Redes sociais e participação política: quem participa

May 29, 2017 | Autor: Lucas Rohan | Categoria: Political Participation, Internet Studies, Online social networks
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Redes sociais e participação política: quem participa Lucas Rohan*

Introdução O estudo da participação política, originada e centrada nos Estados Unidos, aponta uma cisão entre dois tipos: participação individual e participação em rede. Há suficiente literatura que estuda os fatores de nível individual que levam à participação política, segundo o professor David E. Campbell, investigador da Universidade de Notre Dame, autor do artigo “Redes Sociais e Participação Política” (Social Networks and Political Participation, EUA, 2013), objeto da presente análise. No artigo, ele busca mostrar que essa divisão é uma “falsa dicotomia” e que, na verdade, os fatores individuais e coletivos se complementam para explicar quem participa. Na visão do investigador, toda a participação, mesmo que individual, tem um componente social. Também, por óbvio, mesmo que coletiva, a participação tem componentes individuais, pois as redes são formadas por indivíduos com características próprias. A oposição existente entre a Escola de Michigan, que foca seus estudos nos motivos de nível individual com bases na psicologia, e a Escola de Columbia, que estuda a participação a partir de fatores sociais com base na sociologia, não é aceita pelo professor Campbell. O autor afirma que, embora haja essa divisão pelos estudiosos, fatores individuais e sociais se complementam. Campbell busca entender a participação a nível individual e incorpora as mobilizações em rede para aprofundar o estudo dos fatores que levam as pessoas a expressar suas opiniões no processo democrático.

Redes sociais Para o estudo da participação política e dos motivos que levam os cidadãos a se envolver em atividades políticas entendemos redes sociais como redes de pessoas ligadas por interesses em comum e que está relacionada com a confiança. Falamos, aqui, de redes sociais off-line, mas sem ignorar a importância do surgimento das redes sociais on-line, que são ferramentas poderosas para potencializar o desenvolvimento de redes sociais. Anota-se que as redes sociais da internet, como Facebook, Twitter e tantas outras, não são a rede em si, mas sim um conjunto de ferramentas de tecnologias da informação e da comunicação que tem um poder extraordinário na formação de redes de pessoas.

*Supported by the Erasmus Mundus Action 2 Programme of the European Union

Estudiosa da análise das redes sociais da internet, a professora brasileira Raquel Recuerdo, no livro Redes Sociais da Internet (Brasil, 2009) define uma rede social como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; ou nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais).

Quem participa Para descobrir quem são os cidadãos mais propensos à participação política, Campbell defende a análise não a partir da separação entre fatores de nível individual e fatores de nível social, mas sim da união entre ambos. As características individuais de cada cidadão devem ser levadas em conta nos estudos, mas sem esquecer o contexto social no qual eles estão inseridos e as suas redes pessoais. Humans are social beings, enmeshed in complex webs of social interactions and interpersonal relationships. For political participation, as for many types of human behavior, social networks matter too. CAMPBELL, David. Social Networks and Political Participation. Notre Dame (EUA), 2013. Partindo desse entendimento, o professor Campbell analisa cada um dos “suspeitos usuais” – fatores geralmente citados como de nível individual que influenciam a participação política – e mostra que cada um deles, apesar de serem usualmente apontados como individuais, também têm um forte componente social. Esses fatores são, de acordo com o artigo base da presente análise, o nível de educação, a atividade religiosa, o fator de mobilização, o conhecimento político, a convicção e o sentimento de dever cívico. “To understand who participates scholars are wise to look

beyond individual-level characteristics, to the social contexts and personal networks in which we are all embedded.” CAMPBELL, David. Social Networks and Political Participation. Notre Dame (EUA), 2013. O estudo foi realizado nos Estados Unidos com base nas características democráticas daquele país. Por isso, pode ser difícil aplicar alguns desses “suspeitos usuais” a realidades diferentes do mundo desenvolvido e industrializado, do qual os Estados Unidos são o maior representante. De qualquer forma, a variação desses fatores em países com situações políticas e democráticas diferentes da norte-americana pode ser pequena. Assim, a lista dos “suspeitos usuais” usada por Campbell pode servir de base do estudo de participação política em outras situações tendo em conta que pequenas alterações de entendimento serão necessárias.

O fator “nível de educação”, que se refere à escolaridade e ao conhecimento dos cidadãos, é um consenso entre estudiosos. A educação é um fator cuja expansão na sociedade torna “muito provável” a elevação da participação e da atenção à política. Isto é, quanto maior o nível de escolaridade do indivíduo, maior a probabilidade de participação política. Esse fator, embora consenso, entra em conflito com a realidade atual. Estamos assistindo em várias partes do mundo uma queda na participação política em eleições democráticas ao mesmo tempo em que os níveis de educação da população estão aumentando. O artigo analisado não apresenta uma explicação para isso, mas o conhecimento empírico nos leva a crer que esse fenômeno tem a ver com a chamada “crise na democracia” que vivemos. Os cidadãos estão confiando menos nos políticos e nos sistemas e, quanto maior o seu grau de instrução, maior sua exigência. Isso pode, observo aqui, ajudar a explicar a queda da participação em alguns lugares. O fenômeno de desmobilização, visto muitas vezes como danoso à democracia, pode, na verdade, significar outra coisa. O ato de não participar da política é também uma forma de participação. Ou seja, quem não vota no dia das eleições ou não se envolve com as discussões políticas pelos mais variados motivos, também está querendo dizer alguma coisa. Não participar pode ser também uma forma de participar, passando uma mensagem de que não está de acordo com o sistema eleitoral, com a democracia atual ou com a oferta de representantes numa eleição específica. Nos Estados Unidos, berço do estudo aqui analisado, os fiéis são geralmente considerados “bons cidadãos”. Isso porque a “atividade religiosa” é considerada também um fator que influencia a participação política. Pessoas que participam de atividades religiosas em grupo, como cultos e missas, são mais propensas a se envolver em todas as formas de participação cívica e política. Aqui, nota-se a existência de redes sociais (a rede da igreja, da comunidade etc) como influenciador direto no despertar cívico dos cidadãos norteamericanos. A análise das atividades religiosas como fator que influencia a participação política pode ser retirada da realidade dos Estados Unidos e aplicada a outros países com mudanças no entendimento. No Brasil, por exemplo, grupos evangélicos costumam eleger com facilidade pastores como deputados. Não são raros os exemplos em que esses líderes religiosos ficam entre os que mais votos receberam, denunciando assim que os fiéis de sua igreja demonstraram forte pré-disposição a votar. Fator geralmente relacionado ao surgimento de movimentos sociais ou de causa, a mobilização é outra característica apontada como de nível individual que deve ser entendida também a partir de seu contexto social. Um indivíduo pode sentir-se instigado a participar da política por vontade própria (convicção, fator seguinte), mas também pode ser convidado a

participar de alguma atividade política por um terceiro. Aí entra a importância das redes pessoais. Esse terceiro pode ser uma organização, um amigo, um colega de trabalho ou até um familiar – relações de nível pessoal e afetiva não são tão eficazes na influência para a participação política quanto relações por proximidade de convicções. O fator convicção é um potente influenciador da participação. Partidários fortes participam mais na política do que as pessoas que são politicamente ambivalentes. Há uma forte ligação entre o conhecimento empírico e a participação política, o que mostra que quanto maior o nível de conhecimento do indivíduo sobre a conjuntura política, o funcionamento das instituições democráticas e a estrutura do governo, por exemplo, maiores são as chances dele se envolver. Campbell aponta, citando McClurg, que cidadãos cujas redes sociais são formadas por pessoas com maior "expertise" política acabam sendo mais propensos a participar da política. O último fator que influencia na participação tem a ver com o sentimento do dever de votar, algo ligado ao nível do exercício da cidadania pelos cidadãos. O chamado “dever cívico” pode ser muito presente na realidade norte-americana, mas aparece em menor grau em outras conjunturas. Apesar disso, a existência de uma norma social incentivando a atividade política não deve ser ignorada e, tal como se observa, além de individual, possui um forte componente social.

Conclusões Campbell conclui instigando os pesquisadores a avaliar os motivos que levam à participação política a partir dos motivos individuais e das redes sociais nas quais os indivíduos estão inseridos. Ele chama para a união das escolas de Columbia e Michigan, avaliando como muito bem sucedida a identificação de muitos fatores de nível individual que estão relacionados à participação nas pesquisas dos últimos sessenta anos. A existência de uma literatura substancial para explicar a relação desses fatores com a participação criou uma base firme que permite avançar para um próximo passo: a investigação a partir da dimensão social da participação política. Ao sugerir pesquisas que não concentrem-se apenas nas características individuais, Campbell chama a atenção para áreas de pesquisa latentes, como a inclusão das redes sociais on-line e seus efeitos na participação política.

Bibliografia de referência: CAMPBELL, David. Social Networks and Political Participation. Notre Dame (EUA), 2013.

Bibliografia adicional: RECUERDO, Raquel. Redes Sociais na internet. Porto Alegre (Brasil), 2009.

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