Rebeliões poéticas: estudo etnográfico sobre o Sarau Vira-Lata, de Belo Horizonte (Monografia, Ciências Sociais, UFMG)

Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - FAFICH

CURSO DE GRADUÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

JOÃO PAULO DE FREITAS CAMPOS

REBELIÕES POÉTICAS ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE O SARAU VIRA-LATA DE BELO HORIZONTE

Belo Horizonte 2016 1

Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Curso de Graduação em Ciências Sociais

JOÃO PAULO DE FREITAS CAMPOS

REBELIÕES POÉTICAS ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE O SARAU VIRA-LATA DE BELO HORIZONTE

Monografia apresentada no Curso de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito para obtenção do título de bacharel em Ciências Sociais

Orientador: Prof. Leonardo Hipólito Genaro Fígoli

Belo Horizonte 2016 2

AGRADECIMENTOS Agradecer é sempre uma tarefa complexa, pois é executada sob o medo de esquecer alguém. Dessa maneira, devo esclarecer que este pequeno texto nunca daria conta de todas as pessoas que tenho vontade de agradecer. A memória falha, mas o sentimento pulsa. Primeiramente, devo agradecer à minha mãe, que lidou com o imponderável e o intangível, desde o começo de minha existência e, principalmente, após a precoce morte de meu pai, se esforçando ao máximo não só na minha criação, como também na de meus dois irmãos, numa demonstração de vitalidade e amor inacreditável. À minha segunda família, companheiros e companheiras de invenção, seja no cinema ou no cineclubismo, Bruno Greco, João Ferrari, Bola, Patrick, Carol, Duda, Pedro Rena, André Di Franco, Cris Araújo, Laryssa Braga, Francisco Pereira, Leonardo Branco, Lucas Campos, Vitor Miranda, Nathalia Guimarães, Duane Cartaxo e Igor Diogo. Meu companheiro de vida, amigo há mais de uma década, André Campos, que sempre esteve ao meu lado, desde os tempos de colégio e, felizmente, também na universidade. Agora podemos dizer que nos tornamos Cientistas Sociais juntos. Aos colegas de PET, incluindo também as coordenadoras Ana Lúcia Modesto e Cristina Castro, pelo enorme aprendizado através de riquíssimas experiências afetivas (pois ali descobri que as experiências acadêmicas podem e devem ser, antes de mais nada, afetivas). Aos meus amigos e companheiros de pesquisa do Núcleo de Estudos em Cultura Contemporânea (NECC), João Ivo Guimarães e meus orientadores, Ronaldo de Noronha e Leonardo Fígoli, que me ensinaram tanto de maneira tão divertida. Às professoras e professores que participaram ativamente desse primeiro momento de minha formação intelectual: Isabel de Rose, Ana Estrela, Karenina Andrade, Carlos Marques, Yurij Castelfranchi, Rogério Duarte do Pateo e muitos outros. Com estes, além dos colegas de pesquisa supracitados, dei os meus primeiros passos na Antropologia e Sociologia. Para Isabel de Rose e Ana Estrela, um agradecimento mais que especial por, entre os seus ensinamentos, tornarem-se amigas queridas. Espero que essa amizade não acabe com a minha graduação (claro que não...). À Érika Rohlfs, amiga que me acompanha nas melhores e piores horas. Espero que continuemos essa amizade, tão importante na minha vida. E, uma vez que citei a mais

3

nova, devo também mencionar Rebecca e Lenora Rohlfs, que também me ajudaram tanto em momentos de extrema necessidade, com afeto e compreensão. À Thálita Motta, pesquisadora festiva que encontrei nesse percurso e, depois de alguns trabalhos juntos, consolidamos uma belíssima amizade. Ainda publicaremos nossos textos juntos, em meio a catuabas e acampamentos improvisados. À minha companheira, Ingra Harry, que chegou à minha vida como um furacão, sacudindo o que eu considerava morto. Aos artistas e ativistas, homens e mulheres a quem dedico este trabalho, que habitam esse mundo social extraordinário e vibrante em que me entrincheirei, aprendendo com seus conflitos e desejos, seus símbolos e ações. Enfim, um agradecimento especial a todos e todas que me mantiveram vivo, que me ajudaram tanto nos últimos anos, nesses momentos sombrios de minha vida. Vários estão nessa lista, mas creio que não preciso citá-los, pois hoje todos estes se tornaram partes de mim. Espero que a vida seja melhor daqui pra frente, para todos nós.

Vida longa ao Sarau Vira-Lata! Au au auuuu!

4

Aos artistas e ativistas de Belo Horizonte. 5

RESUMO

Este estudo focaliza as intervenções estético-políticas promovidas pelo movimento Sarau Vira-Lata que, desde 2011, organiza encontros de poesia em diversos pontos da cidade de Belo Horizonte. Essas intervenções urbanas são, de acordo com a nossa interpretação, ações ritualizadas de rebeldia – no sentido que Max Gluckman (2011) dá aos “rituais de rebelião” –, que inventam novas paisagens culturais e canalizam insatisfações e acusações políticas, estreitando as relações entre poesia e vida, estética e política. Ao ocupar espaços públicos e convertê-los em palcos de rebeliões poéticas, estes jovens artistas exploram o poder da arte de transformar o real dado numa realidade reflexiva e criativa, em processo de constante reinvenção, aproximando-se das expressões artivistas contemporâneas. O foco do trabalho será, portanto, compreender as relações entre arte e espaço resultantes dessas intervenções, com o objetivo de analisar como esses atores buscam reinventar a cidade e a arte.

6

SUMÁRIO

1. PREÂMBULO: POÉTICAS E PERFORMANCES DA REBELIÃO………....8 2. O SARAU VIRA-LATA: CONTEXTUALIZAÇÃO DE UM MOVIMENTO NÔMADE………………………………………………………………………….....16

3. ENTRE POEMAS, TRAGOS E MANIFESTOS: MERGULHO ETNOGRÁFICO NUM EVENTO RITUAIZADO…………………………..…....28

4. LIMINARIDADE, COMMUNITAS E TRANSFORMAÇÃO………………....35

5. SÍMBOLOS EM AÇÃO: OS POETAS UIVANTES...........................................51 6. EPÍLOGO: A INVERSÃO COMO TÁTICA DO IMAGINÁRIO....................60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………………………………………......65

7

1. PREÂMBULO: POÉTICAS E PERFORMANCES DA REBELIÃO Permitir que as pessoas se reúnam nas ruas é sempre flertar com a possibilidade de improvisação – o inesperado pode acontecer. Richard Schechner, A rua é o palco. (…) estamos vivendo uma verdadeira era de rebeliões, resistências e ocupações, que acontecem simultaneamente em vários pontos do planeta. O paradoxo da globalização econômico neoliberal é justamente enfraquecer e ativar as forças sociais de resistência simultaneamente. Raquel Rolnik. Guerra dos lugares.

Para iniciar a discussão, considero proveitoso introduzir uma breve reflexão sobre a metrópole, trazendo o filme “Metrópolis” (1927), de Fritz Lang, como ponto de contraste com as cidades contemporâneas. Mais atual que nunca, essa obra suscita eficazes caminhos para a compreensão da dinâmica social da cidade metropolitana. Nessa obra, as pessoas comuns, trabalhadores de fábricas, vivem no subsolo sob o domínio de uma classe seleta de ricos industriais, que governam a Metrópolis. A dominação ocorre, portanto, através de confinamentos. Hoje, o capitalismo se transformou, e a dominação se tornou distribuída e complexa. Das sociedades disciplinares, como a Metrópolis de Fritz Lang, surgiram as chamadas “sociedades de controle” (DELEUZE, 2013), em que o confinamento e a disciplina já não são os pilares da governabilidade, e sim o “controle ao ar livre” das câmeras de vigilância e – porque não? – das redes sociais. Segundo Deleuze, “os confinamentos são moldes, distintas moldagens, mas os controles são uma modulação”, e se assemelham a “uma moldagem autodeformante que mudasse continuamente, a cada instante, ou como uma peneira cujas malhas mudassem de um ponto a outro” (DELEUZE, 2013, p. 225). Não destrincharei esta ideia com rigor. Para essa discussão, basta dizer que, nesse modelo de sociedade – que, tenhamos em mente, não é total –, a fábrica – enquanto dispositivo central de dominação – dá lugar à empresa, cujo papel, nas sociedades pós-industriais, se tornou central. De acordo com Deleuze:

8

A fábrica constituía os indivíduos em um só corpo, para a dupla vantagem do patronato que vigiava cada elemento na massa, e dos sindicatos que mobilizavam uma massa de resistência; mas a empresa introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável como sã emulação, excelente motivação que contrapõe os indivíduos entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo (DELEUZE, 2013, p. 225).

Com efeito, as empresas e as finanças atuam, no capitalismo neoliberal, como forças sociais ativas no governo dos homens e das coisas. As relações entre Estado e Capital, público e privado, se estreitam radicalmente, formando uma espécie de EstadoCapital. Nesse contexto, a produção do espaço público também se transforma, sendo fortemente marcada por um quadro de vigilância e restrições da vida pública1. Numa conferência intitulada “Metropolis”, Agamben diferencia a metrópole contemporânea das cidades antigas, inserindo as primeiras no contexto de um “novo espaço urbano, ligado à governabilidade”: A minha ideia é que aqui não se está diante de um processo de crescimento e desenvolvimento da antiga cidade, mas da instauração de um novo paradigma, cujo caráter deve ser analisado. Certamente um dos seus traços evidentes é que há uma passagem do modelo da polis fundada sobre um centro, no qual há um espaço público, uma ágora, a uma nova espacialização metropolitana na qual certamente está ocorrendo um processo de “despolitização”, cujo resultado é uma curiosa zona na qual não é possível decidir o que é privado e o que é público2.

Essa confusão entre o privado e o público que ocorre nas cidades metropolitanas deriva do crescente processo de privatização do espaço urbano, por meio de parcerias entre a esfera pública e privada na era das finanças. Essa colonização do espaço, marcada pela especulação do mercado imobiliário, “levou as políticas públicas a abandonar os conceitos de moradia como um bem social e de cidade como um artefato público”. Desse modo, As políticas habitacionais e urbanas renunciaram ao papel de distribuição de riqueza, bem comum que a sociedade concorda em dividir ou prover para aqueles com menos recursos, para se transformarem em mecanismo de extração de renda, ganho financeiro e acumulação de riqueza. Esse processo resultou na despossessão massiva de territórios, na criação de pobres urbanos “sem lugar”, em novos processos de subjetivação estruturados pela lógica do endividamento, além de ter ampliado significativamente a segregação das cidades (ROLNIK, 2015, p. 14-15).

1

Sobre o crescimento da vigilância nas sociedades contemporâneas, ver BRUNO (2013); ver também NEGRI & HARDT (2014), principalmente a figura do “securitizado”. 2 Texto disponível aqui: http://culturaebarbarie.org/sopro/verbetes/metropolis.html, último acesso em 22/05/2016.

9

Destaca-se nesse processo a correlata expansão da retórica da cultura e arte no planejamento urbano, promovendo processos de gentrificação de lugares da cidade com a criação de aparelhos culturais oficiais como Museus, Centros Culturais, Bibliotecas, Teatros, Festivais de Música etc. Essas estratégias oficiais de gestão e espetacularização da cultura e do espaço urbano geralmente são impulsionadas em detrimento da dinâmica cultural e espacial características dessas regiões, seguindo as regras do jogo do capitalismo contemporâneo (RENA et al, 2014, p. 80), marcadamente influenciadas – para não dizer legisladas – pelo interesse privado de empresas em constante competição e colaboração entre si e o poder público. Se na Metrópolis de Fritz Lang nós temos diversos homens num subsolo comum, na Metropolis de Agamben o subsolo se pluraliza e se rebela. Pois a metrópole, apesar do esvaziamento da atividade política dos seus cidadãos, se caracteriza pela incrível variedade de estilos e formas de vida, incluindo a rebelião e subversão. Consideradas enquanto experiências humanas, elas compreendem significados cuja compreensão se torna necessária não só para os estudos antropológicos ou sociológicos, mas também para a vida nesse contexto de diversidade. São Paulo – e outras grandes cidades – constitui um espaço privilegiado para experiências [...], dada a procedência de seus habitantes, a riqueza de suas tradições culturais, a variedade de seus modos de vida e, por conseguinte, a infinita possibilidade de trocar e contatos que propicia. Mas também alimenta representações que a identificam com o ethos do trabalho, com a formalidade e frieza das relações impessoais, o anonimato da vida cotidiana. A desigualdade social, a violência – desde a poluição sonora até a criminalidade –, passando pelas conhecidas e gritantes contradições urbanas, são outros fatores presentes quando se avalia a qualidade de vida que oferece. Sem negar a realidade desses fatores, nem procurar amenizar suas consequências, é possível mostrar que a cidade oferece também lugares de lazer, que seus habitantes cultivam estilos particulares de entretenimento, mantêm vínculos de sociabilidade e relacionamento, criam modos e padrões culturais diferenciados (MAGNANI, 2008, p. 18-19).

Lugar de paradoxos e relações diversas, a metrópole possibilita tensões e trocas, conflitos e encontros afetivos, conformando-se como palco de inúmeras táticas inventivas3 (CERTEAU, 2012) que, por sua vez, produzem formas de vida específicas, dando ritmo a experiências ricas de sentidos.

3

Em sua obra intitulada “A invenção do cotidiano”, Michel de Certeau diferencia dois tipos de comportamento: o estratégico e o tático. Este último diz respeito às táticas inventivas que os indivíduos desenvolvem em sua vida cotidiana. Caracterizadas pela astúcia e criatividade, as táticas são agenciamentos improvisados que possibilitam a apropriação inventiva de elementos do cotidiano – como

10

Considerando as tensões que surgem num contexto de controle e vigilância da vida nas sociedades capitalistas contemporâneas (BRUNO, 2013; DELEUZE, 2013; PELBART, 2007; 2011) em relação aos diferentes usos dos espaços públicos, vemos surgir formas inusitadas de engajamento artístico e político, em colaboração ou confrontação do status quo. Entre as últimas, podemos destacar o que vem sendo chamado de “artivismo” (CHAIA, 2007; VIEIRA, 2007; RAPOSO 2014, 2015; GIOVANNI, 2015; MOURÃO, 2015), intervenções híbridas que estabelecem pontos de contato expressivos entre arte e vida, estética e política, reclamando “‘novos espaços’ de democratização e de indignação” (RAPOSO, 2014, p. 11), além de construírem espaços heterodoxos de fruição coletiva na metrópole. Essas atividades artísticas “ganham espaço nas margens e nas dobras de sistemas culturais estabelecidos, fora de mão (...)” (SCHECHNER, 2002, P. 69), afirmando-se como alternativas criativas e combativas em oposição à colonização do espaço urbano e a espetacularização da cultura e das artes. Com efeito, “as lutas urbanas estão em franca ascensão” (ROLNIK, 2015, p. 379), seja através da atividade política tradicional, ou pela arte, ou no cruzamento destas. Segundo Raquel Rolnik: Estamos, portanto, diante de uma “guerra dos lugares” ou de uma guerra “pelos lugares”. Nessa guerra, o que está em jogo são os processos coletivos de construção de “contraespaços”: movimentos de resistência à redução dos lugares a loci de extração de renda e, simultaneamente, movimentos de experimentação de alternativas e futuros possíveis (ROLNIK, 2015, p.

378). A cidade de Belo Horizonte não escapa desses conflitos, alcançando, no ano de 2009, um momento de acentuação da tensão entre a população e as políticas públicas propostas pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – em parceria com empresas, principalmente na área do planejamento urbano. Uma das consequências práticas desse processo foi o decreto 13.178/10, sancionado pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, que limitava o uso livre da Praça da Estação pela população4: O decreto limitava a realização de eventos na Praça da Estação, área na região central da cidade que apresenta qualidades cívicas para receber eventos de grande porte: é plana e permite aglomeração de um grande número de pessoas. Esta medida polêmica deu continuidade às políticas urbanas de cunho nitidamente mercadológico, emplacadas pelo prefeito desde o início de seu primeiro mandato (RENA et al 2014: 80). a língua e o espaço físico –, com a finalidade de tornar o mundo habitável. São infiltrações que produzem a tessitura da vida cotidiana, explorando as fendas, os interstícios de sistemas. 4 Para uma ambientação mais detalhada do processo que desencadeou a criação da “Praia da Estação”, ver MELO (2014), principalmente o capítulo 3.2, “O direito (de carnavalizar) a cidade”.

11

Chamada para a Praia da Estação

As justificativas apresentadas pela prefeitura para tal restrição de eventos na praça foram a garantia da “integridade do patrimônio” e “prevenção da segurança pública” (MELO, 2014, p. 39-40). Esta medida teve uma resposta inusitada por parte de um conjunto plural de jovens que, indignados com o cerceamento da vida pública na cidade, formaram o movimento “Praia da Estação”. De acordo com Fidelis Alcântara, um dos organizadores, o movimento “luta contra a privatização do espaço público”, uma vez que “a prefeitura de Belo Horizonte tem feito diversos acordos com empresas privadas, onde essas empresas assumem a manutenção das praças e também podem legislar sobre elas, fazendo exigências de como utilizar este espaço público”5. Frente ao decreto surgiu na Praça um movimento periódico de ocupação que questiona, de forma inusitada, as restrições de utilização daquela. A “Praia da Estação” vem reunindo, desde então, banhistas manifestantes que, carregando suas toalhas, cadeiras de praia, barracas, bicicletas e cachorros, ocupam a praça nas manhãs de sábado sob as águas de um caminhão pipa. Acontecimento espontâneo, a Praia tornou-se o principal foco de resistência à Prefeitura e também uma fonte inesgotável de ataque contra as suas políticas higienistas (RENA et al 2014: 81).

5

Entrevista completa disponível no link: http://contramao.una.br/organizador-da-praia-da-estacao-falasobre-o-movimento-e-sua-importancia/, consultado em 12/08/15.

12

A “Praia da Estação” foi o estopim de uma expansão exponencial de mobilizações do gênero, organizadas principalmente por jovens estudantes, artistas e ativistas em regiões centrais e periféricas da cidade, dando início a um processo de construção coletiva – ou conectiva – de novos arranjos de associação, formas de experiência urbana e de produção artística, tornando-se crucial para as lutas pelo usufruto da cidade de Belo Horizonte. A partir deste movimento, se constitui uma malha sui generis de redes sociais que promovem a arte e a festa para veicular reivindicações políticas em ações diretas de ocupação dos espaços públicos. Como exemplo deste tipo de levante, podemos citar a ocupação, no ano de 2013, do antigo Hospital de Neuropsiquiatria Infantil por um grupo de estudantes, artistas e militantes. O prédio público foi transformado em centro cultural, “um espaço comum de criação e compartilhamento artístico, político e cultural, aberto e autogestionado” chamado Espaço Comum Luiz Estrela.

3 anos de "Praia". Foto: Priscila Musa

É neste processo de crescente efervescência política e cultural que irrompe o movimento Sarau Vira-Lata, que aspira, antes de tudo, “ocupar a cidade com a poesia”. São estes fatos que tenho trabalhado como observador participante, desde meados de 2013, cujos resultados de pesquisa apresento nas páginas que se seguem. 13

A partir da interpretação dos “ritos de rebelião” de Max Gluckman (2011), interpreto as intervenções do Sarau Vira-Lata como “rebeliões poéticas” que se inserem em lutas simbólicas – estético-políticas – em torno da reapropriação de espaços e ressignificação de paisagens urbanas. As performances dos Vira-Latas são consideradas, aqui, como ações de rebeldia ritualizadas, que procuram suscitar a ruptura do fluxo cotidiano da vida social da cidade sem, no entanto, almejar uma revolução social. Momentos de rebelião urbana eufemizada, de rebeldia manifesta em linguagem poética atrincheirada na criatividade social disposta à contramão das forças gentrificadoras dominantes, e com a consequente suspensão de regras e sentidos impostos à vida cotidiana e aos espaços públicos ocupados pelo movimento. O foco da interpretação será, portanto, compreender as relações que estas intervenções promovem entre arte e espaço. Rebelião, não revolução. Desde as ocupações de espaços públicos até as mensagens e performances produzidas nos encontros. Considerando a expansão de movimentos artísticos politicamente engajados nas sociedades contemporâneas, a noção de rebelião inspirada em Max Gluckman lança novas luzes sobre este fenômeno, conformando-se como ferramenta preciosa para a compreensão dos sentidos destas sublevações poéticas.6 Em suma, o presente estudo busca analisar as intervenções estético-políticas produzidas pelas atividades do coletivo Sarau Vira-Lata que, desde 2011, promove saraus de poesia em diversos lugares da cidade de Belo Horizonte, ocupando criativamente espaços públicos numa ação que estreita as relações entre arte e política, explorando o poder crítico e transformador das artes. Com isto, tenho como objetivo contribuir para a compreensão das práticas artivistas7 no mundo contemporâneo, este novíssimo fenômeno social que, nas palavras de Miguel Chaia, se apresenta “como uma forma de micropolítica que conduz tanto para o reino da hiperpolítica quanto para o campo das heterotopias” (CHAIA, 2007, p. 11). 6

Contexto etnográfico bastante diferente do que Max Gluckman trabalhou e empregou o conceito de rito de rebelião, o que nos obriga a adaptá-lo ao novo contexto de pesquisa. Desse modo, utilizo a teoria dos rituais de rebelião – e rituais em geral – como “prisma analítico” (Peirano, 2002, p. 34), com o fim de interpretar os eventos promovidos pelo Sarau Vira-Lata. Como ficará esclarecido no decorrer do texto. 7 Devo mencionar que o movimento Sarau Vira-Lata não se auto-intitula artivista, termo ainda de difícil definição e consenso. Entretanto, devido à natureza das ações de intervenção promovidas pelo movimento analisado, parece adequado considerá-lo uma expressão bastante clara do que tem se denominado artivismo.

14

Logo do Sarau Vira-Lata

15

2. O SARAU VIRA-LATA: CONTEXTUALIZAÇÃO DE UM MOVIMENTO NÔMADE Deus fez o mundo e o diabo o arame farpado. Antônio das Mortes em “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”. Em 2011, um estudante da UFMG, bolsista do Centro Cultural da universidade e amigo de alguns membros do coletivo “Família de Rua”8, propôs um sarau para reunir artistas que se apresentavam no Duelo de MC’s de Belo Horizonte, evento que acontecia às sextas-feiras, debaixo do Viaduto Santa Tereza, no centro da capital mineira. Eles decidiram que o sarau se chamaria “RAPoético” (junção da palavra “rap” e “poético”), e contaria com improvisações de rap e declamações de poesias de MC’s, dentro do Centro Cultural da UFMG. O sarau reuniu cerca de 30 MC’s e poetas que, empolgados com a atividade, sugeriram um novo sarau, dessa vez numa praça que vai marcar a vida de inúmeros jovens desde então: a praça da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, amiúde chamada de Praça Boa Viagem. Um dos participantes do evento que, além de MC, também frequentava o “Coletivoz Sarau de Poesia” (doravante “Coletivoz”) – evento que acontecia num bar de uma região periférica de Belo Horizonte, o Barreiro –, propôs um nome para o evento: Sarau Vira-Lata. Em 2011 eu trampava no Centro Cultural da UFMG, estagiário de produção cultural lá, e aí tinha começado há 2 anos a frequentar o Duelo, tava entrando nessa onda do movimento Hip-Hop, de conhecer os MC’s da cidade, tentar pensar algumas interseções que podiam acontecer entre a galera do rap e o centro cultural, que fica bem no centro, bem perto do viaduto, onde acontece o Duelo de MC’s, que acontecia na sexta-feira. Aí eu troquei uma ideia com o Monge na época, de a gente fazer um sarau de poesia lá que seria voltado pra apresentação dos MC’s, de apresentarem suas letras, poesias e outros escritos, sem o beat. Nesse formato de recital de poesia mesmo, pra ver o que poderia surgir daí. Aí ele falou que tava muito “agarrado” na época e tal, e acabei trocando essa ideia também com o Kadu dos Anjos, aí ele achou muito massa a ideia e falou que já tava muito afim de fazer uma coisa dessas. Aí a gente fez uma primeira vez lá um sarau que tinha um outro nome, que era RAPoético, e aí foi massa, colou uma galera dos MC’s que estavam na ativa na época, colou uma galera pra assistir, foi muito doido. E o Kadu já tinha essa ideia de fazer uma parada mais itinerante, pela cidade, então meio que casou as duas ideias, quando rolou essa ocasião lá no centro cultural. Já foi meio que uma oportunidade perfeita pra dar seguimento à essa ideia, aí a galera lá já combinou de fazer na semana seguinte, acho que foi na Boa Viagem, que aí foi o primeiro Sarau Vira-Lata mesmo. Daí as coisas foram caminhando pra frente.

8

Coletivo que organiza, dentre outros eventos, o “Duelo de MC’s” de Belo Horizonte.

16

A escolha do nome foi motivada pela relação que esses jovens compartilham com a rua e da própria proposta itinerante e urbana do sarau: ocupar diversos lugares da cidade, “igual um cachorro vira-lata”. O sarau, segundo um frequentador, é “uma coisa da rua, acontece na rua, em vários espaços da cidade e à noite”. Afinal, à noite, “a cidade é dos vira-latas, né?”. O sarau “é de todo mundo, independente de pedigree”. Foi esse espírito de coletividade e transgressão que serviu de força motriz para a manutenção e expansão das atividades do sarau. Essas características permanecem fortes até hoje, num interessante processo de afetação coletiva. Um grupo é criado com o fim de organizar melhor os encontros. Esse coletivo é chamado de “Sindicato dos Cachorros de Rua” e, em reuniões internas, discutiam questões relativas aos saraus, organizando os encontros, decidindo os lugares que seriam ocupados etc. Desde a primeira edição do Sarau Vira-Lata na Praça Boa Viagem, esses jovens artistas vêm ocupando criativamente diversos espaços da cidade: praças, ruas, centros culturais, escadarias, viadutos, enfim, nos interstícios “achados” pela cidade, construindo um espaço pretensamente democrático de produção cultural e sociabilidade “comum”, aberto a qualquer pessoa com disposição de mostrar o que pensa ou sente, dando visibilidade, portanto, à expressão de artistas não consagrados, além de estimular a inserção de novos sujeitos interessados no mundo da poesia. Na perspectiva de um dos frequentadores, poeta e músico, os encontros serviram como uma espécie de “escolão para muita gente”. De fato, não foram poucas pessoas que começaram a ler, escrever e declamar poesias ao frequentarem estes saraus. Este é o caso de um notório frequentador dos encontros, que assume o pseudônimo de “Vagabundo Iluminado”. Ele afirmou que antes de conhecer o Sarau Vira-Lata “não tinha interesse em poesia”, mas ao começar a frequentá-lo logo começou a escrever e declamar, sendo comum vê-lo caminhando por ruas, praças e bares da cidade vendendo suas zines e livros, manufaturados por ele mesmo – esse personagem retornará ao meu relato adiante. Durante uma entrevista realizada para um documentário sobre o Sarau Vira-Lata – ainda em processo de gravação –, me deparei com o seguinte depoimento sobre a relação do sarau com a rua e a potência política do ato de ocupar os espaços públicos: 17

Eu achava que isso (ocupar a rua) era um dos fatores primordiais, eu ficava sempre martelando, tipo: “vamo fazer num lugar, no meio da rua mesmo! No meio da calçada da Guaicurus, saca? Ao invés de fazer numa praça”. Eu sei que não é o melhor lugar e tal, mas quando ia menos gente, acho que era mais possível. Mas de ter essa relação de choque e resistência com essa coisa da rua só como um lugar de passagem, um não-lugar, eu imaginava o sarau como uma marreta assim mesmo, de chegar e mudar a relação do transeunte com o espaço, politicamente, através da prática mesmo. Do cara ver e dizer: “porra, a galera tá aqui sentada num lugar que eu acho mó cabuloso (perigoso), que eu passo morrendo de medo, de repente tem 50 jovens recitando poesia, saca?”. Eu imagino que de fato isso aconteceu, que isso expressa uma mudança de relação com a rua, e eu acho que quem vê isso, de alguma maneira, se afeta, né? Quem vive isso, quem tá lá participando, com certeza se afeta. Mas quem passa e vê se afeta também, de alguma maneira. Teve uma vez que a gente fez na porta da prefeitura num dia à noite, que eu acho que isso ficou muito claro para os guardinhas municipais que ficam lá cuidando da prefeitura e deviam estar pensando: “que que essa galera tá arrumando aqui!?”. Tipo, eles não podiam intervir, a gente tava na escadaria fazendo um movimento né? Mas acho que isso traz um nó. A galera que passava na Av. Afonso Pena, 23h, 00h, e aquilo acontecendo, chamava atenção e eu vejo a potência disso. Acho que de fato mudou, ao menos pra mim, a relação com a rua, de uma maneira muito doida, e imagino que mudou pra uma galera também, com certeza.

Apesar dos chamados “saraus poéticos” não serem uma novidade nas cidades brasileiras, o Sarau Vira-Lata o foi, ao menos em nível local, devido a características simbólicas e organizacionais que influenciaram muitas iniciativas posteriores em Belo Horizonte e arredores. Dentre os elementos mais importantes dessa novidade estão o nomadismo constituinte dos Vira-Latas – o que gera uma transformação na relação desses jovens com a cidade, através do “nó” supracitado, que embaralha e desloca olhares sobre a cidade; a metáfora do cachorro de rua – símbolo central manipulado nos encontros; e a “centralidade” dos lugares ocupados – a maioria dos encontros ocorre no centro da cidade, diferentemente dos saraus que acontecem nas “quebradas” de São Paulo. Quando escutamos a palavra “sarau” logo vem em mente eventos suntuosos, cheios de requintes. Vida aristocrática, poetas e músicos consagrados, ostentação, luxo e opulência. Com efeito, os saraus “datam do século XIX e início do século XX e se configuravam como os mais elegantes” eventos da sociedade europeia dessa época. No Brasil, “os saraus viraram tradição com a chegada da Família Real, em 1808, e logo ganharam terreno no Rio de Janeiro”, sendo frequentados pela “aristocracia e embaladas pelos ares europeus”. Não obstante este passado de luxo e requintes, “os saraus deixaram para trás as formas luxuosas e encontros menos requintados foram surgindo entre figuras como o próprio Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Paulo Prado e de 18

Dona Olívia Guedes Penteado”9. Nas cidades contemporâneas, os saraus ressurgem, reinterpretados à luz de uma nova dinâmica social, servindo como meio de integração de grupos marginados e de setores da periferia urbana no mundo das artes. Podemos citar, entre outros, o sarau Cooperifa (SP), Sarau Debaixo (SE), Sarau Apafunk (RJ), Sarau Psicodélico (DF), Sarau Periférico (PR), Coletivoz Sarau de Poesia (MG), para citar apenas alguns. No começo do século XXI, essa prática, no momento já deslocada pela cultura letrada, é retomada e ressignificada manifestadamente nas regiões periféricas da cidade de São Paulo. Porém, como todo deslocamento de um domínio de origem para outro, não se tratava de uma cópia dos saraus das salas das elegantes casas das elites paulistas, mas de múltiplos processos que os tornaram diferentes a ponto de não permitir comparações entre si. Trata-se, pode-se dizer, de uma apropriação livre que mantém apenas o rótulo sarau e a arte como palavra de ordem central (TENNINA 2013:

12, grifo meu). Os “saraus poéticos” surgem em São Paulo num contexto em que “a arte viria como possibilidade de saída do círculo da violência” (WALTY, 2014, p. 454). Esses eventos reinterpretam livremente os saraus “das salas das elegantes casas das elites paulistas”, deslocando os encontros para bares das favelas paulistas. Da casa à rua, do privado para o público, os saraus poéticos surgem como fenômeno híbrido, reinventando eventos da tradição letrada num contexto de pobreza e violência. A falta de acesso a aparelhos culturais como bibliotecas e centros culturais levaram os criadores dos saraus a ocuparem os bares das comunidades, prática que se espalhou por diversas “quebradas” da capital paulista. Com efeito, ao caminharmos por São Paulo, podemos encontrar mais de um sarau pela cidade a cada dia, durante toda a semana, o que revela parcialmente a magnitude desse fato social. Podemos fazer uma ligação apenas parcial entre o Sarau Vira-Lata e os saraus que ocorrem nas periferias de São Paulo. A motivação para criar um sarau itinerante e de rua veio da relação de um dos idealizadores do movimento com o “Coletivoz” que, sem dúvida, tem como modelo ou inspiração os saraus de São Paulo. Porém, o Sarau Vira-Lata pouco se assemelha a tais eventos.

9

Citações retiradas da reportagem intitulada “Como os saraus das cidades-sede colaboram com a mobilização comunitária”, de Ana Luiza Basílio e Jéssica Moreira. Disponível em: http://jornalggn.com.br/blog/centro-de-referencias-em-educacao-integral/como-os-saraus-das-cidadessede-colaboram-com-a-mobilizacao-comunitaria, último acesso em 16/08/15.

19

Muitas coisas mudaram nas atividades do Sarau Vira-Lata desde o tempo que eu era um mero frequentador, passando pelo tempo que fiz a pesquisa de campo nos encontros e os dias de hoje, momento em que estou finalizando a pesquisa, ao mesmo tempo em que realizo um documentário sobre o sarau. Os Vira-Latas10 que “puxavam” os saraus nos primeiros anos já não são os mesmos, pois o grupo passou por modificações radicais. Por conflitos ou por simples “andar da vida”, o grupo foi se modificando, contando com menos integrantes no contexto em que escrevo. Já são cinco anos de história e, uma coisa que não mudou é a tática e ocupação dos espaços públicos, elemento constituinte deste sarau. Na proposta do Sarau Vira-Lata de “ocupar a cidade com a poesia”, propõe-se um deslocamento não só do olhar sobre a cidade, mas da experiência sensível dela, a partir do qual tanto a poesia quanto a vida pública experimentam uma transformação material e simbólica. A busca por interrupção e alteração do fluxo do cotidiano urbano é claramente proposta pelos organizadores e frequentadores do sarau: acontecendo entre fendas e focos de tensões sociais e eventos culturais formais, os Vira-Latas buscam redescobrir lugares “achados” através da criação de novos usos e sentidos destes. Lugares que, a princípio, como afirmou uma frequentadora dos saraus, “eu passava, mas não enxergava [...], porque ali tem vida, ali tem pessoas. O que eu posso fazer para humanizar esse lugar”?11 Desejos de reinventar ou reconstruir paisagens urbanas através da experimentação artística e cidadã concreta perpassam o imaginário desses jovens artistas que enxergam, na festa e na arte, meios de transformar relações com a sua cidade, convertendo uma cidade considerada hostil e impessoal num espaço lírico pleno de sentimentos, espaço de expressões poéticas e performáticas. Fato curioso, esta assídua frequentadora dos saraus organizados pelos ViraLatas, preocupada com as relações de gênero nos encontros, criou um novo sarau, chamado Sarau das Cachorras. Este movimento, de certa maneira também “cria dos Vira-Latas”, tem como motivação principal incentivar a participação de mulheres no mundo da arte. O coletivo ainda busca estimular a “feminilidade” das pessoas – mulheres ou não – em saraus que ocorrem em noites de lua cheia, simbolizando, 10

Chamo de Vira-Latas não só os organizadores que “puxavam” os saraus, mas também todo e qualquer frequentador dos encontros que se identifiquem com essa metáfora. Voltarei a essa questão com mais rigor no capítulo destinado ao simbolismo nos saraus. 11 Comentários a respeito da Praça Rio Branco, próxima ao Terminal Rodoviário, localizado no centro de Belo Horizonte.

20

segundo a criadora do sarau, “a plenitude da mulher”. Os encontros são nômades, clara influência dos companheiros Vira Latas, e ocorreram, até o momento, em praças, bares e escolas, contando com uma edição especial em um presídio feminino. Nas palavras da criadora do sarau: “nós somos as cachorras da poesia”, aquelas que “criam vida”. Apesar da proposta de construir um espaço essencialmente feminino de produção artística e reivindicação política, ela ainda afirma que “é muito importante que o cão venha também”. As preocupações de gênero também acometeram os organizadores do Sarau Vira-Lata, que incorporaram poetizas em seu Sindicato.

Performance durante o Sarau Vira-Lata - Fica Ficus 18/04/14. Foto: Pablo Bernardo

As intervenções organizadas pelo movimento Sarau Vira-Lata apresentam vivas interações com outros saraus e certas afinidades com outros movimentos urbanos, como a Praia da Estação, o Duelo de MC’s, A Ocupação e outras agrupações cujas ações diretas visam a reapropriação da cidade. Talvez possa se resumir a forte afinidade, discursiva ou prática, desses diversos movimentos no expresso desejo de fazer da cidade um lugar não para temer, mas para se viver. Um exemplo: já aconteceram saraus na simbólica Praia da Estação. No cartaz abaixo vemos uma chamada para uma edição do Sarau Vira-Lata que ocorreu numa 21

ocasião destas. Ao anoitecer, quando as movimentações habituais da Praia foram diminuindo, formou-se a conhecida roda de pessoas, ao lado do Monumento à Terra Mineira (1930), no centro da praça. Passado algum tempo, depois de reunido certo número de pessoas, um dos organizadores deu início oficial ao sarau que ditou o ritmo de uma formidável noite de sábado, em meio a tragos, poesias e manifestos.

Sarau Vira-Lata na Praia da Estação

Os saraus aconteciam quinzenalmente, nas terças e quartas-feiras, e cada edição ocupava um lugar diferente da cidade, propondo, assim, um reencontro e uma redescoberta de lugares que, comumente, são vistos como espaços de trânsito, hostilidade e, sobretudo, medo, principalmente à noite. Os eventos eram, em sua maioria, noturnos, o que ampliava o tom boêmio que embalava os encontros. Essa ludicidade encontra formas extremas em alguns encontros que, segundo um frequentador assíduo, já viu “gente caindo de bêbada, dormindo na rua mesmo, sem conseguir voltar pra casa”. A divulgação dos saraus é efetuada, principalmente, pelo “boca a boca” e por uma página no Facebook destinada a isso. Apesar de se referir ao Sarau Vila Fundão, de

22

São Paulo, considero que o seguinte argumento também pode se estender ao Sarau ViraLata: Embora as redes sociais e a internet sejam exploradas como instrumentos de divulgação, os encontros propiciados pelos saraus possibilitam o experimento do calor humano, elemento central na sociabilidade do grupo (SILVA, 2012, p. 50).

Enquanto experiências de pico, os saraus provocam situações de calor humano e camaradagem marcantes para os jovens que os frequentam. Dessa maneira, no dia do evento, já podemos ver pessoas comemorando nas redes sociais: “Hoje tem Sarau Vira Lata: au au auuu!12”. Outros tomam conhecimento do evento “em cima da hora”, de modo que é comum encontrar pessoas que “toparam” sem querer com uma edição do Sarau Vira-Lata pelo centro da cidade e por lá ficaram. Além disso, a relativa periodicidade dos encontros permite certa previsão de realização aos frequentadores. Os saraus ocorriam13, como mencionei acima, duas vezes ao mês, porém, os responsáveis pelos encontros também convocam os “Saraus Relâmpago” em contextos críticos como turbulências políticas (ocupação da Câmara dos Vereadores, ocupação do Viaduto Santa Tereza) e celebrações (Virada Cultural de Belo Horizonte, intervenções em eventos universitários etc.), o que acentua, respectivamente, o caráter político e festivo do movimento, situando-os entre o engajamento e a ludicidade, a rebelião e a comemoração, sem perder o tom de certo deboche que lhe é peculiar. Movimento de crítica social e de subversão poética e pela poética, o Sarau ViraLata participa ativamente de lutas urbanas, como podemos observar na imagem abaixo, retirada de sua página no Facebook, compartilhada no dia 29 de junho de 2013, em ocasião da ocupação da Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte por movimentos sociais e artísticos da cidade, contra o aumento das tarifas do transporte público – uma das muitas lutas urbanas contra a privatização de serviços e espaços públicos na capital mineira.14 Transcrevo abaixo o conteúdo textual da postagem no Facebook: Poetas vira latas e MCs de Belo Horizonte, convidamos todos a fortalecer a ocupação da CâmaraMunicipal de BH que se iniciou hoje pela manhã. As vozes marginais da cidade são fundamentais para somar a ocupação da casa 12

Imitação de latidos ou uivos caninos, símbolo crucial para os Vira-Latas, manipulados em diferentes momentos, tanto no contexto dos saraus, quanto fora. Analisarei essa manipulação simbólica adiante. 13 Utilizo o pretérito imperfeito, pois muita coisa mudou entre os Vira-Latas desde que eu finalizei a pesquisa de campo, entre elas, a periodicidade dos encontros. Isso se repetirá no decorrer do texto. 14

Sobre a ocupação, ver reportagem: http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2013/06/manifestantesseguem-na-ocupacao-da-camara-municipal-de-belo-horizonte.html, consultado em 15/08/15.

23

do povo. Enquanto o prefeito não nos receber para uma negociacão não arredamos os pes e patas! Cola com nois! Cola cão nois! 19h COMPARTILHE (https://www.facebook.com/sarauviralata?fref=ts)

Sarau Vira-Lata no “Ocupa a Câmara”. Fonte: https://www.facebook.com/sarauviralata?fref=ts

Pessoas de diferentes interesses frequentam os saraus, entre elas: poetas, atores, ativistas, estudantes (colegiais e universitários), MC’s, dançarinos, músicos, enfim, uma riquíssima gama multitudinária que compõe a emergente “cachorrada de rua”, fazendo da rua seu palco, buscando “dar voz a quem não tinha”, “latindo poesia” cidade a fora. Existem frequentadores assíduos, que sempre estão nos saraus, mas isto não os tornam Vira-Latas convictos. Certa informalidade permeia o grupo. É preciso “dar as caras” e entrar no jogo, brincando, latindo, recitando, cantando etc. Os frequentadores se dividem entre aquelas pessoas que participam dos saraus por pura e simples diversão, bebendo, fumando e conversando com amigos, aproveitando o evento como ocasião de sociabilidade e descontração; os que demonstram maior interesse pelas apresentações, seja de poetas, performers ou músicos, mas ainda assim não se apresentam durante os encontros; e uma terceira modalidade de frequentadores que constitui uma espécie de núcleo duro, formada unicamente por artistas, que sempre ou quase sempre 24

comparecem aos encontros, usando o evento como plataforma de difusão e troca de obras, sejam elas poemas, contos, músicas ou performances teatrais. Importante enfatizar que muitas pessoas produzem obras especialmente para declamarem nos saraus, de modo que é comum observar pessoas escrevendo em cadernos pouco antes de o evento ter início, improvisando textos ou corrigindo possíveis erros. De acordo com Oliver, poeta e pesquisador que frequenta assiduamente diversos saraus da região metropolitana de Belo Horizonte, o sarau – considerando aqui o sarau enquanto fenômeno urbano, não apenas o Sarau Vira-Lata – é uma “metodologia de produção poética que te tira do seu lugar de conforto e te leva a produzir” (grifo meu). A cada quinze dias ele tinha que ter em mãos uma nova poesia para recitar no Sarau Vira-Lata, de modo que, no fim das contas, conseguiu produzir diversas zines. Além disso, o poeta ambiciona escrever um livro de poesias. Essa condição não é exceção, como relataram outros artistas do sarau, que enxergam esses encontros como oportunidades de trocar obras e experiências entre si15. Nota-se que os saraus devolvem a oralidade, audição e fruição coletiva à poesia, relegada, até então, ao silêncio e meditação individuais. O mesmo Oliver que citei acima declarou, numa conversa que ministrou comigo no CEFET-MG sobre “Literatura Marginal e Cânone Literário”, que o sarau é um lugar “para se ouvir”, pois “você só fala uma vez e, depois, tem que escutar mais 50 poetas”. Como escreveu Antônio Candido, sobre a poesia e o triunfo do letramento sobre a oralidade: [...] No momento em que a escrita triunfa como meio de comunicação, o panorama se transforma. A poesia deixa de depender exclusivamente da audição, concentra-se em valores intelectuais e pode, inclusive, dirigir-se de preferência à vista, como os poemas em forma de objetos e figuras, e, modernamente, os “caligramas” de Apollinaire. A poesia pura do nosso tempo esqueceu o auditor e visa principalmente a um leitor atento e reflexivo, capaz de viver no silêncio e na meditação o sentido do seu canto mudo

(CANDIDO 2011: 43).

15

Com efeito, as trocas dadivosas que caracterizam as relações entre os artistas dos saraus, em contraposição à produção artística mercantilizada, cuja lógica da mercadoria e do espetáculo dominam, é um tópico interessantíssimo. Porém, deixo esse tema para trabalhos futuros, devido aos limites do presente texto.

25

Aniversário de 3 anos do Sarau Vira-Lata. Foto: Pablo Bernardo

Frequentadores assíduos ou esporádicos, todos parecem compartilhar uma afeição e até paixão pela rua, pela cidade. Numa noite de sarau, é possível encontrar muitas pessoas no local em que acontecerá o evento antes mesmo dele ter início, número que muitas vezes alcança mais de uma centena (ver foto acima). Os participantes vão chegando à praça, rua, ou qualquer que seja o lugar escolhido para servir de – efêmero – palco de declamações. O clima é notadamente de animada descontração, de rápidas ou demoradas conversas sobre os mais diferentes temas, de anedotas coloquiais irrelevantes a questões artísticas, como as últimas produções próprias e alheias; e políticas, como as manifestações ocorridas na cidade. Além disso, o momento é propício para a circulação de indicações mútuas de leituras e músicas. Enfim, os bastidores dos saraus são claramente uma ocasião e espaço de encontros afetivos e partilha de experiências estéticas e políticas, marcados pelo lazer e a troca de conhecimentos. Frequentadores dos saraus, ao comentarem obras e autores descobertos através das experiências nesse submundo artístico, citaram escritores como Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, além de poetas locais, companheiros de saraus. Isso revela duas questões importantes: (1) através dos saraus, os 26

frequentadores expandem suas relações com obras de artistas consagrados e outsiders; (2) além de se integrarem afetivamente ao círculo local de produção literária marginal. Esses poetas leem, escutam, observam e admiram o trabalho uns dos outros; trocam materiais pessoais e de outros artistas, num movimento recíproco de troca e aprendizado. É comum que pessoas que não tem o mínimo contato com a literatura, como vimos no caso do poeta Vagabundo Iluminado, comecem a ler e, inclusive, escrever poemas e outros escritos motivados pelo Sarau Vira-Lata. Eu fui um desses sujeitos afetados pelos encontros, passando de espectador boêmio para pesquisador, e deste para poeta amador. Uma descrição mais detalhada dos encontros nos ajudará a compreender a sua dinâmica simbólica e processual, de modo que possamos mergulhar parcialmente na “dimensão vivida” (PEIRANO, 2002, p. 11) dos saraus. Para tanto, um retorno ao caderno de campo é necessário.

27

3.

ENTRE

POEMAS,

TRAGOS

E

MANIFESTOS:

MERGULHO

ETNOGRÁFICO NUM EVENTO RITUALIZADO Quem chegava às larguras da travessia de Espírito Santo e Tamoios sobre a avenida contemplava dali as cercaduras – dum lado, do Templo Protestante e do outro, da Matriz de São José. Essa Igreja é bem proporcionada e antigamente suas três torres destacavam-se no céu livre de Belo Horizonte. Hoje ela encolheu, perdeu altura, esmagada pela palissada de arranha-céus construída nas suas costas. Da via pública subia-se ao adro por escadaria imponente – trinta e oito degraus, interrompidos por três patamares. Assim como o Viaduto Santa Teresa ligou-se à história do Modernismo pelas acrobacias do poeta da geração de 25, aqueles degraus pertencem também à história admirável do grupo dito de 45. Um dos seus componentes era aficionado a descer e a subir, de automóvel, a rampa escabrosa. E era sentados nos seus degraus, na noite impossível de Belo Horizonte, que Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Alphonsus de Guimaraens Filho, Murilo Rubião, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino – puxavam sua angústia. Como nós, vinte anos antes, na esquina de Álvares Cabral e Bahia, abancados nos degraus da Caixa Econômica. Como deveis ter feito também, moços de 65. Como o fareis, meninos de hoje que tereis 20 anos em 85. E assim para o sempre de todo sempre. Amém. Pedro Nava. Beira-mar. Os saraus organizados pelos Vira-Latas consistem em performances coletivas e ritualizadas. Portanto, esses encontros se enquadram na ideia de “eventos”, cuja análise, como Mariza Peirano indicou, “têm nos feito examinar pressupostos básicos da vida social” (PEIRANO, 2002, p. 37-38). Seguindo a autora, argumento que a análise etnográfica pormenorizada de tais “eventos”, sob o prisma analítico da teoria dos rituais, possibilita a compreensão das lutas simbólicas e materiais em que artistas e ativistas se entrincheiram nas metrópoles contemporâneas. Como indiquei na introdução do presente texto (em nota de rodapé), os estudos de rituais aqui utilizadas – realizados por Turner e Gluckman – se apresentam como “alavancas heurísticas”, reinterpretadas sob a luz de um novo contexto social. Cito novamente Mariza Peirano: É minha proposta que o estudo de rituais, tema clássico da antropologia desde Durkheim, assume um especial significado teórico e, menos óbvio,

28

político, quando transplantado dos estudos clássicos para o mundo moderno. Nessa transposição, o foco antes direcionado para um tipo de fenômeno considerado não rotineiro e específico, geralmente de cunho religioso, amplia-se e passa a dar lugar a uma abordagem que privilegia eventos que, mantendo o reconhecimento que lhes é dado socialmente como fenômenos especiais, diferem dos rituais clássicos nos elementos de caráter probabilístico que lhes são próprios. Voltarei a este ponto. Por enquanto, basta mencionar que, na análise de eventos, mantém-se o instrumental básico da abordagem de rituais, mas implicações são redirecionadas e expandidas

(PEIRANO, 2002, p. 17). Após essa brevíssima definição do ponto de vista que anima a pesquisa, podemos efetuar um aprofundamento etnográfico, um mergulho que retoma uma noite formidável de terça-feira, momento em que essa pesquisa de campo dava seus primeiros passos profícuos. Era fim de tarde e eu estava no prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, me preparando para tomar o ônibus que me levaria até a área hospitalar de Belo Horizonte. Naquela noite aconteceria uma edição do Sarau Vira-Lata por lá, numa praça localizada na Av. Bernardo Monteiro. A praça é conhecida por muitos jovens como praça dos fícus ou “Fica Fícus”, alusão a uma luta urbanoambiental contra a “poda radical e inesperada dos Fícus centenários da Av. Bernardo Monteiro em Belo Horizonte, Minas Gerais”16. Encontrei um colega no Centro Acadêmico de Filosofia que, por um acaso digno de nota, estava pichando numa parede uma onomatopeia caríssima aos Vira-Latas: “au au auuuuuu!”, seguido da frase “Poesia é vida!”. A pichação era, de fato, uma referência ao sarau. Betto é um poeta que frequenta religiosamente diferentes saraus. Fiquei observando a pichação e, ao cabo desta, perguntei se ele estava indo para o sarau. Ele disse que sim e, quando me dei conta, estávamos tomando uma garrafa de conhaque Presidente, caminhando em sua companhia rumo ao ponto de ônibus. Estava sem um tostão no bolso, de modo que Betto me emprestou o dinheiro da passagem. Quando chegamos ao local, encontramos uma praça já povoada por ViraLatas, aguardando o início do sarau. Os frequentadores conversavam sobre assuntos diversos, uns efusivamente, outros calmamente – nos cumprimentos, já podemos perceber elementos importantes para a compreensão da dinâmica simbólica do sarau, o principal: a evocação do cachorro de rua (“Fala vira-lata!”; imitações de uivos e latidos caninos etc.). O habitual círculo começa a se formar e todos se sentam na periferia da 16

Citação retirada do site do movimento: http://ficaficus.concatena.org/.

29

roda, deixando um espaço no centro, transformando-o em palco improvisado para as performances da noite. Como de praxe, o espaço das performances é delimitado pelo círculo formado informalmente pelos frequentadores do sarau. Assim eles rodeiam o palco do evento esperado, na expectativa do diferente por acontecer, do fora do comum, do extraordinário. Diferentes objetos dispersos no espaço em que a roda é formada são habilmente incorporados para a definição visível dos limites entre palco e plateia. Nesta noite foram utilizados caixotes de madeira como lixeiras e bancos improvisados para o público (ver foto abaixo), deixando os frios paralelepípedos da calçada se transformarem em tapete do palco. Característica marcante desses eventos, os ViraLatas improvisam e experimentam constantemente as potencialidades do espaço e dos corpos – ou dos corpos no espaço –, performando, encenando e vivendo outra cidade, marcadamente inventiva e experimental. Esse mundo povoado por símbolos compartilhados pelos frequentadores – desde os cumprimentos mais simples à ambientação produzida coletivamente – gera uma atmosfera de intensidade especial, transparecendo uma cuidadosa ordem observada, na sequência – precisa e bem definida – dos atos que dão lugar ao encontro, que faz do sarau, para um observador etnógrafo, um inequívoco evento ritualizado. Rompendo com o esquema instituído e cotidiano da vida social urbana, os entusiasmados cumprimentos, os improváveis latidos e uivos humanos como bramidos identitários de uma matilha, e os ágeis e despojados preparativos para a festa lírica produzem, no sentido durkheimniano da ideia, uma efervescente experiência social, de natureza sui generis. Assim, os Vira-Latas se misturam à paisagem urbana, manipulando plasticamente elementos comuns das praças e ruas da cidade para criar diferenças.

30

Sarau Vira-Lata na Praça Bernardo Monteiro (BH 08/04/14). Foto: Pablo Bernardo

Para dar início oficial ao ritual do sarau, um dos organizadores “puxa” o evento pedindo “atenção cachorrada” ou “atenção Vira-Latas”, avisando, do centro da roda, que uma pessoa vai recolher os nomes daqueles que quiserem se apresentar no serão da noite. Prontamente, o colaborador indicado começa a recolher pedaços de papel com o nome dos interessados em comunicar ou representar durante o evento – geralmente um pseudônimo escolhido pelo artista que é, muitas vezes, incorporado em sua performance –, juntando os papéis em um chapéu que fica sob sua zelosa tutela até o fim das exposições. O sarau tem início de fato quando um dos condutores começa a emitir latidos e uivos caninos, chamando com os sons a atenção do público, invitando todos a integrar o anel de participantes e sinalizando, assim, que as apresentações da noite vão começar. As pessoas se sentam e um dos organizadores grita: “Boa noite cachorrada!”. Todos começam a imitar latidos de cachorros convulsivamente, qual uma matilha ou alcateia, entrando num agitado frenesi coletivo. Uma das características principais dos saraus, segundo um frequentador diligente, é esta “experiência de catarse”. Muitas vezes algum recado é repassado e algumas instruções são dadas, a mais importante: todas as pessoas que não ouviram o convite para colocar seu 31

nome/pseudônimo num papel e tiverem interesse em se apresentar no centro da roda durante o sarau devem fazê-lo prontamente, para que os sorteios e as rodadas de performances possam ter início. O sarau é apresentado e, assim, começa mais uma edição do Sarau Vira-Lata. Nota-se que a “metodologia do papelzinho” é uma estratégia dos organizadores para controlar e dar ritmo à sequência de performances, como já afirmou um dos membros do movimento. Este processo consiste em recolher os nomes dos artistas em pequenos papéis, colocá-los num chapéu e, na medida em que um artista se apresenta, ele ou ela tem que, depois de sua apresentação, em meio aos latidos ou ao silêncio da plateia, retirar um novo papel de dentro do chapéu e lê-lo em voz alta, processo que se repete até que os papéis se esgotem, fato que inicia outra rodada de apresentações. Durante o sarau, a primeira pessoa é chamada por um dos organizadores, que inicia o sorteio. (…) passa o chapéu e cê coloca o nome de todo mundo que quer participar num papelzinho, coloca no chapéu ou boné, aí é por sorteio né? A pessoa que acabou de recitar pega no chapéu o nome da próxima. Eu acho que isso já rolava em outros saraus que aconteciam. Não sei se no Coletivoz era assim, ou em São Paulo também tinha essa onda, então tipo, é bem democrático né? A máxima possível, porque é aleatório. Todo mundo que se inscreve, mais cedo ou mais tarde vai ter uma oportunidade de falar, depende só da sorte do papelzinho mesmo. A onda é essa mesmo, qualquer um pode chegar e construir.

Um desejo por democratizar e coletivizar o processo permeia essas palavras, o que nos mostra o caráter horizontalizado dos encontros. Nos saraus, todos podem ter voz, o que justifica o sorteio pela “metodologia do papelzinho”. É bastante comum pessoas, após se apresentarem, se esquecerem desta regra, momento em que a plateia começa a cantar, em coro e batendo palmas: “Papelzinho! Papelzinho! Papelzinho!”, indicando o protocolo ao desatento. Geralmente os saraus consistem em duas rodadas de performances, mas é comum que, ao cabo dessas rodadas e com o término do sarau, algumas pessoas permaneçam no local ou migrem para outro lugar próximo, continuando livremente as declamações, cantorias e demais performances no que ficou sendo chamado de “Sarau Qualquer”, espécie de evento residual motivado pela vontade de dar prosseguimento ao sarau madrugada adentro. Na maioria das vezes, esse evento residual consiste em rodas de improvisos de rap, livres e abertas a qualquer um, sem protocolos estabelecidos. 32

Alguns relatos confirmam a importância dessas rodas, como um artista que, conversando comigo num boteco do centro da cidade, me disse que às vezes ia ao sarau “só pela roda de rap no final”. Esta, por sua vez, “varava a madrugada” e se caracteriza principalmente pela proximidade com que as pessoas se relacionam, em clima de brincadeira e camaradagem. Malinowski nos lembra de que “em todos os seres humanos existe a bem conhecida tendência para congregar, para reunir, para desfrutar a companhia uns dos outros” (MALINOWSKI, 1976, p. 310). Vemos que nos saraus a congregação e camaradagem são cruciais – características que analisarei adiante, sob a luz dos conceitos de liminaridade e communitas, de Victor Turner. O calor humano em meio a poesias, tragos e manifestos proporciona “experiências de pico” transformadoras, capazes de afirmarem “outros possíveis para o corpo, para a subjetividade, para a arte, para a vida” (ANDRÉ, 2011, p. 434) não só nos momentos extraordinários dos eventos, mas também na vida cotidiana das pessoas que mergulham de cabeça nessas experiências alternativas. Dessa maneira, os Vira-Latas superpõem o estranho e extraordinário ao ordinário e cotidiano. Podemos notar isso nos encontros entre frequentadores mais assíduos, ViraLatas convictos, em outras situações sociais. É comum eles se chamarem, hora ou outra, de “vira-latas” ou “cachorros de rua”, nos cumprimentos, despedidas e entre as conversas, o que aponta para uma identificação simbólica com o termo, constitutiva de uma espécie de estilo de vida vira-lata. Esse “estilo de vida” que mencionei é bem ilustrado num poema de Makely Ka, transcrito parcialmente abaixo. No fluxo da vida, performances extraordinárias e cotidianas interagem entre si e, muitas vezes, se misturam, se afetam. (…) Se eu fosse você meu amigo não deixava seu filho andando comigo Eu não sou flor que se cheire eu sou da pá virada Eu posso fazer com ele muito pior do que o Roberto Freire Se eu fosse você minha senhora eu ia procurar saber quem é esse cara Com quem sua filha namora Pode ser um poeta vagabundo desses que andam perdidos pelo mundo Maconheiro sem vergonha É esse o genro com que a senhora sonha (…) Trecho do poema “Quem tem medo de bicho pau?”, de Makely Ka

33

Não obstante essa identificação com a coletividade e o caráter divertido e lúdico dos encontros, os saraus também possuem uma eficácia transformadora, eminentemente política. Na realidade, podemos pensar as intervenções dos saraus como uma forma divertida de produzir diferenças políticas. É o que discutiremos agora mais pormenorizadamente.

34

4. LIMINARIDADE, COMMUNITAS E TRANSFORMAÇÃO Festividade, forma cerimonial e a transgressão de limites sociais são animados com o sentimento mais forte possível de solidariedade e afiliação comunitária. Michael Bristol. Carnival and Theater. Num de seus ensaios, Richard Schechner afirma que “todas as performances atualmente são, na verdade, entretenimento e eficácia” (SCHECHNER, 2002, p. 88). No contexto aqui analisado, as fronteiras entre o lazer e a transformação política são tênues, os atos de rebelião são, muitas vezes, debochados e carnavalizados, o que constitui um desafio ao observador. Afinal, há política no riso, na brincadeira, na poesia? Assim, qualquer performance consiste, segundo Schechner, “na ritualização de sons e gestos” e “pode ser caracterizada por comportamento altamente estilizado”. Seja como for, performances são “comportamentos duplamente exercidos, codificados e transmissíveis”. E, “esse comportamento duplamente exercido é gerado através de interações entre o jogo e o ritual. De fato, uma definição de performance pode ser: comportamento ritualizado condicionado/permeado pelo jogo” (SCHECHNER, 2002, p. 49). Contudo, performances não são ações essencialmente individuais. São também atividades coletivas: “as atividades da vida pública – algumas vezes calma, outras tumultuada; algumas vezes visível, outras mascarada – são performances coletivas”, e estas “marcam identidades, dobram o tempo, remodulam e adornam o corpo, e contam estórias” (SCHECHNER, 2011, p. 02-03). Com efeito, performances possuem uma potência transformadora. Através de situações de experimentação e criação, podemos vislumbrar novos possíveis. Os saraus, como vimos, são encontros, “é fazer junto”, são performances coletivas. Porém, não são quaisquer encontros. As intervenções dos Vira-Latas se situam numa posição “liminoide” (TURNER, 1982), produzindo fortes sentimentos de camaradagem ou comunnitas, além de inverterem ou embaralharem a ordem do cotidiano, engendrando transformações nas maneiras de ver e experienciar os espaços urbanos. Isso nos leva a rever as noções de ritual, liminaridade e communitas de Victor Turner, características de estados antiestruturais das sociedades – momentos de conflito e reflexividade crítica. 35

Victor Turner propõe uma abordagem dramatúrgica – vida social como teatro – e processual – dinâmica social – das sociedades, enfatizando a dimensão vivida do fluxo social. Nessa perspectiva dinâmica, rituais são interpretados como meios de reflexão, experimentação e resolução de conflitos, apresentando-se como força motriz dos processos sociais. “O ritual é transformador” (TURNER, 2005, p. 139), é um devir que marca momentos antiestruturais de reflexividade e renovação de laços sociais em contextos desarmônicos, momentos de suspensão de papéis preestabelecidos que objetivam resolver contradições e conflitos, promovendo constantes rearranjos nos processos sociais (TURNER 2005, 2008, 2013; ver também DAWSEY 2005, 2006). Ao dar continuidade à teoria dos “ritos de passagem” de Van Gennep (2011), Turner produz uma renovação nos estudos do ritual. Diante disso, a fase liminar do processo ritual é vista como principal momento de reflexividade e reinvenção, considerando o igualitarismo e experimentalismo que a constituem. No límen, transformações acontecem. Segundo Turner, a liminaridade pode, talvez, ser encarada como o Não a todas as asserções estruturais positivas, mas sendo, de certa forma, a fonte de todas elas, e, mais que isso, como reino da pura possibilidade do qual novas configurações de ideias e relações podem surgir (TURNER, 2005, p. 141).

Não obstante, nas sociedades complexas, que experimentaram as transformações decorrentes da Revolução Industrial, os rituais17 perderam seu papel central como ocasião de reflexividade e crítica do fluxo da vida social, principalmente devido à moderna divisão entre o mundo do trabalho e o mundo do lazer. No universo urbano são as artes – e as ciências – que possuem essa função reflexiva de criticar e até subverter a ordem vigente. Diferente dos rituais nas sociedades tradicionais, as artes se caracterizam por seu estado liminoide, em que a potência da experimentação e recombinação dá ritmo a experiências de transformação betwixt-and-between, nos interstícios de relações formais de produção e reprodução do social, produzindo “uma pluralidade de alternativas de modos de vida, de utopias a programas, que são capazes de influenciar o comportamento de pessoas em papéis sociais e políticos dominantes [...] na direção de mudanças radicais” (TURNER, 1982, p. 65, tradução minha). Portanto, experiências artísticas podem, nas sociedades capitalistas contemporâneas, subverter ideias e práticas

17

Devemos ter em mente que a ideia de ritual aqui mencionada diz respeito à rituais sagrados, ligados à esfera religiosa. Mariza Peirano criticou essa conceituação fechada de ritual. Ver PEIRANO (1993; 2003).

36

da vida social, buscando remodelá-las, substituindo-as por novas formas de ver, pensar e sentir (TURNER, 1982, p.72). Apresento essas considerações teóricas para ensaiar, dentro de certos limites, uma leitura “liminar” dos saraus. Com efeito, esses artistas atuam nas margens, pelas fendas deixadas por estratégias urbanísticas cada vez mais excludentes e privatizadoras (ROLNIK, 2015; RENA et al, 2013), num contexto em que os espaços públicos se transformam em territórios em disputa. Aqui, atividades artísticas politicamente engajadas surgem como táticas de enfrentamento e reinvenção. De acordo com Julia Ruiz Di Giovanni: Essa leitura “liminar” do protesto político, em grande medida, nos ajuda a tornar mais clara a relação entre táticas de ativistas e práticas de artistas, sendo possível analisar ambas como modos de abrir espaço para a rearticulação das capacidades humanas de cognição, afeto e criatividade, criando experiências de revogação momentânea das estruturas normativas de um sistema sociocultural (GIOVANNI, 2015, p. 20).

Acompanhei saraus em diversas situações e lugares. Ruas, praças, ocupações urbanas, campus universitários, viadutos, escadarias, manifestações, festas e, não obstante a marginalidade característica dos saraus, museus, festivais literários e outros eventos “oficiais”. Com o passar dos anos o Sarau Vira-Lata conquistou relativa notoriedade entre as manifestações artísticas da cidade, se destacando tanto na mídia como nos circuitos culturais de Belo Horizonte. Contudo, a proposta inicial de “tomar a rua” continua muito patente na atividade dos Vira-Latas, num movimento complexo por dentro e fora de instituições culturais formais, atravessando-as em suas itinerâncias poéticas.

37

Cartaz do evento “Arte no centro”. Participação do Sarau Vira-Lata. Apoios institucionais.

Um dado crucial para compreender essa manifestação estético-política é, como mencionei, o nomadismo urbano que permeia as relações destes jovens com e na cidade, o que faz dos frequentadores dos saraus um conjunto de diferentes “bandos nômades” que, ao produzirem estas festas literárias, produzem também “zonas de autonomia temporária”, ações de “levante” ou “experiências de pico” que buscam produzir microdiferenças no fluxo da vida social através da arte. Como lembra Hakim Bey, “o bando é aberto – não para todos, é claro, mas para um grupo que divide afinidades, os iniciados que juram sobre um laço de amor” (BEY 2013: 15). Esses laços de amor evocam o conceito de communitas proposto por Victor Turner (2005; 2013). Uma das características principais do estado liminar, o igualitarismo dominante do communitas 38

permite e incentiva sentimentos de camaradagem – “todos estamos no mesmo barco”. Segundo Turner: Essencialmente, a “communitas” consiste em uma relação entre indivíduos concretos, históricos, idiossincráticos. Esses indivíduos não estão segmentados em função e posições sociais, porém, defrontam-se uns com os outro, mais propriamente à maneira do “Eu e Tu” de Martin Buber”

(TURNER, 2013, p. 161). Nos saraus, as relações igualitárias – o “Eu e Tu” de Martin Buber – predominam. O sentimento de companheirismo e camaradagem é dominante, estimulando a criação coletiva e descontraída. As relações se desenvolvem no corpo a corpo do calor humano, do contato entre iguais. De acordo com Hardt e Negri, “nada consegue substituir o estar junto de corpos e a comunicação corpórea, que é a base da inteligência e da ação política coletiva” (HARDT & NEGRI, 2014, p. 32). Um contexto de experimentação, encontro e, sobretudo, redescoberta crítica da cidade: “A gente descobriu vários pontos da cidade de uma maneira bem diferente”, afirmou um dos frequentadores sobre os encontros. Além disso, os saraus possibilitaram encontros importantes para sua vida afetiva e artística: “Foi lá que eu conheci a Laura [...], lá eu conheci muitas pessoas, muitos parceiros de composição”. Nota-se que diversas “amizades pra vida toda” e parcerias artísticas e políticas surgem dos saraus. Essas vivências podem criar “novos afetos políticos por meio do ato de estar juntos” (HARDT & NEGRI, 2014, p. 32). Numa conversa com o poeta “Vagabundo Iluminado” – já mencionado –, ficou claro como o nomadismo dos Vira-Latas é eficaz em reunir diferentes pessoas. Afinal, se você não vai ao sarau, pode ser que o sarau vá até você: (…) o Hot e o Kadu me chamavam pra colar no Vira-Lata. E eu sempre falava que ia e eu nunca ia. Aí eu tava acampado com a galera na Praça da Assembleia e rolou um Sarau Vira-Lata lá. E aí eu participei e achei do caralho! No próximo eu colei e passei a colar em todos. Só que nessa época eu não escrevia, e passei a escrever para recitar no Sarau Vira-Lata, saca? E inclusive o nome que eu uso, Vagabundo Iluminado, veio do Sarau Vira-Lata. Eu usei ele uma vez só, era pra ser só um dia. Aí quando eu voltei no próximo Sarau Vira-Lata o Kadu já foi me inscrevendo “Vagabundo Iluminado” e a galera já foi me chamando de “Vagabundo Iluminado”, e aí ficou, saca? Se não fosse pelo Sarau Vira-Lata eu provavelmente não seria poeta, não teria me descoberto poeta.

Acompanhei esse mesmo poeta por suas andanças na Praça da Liberdade, enquanto ele vendia seus livros, zines e imãs de geladeira (com poesias de sua autoria estampadas). Nesse dia, nós – eu e minha equipe de gravação – estávamos filmando 39

cenas para um documentário sobre os Vira-Latas. Acompanhávamos o Vagabundo Iluminado a meia distância, ora nos aproximando, ora nos distanciando dele, buscando interferir o mínimo possível nos negócios do poeta marginal – objetivo que não logramos, uma vez que proporcionamos um belo lucro para ele neste dia, pois algumas pessoas notavam a câmera e logo compravam o seu livro. Um amigo, responsável pelo som do filme, colou uma lapela por dentro da camisa do poeta, gravando as conversas com seus possíveis “clientes”. Seu livro, intitulado “Poeta por necessidade”, foi financiado por conta própria, com dinheiro acumulado das vendas de zines, sendo “mais voltado para a poesia marginal, crítica, tá ligado? Protesto, coisa que faz pensar”. A obra começa pelo final, escolha que ele explicou para diversas pessoas enquanto tentava vendê-lo: “A ideia de ser de trás pra frente é contrariar, saca? Fugir do padrão. Porque, pô, eu não tô na livraria, eu tô na rua, tá ligado? Minhas poesias não estão falando de amor e coisas bonitas, ela é voltada pra crítica. Então eu boto fé que o livro também tem que fugir do padrão”. O fato de ele vender o material dele nas ruas, “para não precisar de editora”, se chamar de “poeta marginal” e “poeta independente”, publicar suas obras por conta própria e viver do seu trabalho poético (“trampo”18, nos termos dele), podendo, assim, “chutar a bunda do patrão” são elementos importantes para a nossa análise, pois nos mostra como o estado liminoide transcende os encontros demarcados dos saraus, uma vez que diversos poetas e demais frequentadores do Sarau Vira-Lata inventam estilos de vida marginais e experimentais, marcadamente influenciados pelos saraus. Comecei a vender fã zine porque eu precisava ganhar grana e não queria trabalhar. Aí eu conheci um cara que viajava vendendo fã zine. E aí eu falei “nó vei, vou fazer isso também!”. Já tava recitando poesia no Sarau Vira-Lata então já tinha poesia minha. Aí fiz um fã zine e testei, tá ligado? Dei um rolê, chapado, chapado mesmo! Tava sem grana nenhuma, aí eu acordei com 10 reais. E bebi o suficiente pra perder a memória, tá ligado? Então pensei: “opa, esse trem dá certo!”. Aí depois eu viajei pra São Tomé das Letras, passei por São João Del Rey e São Tomé só vendendo fã zine, saca? Aí no início de 2013 eu comecei a viver disso, só de vender fã zine. Só que aí queria evoluir, saca? Um ano e meio que eu fiquei só vendendo fã zine, depois comecei a fazer livreto, que não deixa de ser fã zine, saca? Eu já tava muito a fim de fazer um livro. Aí quando deu Fevereiro eu consegui finalizar o livro no computador e em Novembro de 2015 eu consegui publicar o livro. Eu financiei o livro vendendo fã zine. Esse simples papelzinho, tá ligado?

18

Perguntei a ele se essa atividade (vender seus livros, zines e imãs) era o seu “trabalho”, e recebi a seguinte resposta: “É velho, é um trabalho mesmo. Eu nem gosto de chamar de trabalho, eu chamo de trampo. Trabalho é convencional, trampo é alternativo. Mas é véi, é como eu ganho grana”. Nota-se o desejo expresso de se diferenciar do mundo das formalidades, da vida “convencional” vivendo uma vida alternativa, às margens da formalidade.

40

Essas práticas são bastante comuns entre os poetas dos saraus, que sempre estão vendendo seus trabalhos pela cidade, seja trabalhando cinco dias por semana em ruas e praças, ou aproveitando o momento dos saraus, ou ainda em performances individuais e coletivas em metrôs e estações de ônibus. Pelos seus corpos, suas pegadas e seus trajetos – pelos pés no chão, como queria Michel de Certeau (2012) – podemos nos aproximar da experiência vivida pelos poetas Vira-Latas, em que esse estilo de vida marginal se mistura com atos de rebeldia e resistência poética. A poesia transcrita abaixo ajudará a compreender melhor como essas reuniões literárias noturnas se configuram como espaços de narrativas e poéticas de crítica política, de ressentimento contra as autoridades, de franca rebelião urbana, de expressão de indignação e de troca artística libertária. DESENLACE Então, não deixe que se desenlace aquilo que nasce, Cada gesto de afeto, descarado ou discreto, não merece entrave! Numa cidade de aço e concreto, é melhor você ficar esperto. Não fuja da luta, mas cuidado com os “truta”, que quase sempre são filhos-da-puta... A cidade, que já foi um jardim, quase nem tem mais “Passarim”! E o verde deu lugar ao cinza, talvez por isso sejamos tão ranzinzas! Estamos embasbacados, verdadeiros idiotas, com essas tais obras da Copa. Mas o que pouca gente sabe, e me atreveria a chamar de verdade, é que estamos sendo roubados. O câncer que nos guia, virou político da noite pro dia e foi eleito e reeleito na democrática apatia. Não dá pra acreditar, BH! Sem saber por que está lá, vê o povo se afogando e paparica marajá! Nem precisa comentar que não sabe governar e no fundo, no fundo mesmo ele queria era ser babá! O seu nome e sobrenome nem precisa mencionar, mas se gostas de charada escuta essa que vou lançar: Ele pisca quando mente, e mente que nem sente, mas dica maneira e esperta, muito melhor do que esta. Daquelas que é pra não ter erro de você não dar a resposta certa, é que seu nome começa com “M” e termina com “ERDA”! Xô, satanás! Com este merda não dá mais e ainda restam quatro anos de chuvas incidentais? E eu nem moro na favela, mas conheço uma galera, da zona sul, do subúrbio e uns caras que nem me lembro bem de onde eram E que na sexta-feira passada conheci no Duelo. Tinha uns dois lá de cabelo amarelo que me hipnotizaram com seu estilo livre sincero,

41

Pode até parecer lero-lero, mas aqui está bem claro, ou aprende a nadar ou morre afogado, e o que é pior: Junto com os ratos! Apesar de toda essa dor e desilusão, apesar de sermos governados por vereadores corruptos e um prefeito paspalhão, a parada nas alterosas não está tão ruim assim não... Tem a Praia da Estação, o Bloco do Manjericão, e querendo ou não, muita gente boa e bonita pra amizade, amor ou paixão! Nosso carnaval de rua já nasceu uma sensação, alegre, politizado e cheio de azaração E nessas horas nem importa se é bonito ou feio, porque o que conta mesmo é o recheio, o de dentro, o que vem primeiro E sem parecer vulgar digo sem receio, que o melhor do corpo humano não está na cara e sim no meio. Do futebol eu também queria falar! Apesar de não termos segurança, saúde, educação, o Mineirão está prestes a voltar, mas depois dessa é melhor eu parar, porque essa poesia, apesar das rimas, está parecendo mais uma conversa de mesa de bar E por mais que essa seja a vocação de BH, e que da poesia você venha a gostar, não era isso o que eu queria lhe passar! Então, não deixe que se desenlace aquilo que nasce, Cada gesto de afeto, descarado ou discreto, não merece entrave! Betto Fernandes

Nesse híbrido artístico-político, o artista acusa a decadência da cidade, a falta de vida nas ruas, a derrocada do homem público. A narrativa constitui um grito de indignação em relação ao espaço público hostil a “cada gesto de afeto, descarado ou discreto”, que “não merece entrave!”. Ainda ataca abertamente o prefeito da cidade e as obras realizadas em Belo Horizonte na ocasião das preparações para a Copa do Mundo de 2014, processo que desabrigou numerosas famílias, configurando uma situação de grande tensão e lutas não só em Belo Horizonte, mas também em outras capitais brasileiras. Por fim, o poeta enaltece a imanência da rua, lembrando o já citado mote dos movimentos urbanos: o “tomar a rua”, a periferia, os “espaços comuns” da cidade. Tudo isto declamado em meio a uma combinação de gestos ora serenos, ora convulsivos e acusadores, alterando o tom de voz em alguns momentos, fazendo tom de deboche em outros, se movimentando ativamente pela praça improvisada de palco, buscando representar essas tensões através de seu corpo em movimento. O texto comentado acima é um exemplo bastante representativo da natureza híbrida dos poemas declamados nos saraus, uma vez que mistura poesia, manifesto político e virtuosismo performático, servindo como vetor de crítica e expressão de indignação coletiva, tendo por veículo uma linguagem estética bastante particular, 42

marcada pela relação entre texto, fala e corpo. Muitas obras que circulam nos saraus cumprem com a condição de expressar as vivências contraditórias dos conflitos ou prazeres dos autores e autoras nos grandes centros urbanos. Nesse ponto, o Sarau ViraLata se aproxima dos demais saraus urbanos – especialmente dos saraus das periferias de São Paulo (TENNINA, 2013). Frequentador assíduo dos serões noturnos, Betto Fernandes, talvez acentuando a natureza híbrida das atividades do movimento, costuma trazer instrumentos musicais variados para os encontros, além de um telescópio para deleite de todos que quiserem admirar as estrelas. Além disso, é também um dos organizadores do Sarau Comum, que acontece no Espaço Comum Luiz Estrela.

Logo do Sarau Comum

Importante destacar, à luz da minha experiência nessa espécie de “boemia literária” contemporânea (DARNTON 1987), a ambígua relação dos Vira-Latas com instituições e episódios culturais formais, como os museus, centros culturais e festivais artísticos. Exemplo disso foi a celebração de “um ano de Sarau Vira-Lata”, ocasião em que se promoveu uma solenidade no conhecido Museu Inimá de Paula e, após algumas horas, a comemoração migrou para a Praça Afonso Arinos, ao lado do museu. O Museu Inimá de Paula se encontra no centro simbólico de um espaço urbano de significativo valor literário e artístico, na celebrada Rua da Bahia, adjacente à Praça Afonso Arinos, próximo à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas 43

Gerais e ao tradicional Edifício Arcangelo Maletta, reduto de escritores e poetas, de livrarias e sebos, de bares e restaurantes, na fronteira entre o centro da cidade, o antigo centro administrativo da Praça da Liberdade e o refinado bairro Lourdes. Por isso, lugar de passagem e convivência de artistas como Pedro Nava, Carlos Drummond de Andrade e Alphonsus Guimaraens – que “subiam Bahia” para trabalhar nos centros administrativos da Praça da Liberdade e “desciam Floresta” rumo à região da Lagoinha, antigo epicentro boêmio da cidade19. Nunca tinha visitado este museu antes, apesar de viver há mais de 10 anos em Belo Horizonte. Cheguei ao centro da cidade à noite para participar do sarau, com certa antecedência. Não tinha ideia de como Vira-latas “enfiariam” tantas pessoas dentro daquele pequeno museu, fato que me deixou bastante curioso. Além disso, algo me deixou surpreso: o sarau seria dividido claramente em dois momentos, o que eu nunca tinha presenciado – e creio que realmente nunca tinha acontecido. O primeiro momento da celebração (ver foto abaixo) contou com performances de Vira-Latas mais “consagrados”; artistas que fizeram parte da até então curta história do emergente Sarau Vira-Lata. Devido às limitações espaciais do museu, algumas pessoas ficaram do lado de fora, aguardando na praça o fim desta fase preliminar do evento. Não obstante, o público que conseguiu adentrar o museu foi grande e contribuiu para uma cena formidável: jovens de diferentes lugares da cidade, que geralmente tomam a rua como palco, ocupam agora um espaço do cânone das artes para um evento de poesia marginal – muitos empunhando garrafas de vinho e conhaque; artistas marginais ocupando um suntuoso museu, belo contraste. A passagem pelo museu gerou certo descontentamento entre alguns frequentadores que, entre outras queixas, acusaram os Vira-Latas de se tornarem “cachorros de raça”, ou ainda de eles estarem tentando “institucionalizar o sarau”. Essas suspeitas se repetiram quando o Sarau Vira-Lata participou da programação oficial da Virada Cultural de Belo Horizonte e do Circuito Literário Praça da Liberdade – neste último, com outros saraus.

19

Referência à frase “Minha vida é esta, subir Bahia e descer Floresta”, de Rômulo Paes, inscrita num monumento localizado na Praça Afonso Arinos.

44

1º momento: Sarau Vira-Lata no Museu Inimá de Paula. Fonte: https://www.facebook.com/sarauviralata?fref=ts

As performances seguiram uma sequência previamente estabelecida pelos organizadores do sarau, o que não concordava com a já tradicional seleção pelo “papelzinho” e acentuava o caráter extraordinário e comemorativo da ocasião. Depois de algumas declamações de poesias, cantorias, repentes de rap e performances teatrais, todos migraram para a praça, “habitat natural” dos Vira-Latas. Uma vez lá, tudo recomeçou como de praxe, seguindo a metodologia aleatória do papelzinho, e, assim, adentramos em mais uma “noite impossível de Belo Horizonte”, relembrando as palavras de Pedro Nava. O sarau se inicia e o silêncio impera. A pluralidade é notória. Entre declamações de poemas, improvisos de rap, marchinhas de carnaval, performances teatrais, canções e manifestos, seguimos em mais uma noite boêmia de Belo Horizonte. Dentre os gêneros artísticos ensaiados nos encontros, a poesia declamada, o rap improvisado e as “poesias ritmadas” (espécie de combinação de repentes de hip hop e poesia, sem o beat) ocupam um espaço central nas tomadas de posição estéticas dos participantes dos encontros, ressonâncias das raízes dos Vira-Latas: o hip hop (duelo de MC’s) e a poesia (Coletivoz). 45

Um nome é retirado do chapéu: um pseudônimo. Um rapaz se levanta e se detém estático no centro da roda. Com o olhar fixo no chão ele deixa transparecer um exercício de concentração. Subitamente, começa a cambalear de um lado para outro como um bêbado, empreendendo gestos que representam uma autoridade um tanto desajeitada e forçosa, imitando de maneira jocosa o prefeito da cidade de Belo Horizonte – sendo o desajeito do bêbado autoritário uma referência sarcástica às tomadas de posição políticas do prefeito – à medida que declamava sua poesia insidiosa. Reunião de sarcasmos cáusticos, indignações políticas e intensa comunicação corporal, tal relação entre o protesto e o riso produzem um clima de sátira ou crítica pelo deboche, caracterizando muitas das performances dos saraus. Nota-se, aqui, a importância do corpo entre os declamadores, uma vez que “ser poeta de sarau complementa-se com o corpo” (TENNINA, 2013, p. 17), seus movimentos, seu ritmo.

2º momento: Sarau Vira-Lata na Praça Afonso Arinos. Fonte: desconhecida De sua liminaridade constitutiva os Vira-Latas tiram a sua potência, constituindo-se como atores liminoides, representando, no sentido teatral e simbólico do termo, a contramão dos veículos oficiais das artes, construindo espaços comuns de atividade criativa, performática e crítica entre companheiros. Afinal, como nos lembra Turner, “o grupo liminar é uma comunidade ou um comitê de camaradas” (TURNER, 46

2005, p. 145) que, em momentos de estranhamento experimental, se deparam com a alteridade e transformação. O “como se” das ficções erigidas nas dramatizações de performances liminoides se apresentam como vetores de transformação social, num movimento de sobreposição dramática entre o real e a ficção. A inventividade das margens constrói novos caminhos, tecendo outros modos de vida. Experiências de liminaridade podem suscitar efeitos de estranhamento em relação ao cotidiano. Enquanto expressões de experiências desse tipo, performances rituais e estéticas provocam mais do que um simples espelhamento do real. Instaura-se, nesses momentos, um modo subjuntivo ("como se") de situar-se em relação ao mundo, provocando fissuras, iluminando as dimensões de ficção do real f(r)iccionando-o, poder-se-ia dizer revelando a sua inacababilidade e subvertendo os efeitos de realidade de um mundo visto no modo indicativo, não como paisagem movente, carregada de possibilidades, mas simplesmente como é. Performance não produz um mero espelhamento. A subjuntividade, que caracteriza um estado performático, surge como efeito de um "espelho mágico" (DAWSEY 2006: 136).

Ficção, Fricção, F(r)icção. Os encontros dos Vira-Latas servem como uma espécie de plataforma para dramatizações de inquietações, indignações e rebeliões. A experimentação mostra tanto nas formas de (re)ocupar o espaço urbano como nas próprias performances e narrativas dos Vira-Latas. Vetores de crítica social que deslocam, sensível e expressivamente, a experiência artística e urbana. Assim, estes jovens artistas embaralham e invertem formas e significados, inventando mundos possíveis: felino é macho e é bicha e gosta de mulher que é mulher e é macho e adora homem que é homem e é bicha e odeia homem que é macho e é homem e não gosta de mulher

47

que é homem e é homem e gosta de menino que é menino e é adulto e gosta de adulto que é menino e é menino e gosta de mulher que é mulher e é mulher e gosta de traveco que é homem e é mulher e gosta de homem que é homem e é homem e gosta de traveco que é homem e é menina e gosta de menino que é menina e é menino e gosta de felino Renato Negrão

(Do livro “Vicente Viciado”. Belo Horizonte: Editora Rótula, 2012) No poema acima, muito declamado pelo autor e por companheiros deste durante os encontros, a sexualidade aparece como um campo aberto de possibilidades ambíguas, recombinadas num desafio poético e relacional. Jogo de inversões e permutações, a poesia de Negrão – um dos criadores do Sarau Vira-Lata – trabalha um ponto de contato crucial para a compreensão da lógica simbólica que serve de fonte da potência performática das intervenções dos Vira-Latas. De uma matéria-prima ínfima, o artista justapõe e sobrepõe caminhos que são, sempre, relacionais, abrindo um leque de possibilidades, perspectivas e, sobretudo, dúvidas, questões a serem enfrentadas e reinventadas. Parafraseando Roberto DaMatta (1973) num artigo sobre o O Gato Preto,

48

de Edgar Allan Poe, Negrão também pode ser considerado um bricoleur20 e, nesta condição, “um excelente combinador de elementos e acontecimentos em estruturas” (DAMATTA 1973: 28). Da simplicidade dos elementos recombinados na e através da poesia, o artista se apresenta como um riquíssimo bricoleur, transformando o simples em complexo, o aparentemente dado em relacional, o lugar-comum em extraordinário, sob a luz de uma imaginação sempre fervilhante e criativa. Como sugeriu Lévi-Strauss, “o artista tem, ao mesmo tempo, algo de cientista e do bricoleur: com meios artesanais, ele elabora um objeto material que é também um objeto de conhecimento” (LÉVISTRAUSS 1989: 39). No caso de performances poéticas, este objeto material se torna a própria ação da declamação, fundada na oralidade, movimento e ritmo. Cito novamente o autor: A poesia do bricolage lhe advém, também e sobretudo, do fato de que não se limita a cumprir ou executar, ele não “fala” apenas com as coisas [...], mas também através das coisas: narrando, através das escolhas que faz entre possíveis limitados, o caráter e a vida de seu autor. Sem jamais completar seu projeto, o bricoleur sempre coloca nele alguma coisa de si (LÉVI-

STRAUSS 1989: 38). Os Vira-Latas utilizam incansavelmente as táticas de bricolagem supracitadas. O “uso incansável da imaginação” e da inversão de relações sociais convencionais possibilita os Vira-Latas a estenderem sentidos, extraindo, “dos significados vigentes nos elementos com os quais trabalha, novas conotações capazes de expressar o que eles têm em mente e de produzir” (DAMATTA 1973: 15), como observa Lévi-Strauss em relação aos bricoleurs, resultados “brilhantes e imprevistos” (LÉVI-STRAUSS apud DAMATTA 1973: 15). Aqui, o fazer artístico possibilita uma reinvenção crítica e sensível da realidade prosaica. O cotidiano é revisitado por um olhar preocupado com versos e estrofes. O chão que serve para o trânsito apressado de pedestres agora é revisitado pela dança retumbante desses artistas, que ali brincam, acusam, cantam, declamam – por um determinado período, claro, mas sempre passível de se repetir. Esse processo é, ao mesmo tempo, um distanciamento da realidade cotidiana e, não obstante, um mergulho

20

Citando novamente DaMatta: “Na linguagem corrente, “bricolage” é a operação que consiste em remendar coisas ou fazer objetos de pedaços de outros objetos. Não possuindo planos preestabelecidos, nem instrumentos especiais, o “bricoleur” opera com o material que tem à disposição ou com aquele que acumula. Assim, ele improvisa constantemente sua reduzida matéria-prima e seus instrumentos de trabalho o que, como consequência, marca suas produções com traços peculiares, que revelam, na obra acabada, os pedaços ou os objetos que anteriormente possuíam outra serventia, e significado” (DAMATTA 1973: 14).

49

nessa realidade, mergulho estético, mas também político. A camaradagem, a liminaridade e, sobretudo, a criação de “contraespaços” através desses eventos experimentais são elementos cabais para tal processo inventivo. Contudo, a potência criativa dos saraus também deriva de um “simbolismo colorido” (TURNER, 2005, p. 30) que anima as experiências vividas nos encontros. Esse é o tema do próximo capítulo, em que analisarei o simbolismo entre os Vira-Latas, focalizando os símbolos mais importantes presentes nos saraus: a imitação de uivos e o ato de ocupar.

50

5. SÍMBOLOS EM AÇÃO: OS POETAS UIVANTES Um texto ou um discurso se tornam simbólicos a partir do momento em que, por um trabalho de interpretação, descobrimos neles um sentido indireto. Tzvetan Todorov. Simbolismo e interpretação. A dimensão simbólica da vida é constitutiva da ação humana, podendo ser “verbalizada no discurso, cristalizada no mito, no rito, no dogma ou incorporada aos objetos, aos gestos, à postura corporal, e está sempre presente em qualquer prática social" (DURHAM, 2004, p. 259). Desse modo, os saraus também possuem uma dimensão simbólica, e esta é crucial para os compreendermos. Considero a passagem a seguir uma excelente introdução à relação do simbólico com o político: É importante investigar de que modo grupos, categorias ou segmentos sociais constroem e utilizam um referencial simbólico que lhes permite definir seus interesses específicos, construir uma identidade coletiva, identificar inimigos e aliados, marcando as diferenças em relação a uns e dissimulando-as em relação a outros. Qualquer elemento cultural pode ser assim politizado, sem entretanto esgotar seu significado no fato de serem instrumentos numa luta pelo poder. A língua, a religião, a cor da pele, os hábitos alimentares, a vestimenta podem ser erigidos em instrumentos de construção de uma identidade coletiva com implicações políticas. Toda a dinâmica dos movimentos sociais envolve necessariamente esse tipo de manipulação simbólica por meio do qual se constroem sujeitos políticos coletivos

(DURHAM, 2004, p. 278). Podemos estender essa passagem para o caso dos Vira-Latas, em que gestos e atos como a ocupação de espaços públicos e a linguagem canina consistem em símbolos que marcam identidades e, portanto, diferenças. Desse modo, as relações promovidas pelos Vira-Latas se apresentam enquanto dissidências estético-políticas. Num contexto de expansão de políticas neoliberais, no qual o espaço é tomado por fonte de renda por empresas e parcerias público-privadas, promover eventos poéticos em territórios em disputa e dar voz “aos fracos” constituem tomadas de posição que, por sua vez, produzem “implicações políticas” e simbólicas importantes. Identificar os “inimigos” dos Vira-Latas seria uma atividade inócua, uma vez que a rebelião destes não focaliza um ator ou grupo, mas um sistema. Não obstante, diversos nomes são citados em declamações, como o prefeito Márcio Lacerda, o deputado Jair Bolsonaro e outras figuras “reacionárias” da política brasileira. Considero que, antes de qualquer coisa, a rebelião dos Vira-Latas é direcionada a um sistema 51

cultural ou modo de vida conservador, submisso às coerções da vida pública características do urbanismo neoliberal. A insurreição Vira-Lata é, com efeito, um levante a favor da liberdade de viver a cidade da maneira que as pessoas bem entenderem, suas ocupações constituem ações a favor da liberdade criativa e da vida em comum nas ruas e praças da metrópole. A ocupação é, portanto, uma tática de “abrir espaços” (Giovanni, 2015). Dito isto, retomo a minha experiência nos saraus. Recordo-me de quando comecei a frequentar o Sarau Vira-Lata, em meados de 2011 – ano de seu surgimento. Na época, eu estava com dezoito anos, e tinha acabado de ingressar na Universidade. Não tinha nenhum interesse de pesquisa ali, frequentava pela mais pura diversão, para encontrar amigos e conhecer coisas novas. Meu estranhamento começou logo no início, quando me deparei com uma estranha conduta. Durante os saraus, as pessoas imitavam latidos e uivos, às vezes num frenesi aparentemente caótico, outras de maneira fugaz, em momentos aparentemente aleatórios. Rapidamente, meu estranhamento se transformou em riso, pois comecei a achar graça da coisa. Somente anos depois esse estranhamento burlesco se transformou novamente, mas dessa vez em ávido interesse de pesquisa, de modo que hoje qualquer pessoa pode me encontrar num sarau, latindo feito um louco – pois o que para mim era somente estranho e cômico se tornou significativo e belo. Observei que esses momentos em que as pessoas latiam não eram aleatórios, e sim ordenados, localizados em situações específicas dos encontros. Com efeito, os latidos podem ser considerados como modos metafóricos de protesto, elevando o vivido através da potência performática da imitação de uivos que, por sua vez, evoca o comum da cidade dos cachorros de rua, que habitam as ruas e praças sem fronteiras. Essa linguagem simbólica está carregada de sentidos, é um símbolo multivocal, manipulado constantemente entre os Vira-Latas que, através dessa brincadeira, deslocam sensibilidades. O cachorro de rua tudo pode, pois está desprovido de todo resto. Ele é uma personagem essencial das cidades, caminha por todos os lados, pisa onde bem entende, pois nada tem a perder. Como escreveu Goethe, “perigoso é aquele que não tem nada a perder”. Diante desse reencontro, admiti a existência de algo para se refletir ali, para se interpretar. Afinal, “o campo do interpretável corre sempre o risco de estender-se” (TODOROV, 2014, p. 32). E, citando novamente Todorov, “se um discurso existe, deve 52

mesmo existir uma razão para isso” (TODOROV, 2014, p. 30). Ora, por que um grupo de jovens inventaria tal linguagem animal para um sarau de poesia? Uma interessante e proposital inversão da dicotomia natureza e cultura. No campo, fui levado a buscar um “sentido segundo” (TODOROV, 2014) desses latidos e uivos, analisando as possibilidades significativas de tal conduta, uma vez que ela convoca a atenção e a imaginação das pessoas que frequentam o Sarau Vira-Lata, sejam elas pesquisadores ou não. Este é um caso de distinguir, como nos lembra Clifford Geertz (2012), uma piscadela conspiratória de um tique nervoso ou, nesse caso, um protesto metafórico de uma brincadeira fortuita. A metodologia de registro e análise dos símbolos rituais de Victor Turner (2005) guiará apenas parcialmente esse processo interpretativo, pois os saraus não se apresentam como rituais no sentido em que Turner os concebe. Segundo ele, ritual é o “comportamento formal prescrito para ocasiões não devotadas à rotina tecnológica, tendo como referência a crença em seres ou poderes místicos”. Essa definição se refere às sociedades tradicionais, de pequena escala, cuja organização social é pautada pelas relações de parentesco etc. Entretanto, essa recusa é apenas parcial, pois analiso os saraus, como mencionei, enquanto eventos ritualizados. Além disso, a ideia de símbolo ritual enquanto a “menor unidade do ritual”, que mantém “propriedades específicas do comportamento ritual” (TURNER, 2005, p. 49) é interessante para pensar o simbolismo presente no Sarau Vira-Lata. “O símbolo ritual, portanto, se constitui em fator de ação social, numa força ativa dentro do contexto de um campo de ações sociais” (SOARES, 2015, p. 209). Manterei a definição básica de símbolo ritual, atentando-me aos redirecionamentos necessários a essa transposição conceitual. Interpreto a imitação de uivos e a ocupação de diferentes lugares da cidade como, respectivamente, símbolo dominante e ação simbólica, manipulados nos saraus com finalidades políticas, estéticas e identitárias. Todo ritual tem seu símbolo “sênior” ou “dominante”, estes são “encarados não meramente como meios para cumprimento dos fins confessos de um dado ritual, mas também e com maior importância, se referem a valores que são considerados fins em si mesmos, quer dizer, valores axiomáticos” (TURNER, 2005, p. 50). Em rituais ou – extensão minha – experiências mais ou menos 53

ritualizadas, os símbolos “produzem ação, e os símbolos dominantes tendem a se tornar focos de interação” (TURNER, 2005, p. 52). Voltemos para os saraus, com o fim de interpretar esses símbolos que, de acordo com Turner, devem ser interpretados in loco, na ação. Afinal, símbolos são polissêmicos e observáveis, isto é, representam muitas coisas ao mesmo tempo e se apresentam enquanto ações simbólicas. Ed Marte é uma figura bastante popular na cena underground de Belo Horizonte, conhecido nas ruas pelo seu estilo excêntrico e bem-humorado. Um boêmio incrivelmente simpático que utiliza vestimentas espalhafatosas – muitas vezes femininas – e faz diversas performances pela cidade afora. Sua presença, por si só, já é uma performance dissidente. O seu estilo de vida desloca olhares, convoca a nossa imaginação. Em suma, Ed é uma pessoa essencialmente e performativamente pública. Esse personagem frequenta diversos eventos artísticos e manifestações pela cidade de Belo Horizonte, de modo que é comum o vermos com o seu maiô colorido na Praia da Estação, nos diversos blocos de carnaval de rua, no Duelo de MC’s e, last but not least, no Sarau Vira-Lata. Nesse último, ele costumava recitar poemas de seu amigo – já citado nesse texto – Renato Negrão. “Felino” é um desses trabalhos, recitado repetidas vezes por Ed nos saraus. Suas performances causavam recepções calorosas do público do Sarau Vira-Lata, com ovações em que as pessoas batiam palmas e latiam num frenesi contagiante. No momento de uma apresentação no sarau, o silêncio é quase absoluto. Escutamos os movimentos da cidade, carros, pessoas passando etc., mas o público está concentrado no que será apresentado no centro da roda. Ao cabo de uma performance, a reação do público varia entre latidos tímidos e o frenesi coletivo causado, por exemplo, pelas performances de Ed Marte, sempre em meio a aplausos. Esse símbolo é utilizado como, dentre outras coisas, expressão de reconhecimento e legitimidade – interna – das apresentações. Assim, com o emprego de recursos da prosódia linguística, como “altura”, “intensidade” e “duração”, podemos identificar como o público dos saraus expressam aprovações entusiásticas, mornas, ou reações de reprovação21.

21

De acordo com as definições básicas do “Dicionário enciclopédico das ciências da linguagem”, de Oswald Ducrot e Tzvetan Todorov: (a) “A altura de um som é explicada pela frequência das vibrações do fundamental desse som”; (b) “A intensidade de um som se deve à amplitude do movimento vibratório da fonte” e, assim, “um acento de intensidade é também manifestado por uma “elevação da voz””; (c) “A

54

Desse modo, através das “modalidades variáveis” de altura, intensidade e duração dos uivos, combinadas com a agitação catártica do público, podemos mensurar parcialmente o prazer estético causado pelas performances. Quanto maior a altura, intensidade e duração dos latidos após uma apresentação, mais bem recebida ela foi. Esses silêncios e aplausos consistem em “atitudes coletivas” importantes para a compreensão da experiência proporcionada pelos saraus (TENNINA 2013:20). Analisando os gestos, movimentos, regras e procedimentos que conduzem os encontros dos Vira-Latas, esse elemento se destaca dentre os demais: a imitação do latido ou uivo canino. Esse símbolo, com fortes características indiciais (PEIRCE, 1999), é híbrido e multivocal, combinação de comunicação animal e linguagem humana (BENVENISTE, 1976); uma interpretação humana do uivo canino, com fins sociais. Símbolo onipresente, manipulado tanto na chamada para o evento (virtual e in loco) quanto no julgamento das obras, nas comemorações e nos cumprimentos ordinários, este verdadeiro “idioma social canino” – parafraseando livremente a Evans-Pritchard (2013) – funciona como um eficaz símbolo organizador, um efetivo “símbolo dominante” – nos termos de Turner (2005) – desta experiência ritualizada, símbolo manipulado a todo tempo a fim de associar à experiência artística a ideia do marginado cachorro vira-lata, um conhecido errante noturno das ruas da cidade; emblema totêmico, debochado e representativo, que aglutina sentidos diversos, que vá da itinerância e do nomadismo errante, à desprezada marginalidade urbana do vira-lata, imagem polissêmica que provê, de modo condensado, invertido e cômico, uma identidade que se forja por oposição ao oficial e instituído e, ao mesmo tempo, fornece um modelo – quase intuitivo – para interpretar as relações propiciadas pela rica experiência social nos saraus. Podemos dizer que, através deste “idioma social canino”, o grupo evoca e mobiliza a imagem do cachorro de rua e da sarjeta das grandes metrópoles. Cachorro que vive no abandono em seu nomadismo errante, “se virando” nas ruas com o que pode – o poeta Vira-Lata também é um notívago errante, que “se vira na vida” e segue nas ruas da cidade, de sarau em sarau, de bar em bar. Este símbolo marca fortemente as vivências entre os frequentadores: poetas errantes que fazem da rua seu palco. A duração de um som é a percepção que se tem de seu tempo de emissão” (DUCROT & TODOROV, p. 2001, 172).

55

materialidade do símbolo está na ação, no fluxo dos acontecimentos desencadeados pelos saraus, onde os frequentadores uivam e latem em um frenesi contagiante, numa experiência de communitas (TURNER, 2013). Certa vez, um músico, antigo frequentador dos saraus, me confessou certo fastio com os encontros, “porque eles aplaudem tudo!”. Essa confissão aponta para um elemento característico dos saraus poéticos – e aqui podemos inserir a cena paulista também. Com efeito, nesses saraus, ninguém sofre com o silêncio aniquilador de uma plateia entediada ou embaraçada com uma má performance. Todos são incentivados com aplausos e, no caso dos Vira-Latas, com uivos e latidos, o que indica a força dessa coletividade – sua intenção democratizante. Porém, como afirmei acima, existem diferentes reações às performances, seguindo uma economia simbólica particular, tendo como terreno comum a manipulação deste “idioma social” canino. A metáfora do cachorro de rua alcança sua potência máxima na imitação de uivos caninos e varia de sentido em diferentes “contextos de situação” (MALINOWSKI, 1976). Essa variação permite o cumprimento de funções simbólicas distintas. Comecemos pela mais simples: a metáfora é comumente manipulada, no meio de saudações, conversas e cortesias, por mera “comunhão das palavras”. Nessas situações, podemos dizer que a metáfora cumpre duas funções, uma identitária e outra que Malinowski, “instigado pelo demônio da invenção terminológica”, chamou de “comunhão prática”. Esta última seria, grosso modo, “um tipo de fala em que os laços de união são criados pela mera troca de palavras” (MALINOWSKI, 1976, p. 311). Preenchendo uma função essencialmente social, ou de socialização. Nesses casos, a metáfora transcendeu ou transbordou as fronteiras simbólicas do sarau, sendo mobilizada no dia-a-dia de frequentadores e em outros saraus – em Belo Horizonte, várias pessoas costumam latir em outros saraus, como se estivessem no Sarau Vira-Lata, o que nos mostra a influência que este coletivo exerce sobre outros movimentos poéticos, sendo considerado “símbolo da resistência poética da cidade” (MAKELY KA, 2013). Desse modo, vemos que as pessoas se identificam com esses procedimentos simbólicos, se chamando de Vira-Latas ou cachorros de rua em diferentes situações socais.

56

Outra função seria de instrumento simbólico de recepção das performances poéticas. Como escrevi acima, podemos distinguir boas e más obras através da “reação canina” que a sua apresentação suscita. Segundo Richard Bauman: O envolvimento de um público, é claro, faz-nos relembrar que a tomada de posição (stance-taking) é um processo recíproco. Ao fazer a performance, quem o faz invoca inevitavelmente a postura complementar do público, convidando os coparticipantes a assumirem um alinhamento com a performance que exige uma resposta avaliativa e talvez mais, tal como o reconhecimento verbal, comentários, encorajamento ou ratificação, no que corresponde à construção conjunta da performance (Duranti e Brenneis, 1986). As normas e os termos da avaliação vão variar de comunidade para comunidade, de pessoa para pessoa, de situação para situação. Podem ser explícitos (“Essa foi boa!”), ou implícitos (risos responsivos) nas respostas dos integrantes do público (BAUMAN, 2014, p. 734).

Nos saraus, as “normas da avaliação” seguem o esquema da linguagem canina. Esses gritos, somados às declamações e conversas, constituem a paisagem sonora do Sarau Vira-Lata. Os latidos e uivos convocam o público a participar do jogo, incitando o engajamento deste nas performances apresentadas no centro da roda. “À medida que o público envolve-se na arregimentação formal da performance, “indo no embalo” por assim dizer, o poder que a performance tem de afetar aumenta, e a experiência de envolvimento fica enriquecida” (BAUMAN, 2014, p. 737) Desse modo, a linguagem canina dos Vira-Latas traz as pessoas para a brincadeira, constituindo um foco de interação, característica principal dos símbolos dominantes (TURNER, 2005). Esse ato simbólico representa a porta de entrada para o jogo, assim como o emblema da rebelião e coesão do grupo. O latido põe todos em pé de igualdade, e é o processo que transforma uma identificação virtual em atual, pois todos são potenciais Vira-Latas. Para o ser, basta sentar-se no chão, uivar e apreciar a noite – num lugar, diga-se de passagem, considerado perigoso e às vezes horripilante – e, quem sabe, você também comece a escrever e recitar poesias. Resumindo: para se tornar um Vira-Lata, basta latir. Considero que a poética desses saraus não reside apenas na poesia declamada. Portanto, podemos distinguir ainda uma função poética do grito (BAUMAN, 2010). Mais precisamente, dos uivos e latidos presentes nos encontros, que atraem a atenção dos ouvintes para esse estranho modo de expressão, chamando a atenção para os elementos prosódicos supracitados. Ao repetirem esses bramidos durante a noite, os Vira-Latas compõem uma bela “sinfonia canina”, coletiva e contagiante, combinando latidos, uivos e poesias. Essa “sinfonia” possui, apesar de sua aparente brutalidade, certo virtuosismo poético que o texto escrito é incapaz de representar. 57

Finalmente, podemos diferenciar mais uma função, a política. Ao evocar a figura do cachorro de rua, os Vira-Latas estão buscando reinventar – ou reafirmar – as possibilidades – e potencialidades – comuns das ruas da cidade. Esse “simbolismo colorido”, estranho e complexo, produz consequências estéticas e políticas. Ao transformar paisagens, eles deslocam modos de vida. Nessas experiências à margem, o sentimento de communitas “também se manifesta (…) através dos símbolos que apontam para a crença no poder dos fracos, dos inferiores, dos marginais, dos estranhos, dos expropriados de status” (SOARES, 2015, p. 214). O poder dos Vira-Latas é o poder dos estranhos e marginais, dos estruturalmente fracos. De acordo com John Dawsey: A fragilidade pode ser uma fonte de poder. Em momentos de margem, figuras liminares, estruturalmente fracas, às vezes se revelam com poderes extraordinários. Quando um sistema classificatório se ossifica ou perde vitalidade, dificultando a comunicação das partes com o todo, figuras das margens anômalas ou ambíguas podem emergir com força. Unificam múltiplos planos e criam conexões com elementos vitais que se afundam na memória e nos substratos da vida social. Abrem canais para os lugares mais baixos, fecundantes, energizantes (DAWSEY,

2016, p. 166-167)

Considerando esse momento de confusão entre privado e público comentado por Agamben, de “guerra dos lugares” ou “pelos lugares”, figuras “anômalas ou ambíguas” como os Vira-Latas estão emergindo “com força”, buscando retomar as ruas da cidade. Nesse contexto, a ocupação se torna um dos maiores instrumentos táticos para a afirmação do poder dos fracos de reinventar o mundo que os circunda. A manipulação desse “idioma social canino” possui importantes – para não dizer indispensáveis – relações com o ato de ocupar lugares públicos. Esse ato é, antes de tudo, um ato simbólico cuja potência remonta às ações do Reclaim the street ou das festas organizadas pelos Club Kids, na década de 1990, passando pelas manifestações anti-globalização de 2001 e, por fim, Occupy Wall Street, Indignados, Movimento Passe Livre e o conjunto de revoltas que ficou conhecido como Primavera Árabe, na atual década. Esses movimentos buscaram criar campos de indignação e diálogo com o poder público, ocupando, simbólica e materialmente, espaços públicos, muitas vezes de importância política central, configurando-se como ações simbólicas de levante.

58

Na perspectiva aqui explorada, símbolos se associam a interesses e propósitos humanos, são ressonâncias ativas e políticas, vetores criativos de transformação da vida que atestam a força transformadora da coletividade, munida de uma criatividade fervilhante, possibilitando a criação de paisagens e relações na contramão dos modos de vida instituídos ou dominantes. Estes símbolos estão associados ao estado liminoide ou marginal dos frequentadores dos saraus: jovens “sem pedigree” que perambulam pela cidade, latindo e declamando poesias noite adentro. “Pessoas sem classe, sem-vergonha”, irreverentes e inventivas, sem “raça definida”, entre definições e lugares. vira-lata adjetivo e substantivo de dois gêneros diz-se de ou cão ou cadela sem raça definida. p.ext. diz-se de ou qualquer animal doméstico sem raça definida. fig. pej. diz-se de ou pessoa sem classe; sem-vergonha. (fonte: Google) Entre os Vira-Latas, ocupar e latir estão intrinsecamente relacionados, são “focos de interação” demarcados num “universo imaginativo” (GEERTZ, 2012, p. 9) compartilhado, dispostos em sequências de ações simbólicas de levante e rebelião, que vão desde as saudações entre companheiros até a recepção das obras, passando pela preparação do espaço físico das performances, sempre evocando seu totem: o cachorro vira-lata.

59

6. EPÍLOGO: A INVERSÃO COMO TÁTICA DO IMAGINÁRIO É possível e necessário politizar a abordagem antropológica e investigar de que modo sistemas simbólicos são elaborados e transformados de modo a organizar uma prática política, legitimar uma situação de dominação existente ou contestá-la. Eunice Ribeiro Durham. Cultura e Ideologia. (…) existe a arte a serviço da arte, e a arte a serviço da vida. Alan Kaprow Segundo Turner (1982), para compreender os conflitos e contradições das “estruturas sociais”, devemos deslocar nossos olhares para as margens, isto é, para situações liminares ou liminóides. Assim, a análise de momentos antiestruturais ou desviantes, como os saraus de poesia analisados nesse texto, pode servir como porta de entrada para a compreensão de importantes conflitos das metrópoles contemporâneas. Nesses eventos, as pessoas se distanciam da sua vida cotidiana, o que possibilita reflexões críticas através de experimentos sociais. Esses experimentos performáticos surgem nos interstícios de relações sociais formais, e podem criar inversões e cisões, de modo a refazer – ou tentar refazer – o status quo. Enquanto performances culturais, os saraus constituem uma dupla porta de entrada, revelando tanto conflitos urbanos que afetam a vida de grupos juvenis quanto a vida almejada por esses sujeitos. Vimos como as experiências proporcionadas pelas intervenções do movimento Sarau Vira-Lata produzem ocupações temporárias de espaços públicos, buscando reclamar a cidade através da (re)ocupação performática desta, numa combinação entre poesia, festa e ativismo. Podemos dizer que uma “lógica da inversão” surge dessas atividades, capaz de embaralhar e recodificar os usos e sentidos convencionais associados ao espaço urbano e às práticas artísticas. Tal lógica da inversão alimenta, no caso aqui interpretado, um imaginário potente e transformador, concebido enquanto “processo criativo”, que “reconstrói ou transforma o real”. Pois “o imaginário”, afirma Laplantine e Trindade, “ao libertar-se do real que são as imagens primeiras, pode inventar, fingir, improvisar, estabelecer correlações entre objetos de maneira improvável e sintetizar ou fundir essas imagens” (LAPLANTINE & TRINDADE, 2003, p. 27). Porém, o Sarau Vira-Lata não pode ser reduzido a simples grupo ou movimento. Como eu espero que tenha ficado claro no decorrer desse texto, os saraus consistem em, 60

além de movimento estético-político, em modos de ação e relação. São modulações que se movimentam pela cidade, conduzindo formas alternativas de viver na metrópole. Dessa forma, prefiro o termo movimentação ao invés de grupo ou movimento, pois são relações em movimento, processos inventivos que propõem outro ponto de vista sobre a cidade, ditando uma sensibilidade – auditiva, visual e motora – que escapa ao urbanismo oficial – pautado por tendências neoliberais de gestão e controle da vida urbana. Sob essa lógica, a experimentação performática e poética opera como potência primordial para tal releitura do urbano, deslocando maneiras de ver e experienciar os espaços públicos. Em seu percurso itinerante, o Sarau Vira-Lata constrói não só espaços de expressão e circulação de obras, indignações e críticas sociais, como também lugares de encontros e troca de afetos. Rompendo o fluxo cotidiano da vida social, os saraus formam uma espécie de urbanismo poético dissidente, em contraposição ao urbanismo neoliberal que reina nas metrópoles atualmente. Essas rupturas são, antes de tudo, táticas. Os agenciamentos ou manipulações táticas, como escreveu Michel de Certeau (2012), são determinados pela astúcia e criatividade, constituindo maneiras de fazer nos interstícios de estratégias formais (militares, científicas, urbanísticas etc.) de produção e vigilância, capazes de inventar novas formas e usos, são artes do fazer. Dessa maneira, os saraus constituem rebeliões poéticas que manipulam taticamente espaços e práticas artísticas, inventando novos usos e sentidos para ambos. Improvisando taticamente novos espaços de fruição artística e insurgência política, os Vira-Latas exploram as potencialidades da arte enquanto transformadora das nossas experiências no meio urbano, formando espaços heterotópicos (FOUCAUT, 2013). Como afirma o filósofo, “acredito que há – e em toda sociedade – utopias que têm um lugar preciso e real, um lugar que podemos situar no mapa”. Esses lugares de experimentação – que, segundo o autor, existiram e existem em todas as sociedades – também se apresentam como espaços de enfrentamento de possibilidades, constituindose nos interstícios de relações sociais mais ou menos estabelecidas. São espaços que funcionam de maneira não-hegemônica, mesmo que temporariamente. Assim, novas paisagens culturais são inventadas, vistas aqui como maneiras de ver, pensar e sentir os espaços físicos (COSGROVE 1998; SCHAMA 1996), sempre dependendo de pontos de vista conflitantes. Esse processo contribui tanto para uma 61

estetização da vida cotidiana quanto para uma politização das artes que, através de uma complexa dialética entre a resistência e a insistência22, expande as fronteiras entre arte e vida, estética e política. Porém – e isso é o principal –, os Vira-Latas não estão sozinhos nessa empreitada. Considero que os Vira-Latas fazem parte de um sistema de ação mais amplo, o que se tem chamado de artivismo, formas híbridas que combinam arte e vida, estética e política, entretenimento e eficácia, o ordinário e o extraordinário, num complexo e criativo jogo de sobreposições e reinvenções. O artivismo urbano é, sem dúvida, um novo “estilo de criatividade” que estica sentidos de práticas e lugares, inventando novos contextos em territórios em disputa. Enquanto “política de presença maciça e unificada” (TAYLOR 2013: 148), essas performances políticas são capazes de transformar espacialidades e subjetividades. Através da reocupação poética e performática da cidade, os Vira-Latas convertem o espaço urbano em campo de lutas políticas e estéticas, transformando praças e ruas em arenas não só de tensões, indignações e acusações, mas também de fruição, afetividade e trocas estéticas. Como diria Rancière, “a prosa da vida cotidiana torna-se um poema enorme e fantástico”. (...) Nessas rebeliões contemporâneas, o espaço público – tanto em seu sentido físico, material, como em sua acepção política – é mais que objeto de reivindicação e cenário inerte onde se desenrolam as batalhas. As “ocupações” – de ruas, praças e edifícios – vêm se multiplicando nas cidades brasileiras através de intervenções de coletivos culturais e movimentos semteto, muitas vezes em alianças estratégias. Esse tem sido o resultado de um duplo movimento: do lado da arte, desde meados dos anos 1990 e em várias partes do mundo, temos a imersão crescente de ações de coletivos artísticos em problemáticas situacionais, trabalhando a partir da cidade e nela intervindo através de representações e situações performáticas. Já do ponto de vista dos movimentos sociais, temos a contestação das formas tradicionais de representação política, como parlamentos, partidos e sindicatos, e a proliferação de grupos autonomistas e anarquistas e de novas formas de autorepresentação (ROLNIK, 2015, p. 376).

Mariza Peirano (2002, p. 34) afirma que rituais, no contexto de sociedades tradicionais ou modernas, indicam o caminho para cosmologias. Podemos conceber o artivismo enquanto sistema de ação e cosmologia dissidentes, rumando em direção a novas formas de vida na metrópole. Esse novo paradigma de ação política e artística deriva, como vimos no decorrer do texto, do cruzamento de ambos no contexto de 22

Resistência frente às estratégias de gestão e controle do espaço urbano, e insistência em relação à constituição tática de novas formas de vida. Podemos interpretar essa operação nos termos de Roy Wagner (2010). De acordo com o autor, a cultura se forma por uma constente dialética entre a convenção e a invenção. Com efeito, as intervenções dos Vira-Latas, assim como tantas outras intervenções estéticopolíticas, resistem a coerções convencionais relativas à vida na metrópole, insistindo em novas formas de ação simbólica, esticando sentidos, experimentando usos, inventando futuros possíveis.

62

esvaziamento da vida pública, afirmando a autonomia de uma juventude que ocupa cada vez mais as ruas das cidades com suas performances. Vozes dissidentes cuja potência está na formação de “contraespaços” (ROLNIK, 2015) ou “zonas autônomas temporárias” (BEY, 2013) onde o experimentalismo da ação coletiva libertária reina. Essas ocupações temporárias “representam também uma espécie de freada brusca no moto-contínuo do funcionamento das cidades, tornando visíveis temas submersos sob a avalanche do cotidiano” (ROLNIK, 2015, p. 377). A eficácia dessas mobilizações consiste no próprio processo de construção coletiva e conectiva de espaços alternativos de fruição e rebelião, num contexto de disputa imobiliária e política por espaços. Na “guerra dos lugares”, ocupar é resistir, é inventar paisagens e espaços de resistência que, num movimento exponencial, se multiplicam pelo mundo. Cada ocupação, como o Sarau Vira-Lata, serve de exemplo prático e inspirador de invenção de “contraespaços” no mundo contemporâneo. Essas iniciativas, ao se espalharem nas ruas e nas redes, servem de ponto de partida para outras, e assim em diante23. Com efeito, o que caracteriza essas emergentes mobilizações são o seu caráter simultaneamente global e profundamente local. Elas funcionam enquanto reações em cadeia de afetação mútua. Essa perspectiva de ação estético-política consiste na criação de sensibilidades compartilhadas (RANCIÈRE, 2009), capazes de deslocar o visível e o invisível, num processo criativo, afetivo e emancipador, tecendo novas maneiras de estar no mundo, tornando o novo possível. Como escreveu Thálita Motta, o “fenômeno estético” por trás dessas insurgências festivas comporta uma “potência particular, que desdobra e se recria no modo político de ser e estar no mundo, certo corpo múltiplo, coletivo e mani(festo) que se carnavaliza e reinventa suas possibilidades, seu modus operandi” (MELO, 2014, p. 152). Termino retomando Hardt e Negri. Estes escreveram que “uma ocupação é uma espécie de happening, ou seja, uma performance que gera afetos políticos” (Hardt & Negri, 2014, p. 32). De fato, as ocupações promovidas pelo Sarau Vira-Lata se aproximam bastante dos happenings de Alan Kaprow, dos 23

Um exemplo disso é o crescimento da cena dos saraus poéticos em Belo Horizonte desde 2011, ano da criação do Sarau Vira-Lata. Muitos deles foram, inclusive, diretamente influenciados pelos Vira-Latas, como o Sarau das Cachorras e o Sarau Comum.

63

situacionistas e do movimento Provos. Em primeiro lugar, essas ocupações transformam o espaço público, então colonizado e esvaziado, em ambientes a serem vividos. Em segundo lugar, podemos dizer que esses espaços se transformam também, através desses reencontros, em lugares de trocas afetivas, de desenvolvimento de afetos políticos, plataformas onde ocorrem processos de reeducação sentimental pela arte e protesto. Por último, essas intervenções criam campos de diálogo com o poder, se considerarmos as conexões existentes entre os saraus e outras movimentações estético-políticas. Isso nos leva às lutas pelo direito à cidade e democratização da cultura, duas faces da luta pelo comum que marca os conflitos políticos contemporâneos (RENA et al, 2013; HARDT & NEGRI, 2014, ROLNIK, 2015). Assim como a coruja de minerva de Hegel levanta voo ao cair da noite, os Vira-Latas, com o pôr do sol, inventam o novo, imaginando futuros possíveis.

64

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AGAMBEN, Giorgio. “O que é um dispositivo?”. Outra Travessia. Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 9-16, 2005. ______. Metropolis. Disponível em: http://www.culturaebarbarie.org/sopro/verbetes/metropolis.html, último acesso em 22/05/2016. ANDRÉ, Carminda Mendes. “Arte, biopolítica e resistência”. Revista Brasileira de Estudos da Presença. Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 426-442, 2011. BAUMAN, Richard. “A poética do mercado público: gritos de vendedores no México e em Cuba”. Ilha. Santa Catarina, v. 11, n. 1, p. 18-39, 2010. ______. “Fundamentos da performance”. Revista Sociedade e Estado. Brasília, v. 29, n. 3, p. 727-746, 2014. BEY, Hakim. Zona Autônoma Temporária. Rio de Janeiro: Rizoma, 2013. BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2013. CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. “Luzes e sombras no dia social: o símbolo ritual em Victor Turner”. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre: ano 18, n. 37, p. 103-131, p. 2012. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. CHAIA, Miguel. “Artivismo: Política e Arte hoje”. Aurora. Marília, v. 1, n. 1, p. 9-11, 2007. COSGROVE, Denis. “A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas” in: Paisagem, tempo e cultura, editado por CORRÊA, Roberto L. e ROSENDAHL, Z. Rio Janeiro: EdUERJ, 1998.

65

DAMATTA, Roberto. “Edgar Allan Poe, o “bricoleur”: um exercício em análise simbólica” In: Arte e linguagem, editado por NEVES, Luís Felipe Baeta. Petrópolis: Vozes, 1973. ______. “Individualidade e liminaridade: considerações sobre os ritos de passagem e a modernidade”. Mana. Rio de Janeiro: v. 6, n. 1, p. 7-29, 2000. DARNTON, Robert. Boemia literária e revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. DAWSEY, John. Victor Turner e antropologia da experiência. Cadernos de campo. São Paulo: v. 13, n. 1, p. 163-176, 2005. ______. “Turner, Benjamin e Antropologia da Performance: O lugar olhado (e ouvido) das coisas”. Campos. Curitiba, v. 7, n. 2, p. 17-25, 2006. ______. “Sismologia da performance: Ritual, drama e play na teoria antropológica”. Revista de Antropologia. São Paulo: v. 50, n. 2, p. 527-570, 2007. ______. “Ritos de passagem: Dionísio e o coro dos sátiros”. GIS – Gesto, Imagem e Som – Revista de Anropologia. São Paulo: v. 1, n. 1, p. 159-178, 2016. DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1993. DUCROT, Oswald & TODOROV, Tzvetan. Dicionário enciclopédico das ciências da linguagem. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001. DURHAM, Eunice Ribeiro. “Cultura e Ideologia”. In: THOMAZ, Omar Ribeiro. A dinâmica da cultura: ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2004. EVANS-PRITCHARD, E. E. Os Nuer. São Paulo: Perspectiva, 2013. FOUCAULT, Michel. O corpo utópico; As heterotopias. São Paulo: n-1 Edições, 2013. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2012. GENNEP, Arnold van. Os ritos de passagem. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

66

GLUCKMAN, Max. Rituais de rebelião no sudeste da África. Texto de aula: Antropologia 4. Brasília: UnB, 2011. GUARNACCIA, MATTEO. Provos: Amsterdã e o nascimento da contracultura. São Paulo: Veneta, 2015. HARDT, Michael & NEGRI, Antonio. Declaração: Isto não é um manifesto. São Paulo: n-1 Edições, 2014. LAPLANTINE, François; TRINDADE, Liana Sálvia. O que é imaginário. São Paulo: Brasiliense, 2003. LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas, SP: Papirus, 1989. MAGNANI, José Guilherme Cantor. “Quando o campo é a cidade: fazendo antropologia na metrópole”. In: MAGNANI, José Guilherme Cantor & TORRES, Lilian de Lucca (orgs.). Na metrópole: textos de antropologia urbana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2008. MALINOWSKI, Bronislaw. “O problema do significado em linguagens primitivas”. In: C. K. Odgen & I. A. Richards. O significado de significado: um estudo da influência da linguagem sobre o pensamento e sobre a ciência do simbolismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. MAKELY KA. Cidade ocupada. Disponível em: http://makelyka.com.br/blog/cidadeocupada/, último acesso em 15/06/2016. MOTTA, Gilson; ALICE, Tania. “A(r)tivismo e utopia no mundo insano”. ArteFilosofia. Ouro Preto, v. 12, n. 1, p. 32-47, 2012. MELO, Thálita Motta. Praia da Estação: carnavalização e performatividade. Dissertação de mestrado: Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes. Belo Horizonte, 2014. MOURÃO, Rui. “Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência”. Cadernos de Arte e Antropologia. Salvador, v. 4, n. 2, p. 5369, 2015. 67

NAVA, Pedro. Beira-Mar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. NEGRÃO, Renato. Vicente Viciado. Belo Horizonte: Editora Rótula, 2012. PEIRANO, Mariza. Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. ______. “As árvores Ndembu, uma re-análise”. Anuário Antropológico de 1990. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993, p. 9-64. ______. “A análise antropológica de rituais”. In: PEIRANO, Mariza (org.). O dito e o feito: ensaios de Antropologia dos rituais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001. PEIRCE, Charles S.. Semiótica. Rio de Janeiro: Perspectiva, 1996. PELBART, Peter Pál. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2011. ______. “Biopolítica”. Sala Preta. São Paulo, v. 7, n. 1, p. 57-66, 2007. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2009. ______.

“A

revolução

estética

e

seus

resultados”.

Disponível

em:

http://www.revolucoes.org.br/v1/sites/default/files/a_revolucao_estetica_jacques_ranciere.pd f, último acesso em 21/08/15.

RAPOSO, Paulo. “Festa e Performance em Espaços Públicos: tomar a rua!”. Ilha. Santa Catarina, v. 16, n. 2, p. 89-114, 2014. ______. “Artivismo: articulando dissidências, criando insurgências”. Cadernos de arte e antropologia. Salvador, v. 4, n. 2, p. 3-12, 2015. RENA, Natacha; BERQUÓ, Paula; CHAGAS, Fernanda. “Biopolíticas gentrificadoras e as resistências estéticas biopotentes”. Lugar comum. Rio de Janeiro, v. 41, n. 1, p. 718, 2013. ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015. SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. SCHECHNER, Richard. “‘Pontos de Contato’ revisitados”. In: DAWSEY, John C. et al (orgs.). Antropologia e performance: ensaios Napedra. São Paulo: Terceiro Nome., 2013.

68

______. “Ritual”. In: LIGIÉRO, Zeca (org.). Performance e Antropologia em Richard Schechner. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012. ______. “A rua é o palco”. In: LIGIÉRO, Zeca (org.). Performance e Antropologia em Richard Schechner. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012. SCHRÖTER, Susanne. “Rituals of Rebellion – Rebellion as Ritual: A Theory Reconsidered”. In: KREINATH, Jens et al (orgs.). The Dynamics of Changing Rituals: The Transformation of Religious Rituals within Their Social and Cultural Context. New York: Peter Lang, 2004. SILVA, José Carlos Gomes da. “Do Hip-Hop ao Sarau Vila Fundão: jovens, música e poesia na cidade de São Paulo”. Cadernos de Arte e Antropologia. Salvador, n. 2, v. 1, p. 39-54, 2012. SOARES, Aldenor Alves. “Victor Turner (1920-1983)”. In: ROCHA, Everardo & FRID, Marina. Os antropólogos: de Edward Tylor a Pierre Clastres. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. TAYLOR, Diana. “Performando a cidadania: artistas vão às ruas”. Revista de Antropologia. São Paulo, v. 56, n. 2, p. 137-151, 2013. TENNINA, Lucía. “Saraus das periferias de São Paulo: poesia entre tragos, silêncios e aplausos”. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea. Brasília, v. 42, n. 1, p. 1128, 2013. TODOROV, Tzvetan. Simbolismo e Interpretação. São Paulo: Editora Unesp, 2014. TURNER, Victor. “Liminal to Liminoid, in Play, Flow and Ritual”. In: TURNER, Victor. From Ritual to Theatre: the Human Seriousness of Play. New York: PAJ Publications, 1982. ______. 1986. “Dewey, Dilthey, and Drama: an Essay in the Anthropology of Experience”. In: BRUNER, Edward M. & TURNER, Victor (orgs.). The anthropology of experience. Urbana/Chicago: University of Illinois Press., 1986. ______. Floresta de símbolos: aspectos da cultura Ndembu. Niterói: EdUFF, 2005. ______. Dramas, campos e metáforas. Rio de Janeiro: EdUFF, 2008. 69

______. O processo ritual. Petrópolis: Vozes, 2013. VIEIRA, Teresa de Jesus Batista. Artivismo: Estratégias artisticas contemporâneas de resistência cultural. Dissertação de mestrado: Universidade do Porto, Faculdade de Belas Artes, Porto, 2007. WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac-Naify, 2010. WALTY, Ivete Lara Camargos. “Três pesos, três medidas? Valor e cânone na série literária brasileiro contemporânea”. Letras de hoje. Porto Alegre, v. 49, n. 4, p. 453-460, 2014.

70

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.