Quem é que ousa ser diferente?

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Quem é que ousa ser diferente?
O país está às voltas com uma recessão e vejo muitos amigos e colegas em dificuldades. Gente que antes não tinha com o que se preocupar hoje busca saídas heterodoxas para tocar a vida. As pessoas parecem mais sérias e preocupadas com o futuro imediato.
Essa situação faz com que a gente tenda a se isolar. Ou com que fiquemos mais discretos, e resolvamos nossos problemas sem comentar muito entre os vizinhos. Os conselhos, quando dados, o são a portas fechadas, e a questão principal é manter a aparência.
Mas hoje todos sabem que os problemas não são exclusivamente conjunturais. Certas profissões enfrentam crises há muitos anos, e muitos profissionais não vêm mais saída para dilemas que antes eram resolvidos em pouco meses. Certos profissionais com currículos de excelente qualidade não são mais encarados com tanto respeito. Os problemas atingem a todos – ou quase todos.
Num cenário em que os trabalhos formais tendem a diminuir fortemente e em que as saídas são muito pontuais (prestar concurso, por exemplo), surgem profissionais que defendem a saída por meio do empreendedorismo ou o uso de novas tecnologias em iniciativas isoladas. Surgem então iniciativas focadas na necessidade de realizar parcerias.
Pelo que tenho visto por aí, as oportunidades aparecem em níveis geralmente estanques. Por exemplo, se você vai num Linkedin depara-se com cargos de alto nível que exigem conhecimentos realmente diferenciados. Quem consegue concorrer a diretor de comunicação de multinacional, por exemplo?
Se por outro lado você resolve encarar sites de empregos, ora as vagas exigem talentos muito específicos ora são tão genéricas que terminam sendo hiperconcorridas. Se você vai numa secretaria do Trabalho de seu município, as vagas costumam ser tão básicas que seu currículo é considerado bom demais. Quando no Linkedin é fraco e nos outros, muito limitado.
Em certos ramos, como o artístico ou o de comunicação, é interessante realizar parcerias, pois as oportunidades são muitas vezes dadas, nesses mercados, pela agregação de talentos em momentos determinados. Fazer artigos sobre livros ou CDs de artistas amigos pode ajudá-los e criar oportunidades para você mesmo. Claro que escrever qualquer coisa não ajuda, necessariamente.
Um artista amigo meu opinou, estes dias, sobre essa situação. "Eu dizia pra uma amiga sobre os últimos acontecimentos de minha vida e do meu companheiro, que os desejos meus e dele não parecem suficientes pra que as coisas aconteçam. Ou seja, que as coisas que acontecem pra gente parecem vir de uma outra fonte, e não do nosso desejo".
Ele continuou: "A gente parece não poder mais supor o que está por vir... Como quando escrevemos... Acho que ao escrevermos a gente consegue juntar a fonte de onde as coisas acontecem ao nosso desejo. Acho que ficção é isso, entende?". Esse meu amigo é compositor e cantor, além de escritor.
Mas a própria realização de parcerias parece ter se tornado algo banal. Vejo artigos sobre SEO (Search Engine Optimization) que defendem parcerias, sim, mas que as encaram, aparentemente, mais como políticas de boa vizinhança do que como reais atitudes de trabalho conjunto. No caso dos artistas, as parcerias parecem em muitos casos esfumar-se com o tempo. A não ser que ocorra uma real valorização dos trabalhos envolvidos – o que não parece muito comum.
Portanto, face um panorama em que a oferta de serviço parece excessivamente superior à demanda, e em que muitos lutam encarniçadamente por recursos concentrados por poucos, a parceria pode ser encarada, por um lado, como uma atitude arriscada – pelos reais e geralmente parcos resultados possíveis – mas, por outro, como a única saída possível para quem, pelos próprios meios e credibilidade, não consegue alavancar determinados resultados.
O aspecto mais curioso disso tudo é, na minha opinião, a existência desmesurada de material humano e recursos de altíssimo nível, por um lado, e por outro a previsível multiplicação do mesmo, em que materiais que poderiam se diferenciar acabam assumindo, meio que por exaustão, e em linhas gerais, a mesma cara genérica de outros. Mais um incentivo à ausência de diferenciação, como estratégia de sobrevivência, e a diminuição da liberdade de ação, como instrumento de prudência. Muito chato, isso.

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