esperança. Não arranque os frutos verdes. Beba. É importado esse aí. Kadek me deu toda adega, não se lembra? Pobre amigo, almejava parecença. Dizia que o exato era ser pinguço como todos nós aqui onde vivemos. Só cachaça. Lucrei. Mesmo não existindo me deleito. Beba. Amanhã vens buscar o carro. Bebo. No quinto copo tento uns poemas. No décimo termino-os. Então leio em voz alta: GILBERT O C ANTA Um pé de porco e papos De anjo sobre a mesa. Há sobras e rosmaninhos Na calvície emperucada dos velhos. Amós: peagadê de números Mas faminto de letras. Há dobras hiatos molhos Na memória. E sons finos na víscera. Há convivas Taciturnos. Meu pai hirsuto Num canto Abraçado a um passarinho. The little boy: it was God that makes this sally

world, daddy? Yes, benzinho. He was also a Nobel Prize? Yes, benzinho. How ddodered What? How go, daddy. Extratos Meus assépticos papéis. de gelo do Infundado. elegante pijama. Iniciais certamente. Titubeia no encosta a testa no frio.

Que belíssima escultura gráfica. Que limpeza. Podes lamber a página. Fazer o mesmo na superfície Amós vai ao banheiro. O pijama continua verde-clarinho. De onde vejo Amós parece-me um na lapela AK, entrelaçadas. Confuso como monograma. Muitas hastes espetadas. Coisa de Amanda, batente da porta. Tranca-se. Um instante de vertigem e coloca as mãos sobre a parede ladrilhada, Ouve o que Amanda diz à Míriam, aquela que ele nomeou a bunda quente.

Extratos Do outro lado do espelho: Eu sentia muito sono mas trezentos metros e os caras que me acompanhavam pode, o homem vai ser enforcado mas antes qué puxá vou saber que estou dormindo? E dormindo agora, sei precisão dele. Mais um pouco e tu dorme.

de qualquer forma tinha que andar porque a forca estava a uns pareciam ter pressa. Não é possível dar uma dormidinha? Vê se um ronco. Tu vai dormí pra toda eternidade. Eu sei, mas será que que fui eu que escolhi este sono, ou melhor, querem saber, tenho

Extratos As armadilhas. Como se um morto Acreditasse o girassol da vida A crescer sobre o peito. Amós Kéres, 48 anos, matemático, não foi visto em lugar algum. No caramanchão, a cadela olhava os ares, farejando. A mãe encontrou a frase no papel: Deus? uma Superfície de Gelo Ancorada no Riso. E mais abaixo: Amós = ! SGAR = " = Ø

...Amós Kéres.

Extratos retirados de Com Meus Olhos de Cão de Hil da Hilst

GILBER TO ME NDE S C OM SEU S OLH OS DE CÃ O (anotaçõe s fe itas no li vro) Exce rto de im agem 1 (pg 55) Cade la ao long e. Of usc ada. Me mória. Paisage m . Exce rto de im agem 2 (pg 56) Se olha no espelho. Exce rto de im agem 3 (pg 56) Gilberto do outro lado do e spelho c aminha em sol q ue nte . Exce rto de im agem (pg 58) Espe lho, e le e nforc ado. Exce rto de im agem (pg 59) O

vento

bate

em

Gilberto

e

se us

acom panhante s

“daq ui

onde e stou posso ouvi-los pe nsando” Exce rto de im agem (pg 60) Ve ntania bate ndo e m todos. Exce rto de im agem (pg 61) Volta do espelho Exce rto de im agem (pg 61) Piano e Gilberto: Pe nsar o g rande desc onf orto... (pg 61) Exce rto de im agem (pg 62) Gilberto olha o espe lho. Luz forte atra vessa o espelho. Exce rto de im agem (pg 62) Vemos (Casa

do

Gilberto Sol).

Três

c am inhando homens

em

estão

direç ão

sentados

a sob

um a a

fig ue ira

figueira

e

observam Gilberto.

Ele começ ou a correr e cheg ou até a colina mais alta da cidade. Já era noite. Ele de itou-se sobre a te rra, respirou, re spirou e de m anhã e nc o ntraram o corpo e vári os c ães ao re dor. Os c ãe s e stavam comendo o corpo? Não , os c ãe s não e nte ndi am com o era possí ve l q ue um c ão não tivesse pêlos, ne m corpo de c ão. Depois os c ães deitaram em cim a dele e f ic aram até q ue o corpo apodrec esse . (O Unicórnio, H. Hilst, pg . 122).

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