RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO INSTITUTO JURÍDICO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO, DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS INTERNACIONAIS

September 19, 2017 | Autor: João Marcon | Categoria: International Human Rights Law
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RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO INSTITUTO JURÍDICO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO, DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS INTERNACIONAIS

João Paulo Falavinha Marcon

RESUMO

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal Brasileiro reconheceu validade jurídica à união homoafetiva. A proposta do presente artigo é analisar os fundamentos desta decisão, com base nos valores e princípios norteadores do Estado de Direito Brasileiro contemporâneo, bem como traçando um paralelo com algumas políticas e normas internacionais, especialmente, a Declaração Internacional sobre o Direito ao Desenvolvimento, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 1986.

Palavras-chave: STF. ONU. Homoafetividade. Direito Humano. Desenvolvimento.

ABSTRACT

In 2011, the Brazilian Supreme Federal Court recognized juridical validity to homosexual union. The proposal of this article is to analyze the fundaments of the decision, based on the values and principles guiding contemporary Brazilian State of Law, as well as making a comparison with some international policies and rules, specially, the International Declaration of Development´s Right, approved by UN´s General Assembly, in 1986.

Key-words: SFC. UN. Homosexuality. Human Right. Development.

1 INTRODUÇÃO

Relações afetivas estabelecidas entre pessoas de mesmo sexo, há séculos, têm sido objeto de discussões, controvérsias e debates, em todas as esferas sociais. O histórico de repressão a essa modalidade de relacionamento é farto, bastando citar exemplos remissivos à Idade Média, 

Advogado, Graduado em Direito pela Unicuritiba, Especialista em Direito Internacional e Negócios Internacionais, Mestrando em Ciência Política na UFPR, Pesquisador do Núcleo de Estudos em Relações Internacionais – NEPRI, Membro da Comissão de Direito Internacional da OAB∕PR.

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Inquisição, Nazismo, dentre outros. Esta prática discriminatória deixou marcas ao longo dos tempos, bem como uma herança que se perpetua na atualidade, a exemplo de sociedades extremistas, nas quais o enlace entre pessoas de mesmo gênero é constituído crime e, via de consequência, punido com sanções que, muitas vezes, incluem pena de morte, como se vê em alguns países africanos e em diversos de cultura judaica. Porém, como também se pode inferir de análises históricas efetuadas sobre variadas sociedades, um elemento parece ser inerente à própria essência do “ser humano” e, consequentemente, mostra-se presente de forma reiterada na realidade social: a contestação. Esta, uma vez entendida como sendo os movimentos perpetrados pelo homem (no sentido mais amplo do termo) contra regras estabelecidas pelos possuidores de autoridade para tanto ou, até mesmo, contra seus próprios pares nas relações interpessoais corriqueiras. Assim, não poderia deixar de ser na esfera da homoafetividade. Nesse sentido, acompanhando o processo histórico de tentativas constantes de supressão de relacionamentos homem∕homem e mulher∕mulher, deflagaram-se diversos movimentos oponentes, visando a salvaguardar o que se entendia, por este grupo, como um direito legítimo do ser humano, a par de tantos outros. Tal movimentação social nesse sentido tem sido mais evidente em anos recentes, em decorrência da emergência de sociedades democráticas, as quais carregam, em sua constituição, elementos viabilizadores da aceitação dos citados relacionamentos. Ademais, por força da globalização, do desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação (internet, redes sociais, novas mídias etc.), do maior e mais intenso intercâmbio entre países e culturas, das trocas de informações e dados, vários valores e princípios passaram a ser “mundializados” e, destarte, os atores internacionais, especialmente os Estados soberanos, começaram a adotar e implementar políticas, internamente, buscando, a uma, homogeneizar entendimentos e procedimentos com demais países; a duas, inserir-se no sistema global de acordo com as regras deste (expressas e tácitas), até para adquirir poder de barganha; a três, para dar aos seus cidadãos o que eles esperam, sob pena de não reconhecimento da autoridade governamental e legitimidade do regime. Dentro dessa perspectiva, muitos documentos foram e continuam a ser produzidos, internacionalmente, visando à defesa de direitos da pessoa humana, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, em imediata resposta às atrocidades cometidas nos períodos das Grandes Guerras, e a Declaração Internacional sobre o Direito ao Desenvolvimento, datada de 1986, por aquela mesma instituição. Logo, tendo em vista a importância que se atribui a ela, faz-se necessário que Estados Nacionais busquem seguir as orientações da Organização, de maneira a se ajustarem aos padrões internacionais, uma vez desejando “pertencer ao sistema”. 2

O Brasil, por sua vez, em um movimento iniciado na metade do século XX – a exemplo de sua participação na tentativa de desenvolvimento da Liga das Nações – e, mais notadamente, a partir do governo Fernando Henrique Cardoso (1995), buscou maior inserção mundial, compreendendo, como já fora dito, a necessidade de conformação às “regras do jogo”. Ao lado disso, a reforma democrática constitucional procedida em 1988 possibilitou a construção de alicerces para o desenvolvimento de determinadas políticas públicas e direitos sociais e civis que, há muito, urgiam. Nesse viés, em resposta à intensa e longa demanda de alguns setores da sociedade brasileira, pelo reconhecimento da validade jurídica de relacionamentos homoafetivos, é que o Supremo Tribunal Federal, em 2011, proferiu uma decisão neste sentido, dando, deste modo, a prestação jurisdicional que lhe era pedida. Este acórdão será objeto de análise no decorrer do presente artigo, trazendo à baila aspectos jurídicos, axiológicos, sociológicos, bem como será cotejado com políticas internacionais atinentes ao tema, especialmente a Declaração Internacional sobre o Direito ao Desenvolvimento, supramencionada.

2 DESENVOLVIMENTO Em 05∕05∕2011, o Supremo Tribunal Federal Brasileiro, “guardião da Constituição”, nos próprios termos desta (art. 102, caput)1, julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132-RJ conjuntamente com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277-DF, em decorrência da convergência de objetos, reconhecendo validade jurídica a uniões homoafetivas. Tal decisão foi pioneira e marcante no ordenamento jurídico pátrio, bem assim na sociedade como um todo. Ainda, ao deferirem a procedência das ações – ou seja, ao acatarem os pedidos autorais – os julgadores atribuíram, ao resultado, eficácia erga omnes (quando os efeitos atingem todos os indivíduos de uma determinada população ou membros de uma organização, para o direito nacional) e efeito vinculante (é aquele pelo qual a decisão tomada por um tribunal em determinado processo passa a valer para os demais que discutam questão idêntica. No STF, a decisão tomada em Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade ou na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental possui tal efeito, ou seja, deve ser aplicada a todos os casos sobre o mesmo tema). Há décadas, cidadãos componentes da camada social denominada GLBT (acrônimo para gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros), apoiados por “simpatizantes”, pleiteavam o devido 1

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe (...)”

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reconhecimento jurídico às uniões entre eles assumidas, nos mesmos moldes das associações afetivas formadas por casais heterossexuais, todavia, sem obtenção de algum resultado concreto. Eis que, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, solidariamente com outros interessados, ajuizaram as ações cujo resultado ora se analisa, alegando, em síntese: I- que interpretações de artigos constantes no Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro reduziam direitos de indivíduos homossexuais; II- negação de direitos a uniões homoafetivas. Nas razões de decidir, o Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, famoso por sua visão humanista ao apreciar os casos que lhe incumbem, entendeu pela impossibilidade de discriminação de pessoas em razão do sexo, tanto na tradicional relação homem∕mulher, como na esfera privada de orientação de qualquer deles. Esta vedação seria uma decorrência do “constitucionalismo fraternal” (ACÓRDÃO, p. 2) eleito pelo legislador constituinte originário, que se caracteriza como sendo a etapa derradeira do constitucionalismo na humanidade e cujo cerne reside no primado da solidariedade∕fraternidade, enquanto valor a ser perseguido2. Ainda, como diz MACHADO (2012, p. 1): A fraternidade é reconhecida, em geral, como objeto da filosofia ou mesmo da política, mas não como categoria jurídica. No entanto, a fraternidade – enquanto valor – já vem sendo proclamada em Constituições modernas, ao lado de outras categorias historicamente consagradas, como a igualdade e a liberdade. Estudar-se-á o princípio da fraternidade partindo do reconhecimento da igualdade de dignidade entre todos os seres humanos, tendo como objeto de investigação as Declarações de Direitos e determinados documentos constitucionais do continente europeu (Portugal e Itália). Analisar-se-á a Constituição brasileira de 1988, para ao final concluir que em alguns ordenamentos jurídicos contemporâneos a fraternidade não é somente um valor de natureza puramente religiosa – apesar de no Cristianismo encontrar a sua gênese – ou de ideologia política, mas uma categoria constitucional, ponto de equilíbrio entre a liberdade e a igualdade. Nessa linha de abordagem será apresentada a evolução do constitucionalismo moderno, passando pelo Estado Liberal, pelo Estado Social até atingir a fase atual, denominada de Constitucionalismo Fraternal.

Também destacou-se o “pluralismo” como elemento norteador da estrutura constitucional e, portanto, normativa e social: “homenagem ao pluralismo como valor sócio-político-cultural” (ACÓRDÃO, p. 2). O termo deve ser compreendido como o reconhecimento e a valorização da diversidade. Assim, todos os indivíduos teriam assegurado liberdade para disporem da própria sexualidade porquanto isso se enquadraria na categoria de direitos fundamentais, representando, ademais, uma expressão da autonomia da vontade. Em assim sendo, constituir-se-iam em cláusulas pétreas, logo, impossíveis de serem abolidos pela legislação ordinária, somente por reforma constitucional superveniente. Prosseguindo em sua fundamentação, o Ilustre Ministro Ayres Britto ressaltou que o sexo das pessoas, em momento e∕ou situação alguma, salvo disposição constitucional expressa ou tácita 2

http://www.unit.br/not%C3%ADcias_principais/vw/1/itemid/5012.aspx?skinsrc=[g]skins%2F[unit]noticias%2Fnoticias principal. Acesso em 12∕11∕2012.

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em sentido contrário, pode ser utilizado como fator de diverso tratamento jurídico. Entender de modo oposto seria incidir em afronta ao disposto no art. 3º, inciso IV da Carta Magna: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (...) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Outro ponto, por ele destacado, foi a opção do legislador constituinte pela denominada “norma geral negativa kelseniana”, a qual afirma que “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, estará juridicamente permitido”. Portanto, uma vez que inexiste qualquer vedação constitucional, expressa ou tácita, à união de pessoas de mesmo sexo, tampouco qualquer regra que ordene o necessário e exclusivo relacionamento homem∕mulher, carecem fundamentos normativos para fazêlo. Outra razão de decidir exposada pelo Eminente Julgador respeita ao reconhecimento da liberdade individual, de cada um, de seguir a orientação que melhor lhe aprouver, como uma forma de exercício do direito da dignidade da pessoa humana, na busca pela felicidade, o que deve ser garantido pelo Estado e pela prestação jurisdicional. Inovação relevante no trato do assunto constitui-se na medida em que o Ministro abordou o conceito de “família”, o qual, tradicionalmente, era visto como sinônimo de relacionamento estável entre homem e mulher. Porém, restou considerado no julgamento do caso de forma bastante diversa a este legado de entendimento. A Casa de Justiça considerou que a Carta Cidadã de 1988, ao abordar o tema, “não empresta ao substantivo nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. A família como categoria sócio-cultural e princípio espiritual. Direito subjetivo de constituir família. Interpretação não-reducionista” (ACÓRDÃO, p. 3). Aqui se encontra o cerne da nova maneira de se analisar o conceito de “família”, pois se considerou que a proteção, que a ela o Estado deve conferir, na própria letra da lei (CF, art. 226 caput3), deve ser compreendida como um “núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa” (ACÓRDÃO, p. 3).

A visão acima reproduzida muito se difere do que, costumeiramente, vê-se espraiado na sociedade como sendo o conceito “aceitável” e, em determinadas esferas, ideologias e doutrinas, o “obrigatório” – haja vista algumas visões religiosas e heranças machistas fortemente arraigadas. Na nova leitura, uma forma de se garantir, materialmente, a igualdade de direitos e tratamentos assegurada constitucionalmente, entre pares hetero e homoafetivos, seria perceptível mediante viabilização não só da constituição, mas também do reconhecimento da entidade familiar homo. Ademais, entenderam, os Ministros do Pretório Excelso, que não se deve interpretar, de modo reducionista, o conceito do termo “família”, como outrora citado, de modo a limitá-lo à noção de 3

“Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”

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“casamento civil”, devendo ser entendido, extensivamente, como a união estável e duradoura entre duas pessoas, visando à constituição de um núcleo afetivo, independente do sexo destas. Isso como uma decorrência imperiosa do acolhimento constitucional do “pluralismo”, reitere-se, do primado da diversidade humana e social. Outro ponto destacado foi o entendimento dos legisladores constituintes originários no sentido de que não se deve proibir indivíduos de nada, salvo “em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos” (ACÓRDÃO, p. 4-5). Logo, percebe-se a inexistência de fundamentos legais para o tratamento diferenciado entre os dois grupos sociais. Ao par do embasamento trazido até o presente momento, pelos Ministros da Corte Suprema, ainda usou-se, como causa justificadora da equiparação de tratamento entre relações homem∕mulher, homem∕homem e mulher∕mulher, o preceituado no Texto Maior, art. 5º, §2º, o qual ora se reproduz: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Da simples leitura da primeira parte do parágrafo retro, infere-se, claramente, a defesa constitucional de direitos e garantias que, a despeito de não se encontrarem expressos nas suas disposições, devem ser, necessariamente, amparados, por força do regime e princípios estruturadores da República Federativa Brasileira, tais como alguns já elencados (pluralismo, fraternidade, solidariedade), como tantos outros, conjuntamente com os encontrados na letra da lei (igualdade,

liberdade,

dignidade

da

pessoa

humana,

segurança

jurídica,

razoabilidade∕proporcionalidade). Em outro momento da análise, atendo-se, agora, à segunda parte do dispositivo normativo, vislumbra-se a previsão constitucional de acolhimento de princípios e garantias constantes de documentos internacionais dos quais o Estado Brasileiro seja parte e que se coadunem com o todo do ordenamento jurídico pátrio. Aqui se constata aplicação do método teleológico de interpretação constitucional, que pode ser caracterizado da seguinte maneira: O método teleológico busca o fim do preceito normativo, para a partir dele determinar o seu sentido e alcance. Baseia-se na investigação da ratio legis – razão ou motivo que justifica e fundamenta o preceito. Essa razão ou motivo diz respeito à criação da norma, residindo na própria necessidade humana que esta visa amparar, ou seja, na sua finalidade prática. Há que se ter um motivo, uma justificativa, para a criação da norma jurídica, e é este motivo que vai possibilitar a revelação do seu verdadeiro sentido e alcance. Em uma linguagem mais objetiva, podemos dizer que a interpretação teleológica consiste na perquirição do “para quê” da norma jurídica, isto é, o fim a que ela se destina. (LIMA, p. 82)

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Logo, constata-se a admissão, no conjunto de preceitos jurídicos nacionais, de disposições constantes em documentos alienígenas, uma vez compatíveis com o ordenamento interno. Nesse sentido,

enquadra-se,

perfeitamente,

a

Declaração

Internacional

sobre

o

Direito

ao

Desenvolvimento, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 1986. Em suas considerações iniciais, o documento faz remissão explícita aos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas “relativas à realização da cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e encorajar o respeito aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. Da simples leitura, inferem-se as semelhanças entre essas palavras e o que preceitua e busca a Constituição Federal Brasileira de 1988. No desenvolvimento da Declaração, consigna-se que as disposições relativas à salvaguarda dos Direitos Humanos deve privilegiar o desenvolvimento de uma ordem mundial – e social – que busque a realização plena das garantias e liberdade individuais. Cotejando-se essa premissa ao que fora dito acima acerca dos valores e propósitos constitucionais da República Federativa Brasileira, constata-se forte similaridade de pontos de vista e percepções sócio-político-culturais, o que demonstra marcante sintonia entre o ordenamento interno do país latino-americano e do seu contemporâneo internacional. E, um aspecto que salta aos olhos, reiteradamente, da análise daquele documento, é a intensa e real preocupação que os Estados Nacionais comprometam-se, efetivamente, com o “desenvolvimento integral do ser humano” (DECLARAÇÃO, p. 1), indistintamente e em todas as esferas das necessidades individuais. Aqui se percebe o diálogo entre as razões de decidir ventiladas, pelos Ministros Julgadores do Supremo Tribunal Federal, da ação relativa ao reconhecimento da união homoafetiva como instituto jurídico e as premissas constantes na Declaração Internacional que ora se destrincha, sejam implícitas e∕ou expressas, a exemplo das que seguem: “Atenta à obrigação dos Estados sob a Carta de promover o respeito e a observância universais aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de qualquer natureza, tal como de raça, cor, língua, sexo, religião, política ou outra opinião nacional ou social, propriedade, nascimento ou outro status” (idem, p. 1). Outra semelhança a ser apontada entre a posição da Declaração e a dos Eminentes Julgadores, resta no entendimento destes de que, como já visto, há “Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos” (ACÓRDÃO, p. 4-5) e a previsão da primeira de que “o respeito e o gozo de certos direitos humanos e liberdades fundamentais não podem justificar a negação de outros direitos humanos e liberdades fundamentais” (DECLARAÇÃO, p. 2). Isso posto, clara a similitude de entendimento e posicionamentos, o que demonstra estar, não somente o ordenamento endógeno pátrio brasileiro, 7

mas também os interpretadores e aplicadores de seus preceitos, em sintonia com a sistematização internacional e com as realidades e necessidades sociais contemporâneas prementes. A elevação do ser humano ao pilar mais alto de importância no conjunto dos elementos constituintes da sociedade, é muito presente e enfatizado na Declaração, como pode ser visto no seguinte dispositivo: “Reconhecendo que a pessoa humana é o sujeito central do processo de desenvolvimento e que essa política de desenvolvimento deveria assim fazer do ser humano o principal participante e beneficiário do desenvolvimento” (DECLARAÇÃO, p. 2). Percebe-se o cuidado para que as nações como um todo, ao investirem no seu progresso, tanto econômico, político, financeiro etc., primem pela evolução da pessoa humana, em sua totalidade, não deixando que os outros elementos preponderem, como a História já demonstrou. E isso perpassa pela criação de condições permissivas do desenvolvimento individual em sua integralidade, o que inclui, evidentemente, a possibilidade de pessoas componentes de relacionamentos homoafetivos gozarem deles em sua plenitude, sem discriminação. Ao lado do que se tem exposto, o Documento Internacional é enfático e contundente quanto à obrigação dos Estados de desenvolverem condições propícias ao desenvolvimento dos povos e indivíduos, constituindo, tal prerrogativa, uma de suas responsabilidades primárias. Trazendo essa ideia à estrutura prevista no regime político brasileiro, bem assim em sua arquitetura constitucional, tem-se que uma das diversas funções estatais é a prestação jurisdicional, a ser implementada pelo Poder Judiciário. Nesse caminho, pode-se afirmar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o caso supra referido, do modo que o fez, atendeu à previsão da Declaração, assegurando, primeiramente, aos pares homoafetivos, seu concreto desenvolvimento. Quanto a este “ônus” estatal, ainda, pode-se incluir o disposto no artigo 2º, §3º desta: Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e significativa, e no desenvolvimento e na distribuição equitativa dos benefícios daí resultantes. (DECLARAÇÃO, p. 3)

Dando continuidade à leitura das disposições do documento da Organização das Nações Unidas, reza seu artigo 2º, §1º: “A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento” (DECLARAÇÃO, p. 2). Mais uma vez, percebe-se paralelismo entre seus dispositivos e a ação judicial que ora se estuda porquanto, a uma, quem deu início à esta, exercendo, assim, seus direitos individuais, foram os membros da classe GLBT, apoiados pelos simpatizantes da causa (“participante ativo”). E, a duas, porque foram, eles próprios, os destinatários da decisão, logo, os “beneficiários” do direito de se desenvolverem plenamente. No caso específico, referentemente à esfera afetiva de suas vidas.

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A Declaração Internacional sobre o Direito ao Desenvolvimento finaliza suas disposições postulando, no seu artigo 10º: “Os Estados deverão tomar medidas para assegurar o pleno exercício e o fortalecimento progressivo do direito ao desenvolvimento, incluindo a formulação, adoção e implementação de políticas, medidas legislativas e outras, em níveis nacional e internacional” (DECLARAÇÃO, p. 4). Mais uma vez, vê-se clara menção à responsabilidade estatal de desenvolver e aplicar políticas sociais, legal e judicialmente, que garantam o pleno exercício dos direitos humanos, indistintamente, dentre os quais se inclui o dos casais homoafetivos desenvolverem seus relacionamentos, de modo pleno.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fato inconteste na história da humanidade é a existência de relacionamentos afetivos. De acordo com valores, princípios, doutrinas religiosas, culturas e outros elementos, as diversas sociedades existentes no globo tratam o assunto da forma que entendem ser mais apropriada. Com a maior proximidade entre os povos, trazida como decorrência da evolução humana e dos instrumentos que servem ao homem para lhe trazer mais benefícios, houve aumento no intercâmbio de informações e visões de mundo, o que se verifica hodiernamente. Nesse sentido, conscientes de tal interconexão, bem como das vantagens e necessidades de uniformização de determinadas regras e princípios, vários países têm buscado, há décadas, moldar suas políticas internas, nas esferas executiva, legislativa e judiciária. Assim é que, dentre os diversos assuntos que têm sido tratados de modo relevante, inclusive por organismos internacionais representantes de Estados Soberanos, incluem-se os direitos humanos. Sua abordagem, de forma mais detida, bem como com a importância que lhe é devida, cresceu no período Pós-Grandes Guerras Mundiais, haja vista as atrocidades nele cometidas, e tem mantido este movimento até os dias atuais, em especial como um efeito da implantação de valores democráticos em mais nações. Nesse viés, um dos documentos elaborados com vistas a aperfeiçoar o trato da questão, é a Declaração Internacional sobre o Direito ao Desenvolvimento, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 1986. Ela traz, em seu bojo, diversos preceitos (normas e princípios) a serem valorizados, objetivados e implementados pelos Estados Nacionais a fim de se desenvolverem plenamente. Todavia, sua grande inovação é a elevação do ser humano ao patamar mais alto de importância na esfera social, devendo poder se desenvolver em sua plenitude, tendo, aqueles, responsabilidade pela criação das condições necessárias para tanto. 9

O Brasil, que há mais meio século tem adquirido relevância perante seus pares internacionais, assim como tem se esmerado para ser reconhecido, também tem buscado coordenarse com as realidades contemporâneas globais. Destarte, atento e consciente da importância de valorização dos direitos da pessoa humana, em sua acepção mais ampla, o país latino-americano desenvolveu, com o passar do tempo, diversas políticas buscando este fim, sendo, seu ápice, materializado na Constituição Federal de 1988, ora vigente, a qual primou pela defesa da democracia e do ser humano. Assim, seguindo as coordenadas elencadas pelos legisladores constituintes originários, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em 2011, julgaram procedente uma ação judicial que visava ao reconhecimento jurídico das uniões encetadas por indivíduos de mesmo sexo. Tal decisão revelou-se alinhada aos postulados constitucionais, às políticas internacionais de hoje, bem como aos pulsantes clamores, necessidades e realidade social internas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso 25∕07∕2012.

1988. em

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Adotada pela Resolução n.º 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986. Acesso em 25∕07∕2012. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 132 RIO DE JANEIRO. RELATOR: MIN. AYRES BRITTO. Julgamento em 05/05/2011. Acesso em 25∕07∕2012.

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