Que futuro para a Ucrânia? O Acordo de Minsk 2 e o \"cessar fogo\" (entrevista a Armando Marques Guedes, em O Diabo, conduzida por Duarte Branquinho, pp. 8-9)

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O regresso da opinião de Soares Martínez

Semanário Político Independente

12-13

sai às terças-feiras

D. MAria I e D. João VI A loucura da rainha e a astúcia do príncipe

Págs.

17 de Fevereiro de 2015 • Ano XXXIX • Nº 1990 • Preço 2,00 € (IVA incluído) • Fundadora: Vera Lagoa • Director: Duarte Branquinho

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é assim que ele queria governar?

Costa sai Caro A conta da água em Lisboa chega a aumentar para o dobro A utomobilistas mais pobres discriminados na capital E nquanto nos vai ao bolso, faz campanha com inaugurações e quer mudar o nome do Aeroporto

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GASTADORES

GUerra: Que futuro para a Ucrânia?

4-5 Págs.

8-9

Um olho no burro, outro no banqueiro

Págs.

6 Página

PPP: a pesada herança da governação socialista

ESCâNDALO SWISSLEAKS

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• O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015

Análise

“O recanto semanal do pensamento político”

PEDRO SOARES MARTÍNEZ

DR

Platão e Aristóteles. Pormenor de "A escola de Atenas", de Rafael

Platão

Sendo discípulo de Sócrates, cujos ensinamentos orais tornou conhecidos, Platão viveu na Grécia, entre os anos de 427 e 347 a.C., tendo escrito, entre outras obras, duas extensas e muito citadas – “A República” e “As Leis”. Porque, para Platão, o amor visaria despertar no ser amado a nostalgia da beleza eterna perdida, tem-se entendido por “amor platónico” o que se mostra alheado da luxúria ; mas essa ideia, bastante generalizada, não parece harmonizar-se com quanto se sabe, ou se supõe, acerca da vida do referido pensador, para o qual, possivelmente, a própria sensualidade poderia contribuir para a nostalgia da beleza eterna. Também a Platão se atribui o dito “comunismo platónico”,uma visão socializante, mas aristocrática, porquanto, segundo ele, em termos de conselho de perfeição, os melhores, os guardas da cidade – soldados e magistrados – não deveriam possuir, fosse o que fosse, como próprio. Nem património nem família, para melhor cumprirem a missão de defesa da cidade que lhes fora confiada. Também, conforme a quase totalidade dos

grandes pensadores, de todos os tempos e de todas as latitudes, Platão receava e condenava as manifestações artísticas que, no seu alongamento da natureza, dessa mesma natureza e da sua harmonia se apartassem, através de deformações grotescas, que pudessem exercer más influências no carácter dos jovens, Porque os padrões valorativos não são cindíveis, pelo que a desordem estética acaba por acarretar a desordem moral e a injustiça. Nesse, como noutros pontos, os juízos platónicos, porque intemporais, mantêm extrema actualidade. Da obra extensa de Platão alguns textos se seleccionaram seguidamente. “Numa cidade bem governada só exercerão o comando os que sejam ricos. Não de ouro, mas dessa riqueza de que o homem precisa para ser feliz, ou seja uma vida virtuosa e sábia. Se, pelo contrário, mendicantes, gente sequiosa de bens materiais, ascenderem aos negócios públicos, persuadidos de que aí satisfarão os seus interesses particulares, a cidade não será bem governada, porque se lutará para alcançar o poder, e essa guerra interna perderá , não

apenas os que a travam, mas toda a cidade no seu conjunto. É preciso que os ambiciosos do poder a ele não ascendam, para evitar lutas entre pretendentes rivais. A guarda da cidade deverá caber apenas àqueles que se mostrem melhor esclarecidos quanto aos meios de governar e que, dispondo de outras dignidades e de uma condição superior à do homem comum, teriam mesmo de ser obrigados a aceitar as funções de governo, mesmo que não fossem por eles desejadas” (A República, L. VII) “O bom juiz não deve ser novo, mas velho” (A República, L. III). “As qualidades requeridas para bem julgar são a experiência, a prudência e a inteligência” (A República, L. IX). “Nenhum guarda da lei exercerá o seu ministério por mais de vinte anos, nem acederá ao mesmo antes de ter atingido cinquenta anos de idade” (As Leis, L. VI). “A fealdade, a arritmia, a quebra de harmonia, são companheiras inseparáveis da má linguagem e do mau carácter, enquanto que as qualidades opostas correspondem ao carácter prudente e bom. Mas será apenas em relação aos

A partir desta edição, o Prof. Soares Martínez regressa a uma colaboração semanal regular com O DIABO.

poetas que cumpre vigiá-los e obrigá-los a não introduzirem nas suas criações senão a imagem do bom carácter? Não deverão também vigiar-se os outros artistas e impedi-los de introduzirem o vício, a incontinência, a indignidade e a fealdade na representação dos seres vivos, quer se trate da arquitectura ou de qualquer outra arte ? E, se eles não se conformarem com estas regras, não deverão ser proibidos de trabalhar na nossa cidade, por receio de que os nossos guardas, educados no meio das imagens do vício…acabem por acumular grandes males nas suas almas? Não será preciso procurar e atrair artistas bem dotados, que sigam, segundo o traçado da natureza, o que é belo e gracioso, a fim de que os nossos jovens, como habitantes de um país são, aproveitem de tudo quanto os rodeia, seja de que lado chegue aos seus olhos e aos seus ouvidos uma emanação das obras belas, tal como uma brisa saudável das regiões salubres, que os disponha, insensivelmente, desde a infância, a imitar a beleza da razão e a pôr o seu espírito de harmonia com ela?”. (A República, L. III). ■

O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015 •

Líder socialista borra a pintura em Lisboa

Costa anda um bocadinho desorientado, não anda? Embora a meio gás, António Costa continua a presidir aos destinos da Câmara Municipal de Lisboa. As últimas semanas de gestão autárquica são uma boa amostra do desastre que nos cairia em cima se ele algum dia chegasse a governar Portugal. a apregoar o que lhe corre bem, não dá a mesma publicidade à política impopular de aumentos?

Mãos largas

DR

Em apenas duas semanas, o líder do PS e (ainda) presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, desbaratou os últimos resquícios de simpatia que ainda pudesse despertar na alma mais cândida e paciente. Os actos públicos de Costa, nos últimos tempos, são a síntese da desorientação que parece ter tomado conta da cúpula socialista. Para que lado se há-de voltar? Que problema atacar com prioridade? Como captar o apoio de A sem perder o de B? Como agradar a gregos e a troianos no caso do Syriza – com os syrizinhas nacionais à sua volta e o eleitorado burguês à sua frente, medindo-lhe as palavras? Como parecer “politicamente correcto”? Como aparecer (ainda) mais na televisão? Como aparecer (ainda) mais, seja onde for? Não é difícil imaginar como roda a cabeça de António Costa neste momento crucial da sua aposta política. E o momento não lhe vai de feição: os seus camaradas socialistas começam a querer resultados e não apenas palavras, “carisma” em vez de mensagem empastelada; partidos congéneres são varridos do mapa noutros países da Europa; o Governo tem por fim estatísticas económicas e financeiras a seu favor e volta a tomar a iniciativa na marcação da agenda política nacional. Diga-se que o zigue-zague de António Costa face à questão grega e ao Syriza será a menor das suas dores de cabeça – tanto que já se mostrou mestre na arte de empatar o remate, fintando à direita e à esquerda sem jamais se decidir. De resto, neste caso, a posição do PS poderá ser gerida gota a gota, à medida que as negociações gregas com a União decorrerem, dando a Costa tempo para pesar o que diz. O problema é que, pedalando em seco na política nacional e internacional, o líder do Partido Socialista teve de voltar-se nas últimas semanas para a política local, algo que sempre lhe rende fotos sorridentes e cortes de fitas nos telejornais. Mas também aqui António Costa está a borrar a pintura.

Factura a dobrar

Comecemos pela bem disfarçada queda do autarca para esmifrar o contribuinte municipal. Este mês, os lisboetas ficaram surpreendidos ao receberem a conta da água referente a Janeiro: em alguns casos, o total tinha mais do que duplicado. Decifrada a letra miudinha da factura, descobre-se a razão no aumento brutal (da ordem média dos 60 por cento) das alíneas referentes a taxas de saneamento e resíduos urbanos. A explicação é simples: a autarquia pôs em vigor um novo tarifário de resíduos urbanos, em substituição da taxa de conservação de esgotos (que era cobrada em separado e passou agora a integrar a factura da água, dividida pelos meses do ano). O aumento foi devidamente aprovado em Novembro, mas poucos lisboetas se aperceberam da alteração, contemplada no or-

çamento municipal para 2015, que raros se preocuparam em esmiuçar. Estava lá, com todas as letras: dos 29 milhões de euros que a autarquia arrecadara em 2014 na “tarifa de saneamento e adicional”, o orçamento previa um salto para 74,5 milhões em “tarifas de saneamento e resíduos urbanos”. Apertada pelos contribuintes, a Câmara apressou-se a garantir que a taxa apenas passou a estar integrada na factura da água, em vez de ser paga em separado. Mas a dura realidade é outra: para além da taxa que as famílias agora pagam na factura, a autarquia passou também a cobrar uma taxa municipal de protecção civil, no mesmo valor. Resumindo: toca a pagar duas vezes. A medida não é ilegal, mas a sua introdução de forma tão sorrateira suscita uma pergunta óbvia: por que razão Costa, que é tão solícito

Mas o actual líder do PS parece ter um conflito mais geral com a transparência. Há uma semana, o jornal ‘Público’ revelou um novo episódio da “telenovela” autárquica de Costa: a concessão de um estratégico conjunto de espaços e edifícios no Parque Florestal de Monsanto para exploração turística comercial. A empresa bafejada (a única a concorrer) é a MCOII, que já tem a concessão do Mercado de Campo de Ourique. Ao abrigo do contrato de exploração, a MCOII instalará uma unidade hoteleira com 46 quartos e nove ‘bungalows’ no solar setecentista da Quinta da Pimenteira, um restaurante com esplanada no Moinho do Penedo e “uma unidade hoteleira de curta duração e/ou para realização de eventos” na famosa Casa do Presidente, a antiga “residência oficial” do presidente da Câmara. Pouco importa que o início da exploração, dentro de três anos, implique a obliteração de três campos de basquetebol que estão há uma década ao serviço da população – ou que os espaços concessionados possam ser vedados pela MCOII e retirados, assim, ao livre usufruto dos lisboetas. O certo é que a renda mensal de todos estes espaços e edifícios totalizará a módica soma de 2.600 euros, embora a Câmara, num gesto magnânimo, só se proponha cobrar mil euros por mês durante os três primeiros anos, a título de “apoio ao investimento”. A concessão foi sugerida pelo vereador Sá Fernandes e foi aprovada com os votos favoráveis do PS na Assembleia Municipal. O PCP votou contra e o PSD absteve-se. Enquanto isso, no estádio da Luz, esfrega também as mãos de contente o presidente do Sport Lisboa e Benfica, que viu “perdoada” uma dívida de 1,8 milhões de euros à Câmara Municipal de Lisboa, referente a taxas de Realização, Manutenção e Reforço de Infraestruturas Urbanísticas. Para

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Política além disso, a autarquia aprovou ainda a legalização de um conjunto de edifícios pertencentes ao Benfica onde não foram respeitadas as condições do alvará de loteamento. Desta vez, votaram contra o PSD, o CDS-PP e o PCP, mas venceu a maioria socialista.

Virilidade

Estes discutíveis actos de gestão permitem adivinhar o que sucederia se, nas próximas eleições de Outubro, António Costa recebesse mandato do eleitorado para governar Portugal: basta ampliá-los à escala nacional. Embora se tenha “esquecido” de abordar estas concessões e perdões de alta generosidade nas suas múltiplas intervenções na comunicação social, o presidente da edilidade lisboeta não tem perdido uma oportunidade para fazer campanha. Na última semana, Costa tirou da cartola uma inesperada homenagem a Humberto Delgado, cujo nome pretende atribuir ao Aeroporto da Portela. Num salamaleque arrebicado ao eleitorado de esquerda, o líder socialista descobriu que Delgado foi “um vulto maior da aviação comercial portuguesa”. E tem razão: percebendo as enormes potencialidades do então tenente-coronel Humberto Delgado, Oliveira Salazar nomeou-o director do Secretariado da Aeronáutica Civil, em 1944, em plena II Guerra Mundial – e um ano depois, por sua iniciativa, nascia a TAP. Aquando da fundação da aero-transportadora nacional, ecoavam ainda na opinião pública as linhas apologéticas que Delgado dedicara ao Führer alemão na revista “Ar” de 2 de Junho de 1941: Hitler “passará à História”, escrevera Delgado, “como uma revelação genial das possibilidades humanas no campo político, diplomático, social, civil e militar, quando à vontade de um ideal se junta a audácia, a valentia, a virilidade numa palavra”. De virilidade precisarão, também, os lisboetas para pedalar pelas sete colinas acima se António Costa levar a sua avante e alargar a rede de ciclovias até ao centro da cidade: é este o seu mais recente plano camarário, visando tornar a bicicleta um veículo “normal no quotidiano dos cidadãos” (palavras suas). A ideia, algo esdrúxula, de pôr os alfacinhas a transpirar pelas íngremes calçadas da capital e a enfiar as rodas nos carris dos eléctricos só pode ser comparada à de proibir a circulação, na Baixa, de viaturas anteriores a 2000 – embora sem beliscar os altamente poluentes veículos mais recentes de gama alta. Se isto é assim na Câmara, imagine-se o que seria com ele em São Bento… ■

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• O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015

Internacional

“Pelo menos 18 biliões de euros

Um olho no burro, PEDRO A. SANTOS

O escândalo “Swissleaks” veio desvendar um vasto sistema de trafulhice fiscal que, beneficiando os ricos, acaba por sonegar o rendimento dos impostos aos países mais pobres. São nossos aliados e parceiros, mas não podemos confiar neles nem por um momento... Os valores brutos são impressionantes: pelo menos 18 biliões de euros, talvez mais, estão escondidos em paraísos fiscais, garante a “Rede para a Justiça Fiscal”, uma organização internacional que luta contra a desigualdade na taxação. Este valor é o equivalente à plenitude das economias dos EUA e do Japão. Estima-se que os governos mundiais percam algo como 200 mil milhões de euros em receitas de impostos todos os anos graças à permissividade dos “paraísos fiscais. O equivalente a toda a economia portuguesa. O recente escândalo “Swissleaks”, espoletado quando um antigo funcionário do HSBC revelou os nomes de alguns dos clientes de peso do departamento suíço desse banco, é apenas uma pequena amostra de um problema que ganhou proporções gigantescas desde a liberalização dos fluxos monetários. O banco em questão, HSBC-Hong Kong and Shanghai Banking Corporation (Corporação Bancária de Hong Kong e Changai), tem uma história colorida, que começa, para todos os efeitos, com o tráfico de droga: foi criado em 1865, na recém-adquirida colónia britânica de Hong Kong, para financiar, entre várias outras operações, o tráfico de ópio indiano para a China. Com o passar das décadas, tornou-se um enorme conglomerado com receitas de 68 mil milhões por ano. Foi este banco que, alegadamente, operou uma enorme rede de evasão fiscal envolvendo 180 mil milhões de euros entre 2006 e 2007. Este último escândalo implicando o HSBC surge no rescaldo do “Luxleaks”, outra fuga de informação, desta vez sobre outro paraíso fiscal, o Luxemburgo, cujo antigo primeiro-ministro é hoje o líder da União Europeia. Esta onda de revelações expõe uma estrutura mundial de tráfico de dinheiro que mostra como alguns países criaram condições perfeitas para que uma classe social de “ultra-ricos” possa fugir aos impostos, saltando de nação em nação e de jurisdição em jurisdição.

Socialistas e capitalistas: vale tudo

O nosso País não escapa. Segundo os documentos agora revelados, havia mil milhões de euros escondidos das autoridades portuguesas na sucursal suíça do banco HSBC. Compreendendo que estamos a falar de apenas um banco, e de uma situação descoberta com vários anos de atraso, não sabemos ao certo, e muito dificilmente descobriremos, quanto dinheiro português camuflado existe ao certo na Suíça. Dos 611 clientes que até agora foram descobertos, sabemos que a vasta maioria tinha, individualmente, até oito milhões de euros guardados na Confederação Helvética. Mas pelo menos dois clientes portugueses mantinham contas com mais 120 milhões de euros. Alegadamente, Carlos Santos Silva, o “mon ami” de José Sócrates, também tinha dinheiro num banco suíço, cerca de 23 milhões de euros, dos quais só declarou quatro. Ainda está por se determinar se este dinheiro pertencerá verdadeiramente a José Sócrates ou não, algo que as Finanças e a Justiça estão a investigar. A França e o Reino Unido são alguns dos Estados mais lesados pelo esquema de fuga de capitais ao fisco. Mas um lugar de “honra” é ocupado pelo Brasil, onde recentes escândalos de corrupção política já ameaçam o governo da esquerdista Dilma Rousseff. Estima-se que 10 por cento dos brasileiros são donos de 44 por cento de todos os rendimentos da economia daquele país. Curiosamente, quando se analisa as quantias de dinheiro depositado individualmente, os lugares no pódio mudam. Pelos vistos são poucos, mas muito ricos, alguns dos cidadãos do “paraíso socialista bolivariano” da Venezuela, que supera os Estados Unidos da América em termos de dinheiro guardado na Suíça. Um cliente venezuelano (não se sabe ainda se se trata de uma organização ou de um indivíduo) teve, ou tem, 10 mil milhões de euros na sucursal suíça do HSBC. Um dos depositantes individuais venezuelanos, contudo, já está

identificado: trata-se de Alejandro Andrade, que começou por ser o guarda-costas do (entretanto falecido) presidente Hugo Chávez e serviu depois como Tesoureiro Nacional da Venezuela entre 2007 e 2010. Andrade teve 600 milhões de euros em seu nome, e hoje vive uma reforma dourada num bairro de luxo em Palm Beach, na Flórida, no centro do “inimigo yankee” que Chávez tanto detestava. No “paraíso socialista”, pelos vistos, alguns são mesmo mais iguais do que outros. A origem de uma boa parte deste dinheiro é quase impossível de detectar, uma vez que já beneficiou de “lavagens” anteriores em outros paraísos fiscais. No caso da sucursal do HSBC, seis mil milhões vieram das Bahamas, dois mil milhões do Luxemburgo, três mil milhões das Ilhas Caimão e 4,6 mil milhões da Holanda. Infelizmente, no actual sistema financeiro mundial, é extremamente fácil para uma empresa fugir de jurisdição para jurisdição, e há quem lhes facilite a vida, mesmo em detrimento dos seus “parceiros europeus”.

De país em país

O escândalo “Swissleaks” permitiu às autoridades fiscais de todo o mundo perceberem melhor como funciona o apertado sistema de silêncio e secretismo que os bancos suíços operam para proteger os seus clientes. Caso um cliente queira, a conta pode ficar registada num nome de código, como por exemplo “007”, ou pode ficar registada em nome de uma empresa de fachada. Outro serviço prestado é a possibilidade de todas as comunicações com o banco poderem ser feitas por via de terceiros, isolando assim o cliente da conta. Como muitas vezes é quase impossível associar um cliente a uma conta, torna-se difícil para as autoridades taxarem estas figuras. Segundo os dados revelados pelo “Swissleaks”, apenas 36 por cento das contas abertas por indivíduos portugueses estavam registadas em nome do próprio cliente. Mais de metade eram contas “secretas” (de que apenas se sabe o numero de

código do depositante) e nove por cento eram contas cujo depositante era uma empresa sediada noutro ‘offshore’. Para evitarem serem apanhados, muitos utentes dos serviços bancários suíços costumam fazer levantamentos em dinheiro directamente do banco, tanto em pessoa como através de terceiros. As trocas são feitas, preferencialmente, em dinheiro vivo, pois um rasto digital pode alertar as autoridades para irregularidades. O Ministério Público apresentou recentemente a teoria, baseada nas escutas efectuadas, de que José Sócrates usaria este sistema, pedindo “fotocópias” a Carlos Santos Silva, que era linguagem de código para “dinheiro”. Segundo o Ministério Público, a entrega posterior do dinheiro era feita em mão e de forma discreta. Mas a Suíça não é o único país cujas políticas criativas facilitam o tráfego desregulado de dinheiro. E, graças à permissividade do actual sistema económico mundial, é mais fácil do que nunca para uma empresa mudar de “nacionalidade” quando quer e para onde quer. Mudar a jurisdição das empre-

sas é relativamente fácil, e absolutamente legal. Imaginemos que uma fictícia “Indústrias Diabólicas S.A.” quer passar a ter a sua sede fiscal na Holanda. Graças às flexíveis regulações europeias, tudo o que teria de fazer seria criar a “Indústrias Diabólicas B.V.” em Amesterdão, e depois vender a “Indústrias Diabólicas S.A.” a essa empresa “holandesa”. A empresa portuguesa passaria a ser uma subsidiária, e todos os seus lucros seriam transferidos para a Holanda. Com este “esquema”, quem fica sempre a perder é o erário público: 19 das 20 empresas cotadas no PSI20 nacional estão hoje sediadas na Holanda... Pergunta: por que razão essas empresas portuguesas estão sediadas na Holanda, em vez de na Suíça? Resposta: porque, para além de a Holanda garantir um serviço de sigilo bancário parecido com o helvético, também dá aos seus “investidores” a possibilidade de saírem e voltarem a entrar na UE quando lhes apetece.

Ilhas fiscais

Alguns países da Europa passam metade do seu tempo a propagandear as maravilhas da União Europeia

O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015 •

estão escondidos em paraísos fiscais”

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Internacional

DR

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outro no banqueiro

e a outra metade a tentar fugir-lhe. A Holanda é um país-chave do projecto europeu, mas é também um dos que mais contribuem para a sua inviabilidade. De forma a escapar às regulações comunitárias, desenhadas para evitar casos de concorrência fiscal (situação em que os Estados baixam sucessivamente os impostos para atrair dinheiro em detrimentos dos outros), os holandeses inventaram um “esquema” interessante usando os resquícios do seu outrora vasto império colonial. Tecnicamente, o que conhecemos como Holanda é apenas um Estado dentro de uma Federação cujo nome é “Reino da Holanda” e incorpora também as ilhas de Aruba, Curaçao e São Martinho. O “esquema” é que a Holanda pertence à União Europeia, mas o “Reino da Holanda” não. Contudo, como fazem parte de uma Federação, todas os habitantes destas ilhas podem viajar livremente para a Europa, e vice-versa. O que realmente importa é que o dinheiro que reside na Holanda pode também viajar para estas ilhas sem qualquer problema ou regulação. Os britânicos operam um sistema semelhante. É pouco co-

nhecido, mas as ilhas do Canal da Mancha, Jersey e Guernsey, e a Ilha de Man, não fazem parte do Reino Unido, e, por arrasto, da União Europeia. Para todos os efeitos legais, são dependências feudais da Rainha Isabel II, que as governa como “Senhora de Man” e “Duquesa da Normandia”. Esta curiosidade histórica tem aplicações práticas bem lucrativas, pois apesar de não pertencerem à UE, nem terem de obedecer aos tratados e regulações da União, estas ilhas beneficiam de todas as vantagens da UE, inclusive fronteiras abertas e o acesso ao mercado comum. A sua independência legislativa significa que praticamente não existe regulação do sistema bancário, e os impostos sobre capital são muito baixos. O resultado é uma economia muito forte, dependente do dinheiro dos outros: 60 por cento da economia de Jersey, por exemplo, corresponde à actividade do sector financeiro, e os seus habitantes são o sexto povo mais afluente per capita do planeta. As Bermudas são uma cópia

tropical de Jersey e da Ilha de Man, e até votaram contra a independência apenas para se manterem dentro do Espaço Schengen. O mesmo acontece com as Ilhas Virgens Britânicas e com as Ilhas Caimão. Os impérios coloniais não estão mortos, apenas estão mais pequenos e lucrativos.

Bloqueio europeu

O que se faz ao primeiro-ministro de um país que promove a fuga aos impostos e sonega dinheiro aos aliados? A União Europeia fez dele o seu líder. Durante o consulado de Jean Claude Juncker, o Luxemburgo assinou centenas de contratos com grandes multinacionais para que pudessem fugir aos impostos noutros países. Segundo os documentos revelados pelo escândalo “Luxleaks”, estas empresas pagavam menos de

um por cento sobre os seus lucros. Assim, é fácil para um país com apenas meio milhão de habitantes viver muito acima da média europeia. E, no entanto, os luxemburgueses foram dos maiores defensores do fim do offshore da Madeira. Portugal, o “bom aluno” da Europa, cumpriu. Desde o início do euro que a Alemanha tem feito força para a criação de uma uniformização fiscal, ou seja, para que todos os países da União cobrem taxas iguais. O objectivo desta proposta germânica era evitar o actual caos instalado – e vários especialistas consideram mesmo que o euro não conseguirá sobreviver sem esta uniformização. E, no entanto, esta é uma das poucas políticas que o gigante teutónico não conseguiu ainda implementar na Europa. A razão é que

a Alemanha nunca forçou verdadeiramente nada na Europa sem o consentimento de alguns países-chave, alguns dos quais pequenos mas que “batem” acima do seu tamanho. Países que aprovaram o austero memorando apresentado a Portugal em 2011 sem qualquer problema e, posteriormente, deixaram a Alemanha ficar como o único mau da fita. Esses mesmos países bloqueiam qualquer possibilidade de se lhes estragar o esquema. Em alguns dos casos, a burocracia e a falta de liderança europeias chegam ao limite do ridículo, visto que um dos principais bloqueadores é o Reino Unido, que não pertence à Zona Euro e não se decide se prefere ficar ou ir embora da UE. Outro dos bloqueadores é a Suíça, que não pertence sequer à União, embora tenha, por razões algo inexplicáveis, acesso a quase todos os benefícios de lhe pertencer. E depois há o Luxemburgo, que tem a mesma população da cidade de Lisboa, mas um poder enorme, em muito devido ao “esquema” com o qual a Alemanha quer acabar. Não se pode, mesmo, “tirar o olho do burro” – ou ele desaparece para uma “offshore” sem darmos por isso... ■

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• O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015

Política

“Os encargos estimados com as SCUT são de 15 mil milhões de euros”

DR

PPP: a pesada herança da governação socialista

PEDRO A. SANTOS

António Guterres fugiu do “pântano” há onze anos e José Sócrates já não está no poder há quatro, mas os seus vultos ainda assombram a República Portuguesa. A gestão desastrosa que fizeram dos dinheiros públicos continua a ser carregada às costas por todos nós. A ideia até podia nem ser má, na sua origem. Mas houve em Portugal um grave abuso das parcerias público-privadas (PPP) durante o longo consulado socialista, entre 1995 e 2011 (apenas brevemente interrompido entre 2002 e 2004). Quem o afirmou e fundamentou foi a Comissão Parlamentar de Inquérito às Parcerias Público Privadas em Portugal, que no seu relatório final concluiu que o uso em massa desta modalidade de investimento desvirtuou o objectivo principal: “reduzir custos para o Estado e melhor satisfazer as necessidades públicas”. O estudo da Comissão de Inquérito tem sido convenientemente “esquecido” por certos sectores da sociedade. Até já há quem afirme que José Sócrates foi “um primeiro-ministro exemplar”. Mas O DIABO não perdeu a memória. Nem o Eurostat (direcção-geral de estatística da Comissão Europeia), que recentemente veio adicionar sal à ferida aberta ao revelar que cinco por cento do nosso PIB estão enterrados nas parcerias de Sócrates e companhia. Somos o segundo país da UE mais exposto às PPP: só a Grécia nos supera. Com cinco por cento de toda a economia nacional investidos em garantias, provisões, empréstimos não pagos e rendas às parcerias público-

-privadas, a factura total ascende a vastos milhares de milhões de euros. E mesmo a última renegociação das PPP, conseguida já pelo actual Governo, apenas vai conseguir poupar 300 milhões. Só em 2011, o Estado teve de desembolsar 1,7 mil milhões de euros para as PPP.

“Contabilidade criativa”

Em comparação, estima-se que o deficit público chegue aos 3,2% do PIB. Caso estas parcerias não existissem, Portugal poderia já estar a caminho de um excedente fiscal que permitiria reduzir a carga de impostos sobre os cidadãos e as famílias. Para já não falar da dívida pública, que seria consideravelmente mais baixa. Embora a esquerda critique o Governo PSD/CDS por a dívida continuar a crescer, é necessário esclarecer que tal aumento resulta, em grande parte, da “contabilidade criativa” do governo de Sócrates, que deixava as dívidas e as rendas das PPP fora das contas do Estado. Ou como o relatório da comissão das PPP afirmava: “o recurso excessivo às PPP teve por base a necessidade de os agentes políticos realizarem obra sem formalmente se endividarem”. A vinda do FMI e um controlo financeiro mais apertado por

parte deste Governo e da União Europeia, de forma a restaurar a credibilidade nacional, obrigaram a que os valores das PPP tenham sido adicionados ao orçamento nacional, revelando o verdadeiro peso do legado de Sócrates. A esquerda, no entanto, desviou as culpas para a actual coligação no poder. Segundo o relatório, as PPP não foram adjudicadas por preocupações com o “bem da Nação”, mas sim com base em “opções políticas”. Mais: “os elementos que estiveram por base na decisão de contracção via PPP são de difícil acesso público, o que torna estes processos pouco transparentes”. Alegadamente, muitas das empresas concessionárias decidiram sozinhas quanto é que queriam receber do Estado. Segundo a Comissão de Inquérito, o Estado, ao limitar a transparência das negociações em curso, traiu a “relação de confiança que deve ter com os cidadãos”.

Os piores exemplos

Uma PPP que ainda está a custar rios de dinheiro aos portugueses é a Concessão Lusoponte, negociada em 1997, durante o primeiro governo de António Guterres. Os socialistas tiveram então a ideia peregrina de entregar a privados a exploração da Ponte 25 de Abril (inicialmente

chamada Ponte Salazar), que fora construída pelo Estado, com dinheiro do Estado. Só as renegociações efectuadas desde então custaram ao contribuinte 800 milhões de euros, entre os quais 300 milhões em penalizações por o Estado não aumentar o preço das portagens. Ironicamente, a concessão foi assinada como contrapartida da construção da Ponte Vasco da Gama, que custou 800 milhões de euros. Já se gastou mais em contratos e renegociações do que se teria gasto se o Estado tivesse financiado directamente a construção da segunda ponte. As SCUT são outro exemplo de esbanjamento socialista, que a comissão considerou uma “opção política do governo de António Guterres, contrariando o paradigma que vigorava em Portugal”. Já em 2003, o Tribunal de Contas alertou para o facto de o modelo SCUT, já descredibilizado no seu país de origem, o Reino Unido, ser um investimento quase a fundo perdido, visto que “assentava essencialmente numa transferência de financiamento do sector privado do que propriamente num valor acrescentado para o erário público”. Os encargos estimados com as SCUT são de 15 mil milhões de euros, o suficiente para se compensar

todo o deficit nacional durante dois ou três anos. Até 2024, as SCUT de Guterres e Sócrates ainda nos vão custar mais 600 milhões de euros. Mesmo portajadas, as SCUT dificilmente serão sustentáveis, visto que foram projectadas com base em números de aumento de tráfego muito irrealistas. O tráfego real acabou por ser 88% abaixo do previsto em 2011, e 68% do previsto em 2012, com elevados custos para o contribuinte.

O peso que temos às costas

Estima-se que os contratos das PPP rodoviárias vá custar 31 mil milhões durante toda a sua vigência, com receitas de 18 mil milhões, o que significa que no final o contribuinte terá financiado a “festa socialista” com 13 mil milhões. São 13 mil milhões que poderiam ter sido usados para melhores fins. São um encargo que daria para pagar o equivalente a 10 anos de subsídios de férias de todos os funcionários públicos e reformados, como Sérgio de Azevedo revelou na apresentação do seu livro “PPP e o custo de um Estado fraco – Toda a verdade sobre as parcerias público-privadas”. Hoje, o deficit e os impostos continuam altos, e assim vão continuar por algum tempo, mas não é justo atribuir responsabilidades ao actual Executivo: antes de se começar a gizar o futuro, há que pagar os erros do passado. E ainda há muito erro por pagar em Portugal. Infelizmente, no nosso País, paga sempre o santo pelo pecador. ■

O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015 •

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Sete Dias

Terror jihadista continua a assolar a Europa

Costa “expulsa” desportistas para privatizar espaço público

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O presidente da câmara de Lisboa e candidato da primeiro-ministro, António Costa, anunciou esta semana que decidiu privatizar os campos de basquetebol em Monsanto, construídos por Pedro Santana Lopes durante a sua requalificação do parque florestal. Os campos, muito utilizados pela população, sobretudo os jovens, vão ser concessionados a um privado, que os vai poder fechar ao público. Segundo a proposta do vereador Sá Fernandes, os equipamentos vão ser removidos para darem lugar a uma tenda de lona para eventos privados e a uma esplanada de 150 metros. O antigo espaço desportivo fará parte de um largo espaço de terreno privatizado onde será instalado um hotel de luxo com 46 quartos. Além dos campos de basquete também vai ser removido o viveiro de plantas da autarquia, bem como o Moinho do Penedo e a “Casa do Presidente”, a residência oficial do líder da autarquia. O concessionário fica responsável pela manutenção do espaço, bem como pelas obras de requalificação. Segundo o contrato, o concessionário irá pagar 1000 euros por mês durante os primeiros três anos e uma renda de 2600 euros mensais pela exploração de todo o complexo após esse periodo. A concessão durará 25 anos. A câmara não especificou onde é que os entusiastas do basquetebol vão poder continuar a jogar, se é que vai haver alguma alternativa.

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ceptado pela polícia e abatido após tiroteio. O ataque à sinagoga serviu de argumento ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, voltou apelar à imigração em massa dos judeus da Europa para o Estado judaico. No dia 9 de Janeiro, quatro judeus tinham sido mortos a tiro numa mercearia em Paris, e as comunidades hebraicas na Europa começam a duvidar da capacidade dos Estados europeus para as defenderem. Israel já anunciou que pretende gastar 46 milhões de dólares num programa de absorção de refugiados judeus em fuga do terror islâmico na Europa. Entretanto, um desfile de Carnaval na Alemanha foi também cancelado. ■

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com o massacre que aconteceu no jornal “Charlie Hebdo” no mês passado. A primeira-ministra da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt, colocou o país em alerta máximo e o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, criticou o que designou como “outro brutal ataque terrorista cujo alvo eram os nossos valores fundamentais e as nossas liberdades, incluindo a liberdade de expressão”. Poucas horas depois, o mesmo terrorista voltou a atacar. Desta vez o seu alvo foi uma sinagoga, onde assassinou a tiro um judeu e feriu gravemente dois polícias. Às 4h50 da madrugada de domingo foi finalmente inter-

O velho Continente foi mais uma vez abalado por um acto de terror, desta vez na Dinamarca. No último sábado, 14 de Fevereiro, Omar Abdel Hamid El-Hussein, terrorista de 22 anos, abriu fogo, com uma arma automática, sobre um café onde estava a decorrer o encontro cultural “Arte, Blasfémia e Liberdade de Expressão”. Morreu uma pessoa e várias outras ficaram feridas. Pensa-se que o alvo deste acto terrorista era Lars Vilks, artista que desenhou uma caricatura de Maomé, considerada uma blasfémia pelos islamitas. Também presente neste encontro estava o embaixador da França na Dinamarca, François Zimeray, que comparou este ataque

Judoca portuguesa é a melhor do mundo

Sacos de plástico pagam taxa

Exportações de calçado aumentam

Governo abre os cordões à bolsa

Telma Monteiro, 29 anos, alcançou o primeiro lugar no ranking mundial de Judo, com 2136 pontos, destronando a francesa Automme Pavia. A atleta de Almada já venceu quatro vezes o campeonato da Europa, tendo sido vice-campeã também quatro vezes. Entre os restantes judocas portugueses, há que referir Joana Ramos, que ocupa o 13º lugar neste ranking, e Jorge Fonseca, em 26º no ranking masculino. Poderá ser esta a equipa que irá trazer uma medalha de ouro para Portugal nos Jogos Olímpicos de 2016, no Brasil.

Os sacos de plástico já custam 10 cêntimos. Esta taxa resulta das novas medidas da chamada “fiscalidade verde”, introduzida pelo governo, que alega que os sacos de plástico são do material que sai mais caro para reciclar. Após o anúncio desta medida, as grandes superfícies procuraram rapidamente alternativas para evitar o novo custo adicional sobre cada saco. Algumas vão disponibilizar sacos de plástico mais resistentes, que podem ser reutilizados, outras vão vender “trolleys” e outras ainda preferem a solução “à americana”, disponibilizando sacos de papel.

Segundo dados da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS), as exportações portuguesas de calçado cresceram 7,7% em 2014, continuando um ciclo de crescimento que continua há cinco anos. As exportações de calçado atingiram este ano um novo máximo histórico: Portugal vendeu ao estrangeiro 90 milhões de pares de calçado, no valor de quase 2 mil milhões de euros. Este ano, Portugal foi o segundo país mais representado na MICAM, uma das maiores feiras desta indústria, realizada em Milão, onde estiveram presentes 1600 expositores de 50 países.

Com a campanha eleitoral à porta, o Governo começou finalmente a aliviar um pouco a austeridade. A partir desta semana, passa a ser permitida a acumulação do subsídio de desemprego com um ordenado, desde que este seja inferior àquele. Resta saber se a medida irá permitir a muitos desempregados regressar ao mercado de trabalho... O executivo cedeu na questão das 35 horas de trabalho para os funcionários das autarquias, criou uma carreira especial para os funcionários das finanças e alargou a mais 30 mil trabalhadores o acesso ao fundo de garantia salarial. A ministra das Finanças prometeu: “2015 será um ano melhor.”

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• O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015

Internacional

“A situação é hoje mais arriscada e perigosa do que a vivida nos treze dias

Que futuro para a

O Acordo de Minsk DUARTE BRANQUINHO

Para melhor compreendermos o que se passa na Ucrânia, Armando Marques Guedes descreve os panos de fundo imediatos: “Debaltseve é uma pequena cidade no Leste da Ucrânia, na qual estão desde há um par de semanas de 6 a 8 mil soldados governamentais, de umas Forças Armadas ucranianas que, de momento, não conseguem colocar no terreno mais de 30 militares. Até Domingo, dia 8 de Fevereiro, Debaltseve estava virtualmente cercada por forças separatistas pró-russas e soldados e armamento pesado provindos da Federação Russa. A única linha de abastecimento dos 6 a 8 mil combatentes ucranianos era, até esse Domingo, a via rápida M03. Na Segunda-Feira, dia 9 passado, as coisas mudaram, quando agrupamentos de separatistas e russos avançaram até à pequena aldeia de Lohvynove, adjacente à via rápida. Os ucranianos, quase um terço das forças de Kiev disponíveis, viram-se

O Batalhão "Donbas" na região de Donetsk cercados. A posição em que ficaram tornou-se insustentável.” Tal precipitou a realização de negociações. Para o professor, “compreensivelmente, negociações de urgência tornaram-se imprescindíveis, e os negociadores de Minsk (a Ucrânia, a Rússia, a Alemanha e a França) sabiam-no todos bem. A situação criada em Debaltseve foi fundamental para a decisão de Merkel e de Hollande ao decidirem então lançar a sua ofensiva diplomática”. Mas não foi a única razão para tal. Segundo Armando Marques Guedes, também a reunião do Conselho Europeu, marcada para dia 16 de Fevereiro, uma semana depois, com vista a rever o apoio dos Estados-membros da UE às sanções aplicadas a Moscovo depois da invasão e anexação da Crimeia e dos conflitos que a Federação Russa de seguida instigou e apoiou no Leste e no Sul da Ucrânia. O geopolitólogo aponta ainda uma outra: “a discus-

são, desde há semanas em curso nos EUA, sobre a disponibilização, às Forças Armadas da Ucrânia, de ‘armamento defensivo’ para fazer frente ao separatismo e à agressão territorial que o país enfrenta. Segundo a revista alemã ‘Spiegel’, a ideia de um Minsk 2 vinha de trás. Angela Merkel e François Hollande terão colocado a primeira pedra nesta segunda ronda de negociações em Estrasbrurgo, em fins de Janeiro passado, no restaurante Zuem Ysehuet, a convite do Presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz. Jantaram cordeiro e veado.”

A reunião em Minsk e o acordado

A convite de A. Lukaschenko, a reunião com vista a uma solução diplomática de um conflito que fez já milhares de mortos e milhões de deslocados juntou A. Merkel, F. Hollande, V. Putin e P. Poroshenko. Incluiu, ainda, o Grupo Trilateral

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O recente cessar fogo na Ucrânia pode trazer a paz ou é mais uma situação de tensão de uma guerra em solo europeu que tende a agravar-se? O DIABO falou com Armando Marques Guedes, professor na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e no Instituto de Estudos Superiores Militares, especialista em Geopolítica e assuntos internacionais, que analisou a situação.

de Contacto, composto por Heidi Tagliavini, a representante suíça da OSCE, o representante da Ucrânia e segundo Presidente desse país, Leonid Kuchma, Mikhail Zurabov, o Embaixador russo em Kiev, e duas pessoas privadas, Alexandr Zakharchenko and Igor Plotnitsky – sem quaisquer menções de que se tratou dos líderes das Repúblicas Populares de Donetsk (RPD) e de Luhansk (RPL). Após 14 horas ininterruptas de negociações, dois documentos foram preparados. O primeiro, uma declaração dos líderes nacionais presentes, que a assinaram. O segundo, um papel do Grupo de Contacto relativo às novas condições para a implementação do primeiro Acordo de Minsk, celebrado há cinco meses, e que nunca produziu a eficácia desejada. As discussões foram, segundo todas a fontes, dificílimas. Os participantes saíram, por volta do meio-dia seguinte,

sem dar qualquer conferência de imprensa. Putin falou brevemente sobre “os avanços conseguidos”. Merkel limitou-se a informar os jornalistas que a interceptaram à saída de “que tinha esperança”. Hollande, sorriu, circunspecto. Poroschenko saiu com Lukaschenko dizendo que “ele negoceia desonestamente”, ao que o Presidente bielorrusso respondeu: “como todos sabemos”. Para Armando Marques Guedes, “o documento é uma amálgama das posições menos controversas mantidas pela Ucrânia e pela Rússia no Acordo de Setembro de 2014. Mas com alterações significativas, negociadas numa situação de fragilidade militar ucraniana. Para citar o ‘think-tank’ polaco PISM, a Ucrânia logrou não reconhecer juridicamente nem a RPD nem a RPL. A Federação Russa alcançou quase tudo o que queria, Vladimir Putin saiu sorridente e vitorioso”. O professor analisou da seguin-

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de má memória da Crise dos Mísseis de Cuba, em Outubro de 1962”

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Internacional

Ucrânia? te forma alguns dos pontos acordados e as suas fraquezas mais óbvias: “1. Não há qualquer menção de uma ‘federalização’ da Ucrânia, uma pretensão russa, mas antes sim um compromisso unilateral de Kiev de que irá levar a cabo uma reforma constitucional; a nova Constituição deve ser votada até final de 2015, e tem de ter a anuência de todas as ‘partes’, incluindo a RPD e a RPL. 2. Não há nenhuma menção de eventuais ‘forças de manutenção de paz’ a ser estacionadas no leste da Ucrânia; em todo o caso, todas as forças ucranianas devem ser retiradas para trás das linhas de demarcação e do outro lado; no entanto ‘milícias’ pró-russas podem ser mantidas nas RPD e RPL, para garantir a paz e estabilidade das duas regiões – não sendo clara a sua natureza, composição, ou alçada. 3. Pelo menos em tese, o documento contém um mecanismo fundamental para a eleição de ‘autoridades locais’, de acordo com a lei ucraniana (um ponto sobre o qual Kiev foi intransigente), o que implicitamente reconhece como nulas as ‘eleições’ que há alguns meses tiveram lugar na RPL e na RPD. 4. As provisões exigidas por Moscovo por via de regra contêm ‘deadlines’; as de Kiev raramente as têm. 5. Infelizmente, os mecanismos de monitorização relacionados com o implementar do Acordo são fracas; embora a OSCE apareça no documento como a única instituição por elas responsável, não há quase nenhumas menções quanto aos recursos que irá ter, a não ser equipamentos básicos de vigilância. 6. Todas a despesas com salários públicos e reformas de construção no Donbas ficam a cargo de Kiev, visto se tratar de ‘território ucraniano’. 7. Todos aqueles que participaram nos conflitos no Donbas serão amnistiados, e manterão todos os seus direitos. 8. Como bem o sublinharam

Para Armando Marques Guedes, o Acordo de Minsk 2 não é, em boa verdade, um "acordo de paz". Trata-se, no fundo, de "um conjunto de condições de rendição condicional" dois analistas políticos canadianos, o Acordo traça duas linhas de demarcação para trás das quais equipamento militar pesado deve ser removido. Os ‘rebeldes’ pró-russos terão de retirar esse seu armamento para trás das linhas de Minsk 1, mas as tropas ucranianas terão de fazer sair o seu armamento para o lugar para onde forem empurrados até às 0.00h de Domingo – ou seja 60 horas depois da assinatura, sendo esta uma exigência russa. O que explica o frenesim russo de Sexta 13 e que durou até Sábado 14, tentando empurrar a linha o mais adiante possível, nas direcções de Debaltseve a leste e de Mariupol a sudoeste. 9. Mais, nestes pontos, o Acordo só diz respeito a equipamento, não a tropas. E a expressão “equipamento pesado” fica indefinida: pode por conseguinte, incluir lança-granadas e carros de combate. 10. Trocas de prisioneiros estão previstas, mas apenas cinco dias depois de confirmada a solidez do cessar-fogo. 11. Na texto do Acordo e na declaração dos 4 proponentes nunca sequer menciona a palavra Crimeia.”

O que esperar?

Para Armando Marques Guedes, o Acordo de Minsk 2 não é, em boa verdade, um “acordo de paz”. Trata-se, no fundo, de “um conjunto de condições de rendição condicional”. Para o professor, “nem o Reino Unido, nem a Polónia, nem o Canadá, nem os EUA, nem a ONU, nem, claro está, a NATO, se viram representados em Minsk. A Comissão manifestou dúvidas quanto à exequibilidade e eficácia. David Cameron alertou para os riscos de um ‘apaziguamento’. A Administração norte-americana aplaudiu o exercício, manifestando hesitações, sem que Barack Obama se pronunciasse directa e oficialmente. O Senador J. McCain, porta-voz para o efeito da maioria Republicana no Congresso, declarou que ‘o acordado em Minsk congela o conflito num momento de vantagem separatista, consolida os ganhos da agressão russa, e deixa a fronteira da Ucrânia sob controlo russo até que haja um settlement político inclusivo’. O Presidente F. Hollande comentou casualmente, a jornalistas, que lhe parecia estarem

reunidas as condições para que a França avance com a entrega dos Mistral a Moscovo. A Presidente da Lituânia e o Presidente da Estónia consideraram o ‘acordo’ como não-aceitável. Durante as 14 horas em que tiveram lugar e portanto de par com elas, as negociações em Minsk, ucranianos, norte-americanos, e a Aliança Atlântica filmaram os 50 tanques, 40 baterias de mísseis, e inúmeros carros de combate que entraram no leste da Ucrânia provindos de território russo”. Armando Marques Guedes considera que Vladimir Putin negociou com nitidez de uma posição de força: “aquilo que já tenho mantenho, o resto negoceio”. Angela Merkel, oficialmente, repete dois mantras. Um: “não há uma solução militar para o problema da Ucrânia”. Outro: “a integridade territorial da Ucrânia tem de ser integramente mantida”. Sem parecer notar que estas duas posições, face às declarações intransigentes de Moscovo, são infelizmente incongruentes uma com a outra. Segundo o professor, “o cumprimento do acordado não tem sido perfeito. Nem parece fácil

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2 e o “cessar-fogo” que o seja, já que as duas linhas e as indefinições parecem dificilmente reconciliáveis, sobretudo tendo em mente que, tanto a RPD como a RPL, por um lado (o pró-russo), e, por outro (o pró-ucraniano), o Sector de Direita se têm declarado indisponíveis para acatar o acordado. A Rada de Kiev nunca aceitará as condições de revisão constitucional previstas, das quais depende o controlo de circulação de pessoas, equipamentos e outros bens, em inícios de 2016, passar para a mão dos ucranianos, mas apenas caso os “rebeldes” concordem com o logrado”. Para Armando Marques Guedes, “o menos improvável é que tudo isto e mais empurre Putin para as novas aventuras que tem vindo a anunciar: capturar toda o Donbas, e o sul da Ucrânia, de Mariupol a Odessa, transformando a Ucrânia num país encravado, sem qualquer acesso ao mar; e daí à Transnístria, à Moldávia e, a leste do Mar Negro, à Geórgia e ao Casaquistão. E mais se verá, de Lisboa a Vladivostok, como tem sido repetidamente asseverado. A Rússia imperialista e expansionista de Putin, com as suas crises, é como a proverbial bicicleta europeia, que se pára, cai. Se assim for, não é certo que a UE sobreviva incólume, face a um Reino Unido que cada vez menos razões terá para nela se querer manter. E a NATO, sobreviverá a um cenário destes? E, se sim, em que termos?” Concluindo, o professor afirma que “cada vez vai crescendo mais o número de analistas (‘ocidentais’ e, também, russos) que consideram que a situação é hoje mais arriscada e perigosa do que a vivida nos treze dias de má memória da Crise dos Mísseis de Cuba, em Outubro de 1962. Muitos tem sublinhado o facto de que Moscovo tem hoje mais forças e equipamento militar dentro da Ucrânia do que o que é possuído por um cada vez maior número de Estados-membros da NATO”. ■

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• O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015

Opinião

“Portugal é na realidade um dos maiores países do mundo”

Aviões e submarinos Portugal Confidencial

BASÍLIO MARTINS

Apesar dos submarinos virem bastante à tona, é pena que todos os periscópios continuem apontados numa única direcção. Agora emergem petições e um pedido de reabertura do processo, sustentado numa “descoberta” de Ana Gomes. Parece que a investigação apanhou uma escuta telefónica muito estranha, realizada em 2005 a Paulo Portas. Acabado de aterrar em Lisboa, o líder do CDS-PP ligou a um dirigente do seu partido e terá – segundo a eurodeputada socialista – dito: “fui àquilo! (...) ao Canals.” Ana Gomes garantia que Portas fez algo extremamente suspeito com Michel Canals, um ex-gestor investigado por fraude fiscal e branqueamento de capitais no processo Monte Branco. A 7 de Fevereiro, o ‘site’ do “Expresso” desfez o mistério, publicando uma gravação áudio desta escuta onde é claramente perceptível que Portas afirma simplesmente ter chegado do Canal de Kiel, na Alemanha. Só que, nas suas transcrições, o Ministério Público transformou o “fui a Kiel” dito por Portas num críptico “fui àquilo!”, com ponto de exclamação e tudo. A Ana Gomes bastou transformar “Canal” em “Canals”. Esta polémica levou uma deputada do próprio PS – Isabel Moreira – a desancar na eurodeputada, escrevendo que “Ana Gomes, quando desmascarada, atira lama em redor” e limita convenientemente as suas investigações “ao período de governação de Barroso e Portas, usando o processo para os queimar.”

A nova frota da TAP

Muita tinta corre sobre os submarinos, mas há outros e bem maio-

Imagem Google EARTH

Como este é ano de eleições, muito se falará sobre dois submarinos. Mas nada se ouve acerca de outros negócios bem mais volumosos, realizados pelo preso n.º 44 da cadeia de Évora.

Porque precisamos de submarinos? Considerando o nosso território em todas as suas dimensões (marítima e terrestre), 97% de Portugal está no mar res negócios envoltos em controvérsia – só não se fala neles porque envolvem exclusivamente governos socialistas. Um bom exemplo é a renovação total da frota da TAP, com a encomenda de doze aviões Airbus A350, realizada pelo governo de José Sócrates em 2005. Trata-se de 2,7 mil milhões de euros: “a maior aquisição feita na história do país”, nas palavras de Joaquim Ventura Leite, economista e deputado socialista no primeiro governo de Sócrates. Em Janeiro de 2009, Ventura Leite afirmou ao jornal Público que o antigo ministro das Obras Públicas Mário Lino revelou “manifesta negligência” na gestão do processo de aquisição dos novos aviões da TAP, “desperdiçando oportunidades” de obter compensações para a indústria portuguesa. E foi muito mais longe: “a partir de certo ponto, a repetição da negligência em detrimento do interesse do país poderá ter outra explicação. (...) Tem de haver outras causas para essa negligência e é preciso saber se esta aproveita a alguém. (...) Nenhum outro país repete os mesmos erros ao longo de tanto tempo.” O ex-deputado alerta-nos que este gigantesco negócio deve ser auditado, sublinhando que os deputados não estão “capacitados para apurar esse tipo de coisas, tem

de ser uma entidade externa e independente a fazê-lo.”

“Comissão de inquérito? Esquece isso!”

Na altura, Ventura Leite pretendeu que fosse realizada uma comissão de inquérito para investigar a compra dos aviões da TAP. “Era para mim impensável que um negócio destes passasse entre os pingos da chuva. Mas foi-me dito: ‘Esquece isso porque é uma maluquice! Não vai haver nenhuma comissão de inquérito sobre esta matéria. Uma comissão seria presidida por alguém que não é...’ Preciso ser mais explícito?” – revelou o ex-deputado a 29 de Julho do ano passado, durante a sua audição na comissão de inquérito à aquisição de equipamentos militares, onde foi analisada a compra dos submarinos. Afirmou também que, não conseguindo essa comissão, propôs em 2006 “enviar o processo para o Tribunal de Contas, para que este nos diga se o Estado foi suficientemente diligente nesta vultosa aquisição”. Essa iniciativa foi impedida pelo grupo parlamentar do PS. E Ventura Leite pagou caro: “recebi telefonemas a dizerem-me que, pela minha coragem, assinei também a minha sentença e que serei menos um deputado na próxima legislatura”, declarou à Lusa

em Janeiro de 2009. E, com efeito, Ventura Leite foi nesse ano excluído das listas de deputados socialistas.

Só dois submarinos?

É também curiosa a forma como os socialistas agora afirmam que Portugal não necessita de nenhum submarino. No entanto, Portas foi duramente criticado pelo PS quando alterou o negócio socialista e reduziu “o número de submarinos a adquirir de três para dois, como se a bitola anterior de três tivesse sido uma bizarria”, disse o deputado socialista José Lello no parlamento em 2003. “Ao fazer esta opção colocou-nos ao nível da Argélia, que tem dois, e esqueceu-se de nos colocar ao nível da Holanda, Dinamarca e outros países que têm mais de dois para garantir uma operacionalidade sustentável.”

Mar português

“A presença invisível de submarinos portugueses defenderá cidadãos e interesses nacionais se acontecer uma profunda alteração política. No contexto actual de crise económica, a unidade europeia pode desaparecer de um dia para o outro. Mesmo um país como Portugal não pode descurar a posse destas forças verdadeiramente operacionais.” Estas frases não foram escritas por Portas mas sim por

Dieter Dellinger, militante socialista e fundador do PS, no seu blogue História Náutica – onde garantiu que os submarinos portugueses são “respeitados por qualquer submarino nuclear de ataque norte-americano como os da classe Los Angeles muito ruidosos ou da nova classe Virginia muito simplificados”. Além disto não nos podemos esquecer que, se considerarmos a nossa dimensão marítima, Portugal é na realidade um dos maiores países do mundo. Possui a maior costa marítima da Europa, uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas do planeta – e com a extensão da plataforma continental proposta à ONU, Portugal passará a ter 4 milhões de km², um território marinho 40 vezes superior ao terrestre. Se não tomarmos conta do nosso mar outros países o farão, pilhando os nossos recursos naturais. Espanha luta neste momento para roubar as nossas Ilhas Selvagens, cheias de gás natural e petróleo. Na verdade, Portugal não deveria ter dois submarinos – mas sim uma dezena ou mais. Só que nunca no actual sistema político, apodrecido pela corrupção legal e ilegal, onde estas aquisições enchem – através de enormes comissões – os bolsos de generais e muitos outros “facilitadores” de negócios. ■

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Opinião

“Espero que os dirigentes europeus que contam sejam responsáveis”

O jogo do poder na Europa.

As dívidas e a austeridade Das análises do que se tem passado desde as eleições gregas, sou levado a traçar um quadro que, creio, retratar a realidade. Vejamos então, em breves linhas para não maçar os meus amigos e leitores, o que se passa na realidade. E, para mim, o que se passa é: negociação. Passo a explicar porque digo isto: a) quando se quer negociar algo, ambos (credores e devedores) partem, para as negociações, com uma estratégia negocial anteriormente estudada. Isto é, traçam objectivos, e estudam argumentos a dirimir e planeiam acções a tomar para os atingir. b) ambas as partes sabem, ou deviam saber, que as posições negociais iniciais têm que ser Fortes. Isto é as posições a tomar tem que exigir o máximo para atingir os objectivos, mesmo sabendo que os acordos finais se situarão algures a meio das posições e exigências de ambas as partes.

O lado da Grécia

Posto isto, a Grécia propôs-se, na minha opinião, atingir os seguintes objectivos qualitativos e quantitativos: No plano externo: 1) Diminuir a Dívida Soberana Grega, isto é conseguir baixar a dívida dos 300 mil milhões para um patamar mais baixo; (os Juros da Grécia são bastante abaixo dos pagos por Portugal e por isso não são grande fonte de negociação); 2) Obrigar a União Europeia a mudar a sua política de pura e dura austeridade, para uma política de desenvolvimento, com investimentos destinados a esse fim. 3) acabar com o diálogo entre um Estado soberano e funcionários de terceira classe da UE, FMI e BCE, levando estas organizações a dialogarem com a Grécia ao mais alto nível de decisão.

No plano interno: 1) Aliviar a austeridade que pesa sobre o povo grego e devolver-lhe algum poder de compra aos mais necessitados e afectados e criar condições para a criar emprego. 2) Por na ordem a “cleptocracia interna”, acantonada no PASOK (PS grego), que dominou e roubou o País durante anos, levando-o a esta situação, com a cumplicidade do Poder do Sistema Financeiro Grego e Internacional e que levou a situações graves de corrupção do Poder, em favor dessa “cleptocracia” e em prejuízo da Nação Grega. Na minha opinião, estes objectivos são totalmente legítimos e diria mais: São uma Obrigação de qualquer Governo, de qualquer Nação.

no Continente Europeu que poderá dar origem a dois ou mais blocos: Uma possibilidade que levanto é a da formação de um eixo Atenas-Moscovo, com a agregação de alguns países periféricos dessa zona; um eixo Paris-Bona –Helsínquia-Estocolmo; e o reforço do eixo Londres-Washington com algumas adesões. Ganhos eleitorais e vitórias de Partidos extremistas em França, Inglaterra, Holanda, Espanha e outros. 2.º cenário: Se houver acordo, (e um acordo implica cedências de ambas as partes para encontrarem um denominador comum que deixe ambas as partes insatisfeitas por igual ou aproximado), toda a UE (inclusive a Grécia) ganhará se isso significar que à política de austeridade sucederá uma política de desenvolvimento.

O lado da União Europeia

Apanhada quase de surpresa, tem mostrado igualmente os seus objectivos, dentro dos princípios de inicio de uma negociação a que não está habituada: 1) Manter a todo o custo as exigências de pagamento de toda a dívida ao BCE, UE e FMI; 2) Evitar a queda e o fim do euro e da própria UE; 3) Manter, dada a sua visão actual, as exigências de austeridade sobre a Grécia, Portugal, Itália, Espanha e Irlanda e evitar a “contaminação” que leve a mudanças radicais da sua actual política, imposta pelos países do Norte Europeu, liderados pela Alemanha. Sou levado a dizer que estes objectivos são legítimos, também, embora, na minha opinião, politicamente falando estejam errados se se quer construir um Bloco de Países forte e coeso de União entre Nações Soberanas. E assim a Grécia começa por ameaçar através de sinais, que pode romper as negociações (medidas

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MIGUEL MATTOS CHAVES*

Tenho assistido, pouco nas televisões portuguesas muito na TV5 de França, na CNN, na BBC e outras, a debates sobre a nova situação política desencadeada pelas eleições gregas. Uma nota de explicação: não tenho ligado muito às televisões portuguesas dado serem sempre os mesmos avençados a falar e a debitar, não a realidade, mas aquilo que querem eles próprios, o que sendo legítimo, é pobre. Mas detêm o monopólio de falar e eu sinto-me no direito de deixar de os ouvir face à pouca credibilidade que me oferecem (salvo raras e honrosas excepções, como é o caso do Prof. Doutor Adriano Moreira).

internas); ameaçar através de sinais, que pode celebrar em caso de falhanço, uma aliança com a Rússia (recepção em primeiro lugar ao Embaixador Russo) ou mesmo com os EUA (conversas telefónicas entre o primeiro-ministro e o Presidente Obama) se a UE não quiser renegociar, para passar, dias depois, a dar sinais de que pretende renegociar.. Isto é, primeiro adoptou uma posição de força total, com os objectivos anunciados, para passar a adoptar uma posição de maior abertura a renegociar. Da União Europeia, atitude de prudência mas firmeza. Isto é, não “agride” o novo Governo e mostra disponibilidade para conversar e traça a sua posição na manutenção das exigências. Uma pequena nota para lamentar a posição do primeiro-ministro português, a todos os títulos lamentável e comprovativa de que não

tem o menor sentido de Estado, nem envergadura pessoal e política para ocupar tão importante posto de poder. Foi uma voz dissonante em toda a Europa, que me envergonha enquanto português. Simplesmente lamentável. E, traçado este quadro, a minha opinião é que temos pela frente meses interessantes de negociação política (e não apenas técnica, como até aqui foi tratado o tema da austeridade dos países do Sul e Sudoeste da Europa) o que é, para mim, positivo e poderá corrigir erros de trajectória da União Europeia.

Dois cenários possíveis

1.º cenário: Se ambos se mantiverem irredutíveis, o quadro será o fim do euro e, possivelmente da própria UE (uma coisa não tem necessariamente que arrastar a outra), com a consequente reformulação do quadro de alianças entre países

Comentários finais

Posso prever, com algum grau de forte probabilidade de acontecer, em caso de sucesso das (re) negociações: um ganho para toda a Europa do Sul. Isto é, nada ficará como dantes e estas negociações “forçarão” a concessões por parte da “linha dura” da UE, e dos seus “criados” como é o caso do lamentável Sr. primeiro-ministro português. Pena que tenha sido a extrema-esquerda da Grécia a desencadear este processo e não a Direita dos diversos países europeus. Espero assim que os dirigentes europeus (gregos incluídos) que contam (infelizmente os nossos, com esta posição, não contam para nada) sejam responsáveis e sigam outro caminho que proporcione bem-estar aos diversos povos europeus e abandonem o caminho até aqui seguido. ■ * Doutorado em Estudos Europeus (dominante: Economia) pela Universidade Católica Portuguesa.

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• O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015

História

“D. João VI merece a homenagem

A loucura da rainha e a as Fez há dias 223 anos que o futuro D. João VI assumiu as rédeas do poder, na sequência do reconhecimento oficial da doença mental incurável de sua mãe. Mas D. Maria I foi bem mais do que uma rainha louca, como provam grandes obras do seu reinado que sobreviveram até hoje, como a Basílica da Estrela ou a Academia das Ciências. E D. João VI, apesar da “lenda negra” montada pelos seus detractores, merece a gratidão das sucessivas gerações de portugueses por ter salvo a Pátria em três ocasiões dramáticas.

Luto

Mas nem só a nobreza regressou ao poder com a Viradeira. Também a igreja recuperou a capacidade de influenciar o governo de Portugal. D. Maria era extremamente devota e a sua religiosidade exacerbada to-

cava as raias da superstição, já desde os tempos de princesa na corte do avô D. João V. Por altura da sua aclamação, um viajante francês escreveu que o confessor a convencia a gastar em penitências o tempo que devia empregar com mais utilidade nas tarefas governativas. No entanto, era precisamente o confessor régio, D. Frei Inácio de S. Caetano, arcebispo de Tessalónica e inquisidor-geral, ainda nomeado pelo Marquês de Pombal, quem acalmava os exageros do zelo religioso que atormentava D. Maria. Uma das suas primeiras medidas como rainha foi oferecer 40 mil cruzados para a conservação dos Lugares Santos em Jerusalém, gesto que repetiu nos anos seguintes. Em 1779 começou a construção da Basílica da Estrela, em Lisboa, concluída em 1790. A grande aflição de D. Maria era reparar as “ofensas” à religião católica cometidas no reinado de seu pai. Reabriu o processo dos Távoras, que foram reabilitados - excepto o duque de Aveiro - mas, apesar dos esforços de D. Pedro III, não permitiu o regresso da Companhia de Jesus, embora tivesse tolerado a actividade dos padres jesuítas. A morte do marido, em 1786, afectou-a, mas o grande golpe na sua saúde mental foram os desgostos sofridos em 1788. A 11 de Setembro daquele ano morreu o príncipe herdeiro D. José, com 27 anos, de um ataque de bexigas. D. José era muito popular e tinha sido educado sob a orientação do Marquês de Pombal, que lhe inculcara um espírito reformador, mal visto pelo clero. Tanto bastou para que corresse o boato de que fora envenenado, o que valeu ao seu médico pessoal a perseguição do povo enraivecido, obrigando-o a procurar protecção no palácio real. O luto de D. Maria I foi agravado poucos meses depois, a 29

Pintura de Dona Maria, no Instituto Histórico Geográfico da Bahia de Dezembro, pela morte de D. Frei Inácio de S. Caetano, que teve consequências dramáticas. Sucedeu-lhe como confessor da rainha e inquisidor-geral o bispo do Algarve, D. José Maria de Melo.

Tormento e loucura

O novo confessor atormentava constantemente a soberana, lembrando-lhe as penas que o seu pai, D. José, estaria sofrendo no Inferno por ter incentivado a política do Marquês de Pombal. O bispo não perdia uma oportunidade para exacerbar a perturbação de D. Maria, dividida entre os deveres de rainha e a devoção de filha. Ela recusava-

-se a condenar a memória do pai, o que resultava numa incessante tortura psicológica. As notícias da revolução francesa, a partir de 1789, encontraram-na num estado de grande fragilidade. Acabou por perder completamente o juízo. No dia 10 de Fevereiro de 1792, depois de sangrada mais uma vez, os mais prestigiados médicos do reino – assistidos por um especialista estrangeiro que se distinguira no acompanhamento de outro louco de cabeça coroada na mesma época, Jorge III de Inglaterra - assinaram um boletim confirmando que “a saúde de Sua Majestade no estado em que se acha” não lhe permitia

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D. Maria I subiu ao trono com a promessa de apaziguar a sociedade portuguesa, crispada pelas medidas reformadoras impostas com pulso de ferro pelo Marquês de Pombal. Logo nos primeiros meses de reinado, em 1777, a soberana decretou um indulto geral que libertou perto de 800 presos — entre nobres, incluindo familiares dos Távoras, como a Marquesa de Alorna, enclausurada no convento de Chelas desde 1759, eclesiásticos (como o bispo de Coimbra e muitos jesuítas) e plebeus. Foram iniciativas como esta que desde logo associaram à nova rainha o cognome de a ‘Piedosa’. A demissão de Pombal, a mudança de pessoal político e a influência recuperada pela alta nobreza caída em desgraça e perseguida durante o reinado de D. José fizeram com que este período ficasse conhecido como a “Viradeira”. A aristocracia era encabeçada pelo rei-consorte D. Pedro III, irmão de D. José, tio e marido da rainha. Se D. Maria I, já com 42 anos quando subiu ao trono, não era propriamente uma mulher bela, o rei consorte, esse então era considerado um dos homens mais feios da Europa do seu tempo. À falta de atractivos físicos aliava D. Pedro III a pouca inteligência. Na corte tinha a alcunha do “capacidónio”: assim se referia às pessoas a quem tencionava atribuir um cargo político ou administrativo, depois de ter apanhado de ouvido que alguém era “capaz e idóneo” para determinado emprego...

ocupar-se dos assuntos de Estado. D. Maria tinha 57 anos e estava, oficialmente, louca. Mas deixou grandes obras. A basílica e o convento da Estrela, em Lisboa, entregue às Carmelitas Descalças de Santa Teresa foi a grande obra edificada no reinado de D. Maria I. Outras medidas ficaram para a história. A iluminação pública das ruas da capital, imposta pelo intendente da polícia Pina Manique, em 1780, foi um acto de civilização. Tal como a criação da Academia das Ciências de Lisboa, em 1779, por iniciativa do duque de Lafões e do abade Correia da Serra. Pina Manique foi também o impulsionador

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História

m e a gratidão dos portugueses”

stúcia do príncipe regente

Um rei injustiçado

À frente do governo, D. João manteve o difícil equilíbrio entre o partido francês, chefiado por António de Araújo de Azevedo, futuro conde da Barca, e o partido inglês, encabeçado por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, conde de Linhares, o grande impulsionador da Biblioteca Nacional. O Príncipe Regente pôs em prática o plano, preparado desde o Marquês de Pombal e a Guerra dos Sete Anos, da saída da corte para o Brasil – e salvou por três vezes a independência nacional. A primeira, no fim de 1807, ao pôr a família real a coberto da tirania napoleónica; a segunda, já rei

Partida da família real para o Brasil, Novembro de 1807 (desde 1816), ao regressar do Brasil em 1821 e jurar as bases da Constituição, prevenindo delírios iberistas (era então grande a influência dos radicais de Riego, então no poder em Madrid), sonhos de substituição dinástica (pretensões da casa de Cadaval), ou até quimeras republicanas;

Basílica da Estrela, em Lisboa, mandada edificar por D. Maria I

a terceira, em 1824, ao concitar o apoio de Inglaterra e de França, designadamente do embaixador francês Hyde de Neuville, instalando-se a bordo de um navio de guerra inglês surto no Tejo para abafar a intentona da Abrilada por parte de D. Miguel. O mesmo infante que, um ano antes (1823), encabeçara outro golpe contra-revolucionário, a Vilafrancada – esse sim, bem sucedido, porque interpretara o sentimento profundo do povo português, reagindo contra os excessos jacobinos dos revolucionários vintistas que tinham tornado o país ingovernável. Na sequência da Vilafrancada – que devolvera ao monarca os seus

inauferíveis direitos de soberania -, D. João VI suspendera a Constituição de 1822, mas logo avançara com a promessa de uma nova lei fundamental, a “Carta prometida”, capaz de reconciliar os portugueses. E em boa hora chamou ao poder um estadista ilustrado e capaz de governar com moderação e equilíbrio, o conde de Subserra, que anos depois acabaria por morrer nos cárceres miguelistas, vítima do fundamentalismo “apostólico” do infante entretanto regressado e guindado a rei absoluto, dois anos depois da morte de D. João VI, infeliz rei envenenado com arsénico, segundo investigações recentes. ■

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Regresso de D. João VI a Lisboa, em 1821

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da Casa Pia, em 1783. O príncipe D. João passou a governar em nome da mãe mas só em Julho de 1799 assumiu o título de Príncipe Regente. A última aparição pública de D. Maria I em Portugal foi a 27 de Novembro de 1807, no dia em que a corte embarcou para o Brasil, para escapar à invasão do exército de Napoleão, comandado por Junot. Perante a confusão geral, a rainha, já com 73 anos, teve um assomo de lucidez, gritando: “Mais devagar! Diriam que fugimos.” Morreu no Rio de Janeiro, com 81 anos. Está sepultada na basílica da Estrela.

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D. Miguel na Vilafrancada, 1823

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D. João VI

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Embarque da família real para o Brasil

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Viver SUGESTÕES

Fuja!

Sofrível

Interessante

Bom

Muito Bom

Excelente

LIVROS

Maurice Barrès em Toledo JOÃO VAZ

Os escritores da tradição e/ou da reacção não têm grande saída entre nós. Infelizmente. Num mercado sinalizado pela referência abrileira e pela fugacidade das casas que combatem esse deserto editorial, é sempre com agrado que vemos o surgimento de um título dos autores que reflectem o espírito como ele é ou se pretende que fosse. Maurice Barrès conta-se entre os tais, da boa e velha França, a que nos deu ainda no século XX alguns dos melhores nomes, infelizmente sujeitos ao totalitarismo universalista e politicamente correcto – quem nos dera termos edições decentes em português de Robert Brasillach ou de Pierre Drieu la Rochelle. Temos Louis Ferdinand-Céline na Ulisseia, Lucien Rebatet na Livros do Brasil, Abel Bonnard na falecida Hugin. Assim, de repente, não me lembro de mais nenhum.

A Magnífica Torre de Belém Autor: José Manuel Garcia Editora: Verso da História

A torre de Belém é uma das obras-primas da História da Arte que desde 1983 foi classificada como Património da Humanidade, sendo um dos monumentos mais representativos de Lisboa. Considerando que em 2014 se assinalaram os quinhentos anos do começo da construção da torre de Belém, foi promovida uma edição cuidada sobre este ícone de Lisboa tanto numa perspectiva histórica como estética, além de que são muito escassas as obras disponíveis no mercado sobre este monumento. Neste volume encontram-se mais de uma centena de ícones em que se apresentam desde gravuras e desenhos até selos e rótulos que foram sendo produzidos desde o século XIX e revelam bem a evolução do ‘marketing’ e do ‘design’ que recorreu à imagem deste monumento. A iniciativa desta edição é da maior oportunidade não apenas por razões estéticas e de coleccionismo mas também porque o seu conteúdo é revelador da grande atenção que a torre de Belém suscitou em vários meios desde os artísticos até os económicos, filatélicos e publicitários.

E há agora Maurice Barrès em Toledo, num guia turístico que nos leva a um lugar com alma, na expressão do dito, a um lugar onde se fez a hispanidade, desde a época visigótica aos dias heróicos dos Cadetes numa continuidade histórica interrompida pela ocupação islâmica, esse

Maurice Barrès 1916 adversário que insiste em ameaçar a Europa. Mas Toledo está ali, esteve e há-de continuar, e com ela a alma espanhola que é também a nossa, a do continente e se manifesta de forma tão espantosa na pintura do Grego. Um homem que conheceu a ditadura do mercado e por tal foi obrigado a sair da península itálica para a ibérica e aí desenvolveu e viu crescer a sua arte, a sua palavra que foi imagem. Astigmático? Que importa isso? Ainda

bem que não havia, então, lentes capazes de corrigirem o problema. Não queremos cabeças e corpos normais, cores suaves e agradáveis, preferimos os esgares de quem se esforça por sair da crisálida envolvente. São assim as criaturas deste homem, tantas vezes, retratadas na violência de quem aspira a luz do mundo, de quem quer ter um lugar na criação, um murmúrio que seja para a eternidade. ■ Livro

Uma redescoberta literária Este é um dos melhores lançamentos do ano transacto. A literatura contemporânea vale o que vale, muito ou pouco, por vezes a distância não nos permitirá avaliar as coisas com a clareza necessária, mas há títulos que não enganam e este é um deles. Se o livro de António Nobre era o mais triste que fora visto em Portugal, “Stoner” será dos mais sombrios que a América viu. Pela indiferença que o envolve e cobre a personagem principal. Um homem que foi aceitando o que a vida lhe foi dando, um homem do passado nesse sentido, o oposto do homem revoltado. Stoner deixa-se guiar, parece não ter projectos próprios, mas recebe aquilo que lhe é oferecido, sem protestos, sem indignação, muitas vezes sem reacção – a vida é assim e assim está bem. Desde

o trabalho na quinta dos pais, passando pela transferência das ciências agrárias para a literatura inglesa, por um casamento morto à nascença, uma filha desconhecida embora vivendo debaixo do mesmo tecto e um cancro que anunciará o fim. Talvez esteja aqui um indivíduo pouco americano, pelo menos não será moldado à imagem daqueles que construíram a nação soberana em que se transformou no século XX e foram cantados por Walt Whitman. Mas, à sua maneira discreta, acaba por ser um herói tal como os outros. Em termos essenciais, entenda-se. Assim terá sido também o autor, John Williams, discreto professor de literatura inglesa, redescoberto há alguns anos em França e posteriormente transformado em referência. Por quanto tempo, é o que resta saber. ■ J.V. Livro

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Viver CINEMA

Há erva debaixo da calçada PAULO FERRERO

Vício Intrínseco Título original: Inherent Vice Realização: Paul Thomas Anderson Com: Joaquin Phoenix, Josh Brolin, Owen Wilson EUA, 2015, 148 min. Estreia: 19 de Fevereiro de 2015.

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SUGESTÕES

“Vício Intrínseco” marca o regresso de Paul Thomas Anderson às comédias mais ou menos psicadélicas a que nos habituara (bem? mal?) durante a década de 90, de que os seríssimos e profundos “Haverá Sangue” (2007) e “O Mentor” (2012) terão servido de reticências, sob a forma de dois grandes apainelados sobre a natureza da América; sublime, o primeiro, o segundo, já nem por isso. Desta vez, PTA (que ainda é novinho) foi

beber inspiração ao escritor Thomas Pynchon para esta comédia policial em registo ‘rave’, ‘nonsense’, ‘cartoon’ e de ‘overacting’, de que certo ‘pavé’, levantado pelas barricadas da Paris de Maio de 68, é ‘leitmotiv’ (e perdoem-me esta sobredose de aspas). Não se deu mal. O filme é uma paranoia alucinada tão grande e tão complexa à volta dos anos 70 americanos, que até se lhe perdoa ter provado, por a+b, não ter havido praia/areia nenhuma por debaixo da calçada parisiense, apenas erva. Como se lhe perdoa a duração excessiva, e a ressaca que certamente provocará na manhã seguinte à generalidade dos espectadores, que o tenham digerido a custo. O fabuloso elenco de “Vício Intrínseco”, contudo, ajuda a que a festa raramente descambe (apenas a personagem de Reese Witherspoon, enquanto procuradora, parece estar a mais…), e no final ninguém já achará estranho aqueles diálogos ou aquele frenesim, e que por ali tenham aparecido personagens baptizadas de Mickey ou Bambi, ou que Josh Brolin (impagável, como sempre!) goste de massacrar a personagem central do filme com o inevitável “what’s up, doc?”, tal a proliferação de aventuras, desventuras e ‘gags’ hilariantes em que aquela se mete durante 148 minutos. Pessoalmente gostava que PTA tirasse da cartola um novo “Haverá Sangue”. ■ Filme

Música

Folhetim Pinamonti – o final? Henrique Silveira O ‘Diário de Notícias’ publicou um artigo assinado por Bernardo Mariano em que se citava um email oriundo do gabinete do secretário de Estado da cultura, o preclaro Barreto Xavier, demonstrando que o contrato do Sr. Paolo Pinamonti de Novembro último, ligando o director do Teatro da Zarzuela de Madrid ao Teatro Naconal de S. Carlos (TNSC) em Lisboa, tinha sido preparado pelos próprios serviços directos do secretário de Estado e não pela OPART, organismo que tutela o Teatro de S. Carlos e a Companhia Nacional de Bailado. Entretanto, o Estado espanhol descobriu que qualquer vínculo de relação profissional, artística ou não, violaria a legislação que guia os altos cargos públicos e de direcção em Espanha, coisa que aliás já se sabia desde 2013, altura em que se anunciou o vínculo de Pinamonti ao S. Carlos e os sindicatos espanhóis questionaram esse mesmo facto. O próprio Pinamonti não era alheio a esse conhecimento, uma vez que a cadeia SER desde há muito tempo tentava esclarecer esse mesmo assunto junto da tutela espanhola e do próprio Teatro da Zarzuela que se tinha vindo, judiciosamente (ou capciosamente), a recusar a prestar informação sobre o assunto. O que é extraordinário nesta questão é que

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Crítico

o Sr. Pinamonti conhecia a lei espanhola, e sabia que a questão tinha sido levantada de forma muito aguda por sindicatos e pela imprensa espanhola e, mesmo assim, perseverou para tentar, mesmo que a título muito precário e por um breve período, dirigir como “consultor artístico” o teatro de Lisboa. Se existem responsáveis pelo caricato desfecho deste assunto, são precisamente Paolo Pinamonti e Barreto Xavier, político que deveria conhecer também a lei espanhola, diligência que poderia realizar através dos seus serviços jurídicos, uma vez que era público e notório que Pinamonti era director do teatro de Madrid e qualquer pessoa com alguns neurónios deveria pensar e mandar estudar a questão antes de sequer pensar em efectuar um anúncio público e, sobretudo, uma contratação que resultou num fiasco que redundou na saída pela porta baixa de Pinamonti, depois de se anunciar que ganharia trinta e dois mil euros por ano e depois

de este ter contratado uma legião de cantores, sobretudo espanhóis, através de uma agência de Madrid na qual parece ter assinatura. Fazendo escolhas artísticas de má qualidade, optando por zarzuelas atrás de zarzuelas, música sem qualquer qualidade, sem recurso a compositores e obras portuguesas, Pinamonti demonstrou mau gosto artístico e enviesamento, produzindo temporadas mal estruturadas e sem interesse ou variedade musical e cultural. É, sobretudo, escandaloso o ostracismo que a música alemã e portuguesa tiveram no seu breve mas destrutivo consulado como consultor, agora sem possibilidade de retorno sob qualquer vínculo ao TNSC devido ao escrutínio que está a ter em Espanha, como noticia muito recentemente a cadeia espanhola SER. Fica para a história desta triste novela a lamentável escolha de bodes expiatórios por Barreto Xavier, que exigiu a cabeça da Administração do OPART, nomeadamente demitindo o excelente José António Falcão, por este não saber o que Pinamonti sabia e aquilo que Barreto Xavier deveria saber. Barreto Xavier dá assim uma imagem muito viva de uma ética e de um carácter que são cada vez mais o apanágio dos políticos. Responsável em alto grau pelos acontecimentos, exonerou aqueles que menos contribuíram para o final do folhetim Pinamonti. Continua, infelizmente, por mais uns meses, a comédia em folhetins chamada Barreto Xavier, para mal da cultura portuguesa. ■

Böse Zeit Intérprete: Erde Editora: Steinklang Industries

Depois de terem chegado como um míssil ao mundo das edições, os Svalbard deram-nos entre 2009 e 2012 excelentes discos para apreciarmos. Por isso saber que a sua tradição de qualidade continua com os Erde é uma excelente notícia, complementada com a edição do seu disco de estreia. “Böse Zeit” surge com selo Steinklang Industries, que não fazem a coisa por menos – apelidam os Erde da melhor banda marcial / ‘neofolk’ em actividade! Com uma afirmação como esta, vinda de quem vem, só podemos ficar curiosos com este trabalho de estreia. Na verdade a raiz da afirmação está centrada em Vicheslav Shenderovich, o músico Bielorusso que iniciou Svalbard e que continua agora o seu caminho com os Erde, neste disco muito bem coadjuvado com alguns dos músicos mais famosos da cena da Europa de Leste. Um disco absolutamente intenso, bombástico como seria de esperar, continuando na tradição monumental dos Svalbard mas com uma nova roupagem. Felizmente não se perdeu nenhuma da qualidade. A edição é apresentada num digipack de seis painéis com um soberbo trabalho gráfico. H.P. CD

Once Upon a Time Intérprete: Sol Invictus Editora: Auerbach Tonträger

Depois da edição do ‘single’ “Mr Cruel” aguardávamos com antecipação o longa-duração que se lhe seguiria. E “Once Upon A Time” foi finalmente lançado pela Auerbach Tonträger, marcando o regresso às edições de Tony Wakeford com os seus Sol Invictus. Numa viagem ao passado, o ‘dark folk’ que é a imagem de marca dos Sol Invictus é aqui pincelado de matrizes psicadélicas e ‘ProgRock’ dos anos 70. Mesmo o conceito lírico do disco alude ao passado do projecto, e ao seu legado intemporal. Tudo reunido para configurar um disco que nos transporta a outra época. Claro que não podemos ignorar que a época dourada dos Sol Invictus (e do próprio Tony Wakeford) já passou, e a preponderância que outrora tiveram é algo do passado. Mas este disco mostra-nos que é possível refrescar esse legado com um conjunto de músicas que não envergonham, e que em momentos nos relembram do génio de Tony Wakeford. H.P. CD

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Opinião

Fio condutor TOCAR A REBATE

Eduardo Brito Coelho

Refiro, nesta crónica, três situações distintas, entre as quais julgo haver um fio condutor. O Professor João Ferreira do Amaral é o autor de “Porque devemos sair do euro” (2013) e “Em defesa da independência nacional” (2014) – duas obras magníficas, pela sua clareza, rigor e portugalidade. No final de 2014 assinou, com Francisco Louçã, uma outra obra com o título “A solução novo escudo”, na qual os autores partem da hipótese de que Portugal, por uma qualquer das várias razões possíveis, sai do euro. Nestas condições, que fazer? Este último livro é de leitura menos fácil do que as duas obras primeiro citadas, recorrendo, por vezes, a uma linguagem técnica, mas o que importa aqui sublinhar são as conclusões seguintes: (1) As consequências para Portugal da aplicação do Tratado Orçamental serão mais graves do que as resultantes do programa com a ‘troika’; (2) Não se pode aceitar mais vinte anos de austeridade e empobrecimento, que é a perspectiva actual…; (3) É necessária uma ampla aliança de todos os que se recusam a ser colaboracionistas e defendem a soberania nacional, incluindo o direito a termos políticas económicas próprias que assegurem a viabilidade do País. O Bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Matias Ramos, publicou recentemente um excelente artigo, intitulado “A situação da PT e os reflexos na Engenharia”. Depois de nos recordar que a PT é (ou era!) uma das maiores empresas portuguesas e a que mais investia em tecnologia e investigação no nosso país, afirma que a sua alienação comporta um risco sério de o seu centro de competências deixar de estar em Portugal. E diz, ainda: “O desaparecimento de empresas nacionais “âncora” de dimensão internacional, com “massa crítica” e escala capazes de incorporar a inovação e de promover uma evolução tecnológica (…) vai afectar a capacidade do país na implementação da “economia do conhecimento” (…) ”. Na cerimónia de tomada de posse da presidente Dilma Rousseff, o mais alto representante de Portugal foi o ministro Paulo Portas. Pois bem, o que é que liga as situações atrás descritas? Partilho da opinião de que a principal ameaça à independência de Portugal é, hoje em dia, a UE e o euro. A “União” transformou-se em ditadura! É no quadro desta UE que prossegue a destruição do que resta do tecido produtivo português. A venda da PT, que se processou no meio de enormes confusões, foi simplesmente criminosa! E agora, mais do que nunca, deveríamos privilegiar as relações alternativas (em particular, as económicas) com o espaço lusófono. Mas é o que se vê… ■

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Coronel Engº (res)

As meninas e os meninos Manuel Silveira da Cunha

Dizem que futebol é paixão, é história, é inspiração para artistas. Por mim, nunca entendi muito bem como onze homens a correr atrás de uma bola pudessem suscitar tanto entusiasmo. Sendo adepto do Rugby, nunca consegui perceber como um micro-toque pode levar um homem adulto com mais de oitenta quilos a cair para o chão, rebolar-se e contorcer-se de dores e fingir que está a chorar durante um quarto de hora. Se, por acaso, o toque é perto da cara, então o teatro atinge foros de paroxismo. Será ataque epiléptico? Será azia galopante? Não, é apenas jeito para a comédia a tentar convencer o árbitro, que já nem veste de preto, de que o “artista” foi alvo de uma agressão violentíssima que, pelo menos, fez cair o maxilar e arrancou oitenta dentes. Se o árbitro não liga, lá está o menino de um metro e noventa a levantar-se e começar a correr atrás da bola para recomeçar tudo de novo.

Escrevo ao domingo, não sei se a selecção portuguesa ganhou ou perdeu com a Alemanha de Merkel. Também é-me indiferente, o que sei é que foram recebidos por Cavaco, o presidente da república, somo se fosse a embaixada dos magriços de Inglaterra, a flor da juventude portuguesa que saísse para conquistar o mundo. Se não há exército, se não há soberania, pelo menos o Ronaldo cá está para, denodadamente, cavalgar por esse mundo fora e levantar com pundonor as cores de Portugal! Podemos ser miseráveis, podemos ter baixa escolaridade, mas o presidente tenta apropriar-se da popularidade do futebol para capitalizar o crédito que já não tem junto da sociedade portuguesa. Atrás de Cavaco há secretários de Estado, ministros e sátrapas menores que tentam, quais emplastros ainda mais feios, ficar de sorriso desdentado na fotografia. Entretanto, em casa, os dirigentes do futebol tentam destituir o Figueiredo da Liga de Clubes, mas são tão tontos, ou tão garotos que, mesmo gerindo milhões e milhões nos negócios escuros e claros do futebol, não são capazes de apresentar uma lista em condições. Quem, como eu, gosta de rugby, não pode deixar de dar gargalhadas com estes rapazolas do futebol, aprendizes de mafiosos que não passam de amadores de meia tigela.

O futebol já foi para homens de barba rija, os turcos jogavam com as cabeças dos prisioneiros de guerra, os italianos matavam-se em campo em representação das suas cidades. Os Aztecas jogavam com as ancas e quem perdesse perdia também a vida sacrificada aos deuses, Viracoxa agradecia. Na Inglaterra o futebol teve origens ilustres e a luta era feroz mas, à medida que o desporto se popularizou, a manha e o teatro tomaram lugar sem punição moral, social ou castigo dado pelos órgãos dirigentes. Quando João Pinto, esse paradigma da comédia em que o futebol se tornou e dirigente federativo, se especializava em saltos para a piscina ganhando penaltis, era elogiado por uns e servia para o riso benfazejo de outros. Mas o mundial decorre, o povo esquece e aplaude os Ronaldos e companhia, as fãs descascam-se à sua passagem, fala-se sobretudo das barbas e bigodes dos rapazes de trinta anos que se atiram para o relvado a chorar mal sentem um cabelo do adversário a roçar-lhes no peito depilado, e o país sai da crise até à derrota algures num estádio que custou o triplo do que deveria ter custado e serviu para as negociatas que vão da FIFA aos governantes, empresários e dirigentes brasileiros, como tem sido em Portugal e é igual em toda a parte. ■

O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015 •

Opinião

“Os partidos monárquicos nada aprenderam”

Antecedentes II

Implantado o Liberalismo, em 24 de Agosto de 1820, logo os liberais se dividiram entre moderados e adeptos da Democracia da Direita. A nova Constituição, aprovada em 23/9/1822, era uma cópia servil da Constituição Francesa e da de Cádis de 1812, perfeitamente inadequada à Nação Portuguesa, visando-se objectivamente o Trono e o Altar. A reacção do país real não se fez esperar. Esta reacção confluiu na figura do Infante D. Miguel o qual, à frente da esmagadora maioria do Exército, se dirigiu a Vila Franca, recebendo adesões de todo o país. Acabou aí a Constituição de 1822 e o Soberano Congresso auto-dis-

José de Alpoim térios que só encontram explicação na qualidade dos generais liberais, Saldanha, Terceira e Sá da Bandeira, e no almirante Napier, e na traição comprovada de vários generais miguelistas. A Convenção de Évora-Monte, de 26/5/1834, selou a sorte da contenda e o exílio de D. Miguel e seus seguidores. Mais uma vez os liberais se dividiram entre moderados e adeptos do “Vintismo”, tendo estes últimos, encabeçados por Passos Manuel, implantado uma ditadura, em 9 de Setembro de 1836, que permitiu a Mouzinho da Silveira efectuar uma reforma legislativa que mudou o país radicalmente, demolindo tudo o que éramos! D. Pedro IV, esse, não resistiu a um mês de parlamento. Enxovalhado e doente, morreu, roído de vergonha e remorsos, a 24/9/1834. A anarquia campeava. A nova Constituição, de 1838, nada resolveu, tendo Costa Cabral através de mais um golpe de estado, em 1842, restaurado a Carta. Os antagonismos continuaram e acabaram na revolta de Maria da Fonte, contra Costa Cabral, em 1846. Saldanha, que entretanto virara moderado, entendeu opor-se aos radicais, o que resultou numa nova guerra civil, a Patuleia, a qual apenas teve fim com uma vergonhosíssima intervenção militar estrangeira, con-

D. Pedro IV

João Franco junta, calcule-se, de ingleses, franceses e espanhóis! Foi este vexame, uma das principais razões que esteve por detrás da “Regeneração”.

Antecedentes III

“Toda a Nação mais ou menos ardentemente, desejava ver terminado o intermezzo da Carta Constitucional, e no Trono, em vez de um papel, um homem” (Oliveira Martins sobre a Carta Constitucional, de 1826). Cansados da guerra civil e da destruição que tinham provocado, na sequência de mais um golpe de estado, em 1851, chamaram ao governo outro maçon, Rodrigo da Fonseca Magalhães, o que deu origem ao que ficou conhecido por Regeneração. O Governo concedeu então aos extremistas algumas vantagens doutrinárias, através de um acto adicional à Carta Constitucional, em troca do compromisso daqueles em transferirem as reivindicações ideológicas do campo revolucionário para o campo eleitoral. Tal facto vai resultar e degenerar, segundo Oliveira Martins, numa oligarquia de facto, que se apoiava em três vértices: democracia, riqueza e exército. A “elite” deixou as preocupações religiosas, o carácter revolucionário, e voltou-se para o materialismo – herdeiro do “Positivismo” –, que encontrou no “Fontismo”

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D. Miguel

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“Foram eles e suas absurdas e falsas reformas que nos trouxeram a este estado. Foram eles que desmoralizaram todo o País, que o deslocaram e revolucionaram. Reformadores ignorantes, não souberam dizer senão como os energúmenos de Barras e Robespierre: abaixo! Assim se reformou esta desgraçada terra a machado! Mais 10 anos de barões e de regime da matéria e, infalivelmente, nos foge deste corpo agonizante de Portugal o derradeiro suspiro do espírito. … Não contentes de revolver até aos fundamentos a desgraçada pátria com inovações incoerentes, repugnantes umas às outras, e em quase tudo absurdas, sem consultar nossos usos, nossas práticas, nenhuma razão de conveniência, foram ainda atirar com todo este montão de absurdos para além-mar…” Almeida Garrett (sobre a implantação do Liberalismo em Portugal)

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Tenente-Coronel Piloto-Aviador

solveu-se. A Monarquia tradicional foi restaurada. Preparou-se uma nova constituição mais moderada; mas, afastados os democratas de 1820, os monárquicos dividiram-se em liberais e tradicionalistas, cujo desentendimento acabou na Abrilada de 1824 e no exílio de D. Miguel. Com a morte de D. João VI, em 1826, abriu-se uma crise política que só haveria de terminar no fim da pior guerra civil que em Portugal já houve. Os acontecimentos precipitaram-se: D. Pedro IV, que seria o legítimo herdeiro, deixou-se aclamar Imperador do Brasil, perdendo o direito ao trono. Estando a sua irmã mais velha, Isabel Maria, regente em Portugal, ainda confirmou essa regência, tomou o partido dos liberais, outorgou a nova Carta de 1826 e abdicou do trono, a 2 de Maio desse ano, a favor de sua filha D. Maria da Glória. Visando o futuro entendimento entre as correntes maioritárias, propôs-se o casamento da Infanta com seu tio D. Miguel, o que este aceitou, regressando ao reino e ficando regente, na menoridade da sua futura esposa. D. Miguel regressou em 1828, encontrando o Partido Tradicionalista muito fortalecido e todos desagradados com a nova Constituição. Acabou dissolvendo a Câmara dos Deputados e convocando Cortes Gerais do Reino ao estilo antigo, o que ocorreu em Julho de 1828, sendo aclamado Rei pelos três braços do Reino. Tal decisão deu início à guerra civil. Com excepção da Ilha Terceira, todo o país se proclamou Miguelista. Foi pois naquela ilha que confluíram os próceres liberais. A instância destes, D. Pedro acedeu a abandonar o Brasil – onde havia sido destronado – e vir chefiá-los. Com um exército de 7.000 homens, muitos dos quais recrutados entre a escória dos portos europeus, conseguiu estabelecer-se no Porto, em 1832. Ao cabo de dois anos de guerra, estas minguadas forças conseguem bater os 80.000 homens do exército de D. Miguel e a maioria da população que o apoiava. Mis-

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Considerações à volta do regicídio (II) BRANDÃO FERREIRA

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a sua expressão mais acabada. Eis a essência do novo “Cartismo”: “Ao esquadro e ao compasso maçónico – ainda segundo Oliveira Martins – veio juntar-se a aritmética economista”. A podridão política em que se caiu levou ao Pacto da Granja, de 1865, uma trégua entre partidos, que haviam de se fundir em 1876 em dois: um mais à direita, o Regenerador, e outro mais à esquerda, o Progressista, que se vieram a alternar no governo, dando origem ao “Rotativismo”, ora governando um, ora outro, sem que ninguém se apercebesse da diferença, a não ser pelo cunho pessoal dos líderes que se alternavam no governo. No fundo tratava-se de duas oligarquias económicas que se revezavam no poder, sem fé nem ideal, mas em luta permanente. Ofereço um doce a quem encontrar alguma diferença para o que se passa actualmente entre nós!... A atmosfera política e social, sobretudo em Lisboa e Porto, estava agora a ficar madura para o aparecimento das ideias democratas/republicanas através do Partido Republicano, fundado em 1876. Este Partido, que exercia a sua actividade com toda a liberdade e em pé de igualdade com os partidos monárquicos – coisa que impediram a estes, após o 5 de Outubro de 1910 – logo aproveitou o ultimato inglês de 1890, ao qual realisticamente não se podia fazer frente, para desencadear uma campanha contra o governo e o jovem Rei (cujo reinado se iniciara há poucos meses) e provocando a primeira revolução republicana, a 31 de Janeiro do ano seguinte, no Porto. Nova crise financeira colocou o país à beira da bancarrota. Exorbitava-se do abuso da liberdade, de expressão e de imprensa e fizeram-se os ataques mais soezes ao Monarca e à Família Real. Os Partidos Monárquicos nada aprenderam, continuando a sua luta estéril, incompetente, corrupta e antipatriótica. No fim, já no início do século XX, dividiram-se em tendências. As mais célebres foram a de João Franco, que fundou o Centro Regenerador Liberal, em 14/5/1901, e a tendência liberal progressiva de José Maria de Alpoim – personagem cuja actuação representa, provavelmente, o pior exemplo de canalhice moral e política de toda a nossa história parlamentar. Esta última dissidência, ocorrida em 1 de Maio de 1905, a pretexto da “questão dos Tabacos”, marca o ponto de partida para o regicídio e o fim da monarquia em Portugal. Foram 33 meses para decapitar o trono e outros 33 para o deitar por terra. ■ Continua na próxima edição

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Opinião

“Há que se restabelecer a primazia da pessoa humana”

A culpa é da sociedade CESAR RANQUETAT JÚNIOR

Na linguagem coloquial é bastante comum o uso de afirmações do tipo: “a culpa toda é da sociedade”; “a sociedade obrigou-me a agir deste modo”; “sou uma vítima das estruturas sociais”; “a responsabilidade é do sistema social”; “o sistema social é opressor”. Estas afirmativas são no mínimo arbitrárias, pois tendem a coisificar a sociedade, a fazer dela uma realidade viva e concreta, com intenções, objectivos e finalidades. Contudo, a sociedade, o social, o sistema social e outras expressões afins nada mais são que abstracções. Noções e conceitos usados pelos leigos e pelos cientistas sociais para descrever a vida de um conjunto de pessoas. Quando um leigo ou um analista social toma uma ideia ou conceito – como a noção de sociedade e sistema social – e trata-o como se fosse algo concreto e real ele incorre naquilo que é chamado nas ciências sociais e na filosofia de reificação. Reificar é, grosso modo, coisificar uma noção abstracta. Não apenas na linguagem quotidiana reifica-se o social. Importantes teóricos sociais e filósofos conceberam a sociedade como uma entidade viva. Émile Durkheim, um dos fundadores da Sociologia, acreditava que a sociedade era uma totalidade orgânica que preexistia a seus membros. Para ele, a sociedade era como uma “substância moral” e, além disso, uma “consciência colectiva”. O social era uma força moral coercitiva, externa aos indivíduos, que modelava por completo suas atitudes, gostos e pensamentos. Por sua vez, o marxismo parte da perspectiva de que as estruturas sociais, sobretudo a infra-estrutura económica, determinam a superstrutura religiosa, moral, jurídica e cultural. Sendo assim, os indivíduos nada mais são que marionetes, guia-

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“A única realidade social é o indivíduo, por isso mesmo ele é a única realidade. O conceito de sociedade é um puro conceito; o de humanidade uma simples ideia. Só o indivíduo vive, só o indivíduo pensa e sente.” Fernando Pessoa in “Textos Filosóficos”.

dos e arrastados por forças sociais e económicas poderosas. Outros autores e escolas de pensamento também substancializaram a sociedade. Para os organicistas biológicos do século XIX como Herbert Spencer e Ernst Haeckel, a sociedade era vista como um “organismo vivo gigantesco”. Os românticos alemães, principalmente Herder, concebiam as sociedades como “almas nacionais”. Hegel defendera a tese de que a sociedade era a materialização do “espírito colectivo”. Estas perspectivas teóricas partem da premissa de que a sociedade é algo externo aos indivíduos. Uma realidade que está acima e além deles. Definem o social como uma espécie de substância, como uma coisa, como um objecto estático, uma realidade concreta semelhante a uma pedra, a uma árvore ou uma bola de bilhar. Porém, a sociedade não é propriamente algo subsistente como um organismo vivo ou uma alma. As “forças sociais”, as “estruturas sociais”, “as classes e grupos sociais” e o “sistema social” não existem de forma autónoma, independentemente dos indivíduos que os constituem. O social nada mais é que um conjunto de indivíduos em interacção. Trata-se de pessoas entre outras pessoas en-

volvidas em relações de cooperação e conflito. Como lembra o historiador e sociólogo Norbert Elias, noções como família, escola, indústria, cidade e estado, referem-se essencialmente a grupos de seres humanos interdependentes, formando configurações específicas. Ademais, o social – a sociedade – não pode ser visto, nem mesmo pode ser captado directamente pelos sentidos físicos. Não é um objecto material, uma entidade do mundo físico perfeitamente delimitada e perceptível. De acordo com Ludwig von Mises: “É algo manifesto que ninguém é capaz de observar e analisar a sociedade como um todo. Tudo o que pode ser observado é apenas a acção de indivíduos”. Desse modo, só é possível descrever, analisar e compreender uma sociedade, descrevendo, analisando e compreendendo as condutas, as acções, os valores e as ideias dos indivíduos que a compõem. A sociedade não é capaz de pensar, sentir e agir. O sistema social não tem intenções, vontades e desejos, quem os tem são os indivíduos. Em suma, a sociedade não é um ser dotado de inteligência, consciência e vontade livre. Assim sendo, não pode ser

avaliada, julgada e responsabilizada. A premissa de que a sociedade é um ser vivo subsistente, com finalidades e objectivos, legitima o argumento de que a culpa é sempre da sociedade, de que os indivíduos são meras vitimas de um sistema social opressor. Ao eximir a responsabilidade dos indivíduos, transferem-se automaticamente as culpas e males para um ente abstracto. O problema reside sempre nesta entidade fantasmagórica e nunca nos indivíduos reais de carne e osso. Não se imputa a responsabilidade a alguém, a uma pessoa concreta, mas a algo abstracto – o famigerado sistema social. Segundo o filósofo e sociólogo Recásens Siches quando se concebe sociedade como uma substância, uma realidade com existência própria e independente, acaba-se por justificar as doutrinas políticas e sociais que pretendem escravizar os indivíduos. Ao tornar outras entidades colectivas como o Estado, a nação, a classe e a raça organismos vivos dotados de inteligência e vontade própria, legitima-se a sujeição dos indivíduos a estes entes fetichizados. A coisificação da sociedade transforma as pessoas em insignificantes e descartáveis elementos da engrenagem social, submergindo-as num

todo colectivo amorfo e sem rosto. Em síntese, a coisificação da sociedade acaba por coisificar os indivíduos, pois retira-lhes o rosto humano. É a fonte primordial de toda a forma de colectivismo, socialismo, estatismo, nacionalismo agressivo e racismo. Com efeito, a estatolatria e a sociolatria modernas favorecem e estimulam o conformismo, o servilismo, o nivelamento igualitário e a massificação. A transformação do Estado, da sociedade e de outras entidades colectivas em ídolos a serem objecto de devoção e culto, conduz à despersonalização e debilita e desintegra as individualidades. Torna os indivíduos seres passivos, objectos inermes completamente moldados por forças impessoais. A fetichização da sociedade enfraquece – senão mesmo anula – a capacidade de acção dos indivíduos, debilitando a aptidão humana de resistir e se opor as pressões, forças e “condicionamento sociais”. Faz da pessoa humana um produto mecânico dos influxos sociais e não um sujeito agente capaz de intervir na marcha dos acontecimentos. Ainda, a “tirania do colectivo” reduz todos os ideais, valores e actividades humanas a interesses de teor social. Tudo aquilo que não tenha uma dimensão e uma finalidade eminentemente social é visto como uma actividade supérflua e ornamental, um “preconceito burguês”, uma atitude egocêntrica e inútil para o bem estar colectivo, convertido – de acordo com o ideal colectivista – em um simples bem estar material tão de agrado ao homem-massa. Teorias sociais que reificam a sociedade são o fundamento especulativo para os mitos políticos modernos de teor estatólatra e colectivista que tendem, fatalmente, a hipertrofiar “entes colectivos”. Este processo, via de regra, resulta na diminuição da liberdade e do poder de acção da pessoa humana. O que se busca, em última instância, é a anulação do valor da personalidade, domesticando-a e submetendo-a aos ditames e imperativos de forças impessoais, ou ao arbítrio de lideranças populistas e ditatoriais que afirmam representar os interesses de entidades abstractas como o povo, a nação, humanidade, a comunidade ou determinada classe social. Há que se restabelecer a primazia da pessoa humana, sua dignidade e valor superior frente a qualquer “organismo colectivo”. Estado e sociedade não são fins em si mesmo, mas apenas meios para a realização da pessoa humana. ■ * Doutor em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor de Ciências Humanas na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)/ Campus Itaqui, no Brasil.

O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015 •

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Opinião

Ao colunista do lado

Neo-esclavagismo finis mundi

Flávio gonçalves

da trincheira

Humberto Nuno de Oliveira

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Nas últimas duas semanas debrucei-me sobre os vários portais com ofertas de emprego que existem em Portugal (e são bastantes), estava curioso para ver como vão as coisas nesse Portugal da retoma que cria dez mil novos milionários por ano. As minhas conclusões são deprimentes, não sendo a minha área (iniciei-me academicamente em História e actualmente batalho em Estudos Europeus) não sei se algumas propostas de emprego que por aí andam serão estritamente legais, mas do ponto de vista moral e humano são verdadeiramente aberrantes. Pois bem, a paixão pelos recibos verdes está para ficar e o ordenado mínimo é encarado como a remuneração limite, são raras as ofertas que oferecem mais que esse rendimento e nalguns casos já se oferece menos ou a recibos verdes (tenhamos em conta que os trabalhadores terão que descontar 23 por cento de IVA e ainda para a Segurança Social da já magra quantia que recebem). Pior, encontrei ofertas – e não foram poucas – de ordenado mínimo para jornadas de 12 e 16 horas de trabalho diário,

cinco dias por semana, e outras de sete ou oito horas diárias seis dias por semana. Aos bons tempos do antigamente regressou em força um fenómeno que eu julguei que se tinha extinguido por completo: as ofertas para trabalhadores internos, são dezenas e dezenas de anúncios para pessoal interno a troco do ordenado mínimo ou um pouco acima e a esmagadora maioria a recibos verdes. Serão os 10.000 milionários que o Portugal em crise de 2013 criou em 2014 a angariar a criadagem lá para casa à boa maneira da Era Vitoriana? Foi a isto que o governo nos reduziu? As leis laborais mal paridas, a inexistência de direitos que não consigamos defender por força de um advogado, um serviço público de

fugir, ordenados e jornadas de trabalho que só podemos apodar de neo-esclavagismo, será esta a sina de Portugal nas próximas décadas? Ou será que só veremos ordenados e jornadas laborais de nível europeu quando emigrar metade do país e um quarto morrer de fome ou falta de apoio médico? Pois aí teremos mais vagas de emprego que trabalhadores para as preencherem, mas creio que nem num cenário apocalíptico no qual desapareceu mais de metade da população nacional o patronato português aprenderá a lição e abandonará as práticas neo-esclavagistas. Afinal, como costuma recordar um angolano meu amigo: “é um povo de esclavagistas, esperavas o quê?” ■ [email protected]

Zuleika Bloom Com toda a naturalidade

Luísa Venturini

Trajava de roxo a maior parte das vezes, talvez por lhe ter ficado retido na memória um momento da infância em que se apaixonou por aquela mistura desabrida de safiras e rubis. Fariam falta alguns anos para se entrançar com os mistérios das cores dedilhados pela Blavatsky e muitos mais para que um outro mistério lhe aguçasse a mente – não, não tinha a ver com procissões, ainda que o símbolo estivesse tão próximo, conjecturava ela, que poderia ser uma emanação do mesmo arquétipo. Mas, a verdade era que trajava quase sempre de roxo. Dizer simplesmente que “se vestia de roxo” não faria jus à seriedade cerimoniosa com que se aplicava no ritual, perscrutando no roupeiro, nas gavetas e no arsenal de porta-jóias e caixinhas o pormenor certo, que criaria com todos os outros a harmonia coincidente com os acordes da sua alma, naquele dia específico. Depois, como

um remate indispensável, abria a vitrina dos aromas, detinha-se por uns momentos, fechando os olhos, para identificar rigorosamente o perfume apropriado. Vogaria entre umas três fragrâncias (ou quatro, melhor dito). De quando em quando, a tentação arrastava-a para uma mais jovial e cítrica, porque acreditava que melhor lhe alimentaria a energia em manhãs de invulgar boa disposição. Mais recorrentemente, o gesto encaminhava-a para uma pequena ânfora de vidro que lhe abria a porta para jardins suspensos, porém sem o travo açucarado dos pomares. Noutros dias, quando os roxos eleitos lembravam céus de noites de verão e a sua alma resplandecia de convicção, não resistia àqueles odores secos dos bosques de cedros e com salpicos bons de mel e ameixa que lhes retiravam peso ainda que não magia. O outro, o tal quarto perfume, nem tinha marca fixa, pois todas elas tinham um assim, e só o usava quando de si própria e dos seus roxos nada teria a dizer, numa ou noutra circunstância mais social e anónima. Portanto, sim: era todo um ritual. Havia outras cores que também só usava em dias de festa pessoal e íntima – os tons de rubi e de esmeralda, raramente os de turquesa e de salmão. Mas isso tinha a ver com via-

gens que guardava para si, como as estrelas que as crianças escolhem como suas em noites felizes. O preto, sim, usava muito o preto, ainda que geralmente acompanhado pelo branco, nos dias em que descria do seu nome, ou por outras cores, quando assaltada por certas dúvidas, o que era frequente. Em toda a vida, ousara uma dúzia de vezes o preto integral – ou porque a situação o exigia ou porque se tinha extrapolado tanto, mas tanto, que acreditava que podia merecê-lo. Outras cores até poderiam acontecer, embora geralmente por engano ou por generosidade – “solidariedade”, gostava ela de dizer, e, nessas ocasiões, só mesmo o perfume levava o seu nome ou, então, se desesperada do mundo, limitava-se a pôr nos pulsos uma gota de óleo de rosas. Cruzei-me com ela no outro dia e ficámos horas a conversar. Ambas temos um fascínio por Farid al-Din Attar, o Sufi perfumista de Nishapur, e juntas mergulhámos como pudemos n’A Conferência dos Pássaros. Sim, estou a falar da Zuleika Bloom, uma egípcia nascida na Europa que estuda Sufismo e traja de roxo. Se por algum acaso alguém se cruzar com ela, não tenho dúvidas de que a reconhecerá, se não pela cor, certamente pelo perfume. ■

Declaração prévia: tenho pelo Flávio Gonçalves consideração pessoal e respeito intelectual. Reconhecendo-lhe uma formação sólida, sempre lhe relevei as suas camaleónicas mudanças dentro do espectro político português (onde passou por inúmeros partidos), sempre o defendi junto de quantos na direita revolucionária (por onde também passou…) o acusavam de traição. Entendi-o muitas vezes pois, tal como ele, muitas vezes me incomodam os espartilhos e cartilhas prontas a consumir. Confesso, por tudo quanto escrevi, que me surpreendeu e mesmo me senti algo incomodado, pela sua última crónica. Então temos que nos prostituir para chegarmos a algum lado? Esta nunca esperei, nem mesmo do Flávio que sempre militou contra o sistema que, e muito bem sempre condenou estes orwellianos tempos, que sempre denunciou o Bilderberg (onde os seus de agora socialistas andam), sempre denunciou a falsa democracia e o politicamente correcto (que agora, por uma questão de mínima coerência, já não poderá fazer), sempre quis pensar e ter opinião sobre o holocausto (que o levaram mesmo a Teerão), entre outros aspectos que o caracterizavam como um livre-pensador, não arregimentado. Chegar pois à sua idade (é bem mais novo do que eu) e sentir que o pragmatismo é o único caminho, que o levará a atraiçoar algumas das suas crenças profundas é (talvez próprio destes tempos de profunda crise) um triste balanço de vida. Sendo certo que não se podem servir em simultâneo dois “amos”: os Valores e o Interesse. Como o Flávio bem sabe há pragmatismo e pragmatismo (eu seria incapaz de alianças com os “berloques”) porque há valores que são inultrapassáveis sob pena de deixarmos de ser nós. Declarar que só lá se vai com o Partido Socialista é o mesmo que declarar a aliança com uma cobra venenosa… E onde ficará a independência que sempre tanto prezou, neste partido tão bem comportado? De resto, meu caro Flávio, todos quantos temos valores não queremos chegar a lado nenhum (se nos quiséssemos prostituir, há muito que já estaríamos “instalados”), queremos apenas ter a consciência tranquila e a certeza de que não vendemos ideias e valores em troco de nada… Quanto ao resto, ao Flávio já ninguém espera qualquer coerência político-partidária, nem que esta posição seja definitiva… ■ [email protected]

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Viver

horóscopo

esfinge n.215 - Cruzadas e Charadas 1

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Palavras Cruzadas

Original de “Aldimas” – Mouriscas

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PALAVRAS CRUZADAS

Horizontais

Verticais

1. Navegar; Quarto interior de dormir. 2. Cigano; Próprio para moer. 3. Aguçam; Mau dançador. 4. Motivo; Cairia rolando. 5. Nas; Conteria. 6. Pequena ave granívora conirrostra, de cor parda, que se alimenta de sementes e insectos. 7. Ajuntamento de gatos; Madrasta. 8. Cariocineses; Desamparados. 9. Implorar; Finório. 10. Várzeas; Qualquer compartimento (pl). 11. Tempestuosas; Cheio até à borda.

1. Ficar doente de cama; Mexi. 2. Ramais; Andar à roda. 3. Azáfama; Canapé. 4. Relação; Grande hélice dos helicópteros (pl.). 5. Ondas dos rios; Sua. 6. Que fazem mover. 7. "Lúmen"; Demarcações. 8. Clarificaria (o vinho); Botequim. 9. Fábrica de louça de barro; Sinal cabalístico. 10. Diversificar; Costumes. 11. Espaço delinitado; Da natureza do gás.

Soluções Esfinge n.214

1. Som; Varetas. 2. Iras; Remate. 3. Racio; Males. 4. Edaces; Las. 5. Nas; Setas; C. 6. Es; Atros; Ma. 7. S; Acera; Nom. 8. Aba; Aiveca. 9. Abato; Segar. 10. Calara; Rada. 11. Amorena; Ras.

CHARADAS

1. Rachador 2. Achaada 3. Aforrado 4. Alcarraza 5. Lambança 6. Melado / D 7. Medico / M 8. Samarra / G 9. Manja / C 10. Canteiro / S

Charadas Dez Charadas “Apocopadas” 1 – A DERROTA dos bombeiros foi motivada pela violência do FOGO. 3, 2 2–O  ESFOMEADO toda a vida CHORAMINGA. 4, 3 3–O  CURATIVO foi-me ensinado pela CURANDEIRA. 4, 3 4 – É MODESTO mas tem muita COMPOSTURA. 4, 3 5–O  CHAPIM morreu porque saíu do ninho PREMATURAMENTE. 3, 2 6 – A LEVADA corria por um ribeiro com fundo CAVERNOSO. 3, 2 7 – E stava ENEVOADO o céu este INVERNO. 3, 2 8–O  ANOTADOR enquanto aqui trabalhou teve uma brilhante PRESTAÇÃO. 3, 2 9 – F oi no CALDEIRÃO que fizeram o almoço para as CORISTAS. 3, 2 10 – F oi o FALADOR que fez a ALOCUÇÃO. 3, 2

da

maya

Av. Inf. Santo, 2  R (recuado) - 2º Dt. – 1350-178 Lisboa Telf: 213530831 • Fax: 213530853

CARNEIRO Carta da semana: I O MAGO

O MAGO propicia uma semana de mudanças globais. AMORES: Pode ter êxito sentimental, evite falta de confiança ou pensar continuamente em acontecimentos negativos. DINHEIRO: A semana não é uniforme e inicia-se com alguns impasses ou mesmo quebras de motivação. SAÚDE: Movimente-se bastante.

TOURO Carta da semana: III A IMPERATRIZ

O IMPERADOR marca uma semana repleta de energias sólidas. AMORES: Está seguro de si e conseguirá cativar os outros e obter grande reciprocidade de sentimentos. DINHEIRO: A conjuntura favorece-o pelo que não deve deixar esperar propostas ou assuntos do seu interesse. SAÚDE: Leve tratamentos até ao fim.

GÉMEOS Carta da semana: XV O DIABO

Semana de grande grau de exigência e intensidade para Gémeos. AMORES: Esta semana pode trazer uma grande reviravolta na sua vida; de repente os sentimentos e as vivências ganham novos contornos. DINHEIRO: Não há grandes evoluções. SAÚDE: Poderá dizer-se que está em boa forma.

CARANGUEJO Carta da semana: XIII A MORTE

Esta semana haverá uma alteração de planos, independentemente ou não da sua vontade. AMORES: Algumas alegrias estão-lhe reservadas no quadro familiar. DINHEIRO: Tendência a realizações importantes neste domínio. SAÚDE: Previna estados de doença.

LEÃO Carta da semana: IV O IMPERADOR

A conjuntura permite-lhe dominar os acontecimentos. AMORES: A conjuntura permite-lhe ultrapassar fragilidades; contudo deve contar apenas consigo. DINHEIRO: Conseguirá marcar posições e obter consolidação profissional embora com trabalho árduo e ininterrupto. SAÚDE: Desenvolva cuidados com o coração.

O Diabo em casa

VIRGEM Carta da semana: XI A FORÇA

Sentirá uma grande energia. AMORES Poderá estar sujeito a alguns conflitos já que está muito exigente. DINHEIRO: Terá trabalho a dobrar mas conseguirá levar tudo de forma bastante alegre e descontraída. SAÚDE: Faça prevenção de problemas de boca e dentes.

Assinar O DIABO é receber comodamente em sua casa, todas as semanas, o mais independente semanário do País. Com um custo mais baixo do que pagará em banca, não deixe que o incómodo da chuva e do frio impeça a leitura de reportagens, das notícias e da opinião independentes, rigorosas e livres.

BALANÇA Carta da semana: VIII A JUSTIÇA

A conjuntura não está facilitada, encontrará alguns obstáculos. AMORES: É altura de ter o que merece por isso deve dizer o que lhe vai no coração. DINHEIRO: Aproveite uma maior solidez económica para amortizar dívidas antigas. SAÚDE: Mais do que nunca deve optar por comportamentos saudáveis.

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ESCORPIÃO Carta da semana: XVII A ESTRELA

Carta a marcar uma conjuntura muito benéfica e privilegiada. AMORES: A vida sentimental colhe boas influências. DINHEIRO: Possibilidade de modificações positivas na vida profissional. Vai sentir-se mais seguro e independente. SAÚDE: Boa fase neste sector.

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SAGITÁRIO Carta da semana: XIV A TEMPERANÇA

A Temperança aconselha moderação e rigor no doseamento dos esforços quotidianos. AMORES: Fomente o diálogo e os momentos harmoniosos. DINHEIRO: Atravessa um momento de moderação e onde não sentirá grandes movimentações quer a nível profissional que financeiro. SAÚDE: Aconselha-se uma visita ao otorrino

CAPRICÓRNIO Carta da semana: X A RODA DA FORTUNA

A RODA DA FORTUNA fomenta uma forte necessidade de fazer modificações. AMORES: Tende a comportamentos de componente egoísta. DINHEIRO: Há a possibilidade de ser confrontado com notícias desagradáveis respeitantes a situações profissionais ou económicas. SAÚDE: Estará bem na saúde.

AQUÁRIO Carta da semana: XIX O SOL

A conjuntura é muito favorável para estes nativos e a quem serão dadas novas oportunidades indutoras de êxito. AMORES: Pode ser alvo de manifestações sentimentais surpreendentes e inesperadas, retribua todos os afectos sem reservas. DINHEIRO: Agarre novos desafios profissionais. SAÚDE: Saúde sem problemas.

PEIXES Carta da semana: VI O AMOROSO

910 666 111

O AMOROSO é uma carta de solicitações variadas que o poderão deixar confuso. AMORES: Este sector está movimentado e sentirá à sua volta uma onda de renovação. DINHEIRO: É o sector mais protegido embora tenha de ser firme. SAÚDE: Semana instável.

O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015 •

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Viver LIDES

Microsoft ignora lobby anti-taurino Os falsos amigos dos animais queriam impedir o lançamento de um videojogo de tema tauromáquico, mas a empresa de Bill Gates deu-lhes para trás… É um videojogo, chama-se “Toro” e, como o nome indica, gira em torno da temática taurina. Sentado em frente do seu computador, o jogador pode simular uma faena, uma lide de bandarilhas ou outra sorte, tanto em ambiente de praça como em cenário de lezíria. Para qualquer pessoa normal, trata-se de um passatempo inocente e que a ninguém prejudica. Mas a fúria censória dos militantes do ‘lobby’ anti-taurino não tem limites… Desde que “Toro” (desenhado para a nova geração de consolas como a Xbox) foi anunciado pela produtora espanhola Reco Technology, uma campanha histérica encabeçada por activistas anti-touradas tentou desesperadamente evitar que o videojogo chegasse às lojas da especialidade. “Não compreendo como uma empresa tão prestigiada e que afirma ser socialmente responsável

pode permitir o lançamento deste videojogo”, afirmou Bianca Alonzo Díaz, promotora da campanha, em carta enviada à Microsoft, fabricante da Xbox. “Trata-se de considerar normal um acto que glorifica o mau trato aos animais”, acrescentava a ‘lobbyista’. Mas a Microsoft, de Bill Gates, não se comoveu com a fraca argumentação anti-taurina. Em comunicado, a empresa de informática respondeu sem margem para dúvidas: “Os criadores de jogos devem ter a liberdade de criar uma variedade de jogos e experiências de entretenimento tão ampla como a procura dos consumidores, e são estes que, por sua vez, devem escolher livremente que jogos compram ou não”. Ponto final. Em Portugal, a afición acompanhou ao longo de semanas a polémica levantada pelos anti-taurinos e saudou a decisão final da Microsoft. Comentando que a campanha do ‘lobby’ é “incompreensível num universo em que muitos dos jogos têm como objectivo matar pessoas”, o ‘site’ Tauródromo condenou o “incansável desejo de censura

de tudo o que seja taurino” e congratulou-se com a “grande lição de liberdade e respeito que a Microsoft dá perante o extremismo, o radicalismo e o fanatismo anti-taurino”. Assim, o videojogo “Toro” chegará ao mercado no próximo mês de Abril, em versões para consolas Xbox One, PlayStation 4 e computadores. Venceu o bom senso.

António Pelarigo, acompanhados à guitarra por Bruno Mira e Alexandre Silva. Inscrições pelo telemóvel 916868538 ou pelo e-mail [email protected]

Gala em Elvas

A Rádio Elvas realizará no próximo dia 28 de Fevereiro, pelas 20 horas, a sua gala anual para atribuição dos prémios aos “mais de 2014”. O evento decorrerá no restaurante “O Carrascal”, na Estrada Nacional 4, junto à GNR de Elvas. Na categoria “Tauromaquia”, serão agraciados os cavaleiros Joaquim Bastinhas e Marcos Tenório Bastinhas, o Grupo de Forcados Académicos de Elvas, o bandarilheiro Ricardo Raimundo e a Ganadaria D. Luís Passanha. O troféu “Divulgação e Defesa da Tauromaquia” será entregue ao Prof. Marco Gomez. ■

Fernando Palha

O anunciado jantar de homenagem a Fernando Palha está marcado para as 20 horas do próximo dia 22 de Fevereiro (um Domingo), no restaurante panorâmico do Hotel Mundial, em Lisboa. Estão previstas intervenções de António Vasco Lucas e Costa Ferreira, que traçarão o perfil taurino do homenageado, para além da actuação fadista de José Cid e

COCKPIT

Marcas “premium” entre as cinco mais vendidas

Seremos ricos? Por que motivo duas marcas automóveis exclusivas e consideradas “de luxo” estão consecutivamente entre as cinco mais vendidas no nosso País – ao ponto de, em 2014, o modelo com maior número de vendas em Portugal ter sido um BMW? Qual a razão de o mercado automóvel em Portugal ter crescido 36,2% em 2014, percentualmente o valor mais elevado a nível europeu? Começando pelo crescimento das vendas. Em primeiro lugar, a base de comparação era baixa. O mercado regrediu bastante e só começou a recuperar em meados de 2013. Isto explica o forte impulso verificado em 2014. A renovação das frotas das empresas foi responsável por cerca de metade das matrículas. Nomeadamente as ligadas à área do Turismo, já que cerca de 1/5 das vendas tiveram como destino agências de rent-a-car. Menos cepticismo económico e a consequente retoma de confiança, aliada a uma maior disponibilidade das instituições de crédito, deram impulso às compras. Tanto de particulares como de empresas.

DR

Sabe por que é que a BMW e a Mercedes estão a vender tantos carros em Portugal?

Isto explica por que motivo Mercedes e BMW estão a vender tão bem em Portugal? Não. Mas uma das razões está no facto de estas marcas, comparativamente ao que acontecia há uma década, passarem a vender modelos com preços mais acessíveis. Grosso modo, as gamas de entrada destes dois construtores alemães representam 40% das suas vendas, em Portugal e no resto da Europa. Mas, ao contrário do que se possa pensar, os portugueses não compram carros baratos. A posse de um automóvel continua ligada a

questões de “status”. Depois, a sua escolha é quase sempre emocional. E, quer por razões de “imagem” quer por outras muito pouco racionais, a sonoridade do nome que algumas marcas transmitem pesa na decisão. E pesa muito. É por isso que em Portugal as versões mais vendidas são geralmente as mais bem equipadas. As chamadas “full extras”. Para isto há também uma explicação: são poucos os que compram um carro “a pronto”. Por isso, alguns milhares de euros a mais num contrato de crédito representam apenas um

acréscimo de dezenas de euros todos os meses. Além de questões de imagem, quer empresas quer clientes particulares que recorrem a um tipo particular de financiamento, o renting ou aluguer operacional, um dos factores mais importante para o apuramento da renda mensal é o chamado valor residual da viatura; ou seja, quanto vai valer como usado após os três ou quatro anos de duração do contrato de aluguer. Como facilmente se constata, BMW e Mercedes têm bastante procura no mercado de usados. Ou seja, são um valor seguro; tanto para quem financia, como para os particulares no momento de trocarem de carro. A redução do risco, aliada ao facto de alguns construtores utilizarem os seus próprios bancos para garantirem financiamentos mais vantajosos, fez descer a “renda” dos modelos das duas marcas. Ao ponto de, em alguns casos, ficarem equiparadas à de veículos com custo inicial mais baixo. Para concluir, o que levou marcas tão exclusivas como a Mercedes ou a BMW a entrarem em segmentos mais baixos de mercado? Resposta: além de venderem mais carros, obviamente, também conquistaram outro tipo de clientes. Clientes mais jovens, por exemplo. A Mercedes já reduziu em 5 anos a idade média do proprietário de um automóvel da marca. E qualquer destas marcas tem uma taxa de fidelização elevada. Afinal, ninguém gosta de andar de cavalo para burro… ■ www.cockpitautomovel.com

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• O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015

Registo

NA INTERNET www.jornaldiabo.com

Editorial

A vulgarização da sociedade “As Cinquenta Sombras de Grey” é a história em tom ligeiro de uma relação sadomasoquista entre um milionário e uma universitária que se tornou um ‘best-seller’ mundial. A passagem do livro ao cinema impulsionou mais ainda um fenómeno que interessa analisar. Para o crítico de cinema Eurico de Barros, os autores “conseguiram a proeza de fazer um filme tão erótico como o presidente Robert Mugabe a tomar duche, tão excitante como ver uma parede pintada de fresco a secar, tão ‘perigoso’ como um chihuahua recém-nascido e tão ‘transgressor’ como uma velhota a atravessar uma rua um centímetro ao lado da passadeira de peões”. Razões de sobra para o evitar, mas nem a má qualidade do filme parece impedir que seja um êxito semelhante aos livros.

Paralelamente ao sucesso de bilheteira, o filme motivou uma corrida às ‘sex shops’, onde cada vez mais pessoas procuram adereços sexuais “atrevidos”. Podemos ironizar, mas o que está em causa é mais preocupante. É uma das consequências da vulgarização da sociedade, que implica uma involução. Como escreveu António Marques Bessa, o perigo da homogeneidade “implica uma perda nas capacidades de resposta da espécie humana no seu conjunto, apresenta também fenómenos secundários de domesticação corporal, como o aumento de gordura, diminuição de combatividade, obsessões sexuais, diminuição da selectividade sexual e outros elementos negativos para a conservação

da nossa espécie. A uniformização e a vulgarização são também aspectos de uma regressão civilizacional, já que o caminho ascendente se caracteriza por uma crescente diferenciação e um maior grau de organização”. Para além de um problema civilizacional, há uma questão íntima. As relações humanas não se resumem ao aspecto físico, muito menos a práticas ditadas por uma moda. Recordo-me do que escreveu o argentino Adolfo Bioy Casares: “a intimidade não consiste unicamente em despirmo-nos e abraçarmo-nos, como pessoas ingénuas o imaginam, mas em comentar o mundo”.

Grécia deve 257 euros a cada português

Caos ribeirinho

Baseando-se em dados da Bloomberg, o primeiro-ministro afirmou que Portugal era o país da União Europeia que, em percentagem do seu produto, mais dinheiro tinha emprestado à Grécia. No dia seguinte, a oposição embandeirou em arco porque, afinal, parece que a Bloomberg, uma das mais respeitadas analistas financeiras mundiais, tinha usado critérios discutíveis para chegar a essa conclusão. Não me dei por satisfeito e quis aprofundar o assunto, coisa que hoje em dia é fácil de fazer através da Internet. Percebi então que Portugal poderá não ser o primeiro credor dos gregos, mas é certamente o nono, no conjunto dos vinte países da Zona Euro e dos 28 da

A Câmara de Lisboa, agora presidida em part-time por um dirigente partidário que quer ser primeiro-ministro mas não há meio de largar o tacho autárquico, anunciou que vai “requalificar” o Campo das Cebolas e o Cais do Sodré, criar “acessibilidades assistidas” à Colina do Castelo e avançar com “projectos” na área do Terreiro do Paço e de Santa Apolónia. Entre “requalificações”, “acessibilidades” e “projectos”,

União Europeia, o que é significativo para um país pobre e endividado como o nosso. De falta de solidariedade para com os gregos ninguém nos pode acusar. Ao todo, Portugal tem enterrados na Grécia 2.676 milhões de euros, o que significa 257 euros por cada português, para além de continuar exposto ao risco proporcional dos empréstimos do Banco Central Europeu ao Banco da Grécia e ao Estado grego. Sintomaticamente, a oposição fartou-se de badalar que não éramos o maior credor relativo, mas “esqueceu-se” de informar os portugueses sobre quanto nos devem realmente os gregos. Só se lembram do que lhes convém… C. Gomes Santos, Porto

Socialismo à angolana Angola, essa bela Angola onde nasci e cresci, e que tive de abandonar para que uns tantos generais se “amanhassem” em nome do socialismo soviético, entretanto desaparecido, está agora a colher os frutos da sua insensatez. E são frutos amargos. O petróleo, que dava rios de dinheiro à plutocracia instalada em Luanda, foi durante décadas a árvore das patacas: não era preciso trabalhar, bastava controlar o negócio e ver o dinheiro entrar nas contas bancárias. Agora, com as receitas do ouro negro a caírem quase 20 por cento, os plutocratas têm de apertar o cinto, mas mais uma vez não é o cinto deles que apertam, mas sim o

do povo miserável que continua a viver nos musseques, muito pior do que vivia nos tempos do horrível “colonialismo” português. Desde 1975, não se investiu na agricultura, nas pescas ou na indústria, naquilo que pode garantir a prosperidade de um país, mas apenas em construção de luxo, restaurantes e lazeres. Agora, que a realidade bate à porta, os suspeitos do costume já têm o suficiente para não se preocuparem, enquanto a esmagadora maioria dos angolanos tem de se preparar para comer funje com funje nos bairros miseráveis onde vegeta. E viva o socialismo! Fernanda Porto, Faro

Salazar e as Lajes O Sr. Embaixador Francisco Seixas da Costa afirmou que “Portugal nunca conseguiu usar as Lajes na sua política externa”. Esperava mais de uma mente culta e informada como a sua. Esquece o Sr. Embaixador a hábil política externa de Oliveira Salazar durante a II Guerra Mundial, que usando precisa-

mente a Base das Lajes conseguiu pôr os americanos no seu lugar, obtendo para o nosso país vantagens políticas, diplomáticas e económicas, sem prejuízo da neutralidade que evitou que Portugal se envolvesse na carnificina que foi esse conflito global. J. José Esteves, Porto

Duarte Branquinho [email protected]

os lisboetas que se preparem para mais uns longos anos de obras, estaleiros e caos. Depois de mais de duas décadas do mesmo, conclui-se que quem nasceu nos últimos vinte e cinco anos nunca conheceu a Baixa Ribeirinha limpa, arrumada e em paz. E arrisca-se a morrer sem ter esse privilégio. Quem lucra com tudo isto? Responda quem souber. Luís Marques, Barreiro

Fundadora Vera Lagoa Director Duarte Branquinho Texto A. Marques Bessa, Brandão Ferreira, Eduardo Brito Coelho, Flávio Gonçalves, Francisco Lopes Saraiva, Francisco Moraes Sarmento, Frederico Duarte Carvalho, Godinho Granada, Guido Bruno, Henrique Pereira, Henrique Silveira, Hugo Navarro, Humberto Nuno de Oliveira, José Almeida, José Serrão, Luísa Venturini, Manuel Cabral, Manuel Silveira da Cunha, Paulo Ferrero, Pedro A. Santos, Pinharanda Gomes, Rogério Lopes, Soares Martinez, Vítor Luís Rodrigues Fotografia António Luís Coelho, Rui Coelho da Silva Grafismo Ana Sofia Pinto Redacção Azinhaga da Fonte, 17 1500-275 LISBOA Telefone: 217 144 315 / 910 666 111 [email protected] ASSINATURAS Telefone: 217 144 315 [email protected]

“Compagnon de route” Volto a referir-me ao antigo dirigente do PSD, Pacheco Pereira, que prossegue na imprensa a sua incompreensível campanha esquerdista. Agora resolveu adoptar a linguagem trauliteira do comunismo de extrema-esquerda e até já escreve como os seus actuais camaradas. Segundo Pacheco Pereira, o Governo “despediu centenas de milhares de portugueses”, “destruiu a vida e o futuro de muitas famílias portuguesas” e “desmantelou” os serviços públicos. Se o uso repetitivo da palavra “portugueses” é típico deste tipo de discurso comunista (para se fazer muito patriota), mais típico ainda é o uso de verbos como “destruir” e “desmantelar”, característicos da violência verbal do radicalismo. Há dias, em mais um artigo, Pacheco Pereira volta a referir-se ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro como “Cavaco e Passos” – como se este tratamento à Bloco de Esquerda pudesse fazer esquecer que, durante décadas, ele próprio esteve incondicionalmente com Cavaco Silva e Passos Coelho. Agora, Pacheco Pereira acusa os

ERC n.º 104 231

antigos companheiros do PSD de “falarem dos ‘gregos’ como um país de gente preguiçosa, que só quer férias, que não paga coisa nenhuma e que pretende viver eternamente à custo do dinheiro estrangeiro”, quando no fundo os camaradas do Syriza seriam as pobres vítimas holocáusticas de “uma dura, penosa, cega, punitiva austeridade”. Não sei se “Cavaco e Passos” (para usar a sua expressão) se referem aos gregos como gente que quer viver à custa do dinheiro alheio. Duvido que pudessem tê-lo afirmado. Mas, se o fizessem, talvez não estivessem muito longe da verdade. Não se percebe, enfim, onde quer Pacheco Pereira chegar. Se pensa que a extrema-esquerda volta a recebê-lo de braços abertos como ao filho pródigo, é melhor desenganar-se: quando muito, seria usado e deitado fora, como ele muito bem sabe. Já por lá andou e deve ter consciência do que a extrema-esquerda pensa sobre os “compagnons de route” descartáveis que passam a vida aos zigue-zagues. João Carmo, Lisboa

Semanário O DIABO Propriedade do título Texto Principal Unipessoal Lda. Editor Texto Principal Unipessoal Lda. NIPC 509 307 205 Administrador da Texto Principal Fernando de Brito Cabral Impressão FIG-Indústrias Gráficas, SA, Parque industrial de Eiras, Rua Adriano Lucas 3020-265 Coimbra. Telefone: +351 239 499 922 Distribuição Vasp-Soc. Transportes e Distribuição, Lda. MLP: Media Logística Park Quinta do Granjal, Venda Seca - 2739 Agualva, Cacém. Telefone: 214 337 000. Fax: 214 326 009. Mail: [email protected] Tiragem média do mês anterior 25.000 exemplares Depósito Legal n.º 1968/83

O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015 • 23

A fechar

A Via

Memórias d’o Diabo

Lusófona RENATO EPIFÂNIO

“Nova Águia” n.º 15: está a chegar…

Cartoon de Augusto Cid publicado na edição de O DIABO de 15 de Novembro de 1977. ■

Uma questão de bom senso

A Grécia é o exemplo maior da natureza humana. Ao “pão e circo” romano, juntou-se agora um novo Cola di Rienzo, e irá tudo acabar não em ópera, mas em opereta. Antes em opereta, do que em drama. À “entrada de leão” do Ruínas do teatro da antiga Esparta com o monte Taigeto ao fundo governo grego, está a seguir-se uma cómica “saída de sena Cuba europeia. Também não será uma nova Atenas. O seu deiro”. Mas toda esta opereta tem consequências! Há muito que se sabia da situação fraudulenta das contas futuro terá que ser uma novíssima Esparta. públicas gregas, que tinha como objectivo criar as condições para “Que fazer?”, eis a famosa pergunta leninista, a qual, na que a Grécia entrasse na moeda única. A partir de então, houve prática, deu origem à feroz ditadura comunista. Contudo, esse muito tempo para que a União Europeia agisse de forma para também não é o caminho a seguir na Grécia. Mas que a União que tudo fosse corrigido e não se chegasse à situação presente. Europeia é tão, ou mais, responsável pelo que se está a passar Todavia, os interesses políticos, não deixar cair os partidos no sul da Europa, disso não haja dúvidas. do centro, e sobretudo os económicos, quanto mais emprésA solução, ou soluções, são diferentes para cada país, mas timos mais juros se receberia, e em alta, conduziram à tragédia que a “formiga” tem que “governar” em vez da “cigarra”, é grega que se vive. uma incómoda verdade. Quanto se diz que na Grécia, as recentes eleições foram A crise grega trará instabilidade política, económica e sobreum triunfo da democracia, está, como ensina o ditado popular, tudo monetária a toda a União Europeia. A unidade europeia “a tapar-se o sol com a peneira”, porque quem ganhou foi a vai ser, mais do que questionada, posta à prova. Por mais que demagogia. os políticos do sistema digam o contrário, não há certezas Foram propostas irrealistas que levaram à vitória eleitoral, quanto ao futuro. daí o recuo do actual governo nessas mesmas propostas, mas, Se houvesse Homens de Estado na Europa, o caminho seria em paralelo, o mesmo governo tomou de imediato medidas mais fácil de trilhar, um caminho de austeridade, sim, num populistas que só pioram a situação económica do país. Um pa- tempo em que a Europa se vê com um conflito a leste de final radoxo de consequências mais do que previsíveis, o povo grego imprevisível, e com o “cavalo de Tróia” do multiculturalismo “pagará” a curto prazo estas irresponsabilidades governativas. no seu seio, que a corrói, destruindo a sua Identidade, os seus A Grécia não será a Venezuela da Europa, muito menos Valores e a sua Matriz. ■

DR

MÁRIO CASA NOVA MARTINS

2015 é um ano rico em centenários e a “Nova Águia”, como sempre tem acontecido desde a sua génese, não deixa esquecer o que verdadeiramente merece ser lembrado, na vasta área da cultura portuguesa e lusófona. Assim, começamos por evocar o centenário do “Orpheu”, essa revista que, não obstante a sua brevidade, marcou profundamente o panorama cultura da época. Começando com duas estreias na “Nova Águia” – Eduardo Lourenço e Jerónimo Pizarro –, coligimos neste número mais de uma dúzia de abordagens – sobre “Orpheu” e as suas primaciais figuras: desde logo, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Neste ano assinala-se igualmente o centenário da “Arte de Ser Português”, essa obra tão emblemática dos desígnios da Revista “A Águia” e do Movimento da “Renascença Portuguesa”. Ainda que de forma menos extensa, evocamos também aqui essa obra maior de Teixeira de Pascoaes. Fiel à sua condição trans-nacional lusófona, a “Nova Águia”publica neste número as Comunicações proferidas na I Conferência Cabo-Verdiana “Filosofia, Literatura e Educação”, promovida pelo MIL na Universidade de Cabo Verde, a 18 e 19 de Outubro de 2013, em parceria com esta Universidade e com o Instituto Camões. E evocamos ainda, na secção Evo(o)cações, a cabo-verdiana Nela Barbosa e o brasileiro Sílvio Romero, pela mão do mais lusófono e lusófilo venezuelano: Ricardo Vélez Rodríguez. Neste ano assinala-se ainda o centenário do nascimento de Banha de Andrade e Pinharanda Gomes destaca bem o valor da sua obra – “a favor da filosofia portuguesa”, como refere. De resto, por exortação da sua família, a “Nova Águia”assumiu o patrocínio institucional de uma carta aberta, assinada por algumas das mais insignes figuras da nossa cultura, em prol da reedição da obra de Banha de Andrade – que, quer pela sua extensão, quer, sobretudo, pela sua qualidade, bem merece não ser esquecida. Pinharanda Gomes é, de resto, uma figura igualmente em destaque neste número, não só pela sua sempre valiosa colaboração, como, em particular, pela breve mais incisiva entrevista feita por Luís de Barreiros Tavares – publicada na secção Extravoo, onde se poderá ler igualmente uma muito interessante entrevista a José Eduardo Franco, onde, entre outros assuntos, se fala da recente edição da Obra Completa do Padre António Vieira, decerto, sob todos os pontos de vista, um dos maiores acontecimentos editoriais nos últimos anos no universo lusófono. Para o próximo número, está já na calha uma outra entrevista feita por Luís de Barreiros Tavares a Eduardo Lourenço. No próximo número, a figura em maior destaque será Sampaio Bruno, igualmente por ocasião do seu centenário (de falecimento). Como sempre, na perspectivante futurante que nos caracteriza, o que procuraremos reflectir será não apenas sobre a importância do pensamento de Sampaio Bruno na sua época, como, sobretudo, sobre a sua importância no século XXI. É esse o repto que desde já lançamos ao universo dos nossos colaboradores, universo esse que, como é manifesto, se vem alargando de número para número, em termos quantitativos e qualitativos. Ao décimo quinto número, a “Nova Águia” é já um clássico. Lançamento da “Nova Águia” 15: 25 de Março, 18h, no Palácio da Independência, em Lisboa. ■

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• O Diabo, 17 de Fevereiro de 2015

D. Manuel Clemente. O patriarca de Lisboa foi investido cardeal numa cerimónia na Basílica de São Pedro, no Vaticano, à qual assistiram três membros do Governo e cerca de 300 portugueses que se deslocaram a Roma.

Céu &Inferno Instantâneo

Isabel Moreira e Ana Gomes. A deputada e a eurodeputada do PS trocaram acusações a propósito das escutas de Portas. Um lavar de roupa suja que foi um triste espectáculo. A baixa política no nível mínimo...

Incómodo É curioso que aqueles que agora querem elevar Humberto Delgado (na foto, à direita de Salazar) a uma condição de herói nacional “esqueçam” o período da sua vida em que era um fervoroso apoiante do Estado Novo. Este passado “incómodo” é propositadamente ignorado porque é bastante inconveniente. Já as reviravoltas posteriores parecem ser louváveis. O “general coca-cola”, como lhe chamavam os comunistas nunca perdeu o “sentido da oportunidade”...

A Frase

•Positivo

Miguel Frasquilho, o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), afirmou no domingo passado que 2015 será “um ano positivo para as exportações”, destacando o “excelente exemplo” do sector do calçado e recordando que os últimos meses de 2014 foram muito favoráveis em termos de exportações nacionais, o que deixa perspectivas positivas para este ano. Assim esperamos, porque o País bem precisa. Infelizmente, de boas intenções está o Inferno cheio. Esperemos que não seja mais uma união entre as projecções económicas favoráveis e o discurso político positivo com que tantas vezes nos enganaram.

“O caso Sócrates não é um julgamento político” Ana Gomes in “Sábado”

•Chineses

Segundo revelou o presidente do Turismo de Portugal, João Cotrim de Figueiredo, as reservas de turistas chineses para Portugal aumentaram este mês mais de 50 por cento em relação a Fevereiro de 2014. Já no ano passado, quando se deslocou a Xangai, o secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, afirmou: “Temos razão para esperar que o crescimento, em 2015, seja ainda mais substancial do que em 2014. É para isso que estamos a trabalhar”. Pelos vistos, as afirmações do futebolista Paulo Futre, que há uns motivaram risada geral, estão a revelar-se proféticas. Ao ritmo que os chineses estão a comprar o País, serão realmente boas notícias?

•Clima

É triste ver a repetição anual da brasileirização do Carnaval em várias localidades portuguesas. O simples facto de o clima não ser propício a desfiles de raparigas semi-nuas dançando ao som de ritmos tropicais devia ser o suficiente para evitar este espectáculo sem sentido. É claro que cada um se pode divertir como quiser. Aliás, esta é a altura em que ninguém leva a mal... Mas num país com tantas e tão antigas tradições nesta época festiva, era bom que se começasse a olhar mais para aquilo que é verdadeiramente nosso. Pode ser que um dia esta moda do samba passe. Pode ser... Até lá, tentemos abstrair-nos deste “clima” importado.

Pergunta d’o Diabo

Responde Renato Epifânio, Presidente do Movimento Internacional Lusófono – MIL.

DR

Como comenta o “ministro da Cultura” do Vaticano ter elogiado o papel da Lusofonia na Igreja Católica?

Messias

•Nulo

Escreveu Vasco Pulido Valente que “quando agora os portugueses discutem com exaltação se devem ou não devem apoiar a Grécia ou juram candidamente reformar a União, não se lembram, como de costume, que o seu peso é nulo e, pior ainda, que a ‘Europa’ é irreformável”. De facto, o poder de Portugal nesta construção europeia artificial é praticamente inexistente. Era bom que os nossos políticos se lembrassem desta triste realidade quando apregoam a importância do País lá fora. A União Europeia e a moeda única não estão de boa saúde, mas tudo indica que continuem. A quem daí tire chorudos lucros, à custa das populações. Até quando?

Desde logo, como um sinal de que o “ministro da Cultura” do Vaticano é uma pessoa culta, o que raramente acontece com os ministros da Cultura, como se sabe – em alguns casos, poderíamos até falar de ministros da anti-Cultura... De resto, a Lusofonia não tem sido apenas importante na difusão da Igreja Católica. Enquanto cultura em que desde sempre conviveram as “três religiões do Livro” – judaísmo, cristianismo e islamismo –, a cultura lusófona poderia dar um importante contributo para a paz mundial, por via do diálogo ecuménico.

Primeiro, foi a eurodeputada do Bloco de Esquerda, Marisa Matias, a dizer que o primeiro-ministro Alexis Tsipras pode vir a Portugal, num tom quase profético de quem espera um salvador. Depois, foi Francisco Louçã, o antigo líder do Bloco, a afirmar que “pela primeira vez” Portugal tem um governo que representa os portugueses na Europa, precisando que “é um governo grego, não é um governo português”. Ou seja, somos representados por quem não elegemos e por quem não está muito preocupado em pagar o que nos deve. A aventura grega pode custar caro, mas faz os encantos dos “revolucionários” cá do burgo. A extrema-esquerda portuguesa está bloqueada à espera de um messias, que pelos vistos vem da Grécia. O internacionalismo tem destas coisas, até porque a “a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha”... FRA DIAVOLO

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