Quantas dimensões (ou gerações) dos direitos humanos existem?

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Quantas dimensões (ou gerações) dos direitos humanos existem?    

Marco Antonio Valencio Torrano Advogado.   Pós­graduando em Direito Constitucional e Direito Administrativo (Escola Paulista  de Direito).   [email protected] 

                       

Palavras­chave:  Direitos  humanos;  Teoria  Geracional  (Karel  Vasak,  1979);  Criacionismo geracional brasileiro.   

Sumário:  ​ 1.  A teoria  geracional  de  Karel Vasak (1979) –  ​ 2.  O começo  da  criação:  quarta,  quinta,  sexta,  sétima  e  oitava.  E  a  nona?  –  ​ 3.  O  fim  do  criacionismo  geracional? – ​ 4.​  Notas – ​ 5.​  Referências Bibliográficas.    1. A TEORIA GERACIONAL DE KAREL VASAK (1979)    A  teoria  das  gerações  foi  desenvolvida  por  Karel  VASAK  por  meio  de  um  texto  publicado  em  1977  e  uma  palestra  em  1979.  Por  breve  curiosidade,  tal  palestra  foi  fruto  de  uma  Conferência  no  Instituto  Internacional  de  Direitos  Humanos  de  Estrasburgo  (França),  intitulada  como:  “Pelos  Direitos  Humanos  da  Terceira Geração: os direitos de solidariedade”.    Em  breve  síntese,  a  teoria  das gerações  é uma relação  entre direitos e  o lema  da  revolução  francesa:  ​ liberté​ ,  ​ egalité  et  ​ fraternité  (liberdade,  igualdade  e  fraternidade). É o que vemos por este fluxograma:   

   

A  ​ primeira  geração  seria  os  direitos  de  liberdade,  individuais,  civis  e  políticos.  Ou  seja,  um  direito  vocacionado  às  prestações  negativas,  abstendo­se  o  Estado  (dever de proteger a  esfera  de  autonomia  do indivíduo). É possível também  um  papel  ativo  desses mesmos  direitos, como  lembra  André de Carvalho RAMOS,  "pois  há  de  se  exigir  ações  do  estado  para  garantia  da  segurança  pública,  administração da justiça, entre outras".    Por conseguinte, a ​ segunda geração consiste nos direitos voltados à igualdade  (econômicos,  sociais  e  culturais  ­  próprios  de um vigoroso  papel ativo  do Estado).  Nestes,  podemos  identificar  duas  espécies,  com  base  na  doutrina  de  André  de  Carvalho  RAMOS,  assim:  (i)  direitos  sociais  essencialmente  prestacionais,  bem  conhecidos  por  todos  (ex.:  pedido  de  medicamentos  a  favor  de  um  necessitado),  e  (ii)  os  direitos  sociais  de  abstenção  (ou  de  defesa), com  os  quais  o  Estado  deve  se  abster  de  interferir de modo indevido  (ex.: liberdade  de  associação  sindical; direito  de greve...).      E,  para  ficar  claro,  a  ​ terceira  geração  trata  dos  direitos  de  titularidade  da  comunidade  (direitos  de  solidariedade/fraternidade).  Exemplo  singelo  é  o  meio  ambiente,  na  famosa  indagação  de Mauro CAPPELLETTI:  "A  quem pertence o ar  que respiro?"1.    2. O  COMEÇO DA CRIAÇÃO: ​ QUARTA,  QUINTA,  SEXTA, SÉTIMA E  OITAVA. E A NONA​ ?   

 CAPPELLETTI, Mauro. “Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil”. ​ Revista de  Processo​ , ano II, n. 5, jan./mar. 1977, p. 135. ​ In:​  FENSTERSEIFER, Tiago. ​ Defensoria pública, direitos  fundamentais e ação civil pública: ​ a tutela coletiva dos direitos fundamentais (liberais, sociais e ecológicos) dos  indivíduos e grupos sociais necessitados. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 48​ .    1

Superada  as  considerações  iniciais  a  respeito  da  teoria  geracional,  cabe  apontar  que  alguns  doutrinadores  começam  a  inovar,  teoricamente,  na  ordem  jurídica  a  respeito  da  teoria  geracional,  criando  abruptamente  mais  e  mais  "gerações"  (ou  melhor:  espécies  de  direitos),  sem  que,  pelo  menos,  existisse  um  novo  gênero  geracional  capaz  de  abarcar  esses  "novos"  direitos  geracionais,  os  quais, na verdade, continuam sendo espécies das três gerações de Karel VASAK.     A  começar  com  a  ​ quarta  geração  (concebida  no  século  XX),  resultado  da  globalização  dos  direitos  humanos  (o  universalismo),  cuja  qual  fora  criada  por  Paulo  BONAVIDES.  Para  o  teórico,  alguns  motivos evidenciam a  exigência  de  se  criar  uma quarta  geração, como, por exemplo: o direito de participação democrática  (democracia  direta),  o  direito  ao  pluralismo  e  o  direito  à  informação.  Norberto  BOBBIO,  na  obra  ​ A  Era  dos  Direitos​ ,  por  exemplo,  aponta  o  direito  à  bioética  e  aos  limites  da  manipulação  genética,  protegendo  o  direito  à  integridade  do  patrimônio  genético  perante  as  ameaças  do  avanço  da  biotecnologia.  Ou  seja,  fundados  na  defesa da dignidade da pessoa humana contra intervenções abusivas de  particulares  ou  do  Estado.  Assim,  parte  da  doutrina  entende  que  os  direitos  da  quarta  geração  estão  focados  nos  ​ direitos  das  minorias​ ,  ​ direitos  vinculados  à  biotecnologia​  e ​ direitos intergeracionais2, ​ especialmente a vida saudável.     Nessa  linha,  não  é  descomedido  sustentar  que  seriam  ­  todos  esses  exemplos  da  "quarta  geração"  ­  inclusos  e provenientes da terceira geração,  eis que qualquer  instituto  voltado  à  sociedade  deve  prestar  sua  função  para  com  a  solidariedade/fraternidade,  numa  perspectiva,  de certa  maneira,  de "função  social",  estando  eles,  portanto,  inseridos  na  terceira  geração,  e  não  como  motivo  inusitado/novo para a criação de uma extraordinária quarta geração.    Para  tanto,  se  um  instituto  não  se  classifica  como  de  primeira  nem  como  de  segunda  geração,  olha­se  para  ele  com  um  viés  social/fraternal,  em  prol  da  sociedade  (digo:  em  um  viés coletivo), porque são direitos de ordem pública, a toda  2

 ​ Exemplo  de  direitos  intergeracionais  previsto  na  Constituição  de  1988  é  o  art. 225, ​ caput​ : “Todos têm direito 

ao  meio  ambiente  ecologicamente  equilibrado,  bem  de  uso  comum  do  povo  e  essencial  à  sadia  qualidade  de  vida,  impondo­se  ao  Poder  Público  e   à  coletividade  o  dever  de  defendê­lo  e  preservá­lo  para  as  presentes  e  futuras gerações”.  Pode­se interpretar o dispositivo à luz de uma relação  obrigacional, de modo que as presentes  gerações  são  “credoras”  e  “devedoras”  ao  mesmo  tempo,  porque  cobram  proteção  (ex.:   ações  coletivas)  e  tutelam  (ex.:  ações  sociais  de  reflorestamento;  respeito;  educação  em  direitos;  conscientização  da  importância  do  meio  ambiente);  ao   passo  que,  as  futuras  gerações  (a  existir)  são  consideradas  “credoras”  das  presentes  gerações,  a  fim  de  conscientizar  as  presentes  gerações  a  manter  o  meio  ambiente  ecologicamente  equilibrado  para elas (futuras gerações).  

coletividade  importa,  da  qual  ninguém  pode  se  titularizar  como  único  possuidor/proprietário/detentor,  quiçá  hipótese  de  domínio.  Não  por  outro  motivo,  esse fundamento corresponde à terceira geração (fraternidade).     Por  conseguinte,  Paulo  BONAVIDES  ainda  insiste  numa  ​ quinta  geração​ ,  composta pelo  direito  à paz  em  toda  a  humanidade (classificada por Karel VASAK  como  sendo  de  terceira  geração,  salienta  Paulo  BONAVIDES,  em  seu  Curso  de  direito constitucional).     Sem  aprofundamentos,  percebe­se,  a  bem  dizer, o atrelamento  intrínseco  que  há  entre  o  direito  à  paz  e  a  terceira  geração.  O  mais  curioso  é  que  Paulo  BONAVIDES, o  próprio  criador da quinta geração, confessa o seu recrudescimento  à  criação,  mormente quando diz que a quinta pertence ao gênero da terceira geração  (lembrando  Karel  VASAK).  Mais  uma  vez  tenho  dúvidas  da  viabilidade/usabilidade  de  se  singularizar  a espécie de seu  gênero, como se gênero  fosse.    Continuando,  a  ​ sexta  geração  os  teóricos  a  colocam  como  direitos  relacionados à  bioética.  Mas cabe salientar  que Paulo  BONAVIDES já  à inseria no  campo  da  quarta  geração  de  direitos,  defendendo  a  participação  democrática,  o  direito  ao  pluralismo,  bioética,  limites  à  manipulação  genética,  como  tratado  alhures;  isto  é,  tudo  fundado  na  defesa  da  dignidade  da  pessoa  humana  contra  intervenções  abusivas  de  particulares  ou  do  Estado  (explica:  André  de  Carvalho  RAMOS).    Adentram à temática da sexta geração, ainda, os defensores da água potável. E  por  mais que seja considerada como pertencente  à terceira geração/dimensão, esses  respeitosos  teóricos,  não  satisfeitos  por  considerá­la  de  terceira  dimensão,  acrescentam­na  como  espécie  de  direito  capaz  de  gerar  a  sexta  geração/dimensão,  sob  o  fundamento  de  que  o  direito  à  água  potável  está  destacado  e  alçado  a  um  plano  justificador  de  nascimento  como  nova  dimensão  de  direitos  (mais  sobre:  Zulmar FACHIN; Deise Marcelino SILVA).     É  inevitável  a  caracterização  do  direito  à  água  potável,  doravante  por  ser  considerada  como  essencial  à  vida;  contudo,  isso  já  se  sabe  e  está  protegido,  com  base na terceira geração/dimensão.   

Quer­se  dizer  com  isso:  qual  a  finalidade  de  se  criar  uma  nova  dimensão/geração  para  um  direito  que  já  pode  ser  incluído  em  uma  das  gerações/dimensões?  Mais  vale  a  sua  constatação  como  um  direito  do  que  classificá­lo como uma "nova geração de direitos".     Seria até mesmo  um excesso de  minúcia ­ ou  mesmo impossível  de  se pensar  em  um  rol  exaustivo  de  direitos  fundamentais  e/ou  humanos  ­  toda  e  qualquer  norma  jurídica  elencar  "as  gerações/dimensões  dos  direitos  humanos  e  suas  espécies",  ante patente  premissa  doutrinária existente  de abertura  do rol  de direitos  humanos  no  âmbito  internacional,  marcada  e  presente  no  Brasil  pelo  princípio  da  não exaustividade (art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988), até mesmo porque:   

“Uma  sociedade  pautada  na  defesa  de  direitos  (sociedade  inclusiva)  tem  várias  consequências.  A  primeira  é  o  reconhecimento  de  que  o  primeiro  direito de  todo indivíduo é  o direito a ter direitos. Arendt e, no Brasil, Lafer  sustentam que o primeiro direito humano, do qual derivam todos os demais,  3 é o direito a ter direitos.”    

Visualiza­se  mais  uma  vez  a  preocupação  com  o  excesso  de  minúcias.  Deveras  próprio  de  um  país  vocacionado  aos  princípios  da  civil  law  (tradição  jurídica  oriunda  do  sistema  romano­germânico),  burocrático  e  diretrizado  em  especificações  legislativas  altas  (próprio  de  um  Estado liberal),  de modo  que,  para  esta  ideologia  neoliberal,  entende­se,  o  que  não  está  na  lei  não  é  passivo  de  cumprimento.    Porém,  esquecem­se  que  de  ​ civil  law  o  Brasil,  hoje,  pouco  tem  a  oferecer.  Não  por  outro  motivo,  fala­se  de  uma  tradição  jurídica  ​ brazilian  law​ ,  constatando­se  ser  a  tradição  jurídica  brasileira  singular  e  bem  peculiar  do  que  as  demais pertencentes a outros países estrangeiros.     Caminhemos.    A  ​ sétima  geração  de  direitos  humanos  seria  o  direito  à  impunidade  do  investigado/indiciado/réu/apenado,  como  se  possível  fosse  livrar­se  de  eventual  persecução penal (ou de eventual sentença condenatória).    

3

 ​ RAMOS, André de Carvalho. ​ Curso de direitos humanos.​  São Paulo: Saraiva. 2014, parte I, cap. I, item 2.  

Por  outra  via,  importante  ressaltar  o  seguinte:  não  defendemos  o  chamado  “populismo  punitivo  da  sociedade”,  porque  alguns  teóricos  tendem  a  extremar  a  finalidade/função  dos  direitos  humanos,  sendo  que,  a  nosso  sentir,  a  mais  alta  finalidade  da  matéria  de  direitos  humanos,  é  encontrar o  equilíbrio  entre  direitos e  sanções  num  Estado  Democrático  de  Direito  (ou  seja:  longe  de  um  “populismo  punitivo da sociedade”):     “(...)  a  Dra.  Leila  Torraca  mostra  como  hoje  o  discurso  dos  direitos  humanos  está  a  favor  do  populismo  punitivo  da  sociedade.  Quando  a  Convenção  dos  Direitos  Humanos  em  48  surgiu,  no  mundo,  foi depois das  Duas  Guerras,  do  que  os  Estados  perpetraram  sobre  suas  populações,  os  abusos  terríveis,  o  nazismo;  então  vem  a  Convenção  sobre  os  Direitos  Humanos  fazer  uma  defesa  de  todos  contra  os estados autoritários, contra  formas  de  tortura  e  tudo  isso.  Hoje,  isso  deslizou; hoje direitos humanos  é  mais  a questão de grupos, de  direitos  individuais, direitos de gays, lésbicas  e  transexuais  de um lado, é o do movimento negro, é a alienação parental, é  a  criança  abusada,  é  um  detalhe  dos  direitos  da  criança,  é  o  bullying;  enfim,  tudo  tendendo  sempre  a  criar  legislações  criminalizantes,  é  um  debate profundo esse.”4 

  Voltando.     5 Confesso  que  fiquei  intrigado  para  saber  os  pormenores  desta  corrente ​ .  Defende  ela  que  (i)  a  lentidão  do  Judiciário  e  (ii)  as  penas  brandas  são  causas  justificadoras para uma geração de direitos. É a geração do direito à impunidade.     O  mais  preocupante  é  que  a  corrente  da  sétima  geração,  que  sustenta  esse  posicionamento,  e  ao  que  nos  parece,  posiciona­se  a  favor  de  um  “pseudogarantismo”  (digo  “pseudogarantismo”  porque:  quem  defende/requer  direito  à  impunidade,  não  requer/defende  garantias  para  se  defender  de  uma  acusação;  mas,  sim,  requer  permissão  para  legitimar  atos  ilícitos  —  é óbvio  que o  direito à  impunidade não encontra realidade em um Estado Democrático de Direito,  o  qual  assegura  a  convivência  harmônica  de  vários  direitos  entre  várias  pessoas  humanas).     VAY, Giancarlo Silkunas. ​ O discurso de Elisabete Borgianni sobre depoimento de criança no Judiciário.  Justificando. Disponível em: http://goo.gl/tCiuRb. Acesso em: 9 fev. 2016.   5  ​ Alguns  chegam  a  criar até a Oitava Geração (Dimensão), que seria o respeito à Segurança Pública: PEREIRA,  Jeferson  Botelho.  ​ As  dimensões  do  Direito  e  a  Segurança  Pública.  Jus  Navigandi,  Teresina,  ano  19,  n.  3949,  [24] abr. [2014]. Disponível em: . Acesso em: 11 set. 2014.  4

Percebe­se,  enfim,  que a  sétima geração  se contradiz  à própria  sistemática da  matéria  de  Direitos  Humanos,  a  qual  não  se  compatibiliza  com  um  tendencioso  direito à impunidade, e sim o impede (RAMOS, 2014, p. 324 e 327):   

“O preâmbulo do  Estatuto de Roma realça  o vínculo entre o direito penal e  a  proteção  de  direitos  humanos  por  meio  do  combate  à  impunidade  e,  consequentemente,  evitando novas violações.  No preâmbulo, estabeleceu­se  que  é  dever  de  cada  Estado  exercer  a respectiva  jurisdição penal  sobre os  responsáveis  por  crimes  internacionais,  pois  crimes  de  tal  gravidade  constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem­estar da humanidade.  (...).  O  art.  20,  §  3º,  do  Estatuto  chega  ao  ponto  de  esclarecer  que  o  TPI  não  julgará  de  novo  o  criminoso,  salvo  se  o  processo  criminal  nacional  tiver  sido feito para obtenção da impunidade.”   

É  notável  como  a  seara  internacional  combate  vigorosamente  o  direito  à  impunidade;  ao  passo  que,  por  sua  vez,  se  defende  o  direito  à  verdade, o direito  à  justiça  das  vítimas.  Exemplos,  no  âmbito  internacional,  contra  a  impunidade:  Tribunal  de  Nuremberg,  Tribunal  Militar  Internacional  de  Tóquio,  Tribunal para  a  ex­Iuguslávia e Tribunal de Ruanda.     Por  curiosidade,  há  pontos  negativos  e  positivos  sobre  os  tribunais penais  intenacionais.  Pontos  positivos:  a.  diminuir  a  impunidade  dos  crimes  internacionais;  b.  trouxeram  o  indivíduo  para  o  centro  do  Direito  internacional.  Pontos  negativos:  a.  são  tribunais  “ad  hoc”  e  criados  “ex  post  facto”;  b.  foram  criados  por  vencedores  para  julgar  os  vencidos  nas  guerras.   

  O  caso  de  maior  repercussão,  ainda  hoje,  é  no  tocante  à  Lei  de  Anistia,  porquanto não haver convencionalidade entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte  Interamericana  de  Direitos  Humanos.  O  Supremo  entende  a  Lei  de  Anistia  como  sendo  constitucional  (fundamentação  com  base  no  ordenamento  jurídico  interno);  já, para  a Corte, consagra­se a Lei de Anistia inválida, porquanto violadora dos arts.  8º  e  25  da  Convenção  Americana  de  Direitos  Humanos  (com  fulcro  no  sistema  regional  de  direitos  internacionais).  Mais  sobre  o  posicionamento  da  Corte  (RAMOS, 2014, p. 312, 313 e 315):   

“Caso  Barrios  Altos  vs.  Peru  (sentença  de  14­3­2001).  Este  caso  faz  referência  a  um  massacre  ocorrido em  Lima,  inserido  nas  práticas estatais  de  extermínio  conduzido  pelo  Exército  peruano  de  Fujimori.  As  leis  de  anistia  que  impediram  a  responsabilização criminal dos indivíduos ligados 

ao  massacre  foram  consideradas  pela  CtIDH  incompatíveis  com  as  garantias  outorgadas  pelos  arts.  8º  e  25  da  CADH.  Este  caso  é  paradigmático  por  estabelecer  a  invalidade  das  leis  de  anistia  de medidas  que  impliquem  a  impunidade de agentes responsáveis por graves violações  de  Direitos  Humanos  (ver  também  sobre  esse  tema  os  comentários  aos  casos Almonacid – Chile e Gomes Lund­Brasil).   (...).  • Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile (sentença de 26­9­2006)  A  Corte decidiu pela incompatibilidade entre uma lei de anistia e o Pacto de  San José da Costa  Rica, condenando  o Chile pela  ausência de investigação  e  persecução  criminal  dos  responsáveis  pela  execução  extrajudicial  do  Sr.  Almonacid Arellano, durante a ditadura de Pinochet. Diferentemente do que  ocorrera  no  Peru  (Barrios  Alto,  conforme  estudado  acima),  contudo,  no  Chile  já  tinha  sido  estabelecida  uma  Comissão  da  Verdade  e  outorgada  reparação  material  e  simbólica,  dos  quais  os  familiares  de  Sr.  Almonacid  Arellano  se beneficiaram. Mesmo assim, a Corte determinou o cumprimento  da  obrigação  de  investigação,  persecução  e  punição  criminal  e  dos  violadores  bárbaros  de direitos humanos, não sendo  aceitável anistia  a um  grave  crime  contra  a  humanidade.  O  Chile  foi  condenado  então,  pela  violação  do direito à justiça das vítimas, graças a uma interpretação ampla  dos arts. 8º e 25, em relação aos arts. 1.1 e 2º da Convenção.”   

Podemos  verificar,  finalmente,  que  a  intenção  dos  defensores  da  sétima  geração  tenha  sido  mais  a  de  alertar  o  leitor  sobre  o  fenômeno  da  impunidade,  presente  no  nosso  sistema  penal  e  processual  brasileiro,  do  que  propriamente  levar­nos a alçar a problemática (impunidade) a um gênero de direito.     E, agora, a ​ oitava geração​ : o direito à segurança pública.    A  oitava geração,  como as outras, é nada mais que uma nova espécie (sem um  porquê  de  existir única e  exclusivamente  isolada). Longe  está, a segurança pública,  de  não pertencer  à teoria geracional de Karel VASAK, seja na primeira, segunda ou  terceira.  Não é  incomum.  Até mesmo porque,  determinado direito, por  vezes, pode  estar  sujeito  a  mais  de  uma categoria jurídica,  tudo  a depender da  finalidade  a que  se quer dar aquele direito (objeto da interpretação/categorização).      Sucede  que  esses  dois  pontos.  Um:  o  criacionismo  geracional  ​ brazilian​ .  Outro: a teoria geracional. Ambos sofrem críticas.    

Resumindo­os  (RAMOS,  2014, p. 70): a)  substitui uma  geração por  outra; b)  a  enumeração  de  gerações  gera  a  ideia  de  antiguidade  ou posteridade  dos direitos;  c)  os direitos são apresentados  de  forma  fragmentada,  ofendendo  a indivisibilidade  dos  direitos  humanos;  d)  dificulta  as  novas  interpretações  sobre  o  conteúdo  dos  direitos.    A  título  de  curiosidade  e  pondo  um  ponto  final  a  este  segundo  subtema  do  presente  artigo,  no  campo  jurídico­jurisprudencial  brasileiro,  o  Supremo  Tribunal  Federal  vem  adotando,  pelo  menos  é  o  que  aparenta,  com  base na decisão infra,  a  corrente  geracional  "clássica"  de  Karel  VASAK  (primeira,  segunda  e  terceira  gerações/dimensões):   

“os  direitos  de  primeira  geração  (direitos  civis  e  políticos)  –  que  compreendem  as  liberdades  clássicas,  negativas  ou  formais  –  realçam  o  princípio  da  liberdade  e  os  direitos  de  segunda  geração  (direitos  econômicos,  sociais  e  culturais)  –  que  se  identifica  com  as  liberdades  positivas,  reais  ou  concretas  –  acentuam  o  princípio  da  igualdade,  os  direitos  de  terceira  geração,  que  materializam  poderes  de  titularidade  coletiva atribuídos genericamente a todas  as formações sociais, consagram  o  princípio  da  solidariedade  e  constituem  um  momento  importante  no  processo  de  desenvolvimento,  expansão  e  reconhecimento  dos  direitos  humanos,  caracterizados,  enquanto  valores  fundamentais  indisponíveis,  6 pela nota de uma essencial inexauribilidade.”    

Certamente,  o  Supremo  Tribunal  Federal  acerta  ao  pontuar  em  apenas  três  dimensões/gerações, evitando­se, com isso, o exagero das novas gerações.    Note­se,  em  poucas  palavras,  o  sentido  a  que se quer chegar:  para  ser direito  não  precisa  ser  geração.  Um  direito  conhecido  como  tal  depende  por  base  de  sua  importância social (digo: da paulatina construção  sociológica). Pergunta­se. Qual  o  motivo  de  existir  uma  lei,  sem  que  haja  a  efetiva  concretização  dela  dentro  do  corpo/sistema  social?  Por  deveras,  a  lei  seria  inócua  com  base  nessas  razões.  O  mesmo  podemos  concluir  a  respeito  das novas gerações  (invenção  inapropriada  de  categorias jurídicas sem qualquer razão social).     

Por fim, é  importante  sublinhar: eventual  direito essencial à  vida humana não  decorre  do  brilhantismo  ocasional  do  pensador  (fundamental  para  a  compreensão  social),  mas dos  fatos humanos a  que a  história  humana dia­a­dia concretiza dentro  6

 ​ STF, MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30­10­1995. 

das  relações  sociais,  seja  Estado­Estado,  seja  Estado­particular,  seja  particular­particular.     O  Direito  depende  da  sociedade,  como  a  sociedade  depende  do  Direito.  O  criacionismo  geracional  equivoca­se,  a  nosso  sentir,  ao  depositar  sua  confiança  dogmática  na  seguinte  premissa:  o  Direito  depende  do  Direito,  como  o  Direito  depende  do  Direito;  porquanto,  pautado  em  mera  perspectiva  jurídico­teórica  isolada (e não jurídico­social ampla).   

3.  

CONCLUSÃO: O FIM DO CRIACIONISMO GERACIONAL? 

No  Brasil,  a  nossa  doutrina  é  baseada  em  minuciosos  estudos,  que,  por  sua  vez, refletem sobre a legislação nacional (esta: reservada a detalhes mínimos).     Outro ponto  importante é  a dificuldade e  a burocratização  de se aplicar novos  direitos.  É  só  olhar  a nossa  Constituição de 1988 e seus inúmeros artigos e incisos ­  tudo tem que estar na lei.    Em  que  pese  isso  tudo,  obviamente  que  temos  um  aspecto  jurídico­histórico  particular  que,  atualmente,  está  se  modificando  com  a  entrada  de  institutos  internacionais,  traçados  pelo  sistema  jurídico  da  ​ common  law​ ,  redundando  na  mistura  entre  essas  duas  tradições  jurídicas,  o  que  torna  o  Brasil  com  a  singularidade de "tradição jurídica ​ brazilian law​ " (já mencionado acima).    Contudo, é  sabido que a  praxe burocrática  dentro dos Poderes ainda continua.  Isso  não  pode nos  deixar afetar  (de  que  tudo  tem  que estar  na  lei, na Constituição),  digo: querer  levar essa burocratização e minuciosidade para com a teoria geracional  vasakiana (simples, abrangente e precisa) é baratear a sua importância dogmática.     Quer­se dizer:  não há espaço para se aplicar uma possível ​ brazilian civil law à  teoria  geracional  vasakiana  (ou  seja:  particularizar  direitos  em  gerações),  sem  se  preocupar  de antemão com (i) a nossa atual tradição jurídica (​ brazilian law​ ) e (ii) as  conquistas sociais da História.     O  fato é  que esse  fenômeno da criação  de  gerações não é exclusivo do Brasil.  O  doutrinador estrangeiro Fernando  FALCÓN Y TELLA, em seu livro: ​ Challenges 

for  human  rights.  Leiden;  Boston:  Martinus  Nijhoff  Publishers​ ,  critica  o  “criacionismo geracional” (= tornar espécies de direitos em gerações).    De toda sorte, e com base no todo escrito, pergunta­se:   

E,  então,  qual  seria  a  "nova"  geração  de  direitos  humanos  (ou  melhor:  7 8​ dimensão ​   )?   

Porém,  antes  de  responder  este  questionamento,  peço­lhe  a  gentileza  para  questionar o seguinte:    

Quantas  Revoluções  Francesas  o  Brasil  sofrera  para se poder criar  tantas  gerações?   

  4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS    DIDIER  JR.,  Fredie.  ​ Curso  de  direito  processual  civil:  introdução  ao  direito  processual civil e processo de conhecimento. Salvador: Jus Podivm. 2013.    FACHIN, Zulmar;  SILVA, Deise Marcelino. ​ Direito fundamental de acesso à água  potável:  uma  proposta  de  constitucionalização.  Disponível  em  http://www.lfg.com.br. 1º junho de 2010. Acesso em 10.3.2012.    LAFER,  Celso.  ​ A  reconstrução  dos  direitos  humanos:  um  diálogo  com  o  pensamento  de  Hannah  Arendt.  São  Paulo:  Cia.  das  Letras,  1988  (apud  RAMOS,  André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva. 2014).    

7

 ​ Criticam os teóricos a teoria vasakiana pelo termo empregado geração. Sucede que, no curso de pós­graduação 

lato  sensu  de  Direito  Constitucional  e  de   Direito  Administrativo,  da  Escola  Paulista  de  Direito,  o  Prof.  Luiz  Eduardo  de  ALMEIDA,  explicando  as  gerações  de  direitos,  salientou  o  fato  de  que  Karel  VASAK  nunca  quis  limitar  a  abrangência  das  gerações.  Prova  disto  é  o  seu  livro  publicado   em  1978 (um ano antes da Conferência  no  Instituto  Internacional  de  Direitos  Humanos  de  Estrasburgo),  o  qual  continha  a  terminologia  dimensão.  A  bem  dizer:  achar  que  o  teórico  Karel VASAK não tinha conhecimento de que não se podia isolar as gerações é,  no  mínimo,  reducionismo  teórico­intelectual  para  com  o  emérito  autor,  doravante  merecedor  de  melhores  presunções dogmáticas.  8   Para  evitar  tais  riscos,  há   aqueles que defendem, como Paulo BONAVIDES, o uso do termo “dimensões”, em  vez  de gerações. Teríamos, então, três, quatro ou cinco dimensões  de direitos humanos... Apesar da mudança de  terminologia,  André  de  Carvalho  RAMOS  entende  que  ainda  restaria  a  crítica  da  ofensa  à  indivisibilidade dos  direitos  humanos  e  aos  novos  conteúdos  dos direitos  protegidos, que inviabilizam também a teoria dimensional  dos direitos humanos. 

RAMOS,  André  de  Carvalho.  ​ Curso  de  Direitos  Humanos.  São  Paulo:  Saraiva.  2014.     

INFORMAÇÕES SOBRE O TEXTO    ➢ Atualização  do  subtema  (21 mar.  2015,  17:46): sétima  geração de direitos.  Para  isto  ter  ocorrido,  agradeço  publicamente  o  defensor  público,  Sidnei  Francisco  NEVES  ­  amigo  e  ex­supervisor  de  estágio,  de  quando  graduando.  ➢ Atualização  (30  jun.  2015,  09:39):  fiz  algumas  alterações  no  corpo  gramatical  para que  o  texto alcançasse maior objetividade, juntamente com  o parágrafo destinado à quarta geração/dimensão.   ➢ Atualização (14 dez. 2015, 16:02): itens 1 e 2 — revistos e ampliados.  ➢ Atualização (9 fev. 2016, 21:05): o tema sobre a sétima geração.   

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