Recensão crítica: Tschimmel, K. (2014). Designer ou Design Thinker: Reflexão sobre Conceitos_1ª parte.
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1 Seminário Escrita e Crítica de Design Professora Doutora Anabela Couto Fernando E. de Pina Mendes Doutoramento em Design – IADE-U 26 de Janeiro de 2015 RECENSÃO CRÍTICA Tschimmel, K. (2014). Designer ou Design Thinker: Reflexão sobre Conceitos_1ª parte. In PLI * ARTE & DESIGN. Publicação periódica de reflexão crítica sobre práticas e discursos do design contemporâneo. Nº5/2014. Matosinhos: Edições ESAD. pp. 159-165.
Katja Tschimmel é “Doutorada em Design pela Universidade de Aveiro, Mestre em Criatividade Aplicada pela Universidade de Santiago de Compostela e Licenciada em Design de Produto pela ESAD Matosinhos, investiga as áreas do Pensamento Criativo, do Design Thinking e dos Processos Criativos” pode ler-se na ficha biográfica no sítio internet que mantém actualizado sobre a sua produção académica e profissional em: http://katjatschimmel.com/
É uma alemã radicada em Portugal (Porto) há 25 anos, designer de produto e que tem dedicado toda a sua carreira ao pensamento e processos criativos. Em 2011, publicou o livro “Processos Criativos. A emergência de ideias na perspectiva sistémica da criatividade” (Edições ESAD – Escola Superior de Artes e Design). Katja Tschimmel é docente na ESAD Matosinhos e na Porto Business School, tendo lecionado também em várias outras instituições de ensino superior, em Portugal e no Estrangeiro. A sua vida académica inclui a orientação (e participação em júris) de teses de mestrado e doutoramento. Integra ainda alguns dos mais importantes comités científicos internacionais. A sua actividade profissional, fora da academia, é igualmente intensa. Em 2010 fundou a NA’MENTE – Consultoria e Formação em Pensamento Criativo, e em 2011 o MINDSHAKE – Evento de Pensamento Criativo. É com base nestas ferramentas que é
2 formadora dos mais diversos programas, cursos e workshops nas áreas da criatividade (processos, técnicas, pensamento), do design thinking e da inovação. No recente artigo “Designer ou Design Thinker: Reflexão sobre Conceitos”, K. Tschimmel contribui para a muito actual discussão sobre os novos papéis e responsabilidades dos designers e do próprio design. O desafio fica desde logo formulado no título do artigo e na ausência de um eventual ponto de interrogação que estabeleça a dúvida sobre quem e o que faz hoje cada um dos actores do Design. A autora começa por balizar o conceito de Design Thinking para – a partir daqui – tentar estabelecer alguns conceitos que ajudem a clarificar áreas de actuação, novos papéis e responsabilidades, assim como novas oportunidades para todos os envolvidos no “Pensamento do Design”:
“O Design Thinking é hoje entendido como um processo de pensamento para conceber novas realidades, expressando a introdução da cultura do design e seus métodos em áreas como a inovação empresarial, social e do ensino.”
O artigo de Katja Tschimmel começa então com a referência a uma peça jornalística de Ricardo Morais, no jornal Público1, que anuncia, em título, “A Revolução do Design Thinking”. Este é um artigo redigido por um Professor de Gestão e Estratégia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto e aponta o Design Thinking como uma nova forma de abordagem a problemas que em muito ultrapassam os limites até agora estabelecidos para o design ele próprio, sejam eles de ordem individual, organizacional ou mesmo de comunidade. Desde logo, K. Tschimmel trata de levantar uma questão de elementar pertinência – o autor do artigo no Público não identifica a paternidade ou propriedade deste “pensamento do design”. A autora é taxativa: “Neste artigo não se fala de designers, mas de um pensamento que é típico de designers”. A partir desta aparente dissociação entre design thinking e designers, Tschimmel formula três interrogações que a acompanham até ao fim do artigo e que constituem a tríade central da discussão em curso sobre o papel do design e dos designers, a saber: “O que torna um designer um design thinker?”, “Será que um não-designer pode ser um design thinker?” e finalmente “Será que se pode ser um designer sem ser um design thinker?”.
1
Morais, R. (2013). A Revolução do Design Thinking. PÚBLICO online, Economia, 24.07.2013. Disponível em http://www.publico.pt/economia/noticia/a-revolucao-do-design-thinking-1601137
3 A autora lembra que o que está em causa é perceber se estamos perante um malentendido de fronteiras meramente semânticas – os design thinkers “pensam design” enquanto aos designers estariam reservadas as tarefas tradicionais desta área – ou se é possível reconhecer e identificar um “novo perfil profissional” para o design thinker. Na tentativa de fazer incidir alguma luz sobre o tema, Tschimmel elenca definições e conceitos para os dois termos, sabendo que esta tem sido uma questão historicamente fracturante (a da definição do que é design), dos seus percursores aos pensadores contemporâneos. O designer é um profissional de características catalisadoras, multi e interdisciplinares. K. Tschimmel socorre-se das definições postuladas por alguns dos autores mais importantes na história do design e dos seus significados, começando por referir a “geração dos funcionalistas” para quem o design tinha por fim dar corpo (forma) e função aos objectos, fossem eles físicos ou imagens (o design de produto e o design gráfico ou de comunicação). Nesta linha, aponta autores e pensadores como Tomás Maldonado e Leonard Bruce Archer. Outros autores afastariam, segundo a autora, o design da sua “obrigatória produção industrial”, destacando o português Daciano da Costa e a sua visão do designer como um profissional do projecto que, tal como o arquitecto, tem a responsabilidade e a competência para, fazendo uso do acto do projecto, “resolver os problemas da Materialidade Humana”. Na segunda metade do século XX, sobretudo a partir dos anos 70 e 80, o design é entendido por diversos autores como de cariz mais racional e positivista, afirma Katja Tschimmel, destacando e citando Herbert Simon em “The Sciences of the Artificial” (1969): “the search for a solution through a vast maze of possibilities (within the problem space). (…) Successful problem solving involves searching the maze selectively and reducing it to manageable solutions”.
Esta definição de Design prefigura uma visão eminentemente racional da resolução de problemas, com foco essencial na metodologia de pesquisa e posterior optimização de soluções. Uma leitura ainda longe, no entanto, das perspectivas “humanistas e holísticas” que Tschimmel identifica e localiza nos anos 90 do século passado. Um design centrado no homem é agora, segundo a autora, o novo paradigma do design, alicerçado nas funções “comunicativa e simbólica dos artefactos”. Segundo Gui Bonsiepe, afirma K. Tschimmel, “o designer tem como missão tornar o encontro
4 entre utilizador, artefacto e tarefa a desempenhar tão compreensível quanto possível, razão pela qual entende como núcleo do design a interseção do artefacto com o utilizador enquanto pessoa que age”. Esta constitui uma proto-definição de design thinking, que alarga o campo de acção do designer bem para além do produto e antecipa uma área de actuação que se situaria agora aparentemente a montante deste. Em jeito de síntese, Tschimmel estabelece um território comum para as diferentes definições de design ao longo da sua história. Todas radicam “no projecto e na actividade criativa que dá origem a novas combinações materiais ou imateriais (artefactos)”. Vejamos agora que conceitos e definições encontra a autora para circunscrever o design thinking e enquadrá-lo a partir dos conceitos anteriormente descritos quanto ao design. Sintomaticamente, é a partir de um problema que a expressão design thinking toma forma, embora tal expressão fosse já usada em contexto de investigação da aprendizagem em Design (mas escrita em minúsculas, como realça a autora deste artigo). A partir dos anos noventa, a par com a evolução dos meios digitais (a que a autora não alude neste texto, nomeadamente o advento da Internet; dos computadores pessoais; do software de edição gráfica; entre outros avanços tecnológicos), a metodologia e métodos associados ao planeamento em Design são postos em causa. Katja Tschimmel desenha um cenário base para a investigação em design thinking:
“Contra todas as expectativas, o movimento metodológico do design tinha falhado na tentativa de melhorar a qualidade de planeamento e da configuração dos projectos de design através da aplicação de métodos racionais.”
Desta forma, o design e a sua metodologia – o acto de projectar de Daciano – é agora posto em causa e discutido em fóruns dedicados ao Pensamento do Design. Originalmente, as jornadas “Design Thinking Research Symposis” são promovidas pela Escola Superior Técnica de Delft (Holanda) a partir do trabalho de docência e investigação de Nigel Cross, Norbert Roozenburg e Kees Dorst, oriundos das áreas de design de engenharia e de produto. Este grupo defende a autonomia de uma forma de pensar no Design, “distinta do pensamento científico ou do quotidiano”, afirma Tschimmel. Esta nova abordagem ao processo criativo do design e às suas metodologias teria implicações profundas no processo de aprendizagem do designer e na sua prática individual e colectiva de trabalho.
5 É no entanto com Tim Brown que a expressão Design Thinking reclama as suas “maiúsculas”, lembra K. Tschimmel. Tim Brown é o influente Chief Executive Officer da IDEO, uma agência de design umbilicalmente ligada à Universidade de Stanford e autor do seminal “Change By Design: How Design Thinking Transforms Organizations and Inspires Innovation (2009)”. Livro e autor são hoje considerados uma referência incontornável por todos os que se interessam por este tema, designers ou não (sobretudo estes, como veremos adiante). O grande salto evolutivo no pensamento do design, nas suas implicações e aplicações, proposto por Tim Brown pode, de forma sumária, ser apresentado como a ascensão do Design para o patamar dos “processos e ferramentas que ajudam a melhorar, acelerar e visualizar todo o processo criativo […]”, segundo a autora. Mas o que realmente é disruptivo em relação aos conceitos anteriores é que desta vez estes processos e ferramentas não são de uso exclusivo dos designers, estando agora à disposição de outros profissionais e de outras áreas do saber. Para além da tutela do Design Thinking ser partilhada com outros profissionais, também a sua aplicação é agora aberta à resolução de outros problemas que não exclusivamente os tradicionalmente atribuídos ao design. Desta forma, as metodologias do design podem agora ser aplicadas na resolução de problemas de instituições e Estados, em modelos de negócio inovadores, em processos e serviços comuns, etc. Katja Tschimmel conclui esta pequena mas intensa história do pensamento do design resumindo a forma como hoje se olha para o potencial do Design Thinking, as suas múltiplas aplicações para a resolução das diversas problemáticas da vida humana e do planeta. Para a autora, os designers são, por definição e pela sua prática, todos design thinkers, “na medida em que aplicam nos seus processos criativos as ferramentas da metodologia projectual: desde as ferramentas de exploração, geração e visualização de ideias, até às ferramentas de comunicação do projecto e da sua materialização”. E quanto aos design thinkers, muitos não-designers, como nota Katja Tschimmel, é inequívoco hoje que podem fazer uso destas metodologias e processos de forma inovadora, eficaz e transformadora da sociedade. A autora ilustra esta ideia fazendo menção ao trabalho criativo do cozinheiro catalão Ferran Adrià, no restaurante El Bulli. Katja Tschimmel fecha este artigo com uma auto-interrogação. Será ela própria uma design thinker? Formada em Design Industrial, mas sem uma prática desta disciplina desde há dezoito anos, considera que as suas actividades neste período a classificam apropriadamente como uma design thinker, porque investiga as
6 metodologias e as aplica diariamente em palestras, workshops, aulas, em sessões de consultoria ou formação, em eventos por si concebidos e na facilitação de processos de inovação em organizações. Finaliza com a hipótese de poder ser classificada como designer de serviços ou de processos, remetendo essa avaliação e discussão para a segunda parte deste artigo, a publicar em próxima edição da revista PLI * ARTE & DESIGN. Muito se tem escrito nos últimos tempos sobre os novos papéis do design e as novas atribuições de designers e não-designers. Um recente manifesto de Donald Norman tem agitado as águas, já de si turbulentas, desta discussão. O texto é titulado “DesignX”2 e propõe sucintamente um papel catalisador para os designers, o de facilitadores em equipas que integram todas as disciplinas relevantes para a resolução de problemas que são cada vez mais complexos e que, segundo Norman, requerem soluções complexas. Estas equipas têm de ser centradas nos problemas e devem trabalhar colaborativamente, trazendo para a mesa todas as suas competências, aplicando metodologias de Design Thinking para a obtenção das mais eficazes soluções para estes problemas. Há poucas semanas, Tim Brown propunha cinco novas profissões para o design no século XXI3, a saber: o designer-programador; o designer-empreendedor; o designer híbrido investigador; o designer de negócios e o designer de inovação social. Depois de enumerar estas cinco novas posições para os designers, as últimas linhas deste texto, deixavam a porta aberta para leituras ainda mais abrangentes do que pode vir a ser a profissão de designer num futuro imediatamente próximo:
These are just a handful of exciting new design careers I’ve witnessed as of late. Given the urgent, complex challenges our world faces, expect more. Better yet, if you’re a young graduate or looking to change careers, ask yourself: How might I apply my unique talents to design challenges? Who knows, maybe next year, I might be writing about you. What other unlikely skill sets do you think could advance design innovation?
2
Norman, D. 2014. DesignX. Don Norman: Designing For People. Disponível em: http:// www.jnd.org/dn.mss/designx_a_future_pa.html 3
Brown, Tim. 2014. 5 New Design Careers for the 21st Century. Designthinking.ideo.com Disponível em http://designthinking.ideo.com/?p=1386
7 Uma das mais regulares e consistentes dificuldades dos designers reside exactamente na eleição de um discurso próprio que coloque o designer no centro dos poderes de decisão (“os designers devem chegar à mesa da administração”, para lembrar uma outra ideia de Tim Brown). A emergência do Design Thinking tem encontrado desconfianças e mesmo a repulsa de muitos dos agentes do Design, do mercado de trabalho à Academia, o que não surpreende se deste artigo da Katja Tschimmel e de todos os autores citados e envolvidos nesta discussão global se extrair uma eventual nova realidade e/ou interrogação: vai o design transformar-se numa competência básica dos humanos, tal como o foram a leitura e a escrita e hoje o domínio elementar das ferramentas digitais de edição? A nova iliteracia consistirá em não dominar as ferramentas, métodos e metodologias do Design Thinking? Posto isto, seremos todos designers, num futuro incrivelmente próximo?
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