REDUÇÃO DO JORNALISMO CULTURAL AO JORNALISMO DE ARTE

May 23, 2017 | Autor: S. Jeremias Langa | Categoria: Jornalismo Cultural
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1o SEMINÁRIO DE JORNALISMO CULTURAL 2017 - MOÇAMBIQUE Arte, Património e Tecnologias de Informação e Comunicação REDUÇÃO DO JORNALISMO CULTURAL AO JORNALISMO DE ARTE: O equívoco entre Cultura e Arte Sérgio Jeremias Langa, MSc1 [email protected]

Introdução Não mencionar a França (século XVIII) 2 na contextualização das primeiras coberturas jornalísticas sobre Cultura seria, no mínimo, uma atitude arrogante senão ingrata. Depois deste país, dados a saber pelas narrativas que é o pai do cinema, as coberturas jornalísticas sobre Cultura espalharam-se pela Inglaterra e o Estados Unidos. Piza (2009:12) 3 refere que The Spectator4, lançada em 1711, é considerada a revista que deu o marco inicial do jornalismo cultural. As rubricas do The Spectator abordavam sobre moda, óperas, costumes, festivais de música, teatro, política, incluindo discussões que alimentavam a boca do povo. Embora a cobertura fosse maioritariamente composta por práticas artísticas, o designo era Jornalismo Cultural por integrar algo além da Arte (crenças, política, etc.), entretanto, para fazer jus à designação. Mais para frente, século XIX, a visão mercantilista que se implantou em quase todo o sistema universal, alicerçado à pressão capitalista, consolidou o Conceito de Indústrias Culturais. Uns por uma questão de respostas às suas agendas, outros por desconhecimento, limitaram-se a reduzir a Cultura às Artes. Relegaram a integração de outros elementos culturais como, por exemplo, a Religião, Etnicidade, Património para um futuro desconhecido. A Globalização, que não reúne escassos consensos e divide opiniões quanto ao seu lado benéfico, pode ser o motor de                                                                                                                 1

Mestre em Jornalismo e Estudos Editoriais; Licenciado em Meio ambiente e Desenvolvimento Comunitário, Comunicólogo, Designer de Comunicação; Docente e Pesquisador da Escola Superior de Jornalismo e do Instituto Superior de Comunicação e Imagem de Moçambique

2

PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2008.

3

PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. 3ªed. 2ªreimpressão. São Paulo: Contexto, 2009.

4

Revista lançada por Richard Steele (1672-1729) e Joseph Addison (1672-1719) na cidade de Londres, direccionada ao homem da cidade.

 

1  

uma aculturação exacerbada que pode estar a gerar promiscuidade na interpretação do significado de Cultura e Arte entre alguns comunicólogos. Claude Levis Strauss5 foi peremptório ao afirmar que nenhuma sociedade é culturalmente mais evoluída que outra. Strauss vê a Cultura como um sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana. Para este, a discussão que pode ser levantada é o Funcionalismo6. Dito isto, faz sentido que em África, precisamente em Moçambique, também haja um jornalismo que se interesse em cobrir Cultura por se tratar de algo presente em qualquer povo ao mesmo estágio de desenvolvimento como apregoou Strauss. Nos jornais moçambicanos é possível constatar rubricas que tratem somente do dia-a-dia das Artes no país. O desvio padrão dessas coberturas aponta somente para a Música; Literatura; Artes Plásticas e Teatro, à semelhança do que refere Rivera (2003:29-30)7 que o entendimento sobre Cultura pode apresentar problemas na hora da sua classificação, na medida em que, quando essa divisão envolve empresa jornalística, o conceito pode ser ampliado ou restringido de acordo com o campo de interesses das publicações. Sucede que o tratamento que o jornalismo cultural deu à Cultura na sua génese (integrar elementos além da Arte), não foi herdado por aqueles que começaram a praticar o jornalismo mais tarde. Passou-se a reduzir a Cultura somente na dimensão artística, um facto criticado por Basso (2006:2) ao afirmar que “se o Jornalismo Cultural se restringisse apenas a veiculação do gosto literário-artístico, deveria, então, ser tratado por Jornalismo de Artes”. O caso especifico de Moçambique. É neste diapasão que o presente artigo busca reflectir sobre as limitações dadas à Cultura no exercício do jornalismo, muito em particular, em Moçambique. Metodologicamente, a reflexão é baseada na análise de conteúdo (qualitativa) de dois principais jornais com periodicidade diária em Moçambique, NOTÍCIAS e OPAÍS. A amostra ou corpus analisa, num horizonte temporal de um mês (Fevereiro de 2017), cinco edições do espaço cultural dos dois jornais, de modo a compreender até que ponto a Cultura é tratada somente como Arte. A categoria seleccionada é a Tematização8. Socorre-se da Teoria do Agenda Setting para interpretar a relação que se estabelece entre os conteúdos e o relacionamento entre os órgãos de comunicação e os potenciais anunciantes nos espaços publicitários.

                                                                                                                5

Antropólogo e etnólogo francês, pai do estruturalismo.

6

Cada instituição exerce uma função específica na sociedade e o seu mau funcionamento significa um desregramento da própria sociedade

7

RIVERA, Jorge B. El Periodismo Cultural. Buenos Aires: Paidós, 2003.

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os temas abordados durante o período em análise

 

2  

Jornalismo, Cultura e Arte Avançar para um debate sem no entanto haver discernimento sobre as palavras-chave, indubitavelmente, remeter-nos-ia a uma aporia. Seria impossível pensar e, possivelmente, responder à colocação central desta reflexão sem trazer à ribalta o que se entende por Jornalismo, Cultura e Arte neste artigo. Para o efeito, descreve-se à partida uma breve contextualização histórica e seguidamente o conceito. No seu trabalho “estudo do jornalismo no século XX”, Traquina (2005)9 refere que foi por volta do século XIX juntamente com a expansão da imprensa que o jornalismo começou a expandir-se, tendo conquistado maior espaço no século XX, por conta do surgimento de novos meios de comunicação social como o Rádio e a Televisão. Para este, são muitos os factores sociais que colaboraram para a expansão do jornalismo porém dois são de destacar, (i) a escolarização da sociedade e (ii) o processo de urbanização que intensificou o crescimento de cidades. No século XIX ocorreram transformações sociais que ampliaram as elites tradicionais para um tecido letrado alargado. Sodré (1999) narra que, com a liberdade ganha por via da conquista de direitos fundamentais e da democracia, os jornais passaram a ser reconhecidos como um meio de denunciar as mazelas e injustiças sociais. Foi desse modo que o jornalismo passou a figurar como um aliado da democracia e a ser considerado como o Quarto Poder. Essa expansão, para Nelson Traquina, transformou o jornalismo em um negócio lucrativo e rentável. É por isso que Carlos Silva10 refere que, actualmente, o jornalismo de massa serve aos interesses do capitalismo e é praticado a fim de reproduzir comportamentos ao invés de somente informar a sociedade. E qual seria afinal a finalidade do jornalismo? A principal finalidade do jornalismo é fornecer aos cidadãos as informações de que necessitam para serem livres e se autogovernarem (...). A meta principal do jornalismo é contar a verdade de forma que as pessoas disponham de informação para sua própria independência.

(KOVACH, ROSENSTIEL, 2004:31-34)11

Depreende-se, entretanto, que Jornalismo é fornecer informação e não propaganda. É dar notícia como um produto subjectivamente baseado em factos e não opiniões. É não tratar a informação como mercadoria mas permitir que receptor se mantenha informado para seu próprio                                                                                                                 9

TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001

10

SILVA, Carlos Eduardo Lins da. O Adiantado da Hora. A influência Americana sobre o Jornalismo Brasileiro. São Paulo: Summus, 1991.

11

KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os Elementos do Jornalismo: O que os profissionais de jornalismo devem saber e o público exigir. Porto: Porto Editora, 2005

 

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benefício e colectivo. É não permitir que haja autocensura dada intimidade com as fontes, algo muito recorrente em coberturas de Cultura e Arte. O que seria efectivamente Cultura e Arte? Estes dois conceitos (Cultura e Arte) constituem o catecismo para a compreensão do tema em voga. Para a UNESCO, a Cultura confere ao ser humano a capacidade de reflectir sobre si mesmo: através da reflexão, o homem discerne valores e procura novas significações. Este é um conceito válido no âmbito da reflexão deste artigo todavia há que desfazer esta subjectividade trazendo uma posição mais profunda e pormenorizada. À luz de alguns autores que se devotam a pesquisa da Cultura, a percepção com a qual se fica é de este conceito ser vasto e um tanto ao quanto complexo sobretudo por existir, de acordo com Marconi e Presotto (2006:21-22)12, um escasso consenso entre estudiosos da área (mais de 100 definições), pois, engloba vários aspectos da vida dos grupos humanos, contudo, ajuda a entender os comportamentos sociais. Tendo em conta que o objectivo central do presente artigo não reside em discutir “esgotavelmente” o significado de Cultura mas de trazer o conceito à ribalta de modo a usa-lo como Termo de Referência (TOR), entretanto, invoca-se Tylor, um autor incontornável na discussão deste conceito, pois, foi o primeiro a conceituar Cultura conforme explica Roque de Barros Laraia13. No final do século XVIII e no princípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês Culture, que "tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade". (...) O conceito de Cultura, pelo menos como utilizado actualmente, foi portanto definido pela primeira vez por Tylor. A ideia de Cultura, com efeito, estava ganhando consistência talvez mesmo antes de John Locke (1632-1704)14.

(LARAIA, 2001:15-16) Portanto, depreende-se que, no conceito de Cultura, Tylor deu voz à aquilo que já era percepção popular. A Cultura passou a ser conceituada como todas as possibilidades de realização humana, um complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, o                                                                                                                 12

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia. Uma introdução, São Paulo: Atlas. 2006, 6ª edição.

13

LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, 14ª edição.

14

Tylor formalizou uma ideia que vinha crescendo na mente humana algo que foi frustradamente refutado por Locke, uma vez que as ideias prevalecem até hoje

 

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património, o parentesco, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade. Isto equivale a afirmar que Cultura é o quotidiano da humanidade. Mais do que ser mero receptor cultural, o Homem é acima de tudo um produtor cultural. A par disto, Laraia (2001) debruça-se sobre os elementos da Cultura, referindo-se ao conhecimentos, os saberes e as filosofias de vida para além das técnicas ou Artes e habilidades desenvolvidas colectivamente. Aqui, afirma-se que o âmago da Cultura reside basicamente em três elementos: 1 - as ideias (concepções mentais); 2 - as abstracções (capacidade de contemplar as ideias) e 3 - os comportamentos (modos de agir dos grupos humanos). Estes três elementos culturais influenciam a produção artística do indivíduo, inserido no meio social, mas para melhor compreensão é preciso buscar o conceito de Arte sobretudo na dimensão social, pois, entre a Arte e a sociedade estabelece-se uma relação de reciprocidade. Essa reciprocidade, na óptica de Pessoa (1994:55)15, traduz-se na função social instrutiva da Arte para o bem e para a verdade. Foi assim como pensou Read (1968), ao referir-se à crença dos gregos segundo a qual “a beleza é bondade moral”. Essa ideia da beleza como bondade moral da sociedade, descrita pelos gregos, remete à importância em associar a Ética à Estética que no século XIX foram consideradas inseparáveis por John Ruskin16 que olhou para a Beleza e a Bondade como a mesma coisa. Na verdade tudo isso visava a perfeição da vida do homem, ou seja, que ele fosse espiritualmente rico daí que a questão da estética tinha que ver com a formação do carácter do indivíduo inserido na sociedade, entretanto, esta era a principal função social da Arte. Para França (2009:3) a Arte é produto da actividade humana que expressa o espiritual, o divino, para o homem, aos seus sentidos. Para além de ser a expressão da livre racionalidade humana, a Arte é um fenómeno social que resulta do repertório cultural do artista. Isto leva a depreender que a Arte é um fragmento ou elemento da Cultura, uma subcultura. A Arte configura-se como transversal por ser atravessada por outras áreas de confluência. Embora na óptica de Pessoa (1994: 54) não se estabeleçam relações análogas entre a Arte e a Ciência, há questões que parecem transparecer a ideia de existir tal relação. Por exemplo, um poema que viola as noções morais, embora impressionante, é como um poema que viola a noção da verdade. Para este autor, os valores morais da Arte correspondem os seus valores epistemológicos. Pessoa justifica argumentando que “um poeta que canta elogiando o roubo não fará com isso um bom                                                                                                                 15

PESSOA, Fernando (1994), Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias. Lisboa: Ática;

16

FURIÓ, Vicenç (2000), Sociología del Arte. Madrid: Ediciones Cátedra;

 

5  

poema”, à semelhança daquele poeta moderno que canta que Sol dá volta à Terra também não fará bom poema, pois, a causa é falsa. Diante da abordagem acima, é justo depreender que seria contraproducente compreender o sentido do fundamento da génese da Arte sem no entanto invocar a Estética, Ética e Moral. Estas três últimas que compreendem a tradução fiel da função social instrutiva da Arte (o bem e a verdade). Depreende-se, também, que a linguagem artística pode assumir-se em ordem diversificada: plástica, sonora, imagética, cénica, literária, dentre outras, sendo a Cultura que fornece os mecanismos para tal produção ou criação artística. Constata-se que a Arte não é necessariamente voltada à epistemologia, ela se difere substancialmente da Ciência. A Arte tem que ver com a intuição, imaginação e produção de sensações, enquanto que a Ciência é voltada para a constatação eminentemente racional que se socorre do método de pesquisa para produzir conhecimento. Conclusivamente, não é papel da Arte criar leis, conceitos, paradigmas, a serem utilizadas por outros artistas como sucede com os movimentos que forçosamente procuram impor modelos artísticos que empurram o artista a padronizar a criação. Um contra-senso fatal para a própria Arte.

O equívoco entre Jornalismo Cultural e Jornalismo de Arte - Análise e interpretação Para melhor compreensão sobre a categoria dos conteúdos abordados na página cultural dos dois jornais em análise, NOTÍCIAS e OPAÍS, neste artigo, analisa-se a tabela única. A primeira coluna da tabela refere-se às datas das cinco edições (uma semana) dos dois jornais. As colunas da Tematização são referentes aos temas abordados na rubrica cultural de cada jornal, sendo as colunas da Categoria as que fazem referência às categorias culturais ou mesmo artísticas.

 

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Tabela única: Análise semanal da tematização das rubricas culturais do NOTÍCIAS e OPAÍS No Edição 06.02.2017 Segunda-feira

Tematização - NOTÍCIAS * Afinal “pandza” pode ser acompanhada por banda

Categoria Música

Tematização – OPAÍS

Categoria

* Gala de Prémios Vibratoques VODACOM

Música

* Amosse Mucavele lança “Geografia do olhar”

Literatura

* Filme “Afro Lisboa” abre ano cultural no ICMA

Cinema

* Zefrino Chilaúle mostra hoje suas “metamorfoses”

Artes Plásticas

* Bob Dylan lança um disco triplo Música

07.02.2017 Terça-feira

* Filme de Licínio Azevedo “Comboio de Sal e Açúcar” concorre a prémio no México. * Franco inicia ano com Metamorfoses”

Cinema

* Aumenta número de leitores na província de Nampula

Literatura

Artes Plásticas

* D´Manyissa leva jazz ao Venue Música

08.02.2017 Quarta-feira

* O comboio apitou mas sem marrabenta”

Música

* Amosse Mucavele estreia-se com livro “Geografia do Olhar”

Literatura

* Grupo 340 million actua no “Franco”

Música

09.02.2017 Quinta-feira

* “O Casal Palavraki” na Fundação Couto

Teatro

10.02.2017 Sexta-feira

* BRASIL: desfiles de Samba Música acontecem há 85 anos * O regresso do morto” publicado Literatura no Brasil

* “La La Land” iguala-se ao “Titanic” em número Cinema de nomeações aos Óscares * “Um dos problemas da nossa literatura é estar Literatura trancada num beco sem saída” – ENTREVISTA ao Adelino Timóteo

* “15 anos de uma tv que é Moçambique”

Música

* Quatro vozes numa língua cantam “Somos todos Moçambique”

Música

Katchoro apresenta “O casal Palavraki”

Teatro

* Cineasta moçambicano em destaque no FESTin

Cinema

Ariel de Bigault: “a voz da lusofonia” fala em Maputo

Cinema

* Filme Afro-Lisboa no arranque do ICMA

Cinema

Colectivo rastafári recorda vida e obra de Bob Marley

Música

* Beyonce processada por usar voz Música de cantor morto

Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados das cinco publicações

Fazendo um paralelismo entre a tabela única e o que se abordou na conceptualização, depreende-se que ambos diários, nas suas rubricas culturais, abordam somente matérias artísticas e relegam assuntos da Cultura, além da Arte, para outras rubricas. Tais assuntos (além da Arte)  

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são abordados ocasionalmente sem no entanto fazer-se uma conexão ou contextualização com a Cultura. Nas rubricas culturais dos dois jornais, a diversificação ocorre somente entre assuntos de Arte. Em apenas uma semana, os dois jornais publicaram nos seus espaços culturais 26 matérias referentes somente às Artes. 15 matérias para o jornal NOTÍCIAS e 11 para o OPAÍS. Do conjunto das publicações dos dois jornais, quase metade refere-se à Música. Sendo o resto distribuído entre Cinema, Literatura, Teatro e Artes Plásticas conforme se pode observar no gráfico único. Tabela única: Análise semanal da tematização das rubricas culturais do NOTÍCIAS e OPAÍS Percentagem semanal da Tematização das rubricas culturais do NOTÍCIAS e OPAÍS

4%   11%   19%  

44%  

22%  

Música   Cinema   Literatura   Artes  Plásticas   Teatro  

  Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados das cinco publicações

É, por exemplo, incompreensível que das poucas vezes em que se abordam questões de etnicidade - cerimónias como (i) ritos de iniciação, (ii) Kupahla, (iii) Lobolo, sejam tratadas fora da rubrica cultural. As questão da heroicidade têm sempre um tratamento político. Não se entende por que o Património, conjunto de bens reconhecidos pela sua importância cultural, também seja tratado fora do âmbito da Cultura. Dito isto, voltamos a pertinência no discernimento entre Cultura e Arte no Jornalismo moçambicano. É um equívoco grosseiro reduzir a Cultura à dimensão de práticas somente artísticas (Música, Literatura, Teatro e Artes Plásticas, Artes Cénicas, entre outras Artes) e negligenciar outros elementos culturais como Religião (crença), Património, Parentesco, etc. A Arte é somente um elemento que está contido na Cultura entretanto esta redução do conceito e sentido de Cultura na Imprensa moçambicana não tem somente que ver com o interesses dos

 

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órgãos de comunicação como afirma Rivera (2003:29-30)17 que o entendimento sobre Cultura pode apresentar problemas na hora da sua classificação, na medida em que, quando essa divisão envolve empresa jornalística, o conceito pode ser ampliado ou restringido de acordo com o campo de interesses das publicações. Este pode até ser um dos factores que leva os órgão de comunicação em Moçambique a atribuírem o mesmo conceito para Cultura e Arte nas suas publicações porém existe outro factor, o leigaço (desconhecimento). O profissional de comunicação que se dedica a cobrir Cultura, sem que seja necessariamente jornalista, é comummente leigo em lidar com matéria cultural e isso o leva a restringir-se em assuntos somente artísticos de domínio público como, por exemplo, Música, Literatura e Artes Plásticas. Esta forma equivocada de tratar assuntos de relativismo cultural na imprensa revela ausência de polivalência de capital cultural no jornalismo moçambicano maioritariamente feito pela juventude. Mata a utopia de emancipação social pela Cultura que reside no próprio jornalista. Mata, também, os feitos da vanguarda outrora tendo em conta que o desconhecimento sobre o que é Cultura no sentido lato pode levar o jornalista a omitir uma série de eventos culturais do passado que hoje poderiam ser usados como referência, para escrever a história cultural do país, ou mesmo para incentivar a leitura e a produção cultural tal como fez em vida a activista e jornalista cultural brasileira Patrícia Galvão18. Um dado que constitui indicador do equívoco entre Cultura e Arte no jornalismo moçambicano, é facto de assuntos culturais, que não sejam necessariamente Arte, serem inseridos pelo mesmo jornal em outras rubricas não relegadas a Cultura. Por exemplo, assuntos do Património, Parentesco, Religião, Crenças, por não serem do fórum artístico, são relegados para rubricas extrínsecos a Cultura. Basta ler jornal ou assistir programas dedicados a Cultura em qualquer televisão em Moçambique. Arte e Crítica A questão da Arte enquanto objectos de crítica é algo incomum em Moçambique. O pouco exercício crítico feito, afábil ou ácido, é relegado aos concursos e, ainda assim, somente a crítica musical e Dança são do conhecimento dos próprios fazedores de tais Artes. Isto sucede porque as características do concurso exigem a participação do público que comummente vota. Neste caso, a crítica funciona como factor de orientação para o voto daí que os próprios artistas                                                                                                                 17

RIVERA, Jorge B. El Periodismo Cultural. Buenos Aires: Paidós, 2003.

18

MELO, José Marques att all. Pensar e Comunicar América Latina. São Paulo. Intercom, Unesco, Umesp. 2013

 

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têm acesso à crítica. No caso específico das Artes Plásticas e Literatura, por exemplo, a crítica é do conhecimento exclusivo dos próprios críticos. Não existe uma plataforma disponível que permita o Artista Plástico aceder à crítica feita à sua obra de modo a melhorar seu performance. Este cenário, para além de “matar” o criador castigado pela afã em saber sobre sua criação mata a própria Arte. Um aspecto que distancia as possibilidades de emancipação social pela Cultura e Arte é o facto do público não ter acesso à crítica por via da imprensa. Isto equivale a dizer que os jornais deviam, à semelhança do que sucede com a política, abrir espaço para o exercício da crítica, ainda que sejam única plataforma para o efeito. Esta ausência de crítica não parece ser recente e isto confirma o que Mia Couto dissera há anos sobre a inexistência de crítica literária em Moçambique. Francisco Noa 19 , crítico literário, referiu-se a três dimensões da crítica na literatura: (i) a nível do comentário popular; (ii) a nível académico; e (iii) a nível do jornalismo cultural. Conforme pode-se depreender, ouvindo a voz de um dos maiores críticos da literatura moçambicana, o papel do exercício crítico literário assiste a todos, mas o do jornalista cultural, embora imprescindível, está ausente. O grande défice da intervenção do jornalista na crítica literária, por exemplo, reside em não haver quem recebe textos daqueles que se iniciam para produzirem comentários que poderão atingir um grande público que percebe menos ainda da coisa. As editoras seriam um parceiro ideal para a materialização desse projecto, aliás, algo que contribuiria bastante para melhorar os manuscritos que lhes chegam como proposta para publicação. Em outros quadrantes do mundo é comum encontrar revistas e jornais com profissionais que se detêm na crítica de Arte por área de especialidade (Música, Literatura, Teatro, etc), algo possível de se fazer rem Moçambique. O que, muitas vezes, leva o cidadão moçambicano a distanciar-se de certos eventos artísticos como, por exemplo, as artes plásticas é o modo elitista e selectivo como os principais intervenientes tratam tais eventos. Implantam a ideia de não ser algo para todos por isso são sempre os mesmos que frequentam tais espaços onde as obras ficam expostas. Pouco se leva a Arte à rua e isso conduz os cidadãos leigos no assunto a crerem que somente existem “três” artistas plásticos em Moçambique que sabem produzir obras. Isso é coadjuvado pela própria imprensa sobretudo a televisão que sempre que decide entrevistar alguém das Artes Plásticas “vê-se sem opções” e chama a mesma cara já bastante conhecida. Nos bastidores, os artistas plásticos resmungam por julgar injusto porém os mesmos confinam-se em galerias de elite e                                                                                                                 19

 

http://revistaliteratas.blogspot.com/2013/01/os-poetas-levarao-pelo-indico-poesia.html

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negligenciam a rua. Essa atitude, por ignorância ou não, leva a depreender que o artista plástico serve um segmento muito específico, a classe média. E, por não haver diversidade na apreciação da obra, o artista vê-se obrigado a negociar sua inspiração, tornando-se servil ao comprador. Passa produzir focado no destino (encomendas), fazendo papel de artesão, ignorando o sentido que o conceito de Arte oferece, a “expressão da livre racionalidade humana”. Qual seria o papel da academia para inverter a pirâmide? O ensino de Arte remete a uma aporia ou mesmo um contra-senso em si. Ninguém aprende a ser artista. A instrução da academia serve para aprimorar as técnicas de elaboração mas não necessariamente para criação. A Arte é um fenómeno social que resulta do repertório cultural do artista e é por isso que os naifes também fazem Arte e muito bem mesmo sem escola formal. Mais do que ensinar técnicas de elaboração, as academias de Arte devem instruir os seus a fazerem pesquisas nesse campo com recurso ao método. Isso permitiria que o país estivesse mais preparado para emancipação social pela Arte. Artista instruído estaria mais preparado para lidar com novas abordagens como, por exemplo, “as aporias da nova Arte” como apregoa Dionísio Bahule20 no seu artigo sobre o Kitsch e o nomadismo estético em Moçambique. No conceito de Arte, mais acima, esclarece-se que não é papel do artista e nem dos movimentos de vanguarda criar paradigmas de concepção de Arte porém temos em Moçambique uma “vanguarda de Arte Contemporânea” que à partida apresenta défice sobre os Termos de Referência de tal Contemporaneidade da Arte. Estes reduzem a obra de Arte ao espaço onde está exposto, ou seja, um lápis no chão torna-se Arte por estar no chão de uma galeria. Aqui sente-se a falta do papel do artista instruído. A academia de comunicação também tem um papel central na inversão piramidal do estágio das Artes. Discutir Artes não é algo leviano como as televisões, sobretudo, nos têm dado a entender. Uma abordagem conceptual da Arte e Cultura exige discernimento que só é possível ter com formação mas aí as universidades e Instituições de Ensino Superior (IES), que se propõem a ensinar comunicação, têm a espinhosa missão de revolucionar os programa dos cursos em termos temáticos. Observando os programas das diferentes IES, nos cursos de jornalismo e ciências da comunicação, depreende-se que não chega a existir um diferencial. Os aspirantes a jornalista não são espevitados pelo programa do curso, são estimulados pelo nome da escola.                                                                                                                 20

Filósofo e Historiador – https://www.academia.edu/31356772/O_KITSCH_E_O_NOMADISMO_EST%C3%89TICO_AS_APORIAS_DA_NOV A_ARTE_

 

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Seria vital que um aspirante se candidatasse pelo diferencial, ou seja, embora o jornalismo a nível de licenciatura seja generalista, as escolas deviam distinguir-se por áreas. Ter uma escola muito centrada para Comunicação e Cultura num sentido diversificado da própria Cultura; Comunicação e Artes num sentido diversificado das próprias Artes e não somente existirem pela catalogação como as públicas ECA21; ESJ22 e FCLCA23. E as outras escolas de jornalismo também fariam o mesmo com outras áreas. Por quê a Cultura devia merecer especial atenção? É pelo facto da Cultura abarcar em si múltiplas áreas (Religião, Património, Etnicidade, Parentesco, Artes). Algumas destas áreas já existem como curso em algumas universidades entretanto deviam ser deslocadas e inseridas em escolas criadas para formarem em matéria cultural com programas de ensino que respondam às exigências da actualidade no campo da comunicação. O caso particular das limitações dos principais actores na Literatura e nas Artes Plásticas Um apresentador de Televisão, Rádio ou mesmo jornalista de um órgão impresso, por limitação, chega a convidar um(a) escritor(a) por excelência para publicamente pedir que o autor fale da sua obra. Ora, somente um leigo ou incauto poderá não ver problema nisso mas, aos olhos de um não incauto, isso é extremamente grave. É suposto o entrevistador ler a obra antes, extrair pontos de pertinência para a conversa e fazer colocações muito objectivas sobre a obra. Qualquer escritor sentir-se-ia híper ridicularizado ao se ver num cenário em que deve contar oralmente, do princípio ao fim, o que escreveu no próprio livro. O normal seria relegar esse papel de interpretação a outrem, neste caso, ao próprio entrevistador. Ocorrem cenários em que o apresentador de Televisão ou Rádio, cegamente, trata as obras de um artista plástico por artesanato. Isso parece insignificante para leigos mas é significativamente mau para o próprio artista. Chame, por exemplo, Gemuce, Victor Sousa ou Ulisses de artesão e aguarda a resposta. Já dá para imaginar qual será. Outro lado das limitações é a incapacidade, por falta de pesquisa, de identificar réplicas e plágios em obras de Arte sobretudo as Instalações maioritariamente chamadas por “Arte Contemporânea” (outro problema por se debater). Há muito plágio inclusive de pinturas de artistas nacionais (exemplo de Roberto Chichorro) e internacionais (exemplo de Pablo Picasso e                                                                                                                 21

Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane

22

Escola Superior de Jornalismo

23

Faculdade de Ciências de Linguagem, Comunicação e Artes da Universidade Pedagógica

 

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Van Gogh). Antes de escreverem textos de vanglória ao artista, podem usar recursos tecnológicos para fazer uma análise comparativa de modo a identificar a possibilidade de plágio.

 

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Considerações finais Conclui-se esta reflexão referindo, primeiro, que há um atropelo aos conceitos de Cultura e Arte. Tal atropelo não é exclusivamente propositado. Por um lado, resulta da agenda institucional; limitação material e compromissos tácitos com os principais anunciantes do jornal e ou outros parceiros. Por outro lado, é consequência do leigaço, o desconhecimento por parte do jornalista que gera promiscuidade na abordagem de assuntos culturais. É preciso tratar a Cultura como área que abarcar em si múltiplas áreas. As questões como Parentesco, Heroicidade; Património; Etnicidade - Ritos de Iniciação; Kupahla, Lobolo e Religião/Crenças merecem espaço na rubrica cultural. Os jornalistas, nas suas coberturas, tem reduzido o espaço das publicações sobre Cultura à espaço somente de Arte. E dentro da Arte, tem reduzido a Arte à Música. As academias não devem ser somente de Artes. Devem incorporar a componente cultural de modo a adaptarem-se às exigências e o estágio actual da Cultura, aprimorando os programas de formação. Os Artistas devem deixar de etilizar a Arte, leva-la para o público que se retrair por julgar ser “assunto não para eles”. O mesmo deve suceder com a literatura. Os principais intervenientes no exercício cultural e artístico têm se furtado do exercício crítico. E do pouco exercício feito, quase toda crítica recai sobre a Música. A minúscula crítica feita as Artes Plástica, não chega ao conhecimento do próprio artista criticado. A crítica “morre” com o próprio crítico por inexistência de uma plataforma para o efeito. O exercício de denúncia de plágios em obras de Arte, quando feito pelos jornalistas culturais, terão maior impacto desejável, o desestímulo a tal prática a olhar pela sua posição de disseminadores de informação. Portanto, dar devida atenção a estas e outras questões aqui levantadas, pode encerrar todo um conjunto de problemas que acometem uma parte significativa do tecido que intervém na Cultura mas, em última análise, há necessidade de inserir outros elementos da Cultura (além da Arte) nos espaços culturais dos jornais de modo a fazer jus ao termo Cultura. Contrariamente, chamemos Jornalismo de Artes e não Jornalismo Cultural.

 

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