Reabilitação neuropsicológica de déficits de memória em pacientes com demência de Alzheimer

July 8, 2017 | Autor: Eliane Miotto | Categoria: Quality of life, Cognitive Rehabilitation, Cognitive Function
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REVISÃO DE LITERATURA

Reabilitação neuropsicológica de déficits de memória em pacientes com demência de Alzheimer Renata Ávila 1 Eliane Miotto2

Recebido: 8/2/2002 Aceito: 22/7/2002 RESUMO A memória é a primeira função cognitiva a ser afetada na doença de Alzheimer (DA) e é também a que mais compromete as atividades da vida diária e a qualidade de vida dos portadores dessa doença. Como ainda não existe um tratamento que possa curar ou reverter a deterioração causada pela demência, os tratamentos disponíveis atualmente visam aliviar sintomas cognitivos e comportamentais por meio de medicação, técnicas cognitivas de reabilitação, melhor estruturação do ambiente, e também por meio de grupos informativos para pacientes, familiares e cuidadores. Desta maneira, estes tratamentos devem ser cada vez mais aprimorados e pesquisados, visando principalmente uma melhora na qualidade de vida destes pacientes, mediante a redução das limitações impostas pela doença. O presente artigo tem como objetivo promover uma revisão sobre os estudos científicos publicados nos últimos anos a respeito do tema. Como critério de inclusão, foram selecionados estudos experimentais sobre técnicas de reabilitação de memória em grupos de pacientes com DA, ou tratamento individual, contendo, ainda, avaliação pré e pós-tratamento para verificação da eficácia deste. Os resultados dos estudos demonstraram que a reabilitação neuropsicológica gera benefícios e melhora a qualidade de vida dos pacientes com DA, principalmente quando aliada a medicamento anticolinesterásico. Unitermos: Demência de Alzheimer; Reabilitação neuropsicológica; Memória. ABSTRACT Neuropsychological rehabilitation of memory deficits in patients with Alzheimer’s disease Memory is usually the first cognitive function to be impaired in Alzheimer’s disease (AD). Since there is no effective treatment to revert the progressive deterioration caused by the dementia the main available treatments are aimed at alleviating the cognitive and behavioural symptoms of these patients and improving their quality of life. These include medication, cognitive rehabilitation techniques, environmental modification and educational groups. The objective of the present review is to summarize the main studies published on the neuropsychological treatment approaches to AD. Inclusion criteria involved studies investigating the efficacy of group or individual memory rehabilitation techniques. The main findings suggested that neuropsychological rehabilitation techniques improve the quality of life of these patients particularly when associated to the use of anticholinergic inhibitors. Keywords: Alzheimer’s disease; Neuropsychological rehabilitation; Memory.

Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP 1

Neuropsicóloga Pós-Graduanda do Departamento de Fisiopatologia da FMUSP.

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Neuropsicóloga Pós-Doutoranda da Divisão de Neurocirurgia do HC-FMUSP. Endereço para correspondência: Renata Ávila Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Rua Consego Eugênio Leite, 1126 – ap. 83 – São Paulo, SP – CEP 054414-001 Fone: (0xx11) 3885-8101/9688-5301 E-mail: [email protected]

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191 Introdução

Reabilitação neuropsicológica

Em virtude do aumento do número de diagnósticos precoces em pacientes com doença de Alzheimer (DA), está crescendo a procura por tratamentos que visam a melhora das funções cognitivas, além de possível retardo no progresso da doença. Na DA, dificuldades de memória são as primeiras queixas tanto dos pacientes como de seus familiares. Déficits de memória causam, além de grande prejuízo nas atividades diárias dos pacientes, comprometimento de sua qualidade de vida. Portanto, pesquisas estão começando a reconhecer a relevância da reabilitação de memória para pessoas com demência. Como ainda não existe um tratamento que possa curar ou reverter a deterioração causada pela demência, os tratamentos disponíveis, atualmente, buscam minimizar sintomas cognitivos e comportamentais por meio de medicação e técnicas cognitivas de reabilitação, melhor estruturação do ambiente, e também por meio de grupos informativos para pacientes e familiares. Desta maneira, estes tratamentos devem ser cada vez mais aprimorados e pesquisados. Entre os atuais tratamentos medicamentosos para a DA, os inibidores de acetilcolinesterase (ChEI) têm demonstrado eficácia no controle temporário de sintomas, como melhora das funções cognitivas e das dificuldades na realização das atividades da vida diária em pacientes com DA leve a moderada (De Vreese et al., 2001). Entretanto, terapias que envolvem intervenção não medicamentosa, como a reabilitação neuropsicológica, também têm apresentado melhora na cognição dos pacientes, além de promoverem apoio e informações aos familiares (De Vreese et al., 2001). O objetivo do presente artigo é promover uma revisão sobre os estudos científicos publicados nos últimos 11 anos sobre reabilitação de memória e reavaliar a eficácia desta em pacientes com DA. As referências dos artigos foram obtidas pelo Medline e foram os seguintes critérios para a inclusão nesta revisão foram adotados: classe I: pesquisas com grupo randomizado, controlado e cego; classe II: pesquisa com grupo não randomizado; classe III: estudo de caso. Todas as pesquisas abordavam o tema de técnicas de reabilitação de memória em estudo experimental e tinham avaliação pré e pós-tratamento. Estas não precisavam ser necessariamente com pacientes com DA, já que, segundo Wilson (1996), técnicas criadas para pacientes com traumatismo craniano ou outros comprometimentos neurológicos podem ser generalizadas para pacientes com déficits de memória, como é o caso dos pacientes com DA.

Desde a Antigüidade, na Grécia e no Egito, já existia a preocupação em reabilitar pacientes com lesões cerebrais. Porém, o alcance popular da reabilitação cognitiva só se deu em finais da década de 1980, com três acontecimentos que marcaram grandes avanços nesta área: a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Oriente Médio e o grande número de acidentes de trânsito (Wilson, 1996). “O objetivo da reabilitação cognitiva é capacitar pacientes e familiares a conviver, lidar, contornar, reduzir ou superar as deficiências cognitivas resultantes de lesão neurológica” (Wilson, 1996), fazendo com que estes passem a ter uma vida melhor, com menos rupturas nas atividades comumente realizadas. Para isto, propõe-se a ensinar a pacientes, familiares e/ou cuidadores estratégias compensatórias e organização para produção de respostas, propiciando melhora das funções cognitivas e da qualidade de vida. Já a reabilitação neuropsicológica, segundo Wilson (1996), além de tratar os déficits cognitivos, também se propõe a tratar as alterações de comportamento e emocionais. Segundo Prigatano (1997), a reabilitação cognitiva é somente um dos cinco componentes da reabilitação neuropsicológica, que compreende ainda: psicoterapia, estabelecimento de um ambiente terapêutico, trabalho com familiares e trabalho de ensino protegido com os pacientes. O trabalho deve contar com uma equipe multidisciplinar, além de avaliações que mostrem os benefícios e as limitações da reabilitação a curto e longo prazos. Antes do início de qualquer programa de reabilitação, é necessário definir o perfil cognitivo de cada paciente, delineando seus déficits e aspectos da cognição preservados. Além disso, é muito importante uma adequação do treinamento proposto ao nível intelectual e cultural do paciente. A intervenção junto aos familiares é tão relevante quanto o atendimento ao paciente. As dificuldades de memória e de linguagem comprometem o relacionamento interpessoal, afetando a estrutura familiar. O paciente com DA torna-se, com o decorrer da doença, dependente dos familiares ou dos cuidadores. Então, a orientação sobre a doença e seu prognóstico diminui a ansiedade e a depressão gerada pela presença de doença grave na família (Bottino et al., 2002) . Segundo Wilson (1996), idosos sem atividades podem perder algumas de suas capacidades intelectuais; portanto, estímulos como exercícios são importantes, a fim de proteger o intelecto contra deterioração. Pessoas que continuam a aprender preservam um nível elevado

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192 de performance, como por exemplo um professor de 60 anos tem performance igual a um de 30 anos em testes de aprendizagem e memória (Rosenzweig e Bennett et al., 1996). Existe a hipótese de que treino e atividades cognitivas possibilitem aos idosos manter as habilidades em uso. Segundo Hebb (Rosenzweig e Bennett et al., 1996), o uso induz a plasticidade do sistema nervoso. Além disso, existe a hipótese de que por meio da ativação de áreas seletivas do cérebro durante a vida este pode proteger-se do processo degenerativo (Rosenzweig e Bennett et al., 1996). Esta hipótese parafraseia Hebb (1949): “o nível diferencial de ativação celular no cérebro pode ter relação com a perda celular – use it or lose it”. Também há suposições de que certo nível de plasticidade neural persiste durante a terceira idade e na DA (Mirmirian et al., 1996). Assim sendo, se exercícios atuam sobre a plasticidade neural, e ela ainda existe em idosos com DA, exercícios cognitivos feitos na reabilitação podem agir positivamente no cérebro desses pacientes. Reabilitação da memória Um dos principais métodos de reabilitação da memória se fundamenta em trabalhar com a modalidade específica da memória que se encontra intacta, para esta compensar a modalidade que não está (Goldstein e Beers, 1998). Outros métodos objetivam trabalhar as habilidades residuais da modalidade de memória que está deficitária. Qualquer que seja o prejuízo cognitivo, existe quase sempre a conservação de alguma capacidade funcional (Wilson, 1996). A reabilitação de memória objetiva melhorar a performance do paciente por meio de técnicas específicas ou estratégias, e não modificar a habilidade que o paciente possui de memorização. “A estratégia de memória é um procedimento particular que cada indivíduo pode usar para memorizar um material determinado, em condições específicas” (Verhaeghen, 2000). É importante, então, saber diferenciar habilidades de estratégias. Habilidade refere-se ao conhecimento e à capacidade de como realizar algumas ações antes do conhecimento de fatos ou eventos (Gardner et al., 2000). Essas duas formas de conhecimento muitas vezes são independentes. Com relação à memória, é a maneira utilizada por cada um para ajudar na memorização, como organização, categorização e associações, e que tem aplicação na vida prática em subtestes de memória. Geralmente, as habilidades são utilizadas de maneira espontânea.

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Já as estratégias são métodos específicos, sistemas formais de registro e evocação de informações que podem ser aplicados somente com alcance restrito de atividades e materiais. As estratégias raramente são usadas espontaneamente, precisam ser treinadas (VERHAEGHEN, 2000). Assim sendo, o efeito do treino é melhorar a performance, e não modificar uma habilidade intrínseca já utilizada pelo sujeito. Por exemplo: se um sujeito tem maior facilidade para memorizar a partir de pistas visuais, a reabilitação não vai treiná-lo a utilizar pistas verbais, e sim ensinar-lhe estratégias para melhorar sua performance, como a utilização de pistas multissensoriais. Para estimular o funcionamento da memória, é importante ressaltar que há mais de um caminho possível. Por exemplo, para aprender uma seqüência de palavras, pode-se aplicar o método de categorização semântica ou fonêmica, dependendo da preferência e da habilidade particular de cada um. Em idosos, é comum a ocorrência de erros de aplicação das técnicas ensinadas, em decorrência da perseveração em técnicas antigas, que não são mais efetivas. Assim, com idosos, não só é necessário treinar novas técnicas, como também ajudá-los a não utilizar mais as antigas, por meio da prática, mostrando em sua performance que a técnica nova traz melhores resultados. Visualizando os diferentes resultados, cada indivíduo poderá fazer sua escolha. Mas por que muitas das técnicas utilizadas pelos idosos se tornam ineficientes? Em primeiro lugar, em virtude do progresso tecnológico e científico, uma estratégia de tempos atrás não se aplica à vida de hoje. Com a idade, muitas lembranças que antes eram feitas facilmente de memória hoje necessitam ser anotadas, como tomar um remédio. Antes era um remédio por dia, hoje são dez, em horários diferentes. Outra mudança também muito comum é a perda do companheiro, aquele que era responsável pelas compras e pelo pagamento das contas. Assim, há a necessidade da aquisição de novas habilidades. Dessa maneira, os idosos, demenciados ou não, para se manterem independentes por mais tempo, devem: tentar manter as habilidades adquiridas durante a vida, transferir essas habilidades para um novo ambiente e novas situações, além de adquirir novas habilidades para lidar com problemas atuais que as habilidades antigas não podem resolver. Embora haja atualmente comprovação da eficácia de algumas técnicas de reabilitação cognitiva, os seguintes aspectos ainda são questionáveis: a. extensão dos benefícios destes treinos para a vida diária dos pacientes;

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193 b. a duração dos benefícios a longo prazo após a interrupção dos treinos; c. qual técnica é mais efetiva para cada tipo de população; d. além da dúvida sobre os melhores instrumentos para medir a eficácia do tratamento. Em pesquisa realizada por De Vreese et al. (1998) (classe I), dois grupos de idosos, o primeiro formado por 30 sujeitos com queixas subjetivas de memória e o outro por 20 sujeitos com queixas subjetivas e objetivas de memória (declínio da memória episódica verbal sem interferir nas atividades de vida diária), receberam sessões de treino de memória com duração de 90 minutos, uma vez por semana, por um período de três meses. Este treino combinava várias técnicas mnemônicas e estratégias de aprendizagem estruturadas, a fim de obter efeitos psicoterápicos e pedagógicos. Ao final do tratamento, verificou-se que os sujeitos que tinham também queixas objetivas de memória tiveram maior benefício dos treinos e que os ganhos qualitativos eram maiores que os quantitativos. Em outro estudo, Berg et al. (1991) (classe I) constataram em grupo de pacientes com traumatismo craniano que, após ensino de estratégias para aprender informações relevantes, estes passaram a ter melhor performance em tarefas de aprendizagem e memória do que os pacientes que não foram treinados. Já em outra pesquisa, citada por Prigatano (1997) , Milders et al. (classe II) acompanharam longitudinalmente um grupo de pacientes que recebeu treino para memória. Logo após o final do treinamento, o grupo que sofreu intervenção teve maiores benefícios; no entanto, a longo prazo, após quatro anos, eles tiveram performance igual ao grupo-controle. Este estudo deve ser exemplo para futuras pesquisas, pois deve-se ter claro as limitações e os sucessos da reabilitação, bem como o momento mais propício para iniciar um tratamento e a população que irá recebê-lo. Após estas pesquisas, que avaliaram a reabilitação da memória como um todo, vários estudos passaram a investigar as técnicas mais efetivas. Técnicas de reabilitação de memória na DA A terapia de orientação para a realidade (TOR) foi desenvolvida por James Folson em 1968, com o objetivo de reduzir a desorientação e confusão nos idosos, e pode ser realizada de duas formas; 24 horas. de TOR e classes de TOR por 30 minutos. Ambas visam a orientar o paciente no tempo e no espaço, sempre relembrando com ele, por meio de pistas ou auxílios externos, o dia do mês, o ano, e o local onde está.

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Citrin e Dixon (1977) (classe I) realizaram estudo com TOR com sessões semanais com grupo treinado, e grupo-controle que não foi treinado. Os resultados revelaram melhora na orientação do grupo treinado, enquanto o grupo-controle permaneceu inalterado. Além disso, houve diferenças na lista de comportamento utilizada, com melhora em certos comportamentos no grupo que sofreu intervenção. Já em estudo de Zeplin et al. (1981) (classe I) foram feitos treinos com classes de TOR com sessões de 30 minutos e TOR–24 horas, em idosos com déficits cognitivos, por um período de seis meses. Os grupos que foram treinados tiveram melhora no mini-exame do estado mental (MEEM), enquanto o grupo-controle piorou. Entretanto, após intervalo de um ano, estas diferenças não foram mais verificadas. O que não se sabe nesses estudos é o quanto as habilidades treinadas se estendem à vida diária dos pacientes, já que as medidas utilizadas para medir a eficácia do treino são questionários com perguntas similares ou iguais às treinadas. Porém, apesar dos problemas de avaliação, estes e outros estudos têm sugerido que a TOR pode, em alguns casos, trazer benefícios para a orientação dos pacientes. Em estudo mais recente com pacientes com demência, Spector et al. (2000) (classe I) submeteu 65 pacientes à TOR–24 horas, enquanto 58 pacientes formaram o grupo-controle. Os resultados mostraram haver evidências de efeito positivo na cognição e no comportamento do grupo que sofreu intervenção; entretanto, alterações não foram verificadas nas habilidades funcionais do dia-a-dia. O que permanece ainda sem resposta é se esses benefícios permanecem após a interrupção das sessões de TOR. Outra técnica para trabalhar a memória é a terapia da reminiscência, que visa trabalhar a memória remota do paciente, com fatos significativos de sua vida, como canções, hábitos antigos, entre outros. No entanto, Spector et al. (De Vreese et al., 2001) concluiu que somente um estudo pôde ser registrado e, neste não foram encontrados benefícios significativos comparando o grupo tratado com o grupo-controle. Assim, apesar de haver sugestões de efeitos positivos dessa técnica, a ausência de estudos controlados impede uma avaliação mais objetiva de sua eficácia. Uma terceira técnica é a reabilitação baseada na facilitação da memória implícita residual. Na DA, a perda progressiva da memória, que tem múltiplos componentes, não se dá de maneira uniforme. Atualmente, estudos têm demonstrado que a memória implícita de pacientes com DA está relativamente preservada na fase inicial, apesar de apresentarem déficits significativos de

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194 memória explícita (para revisão ver Bertolucci, 2000). Isso mostra que na DA há aspectos da memória que não estão afetados e, assim sendo, estes pacientes preservam ainda certa capacidade de aprendizagem, podendo ser estimulados e reabilitados. Wilson et al. (1989) observaram que por meio da prática repetitiva e utilizando mecanismos de memória implícita, pacientes amnésticos podem ser treinados em tarefas complexas. No entanto, Squire (1987) faz uma crítica de que esta aprendizagem implícita, por ser rígida e muito específica, não permite ao paciente fazer um uso flexível do que foi aprendido. O que se sugere é que sejam feitos treinos em conhecimentos específicos com aplicação direta na vida diária. Bolognani et al.(2000) (classe III) relataram estudo com paciente de 23 anos que apresentava dificuldades de memória de curto prazo e de compreensão de textos em decorrência de parada cardíaca seguida de anóxia cerebral. Ele foi treinado por 14 semanas, com três sessões semanais de 50 minutos cada, a utilizar o editor de textos do computador, a fim de confeccionar cartões. Os treinos foram feitos diretamente no computador, com tarefas sendo divididas e treinadas passo a passo. Ao final das 14 semanas, o objetivo foi alcançado, pois ele conseguia confeccionar cartões sozinho, comprovando que mesmo pacientes gravemente amnésticos são capazes de aprender informações novas, apoiados em estratégias de memória implícita. Assim, deve-se ter claro que o objetivo desta técnica não é restabelecer habilidades de memória, mas fornecer informações úteis para resolver problemas do dia-a-dia. A memória de procedimento em pacientes com DA leve é semelhante à de idosos normais, e por meio deste sistema de memória estes pacientes podem aprender novas informações ou reter conhecimentos. Expandindo-se técnicas que beneficiam lesionados cerebrais (Wilson, 1996) para pacientes com DA, esses podem se beneficiar de técnicas como aprendizagem sem erro, aprendizagem de habilidades sensoriomotoras, técnica de redução de pistas, técnica de ampliação do intervalo de evocação. Wilson (2001) relatou que estudos recentes têm demonstrado que o princípio da “aprendizagem sem erro” é útil para pacientes com dificuldades de aprendizagem em decorrência de alterações neurológicas, como é o caso de pacientes com Alzheimer. Pessoas com déficit na memória episódica não são capazes de lembrar de seus erros, não podendo, desta maneira, corrigi-los. Assim, não aprendem com seus erros, como as pessoas sem déficits de memória, e passa a ser claro que faz mais sentido assegurar-se de que o aprendizado se dê

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sem erros. Mais do que uma técnica específica, aprendizagem sem erro deve nortear o treinamento de memória independentemente da técnica utilizada, passando a ser, desta maneira, um princípio. Em um estudo de caso, Winter e Hunkin (1999) (classe III), verificando a eficácia da aprendizagem sem erro, avaliaram uma idosa de 62 anos com diagnóstico de DA leve que foi treinada para reaprender nomes de pessoas famosas. O treino ocorria quatro vezes por semana, no qual ela reaprendia o nome de dez pessoas, as quais ela não recordava. Em cada treino as dez fotos eram apresentadas e nomeadas em ordem diferente. Para cada foto, a própria paciente lia o nome, sendo instruída a memorizar o nome de cada pessoa. Antes e depois do treino foram lhe dadas pistas e, no momento da evocação, quando ela falava que não sabia, já que a adivinhação não era incentivada, o nome era repetido. Os resultados revelaram que ela foi capaz de reaprender os nomes, pois, no final da 3a sessão, já foi capaz de nomear sete pessoas. Além disso, apesar de a paciente não ter sido sistematicamente trabalhada com informações semânticas sobre as pessoas das fotos, foi notado que na reaprendizagem ela melhorou também a capacidade de armazenamento das informações relevantes sobre cada pessoa. Clare (2001) (classe II) utilizou o método em seis pacientes com DA, idade entre 65 a 75 anos, e resultado no MEEM entre 21 e 26 pontos. Treinou aprendizagem e reaprendizagem de nomes e informações, além de uso de auxílios externos para memória. Foi observado melhora na memória dos pacientes e esta permaneceu até seis meses após o término dos treinos. A autora salienta a importância do método para reaprender atividades novas, e que os resultados obtidos são melhores em atividades que demandam memória implícita. No entanto, como a última também não reconhece e corrige os erros, estes devem ser evitados. Ainda segundo Clare, “é importante no treino com esses pacientes dar ênfase à codificação das informações, e não só no ‘não esquecer’; é importante que eles experienciem o sucesso”. Pesquisa realizada recentemente por nosso grupo (classe II) selecionou seis pacientes com diagnóstico de DA leve a moderada estes foram incluídos em ensaio clínico aberto, utilizando como medicamento a rivastigmina, para padronizar as doses utilizadas (6 mg a 12 mg). Após dois meses, os sujeitos iniciaram sessões semanais de 60 minutos de reabilitação cognitiva por um período de cinco meses. A eficácia das intervenções foi avaliada pela escala de impressão clínica global (CGI), Clinical Dementia Rating (CDR), MEEM, Alzheimer’s Disease Assessment Scale-cognitive subscale (ADAS-Cog), bateria neuropsicológica, questionário de atividades de vida diária básicas (Katz 1960) e instrumentais (Lawton, 1969). O estudo revelou que a associação de técnicas de reabilitação

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195 cognitiva ao tratamento medicamentoso pode auxiliar na estabilização ou resultar até mesmo em uma leve melhora dos déficits cognitivos, principalmente da memória, e funcionais (Bottino et al., 2002). De Vreese e Neri (1999) (classe I) realizaram estudo de treinos de memória que visavam otimizar a memória episódica, semântica e autobiográfica. Foram incluídos 27 pacientes com DA leve (escore do MEEM = 20 a 26) que foram divididos em três grupos (placebo, inibidores de acetilcolinesterase (ChEI) e inibidores de acetilcolinesterase (ChEI) + treino cognitivo duas vezes por semana, conduzidos na presença de cuidador) e acompanhados por 26 semanas. Após três meses, nove pacientes que estavam usando somente o ChEI foram submetidos a treinos de memória individual em sessões de 10 a 40 minutos, duas vezes por semana. Além disso, os familiares eram incentivados a repetir os exercícios em casa com os pacientes. Os resultados do tratamento foram avaliados pelo ADAS-Cog, MEEM e escala de atividades de vida diária (Lawton e Brody, 1969). Estes mostraram que os pacientes que fizeram o tratamento combinado de ChEI + treino cognitivo apresentaram um efeito terapêutico maior do que o grupo que só fez uso da ChEI e do grupo-placebo, com relação a funcionamento cognitivo, alterações de comportamento e atividades de vida diária. Conclusão Nesta revisão foi demonstrada a necessidade de se realizarem estudos e intervenções sistematizadas e controladas sobre as funções cognitivas, principalmente em relação à memória, de pacientes com DA. Embora haja pesquisas salientando a relevância da reabilitação de memória para outros quadros neurológicos, a reabilitação para pacientes com DA ainda é pouco investigada. Entretanto, até o momento, alguns estudos que relataram que a combinação de tratamento medicamentoso e reabilitação neuropsicológica sugerem resultados mais eficazes em comparação ao uso isolado do medicamento. Estes dados revelam que o treino da memória traz benefícios para pacientes com déficits mnésticos, e que também pode produzir resultados promissores em pacientes com DA leve a moderada, como algumas pesquisas vêm comprovando. Esse tipo de tratamento promove uma melhora da memória explícita e se estende para habilidades funcionais temporariamente, quando combinado ChEI. Foi também demonstrado, nos últimos anos, a eficiência de certas técnicas de memória, entre elas: 1. As que se baseiam na reabilitação da memória implícita, geralmente intacta;

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2. Compensação dos déficits de memória explícita por meio de treino do uso de auxílios externos; 3. Facilitação da memória explícita residual por meio de suportes estruturados, tanto de codificação como de resgate. No entanto, é importante ressaltar algumas limitações dessas técnicas, principalmente em razõ do fato de que os efeitos dos treinos são muito específicos para determinadas tarefas. E, na realidade, razão a maioria dos problemas de memória dos pacientes com DA vai além da resolução de simples tarefas. Portanto, é relevante incorporar os seguintes aspectos na reabilitação da memória desses pacientes: a. expandir e treinar a maior abrangência de habilidades já intrínsecas, mais do que técnicas específicas, ao mesmo tempo que focar a aplicação destas habilidades em diferentes contextos; b. ensinar um número maior de técnicas específicas, observando quando e onde aplicar tais técnicas, pois o treino de estratégias selecionadas é um importante meio de promover um aumento da performance de atividades da vida diária (Verhaeghen, 2000). O treino de pacientes com DA tende a obter ganhos pequenos (Bäckman et al., 1991; Yesavage, 1982) e, algumas vezes, até uma diminuição da performance (Zarit et al., 1990) , ou, ainda, treino extenso para resultados pequenos (Verhaeghen, 2000). Temos que pensar, no entanto, que ganhos pequenos em uma doença degenerativa são muitas vezes significativos. Segundo De Vreese et al. (2001), há evidências de que caminhos alternativos e inovadores de reabilitação de memória para pacientes com DA podem de fato ser clinicamente eficazes ou pragmaticamente úteis, com grande potencial para serem utilizados em uma nova cultura de tratamento de DA. Com base nos estudos publicados, as pesquisas futuras devem se voltar para o desenvolvimento de intervenções específicas para cada indivíduo, para cada doença, assim como protocolos mais eficazes que avaliem a eficiência da reabilitação em diferentes aspectos: atividades de vida diária, qualidade de vida e família. Nesse contexto, os benefícios devem ser avaliados a curto e longo prazo por meio de medidas evolutivas adequadas. Assim, com a definição de técnicas específicas para cada tipo de paciente, de seus reais benefícios e do alcance destas e a duração de sua eficácia, a neuropsicologia poderá trazer grandes contribuições para o tratamento de pacientes com déficits cognitivos, como é o caso de pacientes com DA.

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