Quem somos nós? A descoberta de si e do outro através do debate em sala de aula

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In: LUNA, M. J. de M.; MOURA, V. (Orgs.). Língua e literatura: perspectivas teóricopráticas. Recife: EdUFPE, 2012. pp. 115-130. QUEM SOMOS NÓS? A DESCOBERTA DE SI E DO OUTRO ATRAVÉS DO DEBATE EM SALA DE AULA Julia Maria Raposo Gonçalves de Melo Larré1 (UFPE)

RESUMO: Pensar a colaboração e a argumentação como alternativas a serem desenvolvidas em sala de aula tem sido uma tendência nos estudos de Linguística Aplicada mais recentes (Leitão e Damianovic, 2011; Borelli e Pessoa, 2011; Larré, 2010; Magalhães e Fidalgo, 2010). Isto significa que é fundamental que investigações sejam realizadas a fim de que as práticas educativas no âmbito tanto do ensinoaprendizagem de língua materna quanto estrangeira sejam aprimoradas. Este trabalho se trata de uma breve reflexão sobre o impacto da atividade social “competição de debates” em duas turmas de ensino superior dos cursos de Ciências Contábeis e Administração de uma faculdade privada da cidade do Recife, na disciplina de Língua Portuguesa. Observamos, nesta experiência, a evidência dos resultados no que diz respeito à necessidade de práticas colaborativas que visem ao desenvolvimento da linguagem argumentativa com fins de que os aprendizes se vejam como responsáveis pelo seu dizer (Bakhtin, 2009), tornando-se, assim, cidadãos plenos. PALAVRAS-CHAVE: colaboração, argumentação, Língua Portuguesa, competição de debates ABSTRACT: Thinking of collaboration and argumentation as alternatives to be developed in the classroom has been a trend in some of the most recent studies of Applied Linguistics (Leitão and Damianovic, 2011; Borelli and Pessoa, 2011; Larré, 2010; Magalhães and Fidalgo, 2010). This means that it is essential to carry out investigations about these educational practices in both teaching and learning of foreign language with the main purpose of improving them. This paper is a brief reflection on the impact of the social activity "debate competition" into two classes of undergraduate courses of a private college in the city of Recife, in the discipline of Portuguese. The results evidence the necessity of taking collaborative practices in order to develop argumentative language and allow learners to see themselves as responsible for what they express (Bakhtin, 2009), and as active citizens. KEYWORDS: collaboration, argumentation, Portuguese, debate competition

INTRODUÇÃO O interesse pelo estudo da linguagem argumentativa sempre foi corrente nas humanidades. No entanto, segundo Banks-Leite (2011 in Leitão e Damianovic, 2011), nas duas últimas décadas este interesse vem aumentando gradativamente no Brasil. Isso se dá pelo fato de que foi constatado que a partir do contato estabelecido com o outro, o texto passa a ser o lugar de interação e criação, e que também traz meios de se repensar a realidade e refletir sobre os problemas a serem enfrentados nesta interação. O ensino de língua materna, apesar dos avanços conseguidos com o uso dos Parâmetros Curriculares Nacionais e das capacitações mais frequentes dos professores, ainda não prioriza o trabalho com a linguagem argumentativa, mantendo a concepção sobre este tipo de linguagem mais tradicional, com o ensino de redações padronizadas que não disponibilizam ao aluno espaço para argumentar, criar e verdadeiramente inovar no âmbito das ideias e no das ações.

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Profª Ms., Doutoranda em Linguística - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Departamento de Letras. E-mail: [email protected] Blog: http://julialarre.wordpress.com

In: LUNA, M. J. de M.; MOURA, V. (Orgs.). Língua e literatura: perspectivas teóricopráticas. Recife: EdUFPE, 2012. pp. 115-130. Pensando no desejo de se trabalhar a linguagem argumentativa de modo que a interação e a criação tivessem lugar garantido no aprendizado de língua materna, encontramos, então, na Teoria da Atividade Sócio-Histórico Cultural – TASHC – (Engeström 1999, 2009) juntamente com os preceitos bakhtinianos para o desenvolvimento da ideia deste artigo de que o trabalho com a linguagem deve dar prioridade ao uso da linguagem da vida real, a fundamentação teórica que precisávamos para o início da prática da competição de debates em sala de aula. A TASHC é uma teoria pensada por Engeström e inspirada nos conceitos de trabalho de Marx e na teoria de aprendizagem de Vygotsky. Nela, podemos pensar que o homem aprende por meio do trabalho com os pares, em uma atividade social que possua um problema a ser resolvido e que a comunidade pense que ela seja necessária. No caso da sala de aula, os alunos (que são a comunidade em questão) podem ter a necessidade gerada por uma observação de um indivíduo mais experiente, que na maioria das vezes se trata do professor. O objetivo deste trabalho é discutir o papel da argumentação (LEITÃO & DAMIANOVIC, 2011) e o seu impacto no contexto de educação em Língua Portuguesa de discentes dos cursos de Ciências Contábeis e Administração, de uma faculdade de ensino particular brasileira, na disciplina de Português Instrumental. Para tal formação, a professora-pesquisadora selecionou os “debates formais” como meio para trabalhar tanto as capacidades que envolvem o aprimoramento argumentativo quanto outras capacidades que serão discutidas mais adiante. Não pretendemos, no entanto, esgotar a discussão sobre o assunto e chamamos à atenção para o caráter bastante embrionário das nossas reflexões e do texto que segue.

1. COMO A ARGUMENTAÇÃO FORMAÇÃO DE UM SUJEITO?

PODE

CONTRIBUIR

PARA

A

Para Bakhtin (2009) as elocuções são respostas a um diálogo contínuo, não podendo ser tratadas somente como representações externas do pensamento. É desta maneira que podemos perceber que a argumentação encontra-se a todo o momento formando nosso pensamento que se alterna entre tensões complexas de forças centrípetas que operam na tentativa de unidade monológica (acordo) e forças centrífugas que tornam a linguagem dispersa em diferença e heterogeneidade (desacordo). Este complexo sistema pensado por Bakhtin é o jogo argumentativo no qual nossa concepção de sujeito se estrutura. A subjetividade, para ele, só existe se inserida no contexto social. Em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, Bakhtin/Volochínov, afirma que: Na realidade, o ato de fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo; não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é de natureza social. (Bakhtin/Volochínov, 2009, p. 113)

Portanto, de acordo com sua concepção marxista, é na sociedade e em um determinado momento histórico que as práticas de linguagem se tornam hegemônicas. A linguagem argumentativa, então, apesar de existente na construção dos nossos

In: LUNA, M. J. de M.; MOURA, V. (Orgs.). Língua e literatura: perspectivas teóricopráticas. Recife: EdUFPE, 2012. pp. 115-130. pensamentos, só é aprimorada se imbricada em um determinado momento da linguagem em que é posta em prática. Com este conceito em mente, levamos a idéia do trabalho com debates para os alunos dos referidos cursos, pois no contexto da competição de debates para a qual iriam se preparar, eles poderiam ter noção das regras de argumentação, sobre técnicas de persuasão, e sobre como melhorar os textos argumentativos, além de definir melhor a sua própria subjetividade, a consciência sobre sua individualidade, a partir do diálogo estabelecido com o outro. Sobre o fato de somente nos reconhecermos como sujeitos e de nos conhecermos verdadeiramente a partir do diálogo com o outro, Bakhtin (2009) nos diz que: Essa cadeia ideológica estende-se de consciência individual em consciência individual, ligando umas às outras. Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação social. (BAKHTIN, 2009, p. 34)

Corroborando com a ideia de Bakhtin exposta acima, Vygotsky (2008) afirma que “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica”. Partindo, então, do princípio postulado tanto por um quanto por outro autor, podemos afirmar que a “competição de debates” em sala de aula seria uma maneira de promover o aprendizado a partir do fazer, dentro de uma ação específica da atividade social humana.

2. O AGIR DO HOMEM E A ARGUMENTAÇÃO Diferentemente do que as teorias iluministas postulavam, o agir do homem não é definido prioritariamente pelo pensamento; nem como criam os adeptos da reflexologia (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009) que o homem agiria por estímulos exteriores. Mais do que isso, “as condições que impelem a ação do homem no mundo são resultado de um entrelaçamento complexo de fatores internos e externos, cuja trama só pode ser parcialmente desvendada” (MEANEY, 2009, p. 35). Pensando por este viés, a TASHC, baseada nos princípios do materialismo histórico marxista propõe uma maneira de pensar sobre o homem agindo no mundo. Para Marx, a ação e seu resultado sempre passam por um processo de prévia-ideação na consciência antes de serem efetivados na prática. Neste sentido, portanto, o argumentar sempre passa por esta prévia-ideação antes de ser externado de fato. E esta ideação consiste em considerar as contra-argumentações que poderiam desconstruir a linha de pensamento do indivíduo, o que amplia as possibilidades de construção de argumentos mais bem fundamentados. Falaremos um pouco mais adiante sobre este ato de considerar a contrapalavra (Bakhtin/Volochínov, 2009) no pensamento prévio à argumentação e ao debate. Em consonância com as ideias de Marx, a TASHC se apoia nos seguintes princípios relativos à atividade humana: de que ela parte de uma necessidade; é prática; realiza-se em um momento histórico-cultural específico; integra social e biológico; é

In: LUNA, M. J. de M.; MOURA, V. (Orgs.). Língua e literatura: perspectivas teóricopráticas. Recife: EdUFPE, 2012. pp. 115-130. mediada por instrumentos próprios da atividade do homem; e é transformadora tanto do homem quanto do mundo (MEANEY, 2009). Encarar, portanto, as atividades de debates em sala e a competição de debates como produtos e processos advindos da ação do próprio ser humano e que o constituem, é fundamental, pois trazem à tona a consciência de que é pelo agir através da argumentação que o aprendiz transforma a si mesmo e também o ambiente em que está inserido. A Lessa e Tonet (2008), conhecedores sobre a obra de Marx, damos a palavra: Segundo Marx, (...) ao construir o mundo objetivo, o indivíduo também se constrói. Ao transformar a natureza, os homens também se transformam, pois adquirem sempre novos conhecimentos e habilidades. Essa nova situação (...) faz com que surjam novas necessidades (...) e novas possibilidades para atendê-las (...). (LESSA e TONET, 2008, p. 19)

3. DEBATES NA AULA DE LÍNGUA MATERNA. QUE HISTÓRIA É ESSA? “A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra”; esta citação de Bakhtin/Volochínov (2009, p. 137) nos remete ao fato de que compreender o outro significa fazer uma relação dialógica, podendo também dizer argumentativa, pois a compreensão não pode ser realizada plenamente, como se “colada” à palavra estivesse a significação de todo o dizer do locutor. O interlocutor não compreende o locutor de todo, portanto, é natural que compreender signifique dialogar, argumentar internamente. Além disso, para o mesmo autor, o indivíduo que exercita fortemente esta atividade mental baseada no dialogismo, transforma seu mundo interior em algo cada vez mais distinto e mais complexo; ou seja, o indivíduo que exercita a argumentação e a contra-argumentação internas, com fins de avaliar seus posicionamentos sobre determinado assunto, leva em consideração diversos pontos de vista, tornando-se, assim, mais apto para agir socialmente de modo mais responsável e responsivo. O enfoque de abordagem da linguagem argumentativa a partir dos debates resulta deste princípio e da sondagem de início de semestre, quando os alunos dos dois cursos – Ciências Contábeis e Administração – relataram que o tipo de texto argumentativo era o mais difícil para eles. Esta dificuldade talvez se dê pelo fato de que para os alunos recém-chegados às faculdades, o conceito e o ensino de argumentação das escolas de onde vieram ainda se encontram muito arraigados ao trabalho exclusivo com a estruturação do tipo textual argumentativo (Marcuschi, 2008) e não à construção da organização argumentativa do texto oral ou escrito para se chegar a um determinado fim social, na realização de uma atividade social de fato. O estudo somente da estrutura textual não dá conta da linguagem viva, em uso; por este fato, elaboramos, então, um plano de ensino em que textos argumentativos (orais e escritos) fossem prioritários, mas que, ao mesmo tempo, os alunos pudessem percebem em que tais textos contribuiriam para sua vida, tanto profissional quanto pessoal. Para a coleta dos dados relativos ao impacto que este trabalho causou nos sujeitos participantes, pedimos que os discentes escrevessem um diário reflexivo a ser entregue ao final da disciplina. No presente artigo não disponibilizaremos os dados completos, pois, como mencionado no início de nosso texto, este estudo ainda se encontra em um estado embrionário. No entanto, pretendemos expor aqui alguns poucos

In: LUNA, M. J. de M.; MOURA, V. (Orgs.). Língua e literatura: perspectivas teóricopráticas. Recife: EdUFPE, 2012. pp. 115-130. dados dos diários reflexivos e observações da professora-pesquisadora que cremos essenciais para nossa breve exposição.

4. A DINÂMICA DAS AULAS SOBRE DEBATE

A dinâmica das aulas funcionou da seguinte forma: os alunos eram divididos em grupos, e as atividades se alternavam em painéis de discussão, grupos heterogêneos, simpósios, que variavam de acordo com as aulas; os aprendizes, dependendo se do grupo contra ou a favor, teriam um tempo específico para pesquisar argumentos para o papel a ser desempenhado e preparar um parágrafo inicial que seria a abertura do debate. Depois disso, cada participante (no mínimo três, no máximo cinco para cada grupo, cada grupo com o mesmo número de participantes) participaria argumentando e contra-argumentando. Este exercício da pesquisa, da elaboração em grupo dos argumentos, permitiu que eles se preparassem bem e estudassem antes de cada uma das competições. Os alunos foram estimulados a fazer pesquisas também sobre os discursos proferidos por figuras como Madre Teresa de Calcutá, Martin Luther King, Luís Inácio Lula da Silva, Barack Obama, dentre outros, para exercitar a verificação de técnicas de persuasão e de linguagem argumentativa nos textos orais. Para todos os alunos, conforme citado em seus diários reflexivos, esta ação investigativa foi de suma importância, pois eles puderam perceber na prática como funciona a inserção de elementos persuasivos que haviam visto na teoria (com o livro Retórica de Aristóteles, e com outras fontes captadas por eles próprios na internet). Conforme as aulas se passaram, as perguntas iniciais desta pesquisa foram sendo respondidas. A principal delas era como a competição de debates poderia contribuir para a “vida que se vive” (MARX & ENGELS, 2006 apud Liberali, 2009) dos alunos. Verificamos que os alunos se tornaram muito mais conscientes de seu papel como indivíduos que argumentam e do papel da linguagem persuasivo-argumentativa para sua vida como um todo. Os dados coletados a partir dos diários reflexivos dos alunos após a culminância do projeto apontam que todos apreciaram muito a experiência e viram uma relevância dos debates para seu trabalho, pois tanto os profissionais de Administração quanto os de Ciências Contábeis “lidam com pessoas e problemas o tempo inteiro”, precisando saber como resolver problemas interpessoais, como afirma a aluna NB. Algumas outras afirmativas dos alunos também apontam para esse mesmo fato, o qual eles dizem que o trabalho com a linguagem argumentativo-persuasiva pode ter contribuído. De acordo com Paulina Chávez (2011), uma das que encabeçam um projeto pioneiro de competição de debates na América Latina, na Universidade Diego Portales Chile, a atividade de debate pressupõe em sua essência, que a cidadania responsável é mais do que uma competência individual; ela é um “fenômeno social dinâmico, historicamente situado, que se vincula estreitamente com as particularidades do sistema político, econômico e cultural de um país, e as possibilidades de pertencimento social que ela oferece”. Isso significa, portanto, que, além de uma formação para o uso efetivo do linguajar argumentativo, o debate proporciona uma maior conscientização sobre o papel que o indivíduo desempenha como sujeito ativo na sociedade. Ao invés de se

In: LUNA, M. J. de M.; MOURA, V. (Orgs.). Língua e literatura: perspectivas teóricopráticas. Recife: EdUFPE, 2012. pp. 115-130. calar e aceitar ou simplesmente “absorver” as informações como são passadas pela mídia, por exemplo, o sujeito passa a questioná-las, tentando perceber os “lados” das questões apresentadas, tornando-se, pois, um sujeito crítico. Um dos momentos mais instigantes deste projeto foi quando uma reportagem sobre o livro de Português “Por uma vida melhor”, de Heloísa Ramos, saiu na Rede Globo, no Bom Dia Brasil de 17/05/11, falando que este livro, distribuído pelo MEC, “aceita erros de português”. A matéria, diga-se de passagem, bastante superficial, demonstra a falta de conhecimento dos jornalistas sobre o que se trata adequação e inadequação ou variação linguística. Os mesmos jornalistas seguem, na matéria e nos comentários, uma concepção ainda pautada no “certo e errado” e, além disso, somente convidam o Professor Sérgio Nogueira, que é adepto do ensino tradicional, da gramática normativa. O que mais me chamou a atenção foi o tom irônico e jocoso do convidado ao falar sobre a “chamada Linguística Moderna”. Encontramos, portanto, o tema do grande debate final, que seria feito no auditório da faculdade, em que os funcionários e alunos de todos os cursos seriam convidados a assistir. O tema animou bastante os alunos, pois, por ser polêmico e estar em várias matérias de várias mídias, tínhamos materiais de todos os tipos para os alunos prepararem seus argumentos. Houve uma pesquisa anterior e debates em sala de aula com as turmas para que houvesse uma compreensão do que consistia cada posicionamento dos autores dos materiais encontrados e também para que a proposição geradora da competição de debates fosse definida. Após estas aulas, às quais chamamos de “estruturantes”, os alunos encontravam-se finalmente preparados para o debate final. O tema geral do debate foi: “Ensino-aprendizagem de língua materna: um debate sobre o erro”; e a proposição gerada a partir do tema: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Dividimos, então, as turmas em dois grupos: a favor e contra a proposição. E estes deveriam elaborar seus argumentos para defesa de seus respectivos posicionamentos. Os juízes (três professores da instituição) e o público (alunos de outros cursos) escolheriam que grupo deveria ser o ”vencedor”, baseando-se em critérios como coerência dos argumentos, consistência das fundamentações, dentre outros. A construção do discurso estruturado com a paixão pelo tema e pelo evento e com cuidado, oferecido com esforço e responsabilidade (todos de modo colaborativo), configurou uma ação coletiva e cidadã que aportou a reconstrução do espaço cotidiano de participação e expressão democráticas durante a competição. A aluna L fala: “senti que no momento em que fiz a pergunta aos debatedores fui realmente ouvida e me senti importante”. Essa sua afirmativa demonstra uma modificação do espaço escolar/universitário, pois, o ato colaborativo também proporciona a escuta do outro (Elbow, 2000), gerando, assim, uma maior propensão ao exercício da tolerância, tão incomuns no espaço tradicional do ensino-aprendizagem.

5. CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

Citando Leonardo Boff (2002),

In: LUNA, M. J. de M.; MOURA, V. (Orgs.). Língua e literatura: perspectivas teóricopráticas. Recife: EdUFPE, 2012. pp. 115-130. Há muito que filósofos da estatura de Martin Heidegger, resgatando uma antiga tradição que remonta aos tempos de César Augusto, vêem no cuidado a essência do ser humano. Sem cuidado ele não vive nem sobrevive. Tudo precisa de cuidado para continuar a existir. Cuidado representa uma relação amorosa para com a realidade. Onde vige cuidado de uns para com os outros desaparece o medo, origem secreta de toda violência, como analisou Freud. A cultura da paz começa quando se cultiva a memória e o exemplo de figuras que representam o cuidado e a vivência da dimensão de generosidade que nos habita, como Gandhi, Dom Helder Câmara e Luther King e outros. Importa fazermos as revoluções moleculares (Gatarri), começando por nós mesmos. Cada um estabelece como projeto pessoal e coletivo a paz enquanto método e enquanto meta, paz que resulta dos valores da cooperação, do cuidado, da com-paixão e da amorosidade, vividos cotidianamente.

Deixamos esta citação aqui no fechamento deste trabalho para relembrar que, antes de qualquer coisa, o trabalho em sala de aula através da argumentação e da colaboração devem sempre visar à transformação e ao aprimoramento das atividades do homem. Obviamente que nem todos obtiveram resultados satisfatórios em sua escrita ou em sua performance oral, mas temos a certeza de que uma semente foi plantada. O leitor pode se perguntar: “e como ficou a competição? Quem venceu? Como pode você falar de colaboração quando o foco é a competição?”. E eu respondo: o foco principal nunca foi a competição em si, do jeito que ela é pressuposta. BOFF (2002) nos diz: O ser humano é o único ser que pode intervir nos processos da natureza e copilotar a marcha da evolução. Ele foi criado criador. Dispõe de recursos de re-engenharia da violência mediante processos civilizatórios de contenção e uso de racionalidade. A competitividade continua a valer, mas no sentido do melhor e não de destruição do outro. Assim todos ganham e não apenas um.

Desde o início foi importante transmitir para os alunos o compromisso com o conhecimento, com o crescimento conjunto, com a diversão também. Mesmo que houvesse momentos mais acalorados no debate (pois isso faz parte da mise-en-scène), todos se respeitavam e procuravam somente retrucar após o colega ter terminado sua linha de pensamento. Nada disso foi conseguido facilmente, pois, como os alunos não são habituados com a organização de um debate de ideias, no início, muitos desrespeitavam as regras. Mas, com bastante treino e conscientização, conseguimos. Na ação conjunta exercitada nessa experiência colaborativa de ensinoaprendizagem pudemos observar o quanto o comportamento dos alunos foi se transformando e seus conhecimentos sobre a argumentação se expandindo desde o início até o final da jornada. Comportamento tanto em termos de relações interpessoais quanto o próprio comportamento em torno do que a linguagem escrita e oral passou a significar para eles. O aluno AS, que em nossa primeira aula afirmou não saber escrever e nem criar argumentos, ao final de tudo foi um dos melhores debatedores de nossa competição no auditório.

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In: LUNA, M. J. de M.; MOURA, V. (Orgs.). Língua e literatura: perspectivas teóricopráticas. Recife: EdUFPE, 2012. pp. 115-130. BOFF, L. Cultura da paz. 2002. Disponível http://www.leonardoboff.com/site/vista/2001-2002/culturapaz.htm Acessado 11/05/2012

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BORELLI, Julma Dalva Vilarinho Pereira; PESSOA, Rosane Rocha. Linguística Aplicada e formação de professores: convergências da atuação crítica. In: PESSOA, Rosane Rocha; BORELLI, Julma Dalva Vilarinho Pereira (Org.). Reflexão e crítica na formação de professores de língua estrangeira. Goiânia: Editora UFG, 2011. pp. 1530. CHÁVEZ, P. Debate y ciudadanía: reflexiones a partir de la experiencia de evaluación del segundo torneo interescolar de debate. 2011. (no prelo) ELBOW, P. Using the collage for collaborative writing. In: Composition Studies 27.1 (Spring 1999): 7-14. Reprinted in Everyone Can Write: Essays Toward A Hopeful Theory of Writing and Teaching Writing. Oxford UP, 2000. ENGESTRÖM, Y et al. Perspectives on Activity Theory. USA: Cambridge University Press, 1999. LARRÉ, J. M. R. G. de M. Uma trama a várias mãos: a escrita colaborativa na sala de aula de língua inglesa. Dissertação de mestrado do Programa de pós-graduação em Letras da UFPE. Recife: 2010. Disponível em: http://ufpe.br/pgletras (Banco de Teses e Dissertações 2010). LEITÃO, S.; DAMIANOVIC, M. C. (Org.). Argumentação na escola: o conhecimento em construção. Campinas, SP: Pontes, 2011. LESSA, S.; TONET, I. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2008. LIBERALI, F. C. Atividade Social nas aulas de língua estrangeira. São Paulo: Moderna, 2009. MAGALHÃES, M. C. C.; FIDALGO, S. S. Critical collaborative research: focus on the meaning of collaboration and on mediational tools. In: RBLA, Belo Horizonte, v. 10, n. 3, pp. 773-797, 2010. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. MEANEY, M. C. Argumentação na formação do professor na escola bilíngue. São Paulo: 149 p., 2009. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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