Razão e Justiça: o papel das emoções e dos sentimentos morais no desenvolvimento de desenhos institucionais cientificamente informados.

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Título Razão e Justiça: o papel das emoções e dos sentimentos morais no desenvolvimento de desenhos institucionais cientificamente informados. Valter Eduardo Bonanni Nunes, mestre em Ciências Sociais e Jurídicas pelo PPGSD, [email protected]

Resumo A dinâmica dos processos de tomada de decisão e os fundamentos morais/legais que vinculam indivíduos e grupos a sistemas de normas e julgamentos são temas que cada vez mais não se restringem aos juristas, mas impulsionam pesquisas interdisciplinares entre as ciências naturais, sociais e psicologia vinculadas às recentes descobertas das ciências cognitivas e da neurociência. Estas pesquisas apresentam um mosaico interdisciplinar de variáveis explicativas, com ferramentas experimentais e estatísticas que submetem a teste teorias e conceitos políticos e jurídicos, podendo contribuir para o desenvolvimento de desenhos institucionais de administração de conflitos cientificamente informados. Esta proposta de pesquisa parte da hipótese de que estudar o papel das emoções e dos sentimentos morais e de justiça em nossa capacidade cognitiva é indispensável para a efetividade de sistemas normativos e de julgamento. Portanto, parece inadiável a revisão de desenhos institucionais que têm como pressupostos a imparcialidade, a impessoalidade do agente, assim como uma racionalidade baseada em imperativos categóricos que negligenciam a complexidade do sistema cognitivo humano.

Emoções. Sentimentos morais. Razão. Normatividade. Justiça.

I.

Objetivos gerais e específicos do tema No curso de mestrado, o tema “acesso à justiça” constituiu o campo de

pesquisa e delimitação em que o problema de impulso considerava a hipótese de que o modelo racional/legal do direito moderno apresenta condições de avaliação precárias para que as partes em conflito, e mesmo os neutros “qualificados” (juízes,

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Projeto de Pesquisa

árbitros, conciliadores e mediadores) identifiquem a(s) forma(s) de abordagem e processamento dos mais conflitos adequada(s) ao caso concreto. Esta precariedade parece comprometer o desenvolvimento de desenhos institucionais que produzam mecanismos de tomada de decisão mais eficazes sob o ponto de vista da normatividade e do sentimento de justiça, atentos aos

normativas e de julgamentos. O estudo de campo, com viés interdisciplinar de base empírica, elegeu o Programa Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos no Âmbito do Poder Judicial (Resolução CNJ n.º 125/2010) e contemplou, desde a revisão bibliográfica acerca das formas de “tratamento” propostas, da participação do curso de capacitação em Mediação Judicial no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a coleta e produção de dados, até a observação participante, com o estudo dos casos encaminhados ao Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (CEJUSC). A mediação de conflitos tem como característica a incorporação de elementos como empatia, cooperação, consenso, interesses, necessidades e vontades compartilhadas no processo de tomada de decisão e de vinculação dos indivíduos às normas e decisões. A partir dos casos estudados no campo de pesquisa eleito e o diálogo com pesquisas etnográficas e descritivas acerca das da lei e das formas de processamento de conflitos (NADER E TODD, 1978; NADER, 1994, 1997; CLASTRES, 1979, 2004), nos concentramos no estudo comparado de determinadas condições socioculturais e político-jurídicas em que nos vinculamos aos mais

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fundamentos morais que constituem a forma com que nos vinculamos a sistemas de

diversos sistema de normas e julgamentos, identificando elementos gerais e comuns nas sociedades humanas. Contudo, estudos interdisciplinares dos últimos 30 anos conjugando neurobiologia evolutiva, antropologia, primatologia, psicologia moral, neurociência cognitiva, filosofia e psicologia experimental, vêm demonstrando que, anterior às condições

socioculturais

e

político-jurídicas,

nossa

espécie

compartilha

características inatas, desenvolvidas em nosso processo evolutivo, que constituem

instintos, emoções, memória, aprendizado, sentimentos morais, razões, o que sugere que este sistema não se reduz à tabula rasa, resultado direto de estímulo/resposta ou de construções culturais (PINKER, 1998, 2004, 2014; DAMASIO, 1995, 2000; (GAZZANIGA, 2004; GAZZANIGA; ET AL, 2012). Neste contexto, o objetivo geral da presente pesquisa é desenvolver um estudo analítico-descritivo, com o viés interdisciplinar de base empírica, acerca das variáveis que compõem os caminhos cognitivos na dinâmica de tomada de decisão e os fundamentos morais/legais que vinculam indivíduos e grupos a sistemas de normas e julgamentos, tendo como referência as descobertas acerca da dinâmica mente/cérebro nos julgamentos morais, aprofundando o diálogo com pesquisas interdisciplinares atentas às descobertas da neurociência e das ciências cognitivas. Em palavras mais diretas, este projeto de pesquisa propõe estudar como a emoção, os sentimentos morais e a razão constituem a vinculação de indivíduos e grupos a sistemas normativos e a julgamentos morais/jurídicos e, em que medida este conhecimento pode contribuir para o desenvolvimento de desenhos institucionais com maior de embasamento científico, que nos possibilite incorporar variáveis internas e externas não observadas pelas ciências jurídicas e sociais, mas

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um complexo sistema cognitivo e nos permite modular respostas baseadas em

que estruturam o sistema normativo, os processos de tomada de decisão, vínculos e obrigações provenientes destes. A ciência cognitiva vem agregando diversas disciplinas interessadas na interdependência entre natureza e cultura quanto aos fundamentos morais que constituem as diferentes formas de normatividade e julgamento, propiciando insights enriquecedores ao Direito, no sentido de deslocar os estudos eminentemente normativos e interpretativos do Direito e das Ciências Sociais a métodos empíricos e experimentais, viabilizando a aproximação de teoria e realidade, assim como estudos transculturais, com explicações mais próximas aos dilemas concretos que se repetem nas sociedades humanas. Conforme observou Weber (1985, 1991, 1999), a modernidade se caracteriza

dominação legitima tradicional e carismática pela forma de dominação legítima legal, que se constitui no desenvolvimento de uma burocracia estatal baseada na racionalidade, imparcialidade, impessoalidade, especialidade como condição de validade da conduta dos agentes e do uso da força. As características observadas exprimem a mudança de organizações feudais, que têm como referência a autoridade legitimada pela tradição ou carisma para organizações sociais modernas, baseadas no modelo de Estado-Nação, com a demarcação dos territórios a partir de fronteiras, nas quais povos e nações estão submetidos a um sistema jurídico baseado num sistema complexo de divisão de poder entre as instituições, redundando no que atualmente conhecemos como Estado Democrático de Direito. Contudo, atualmente observa-se que este modelo de organização social passa por crises importantes, tanto nas fronteiras dos Estados-Nação, com a crise 4

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como proposta de organização social baseada na superação das formas de

dos refugiados, quanto no interior dos próprios Estados, diante de questões ligadas à democracia representativa, soberania, multiculturalismo que desafiam as instituições político-jurídicas perante conflitos raciais, étnicos, socioeconômicos, culturais, de gênero, projetando uma imagem distante do que se idealizara de uma sociedade democrática, cosmopolita e multicultural. Este cenário evidencia as dificuldades de desenhos institucionais baseados no que Amartya Sen (2012) denomina “institucionalismo transcendental” que concebe uma ideia transcendental da conduta humana e da justiça a partir de princípios que se identificam com a tradição contratualista, que busca a conceituação de imperativos categóricos e valores transcendentais para a

entre sociedades, comportamentos e interações humanas reais. É que mesmo nas instituições modernas, baseadas na legalidade, racionalidade, imparcialidade, impessoalidade, com agentes especializados, e legitimados e submetidos a este sistema racional/legal, é inevitável que a relação entre agentes com meio externo favoreçam inputs criando um sistema normativo com regras de conduta, valores e capitais dentro do sistema racional/legal, mas não restritos a este (GOLEMAN, 2006; PINKER, 1998; SEARLE, 1984a, 1972; SEN, 2012). Este sistema normativo, baseado em fundamentos morais diversos, influencia a dinâmica de tomada de decisão perante os dilemas concretos, que se evidenciam no campo da discricionariedade e da interpretação, principalmente em casos difíceis, caracterizando outputs cada vez mais heterogêneos e particularistas que desestabilizam os sistemas normativos, os quais têm como finalidade a previsibilidade das condutas e a segurança jurídica(Idem). 5

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constituição de instituições ideais, sem se concentrar em estudos comparativos

Neste campo, verificamos que grande parte das teorias hermenêuticas, de interpretação, decisão e da justiça, identificam-se com os desenhos institucionais transcendentais, que não contemplam a complexidade dos casos concretos, tendo em vista que a maioria das teorias de maior alcance parte de concepções e valores abstratos e ideais, tanto em relação aos arranjos institucionais quanto à conduta esperada dos agentes. Ao negligenciar as emoções e sentimentos morais aos quais os agentes estão submetidos como qualquer ser humano, torna-se sobre-humana a tarefa das instituições e dos agentes, pois as condutas e decisões produzidas não raramente colidem requisitos de validade universal com sentimentos de justiça plurais em sociedades cada vez mais complexas, contribuindo para a desumanização dos

A relevância e a atualidade desta proposta de pesquisa se evidenciam tanto pela possibilidade de amadurecermos um modelo de pesquisa interdisciplinar de base empírica, em que a antropologia, filosofia e psicologia experimental forneçam ferramentas metodológicas que tanto reflexões e revisões no campo da Teoria do Direito, da ética e da construção da subjetividade quanto para reunir conteúdo empírico que contribua para concebermos desenhos institucionais mais informados do conhecimento científico acerca dos limites e capacidades do sistema cognitivo humano.

II.

Metodologia empregada Esta pesquisa se desenvolverá a partir da revisão bibliográfica acerca de

temas como a teoria dos atos de fala

(AUSTIN, 1990, 1993; SEARLE, 1984a,

1984b, 1999, 1972); o problema da textura aberta da linguagem na teoria do direito 6

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indivíduos e das instituições.

(HART, 2007; STRUCHINER, 2001) e dos resultados subótimos, o problema da subinclusão e da sobreinclusão na aplicação do direito (SCHAUER, 2011; STRUCHINER; TAVARES, 2014; STRUCHINER, 2009); do gerativismo de (CHOMSKY, 1959, 1998; JACOB, 2001); das teorias da justiça e filosofia moral (RAWLS, 2003; SEN, 2000, 2012; TUGENDHAT, 1997, 2002). A metodologia empregada terá como base o método analítico-descritivo, utilizando ferramentas estatísticas, quantitativas, qualitativas, comparativas e experimentais, assim como em pesquisas atuais em filosofia e psicologia experimental, com a revisão bibliográfica de autores como Kwame Anthony Appiah, Experiments in Ethics, (2010), Jonathan Haidt (2001, 2006), Joshua Greene - Moral

Cognition ( 2011), assim como, Joshua Knobe – What is Experimental Philosophy? (2002). Estes e outros autores afins oferecem uma gama de estudos acerca dos dilemas e julgamentos morais como base na psicologia e na filosofia experimental, que tem como método principal a criação de vinhetas com dilemas morais apresentadas a determinado público alvo com o objetivo de verificar como as emoções, os sentimentos morais e a razão constituem nossos julgamentos (FERNANDEZ; FERNANDEZ, 2008; KAHNEMAN, 2012; MOLL; DE OLIVEIRASOUZA, 2007). Essas vinhetas carregam questões como dilemas concretos x abstratos; julgamentos racionais x intuitivos; justificas deontológicas x consequencialistas; teorias universalistas x particularistas; concepções políticas liberais x comunitaristas; empatia x imparcialidade/impessoalidade; tribos morais x gramática moral universal, livre arbítrio x determinismo, que fornecem dados que subsidiam análises quantitativas, estatísticas, comparativas, qualitativas e relações de causalidade 7

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Tribes (2014), Marc Hauser - Moral Minds (2006), John Mikhail - Elements of Moral

consolidando novos métodos de pesquisa científica aplicada à ética e à filosofia do direito. A justificativa para a escolha deste modelo de pesquisa é que o estudo dos sistemas de sistemas legais e de justiça carecem de subsídios explicativos e experimentais no que concerne ao estudo dos julgamentos morais e da ética, detendo-se, mormente teorias e conceitos desenvolvidos de maneira introspectiva, referenciados em teorias e teses tradicionais as quais seus pressupostos e hipóteses raramente foram submetidos a teste. A busca por explicações científicas passíveis de revisão e experimentação, através de métodos de observação sistematizados, foi capaz de ampliar nossa visão

pelo homem para produzir conhecimento acerca de si e do mundo à sua volta. Com o desenvolvimento da tecnologia e da ciência, as ferramentas de observação, quantificação e experimentação estão cada vez mais avançadas, sendo imprescindível que estudos em direito e ética se apropriem destas ferramentas para o desenvolvimento de desenhos institucionais cientificamente informados acerca de nossas capacidades neurobiológicas e cognitivas. III.

Fontes de pesquisa; Estudos em neurociência também serão referenciais bibliográficos como de

António Damásio (1995, 2000), Patrícia Churchland (2005; 2008; 2014), e Mário Bunge (1974, 1989, 2014) em neurofilosofia e filosofia da mente, Michael Gazaninga (2004; 2012) e Steven Pinker (1998, 2004, 2013) em psicologia e neurociência. No campo da antropologia temos como referencial bibliográfico os trabalhos de campo e etnográficos apresentados pela antropóloga Laura Nader acerca da lei e das formas de processamento de conflitos em diversas sociedades (1994, 1997). 8

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acerca da natureza e do comportamento humano, sendo esta a melhor forma criada

Em Law in ten societies (NADER; TODD, 1978) a Autora classifica de maneira genérica, como as leis, condutas e formas de processamento de conflitos indivíduos e grupos comuns nas mais variadas sociedades, dividindo-as entre unilaterais ou monádicas (aceitar, evitar, coagir), bilaterais ou diádicas (negociar) e triádicas a qual as partes em conflito contam com a participação de um terceiro para mediar, arbitrar ou julgar a questão. Além das diferentes condutas e formas de processamento de disputas, Nader e Todd também classificaram os tipos de relação e de legitimação entre “neutros” (juiz, árbitro, mediador) em suas respectivas organizações sociais, que os

As relações multiplex são identificadas em organizações sociais em que o neutro possui outros tipos de relação social com as partes, o fator legitimador de sua posição é sua conduta em consonância com os valores daquela sociedade (idem, 1978) Por outro lado, o tipo de relação simplex é observado em organizações sociais em que o “neutro” não necessariamente se relaciona com as partes nem divide outras tarefas sociais com o respectivo grupo e o fator legitimador de sua posição é a lei, estatutos, títulos ou o arbítrio do poder hierárquico. Diante destas tipificações, Nader e Todd formulam a seguinte hipótese: Relações que são múltiplas e envolvem muitos interesses exigem certos tipos de soluções compromissadas, o que permitirá continuidade das relações (Idem, p. 13), conforme quadro abaixo: Tabela 1: Relação entre a natureza das relações, as formas de processamento e o conteúdo dos resultados. Disputantes em relações múltiplas ou continuas

contam com

Negociação mediação tentativa resolução

ou na de

com a vontade de levar a

resultados compromisso

de

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autores classificaram como relações multiplex e simplex.

e... Disputantes relações simples

em

contam com

Adjudicação arbitragem tentativas resolução

ou em de

com vontade de levar a

decisões de vencer ou perder

Estas e outras tipologias desenvolvidas em trabalhos etnográficos e de campo serão relacionadas tipos de comportamentos éticos identificados pelo antropólogo Richard Shweder (1997), os quais o autor divide em três instâncias de preocupações morais (Divindade; Comunidade e Autonomia) que, posteriormente, o psicólogo Jonathan Haidt subdividiu em cinco preocupações denominadas pelo autor como

Conforme observou Steven Pinker em “Os anjos bons de nossa natureza” (2013b) estas categorias também se comunicam com as quatro formas elementares de sociabilidade do antropólogo Alan Fiske – Partilha Comunal; Escalão de Autoridade; Correspondência de equidade; Mercado de Preços Racional/Legal (1992). Estes estudos produzem um quadro teórico de categorias para a correlação entre as formas de resolução dos conflitos, a posição do “neutro”, os fundamentos morais e os modelos relacionais para compreender o quanto cada instância normativa influencia na dinâmica dos processos de tomada de decisão e nos fundamentos morais/legais que vinculam indivíduos e grupos a sistemas de normas e julgamentos:

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“fundamentos morais” (2001).

Tabela 1: PINKER, 2013, p. 574

Conforme oberva Pinker (Idem), este quadro apresenta uma gramática de normas sociais que podem contribuir para explicar como funciona o senso moral em nosso sistema cognitivo, revelando certos padrões comuns de processamento de dilemas morais anteriores às questões culturais, assim como o papel de cada forma de processamento de conflitos e “neutros” no contexto dos modelos relacionais, a partir de formas básicas de sociabilidade (FERNANDEZ, 2015). Há um volume crescente de pesquisas interdisciplinares que visam superar a dicotomia entre natureza e cultura, em que a neurobiologia, a neuroética, a filosofia

direito, viabilizando estudos transculturais, tendo como base a história evolutiva neurobiológica

que

compartilhamos

enquanto

espécie

(GARLAND,

2005;

GOODENOUGH, 2004; 2011). Para situar o estado da arte do tema proposto, podemos tomar como exemplo o debate entre Marc Hauser, John Mikhail e Joshua Greene, identificando as seguintes premissas em comum como ponto de partida: não se pode deduzir um “dever” do “ser” – “lei de Hume”(1) e; devemos admitir a necessidade de mediação entre a natureza e a ética – teoria intuicionista e naturalista dos julgamentos morais (2). O ponto de divergência entre Mikhail e Hauser x Greene consiste no fato de que para Greene há evidências de que moral tem como base o desenvolvimento das 11

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e a psicologia moral são utilizadas como ponte para o estudo da sociologia e do

emoções em nossa história evolutiva, sendo a empatia um sentimento limitado aos pequenos grupos, o que explica que estes não alcançam uma universalidade que permita correlação com justificativas racionais, argumentando pela necessidade de que as decisões devem ser baseadas em critérios objetivos, que reduzam a possibilidade da empatia ser utilizada como elemento decisório, apontando para uma orientação utilitarista. Por sua vez, Mikhail e Hauser buscam evidenciar que as emoções não são o principal fator da moral, desenvolvendo uma serie de observações e experimentos em torno das intuições morais, para postular a existência de princípios cognitivos inatos de certo e errado, buscando fundamento na Gramática Gerativa de Chomsky e na teoria da justiça como equidade de Rawls, para propor a hipótese da Gramática Moral Universal (GMU). É que assim como as capacidades inatas da linguagem, Hauser argumenta

sociedade é o espaço de mediação entre a biologia e os sistemas normativos (éticos, religiosos, culturais, econômicos e legais), em que se desenvolvem e constituem as diversas formas de vida e instituições. Estas questões denotam a atualidade do tema da pesquisa no sentido de submeter princípios basilares do direito moderno, que se justifica pela racionalidade, impessoalidade e formalidade em contraste com o resultado de decisões advindas do processo de mediação, baseadas na empatia, na cooperação, na vontade e interesse das partes. Portanto, a partir da revisão bibliográfica, das ferramentas metodológicas e referenciais teóricos apresentados, a proposta de pesquisa se mostra atual e pertinente, pois abre novos horizontes para se pensar a relação entre os elementos 12

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que também nascemos com capacidades inatas de julgamentos morais, e que a

inatos e adquiridos de nosso sistema cognitivo e como estes estruturam os sistemas normativos e a formas de julgamento, contribuindo para a proposição de desenhos institucionais cientificamente informados e mais próximos da condição humana.

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